11.12.07

RIGOLETTO PÁTIO BAGATELA


Regresso a casa, perplexo, da estreia de Rigoletto, no nosso único teatro de ópera, agora sob a direcção artística do alemão Christoph Dammann e a direcção efectiva do senhor SEC, Mário Vieira de Carvalho. Rigoletto integra, com La Traviata e Il Trovatore, a trilogia das chamadas "óperas populares" de Verdi. Das três, o Rigoletto será porventura o trecho lírico mais dramático. O "prelúdio" anuncia melodicamente o que se vai passar. E o que se vai passar está centrado numa "maldição" e na figura do bobo da corte do Duque de Mântua. O resto é residual em relação ao pathos do referido bobo, Rigoletto. A encenação que o São Carlos estreou prima por ser simultaneamente alarve e analfabeta. É alarve porque "desloca" a tensão nuclear da ópera para lado nenhum, misturando tudo e todos num espaço que tanto pode ser um prostíbulo como o Pátio Bagatela, ali a Campolide. É alarve porque introduz interrupções inusitadas para mover peças do cenário, quebrando a "unidade" musical fundamental da obra. E é analfabeta porque, quem a "pensou", ignora o libreto original preferindo introduzir "novidades" como a incestuosa relação do assassino com a sua irmã, no final, ou provocando uma solução cénica contraditória entre o que se diz e o que se faz quando, por exemplo, Gilda "fala" de Madalena (no original, com pena dela - "mais uma enganada" - e, na encenação, com manifesto ódio, em tudo contrário ao libreto). Ao protagonista - não fixei um nome - falta-lhe o ar e, como aos restantes, falta-lhe o fundamental, a densidade dramática. O Duque de Mântua, já de si algo caricatural, é desgraçado pela figura presentemente em cena. Ninguém lhes terá mostrado um "dvd" com Renato Bruson, Nucci ou Alfredo Kraus? A Gilda, cantada por uma americana com um nome improvável, faz vocalmente o que pode, sem possuir um pingo de dotes histriónicos, como todos os outros, aliás. Até a nossa Elisete Bayan, noutra encarnação, safava-se melhor. Finalmente, a orquestra. Esta récita evidenciou como uma boa orquestra, sem um maestro à altura, pode rapidamente oscilar entre a fanfarra da Carris e uma modesta orquestra amadora de província. Este maestro - também não lhe fixei o nome - destruiu o pathos das notas verdianas sem pestanejar. Para primeiro exemplo da "era post- Paolo Pinamonti", a noite não podia ter corrido pior. O São Carlos - já bastava este novo estranho público de ópera - não precisava regressar ao possidónio depois de um momento por vezes discutível mas inegavelmente cosmopolita. Este Rigoletto não respeita a grandeza musical de Verdi. Este Rigoletto lembra um empadão temperado a caldos Knorr e servido em regime de fast-food. Não se recomenda.

7 comentários:

CMF disse...

Nada que não se esperasse...

Anónimo disse...

Para arraso,é um senhor arraso. Não irei verificar,porque para mim não há Rigolettos depois do Gobbi.É uma limitação,mas é assim.

Anónimo disse...

Será que as críticas são genuínas ou....há por aqui "mãozinha de pinamonti"??? Não consigo ler críticas isentas!!!!

João Gonçalves disse...

Aqui só há uma "mãozinha": a minha.

Anónimo disse...

«já bastava este novo estranho público de ópera»: como o compreendo... Pagam o bilhete e tudo, veja-se bem o disparate, não é? Os (soit disant) «cosmopolitas» não pagam, claro: vão pª os camarotes dos amigos sabiamente «empoleirados» - foi aí que o vi n'«A valquíria», por exº, e assim contribuem, à sua maneira e à custa do dinheiro dos outros, pª o desenvolvimento da arte nos outros países pª ondem olham embasbacados. Como se fossem «cosmopolitas» pelo ódio que têm ao provinciano que o espelho lhes devolve todas as manhãs... Um Santo Natal pª si e que o mundo o trate bem todos os dias.

Anónimo disse...

A dor de cotovelo se bem que muito porteguezinha, é tão feia...alguém por favor convide a Gigi, para se estrear num camarote

Anónimo disse...

Caro Sr.João Gonçalves

Sou uma aluna de canto de 17 anos e vou regularmente à ópera. Encontrei o seu blog "por aqui" e devo dizer que o acho bastante interessante. Quanto ao Rigoletto, a sua crítica é perfeita. Já fui assistir a imensas óperas e quando assisti a este pseudoRigoletto fiquei atónita. Nunca vi tal coisa, tanto que no fim da récita fiz o que achei que deveria ser justo-gritei "boo" imensas vezes, saindo lá frustrada por ter lá gasto 30€, quando podia comprar outra coisa (lol) . Posso ter sido rude, mas não resisti a vaiar tão péssima produção. Agora que o Pinamonti se foi embora, já não há Dimitra Theodossiou para ninguém. E "dirigentes de matriz estalinista"
só pioram a coisa...e de que maneira.