31.1.07

DOMINGO


Uma vez, numa entrevista, Teresa Berganza - essa genial intérprete espanhola e mulher com uma alegria e uma inteligência interpretativa notáveis - disse que os três maiores fenómenos musicais do século passado eram, na sua opinião, Herbert von Karajan, Maria Callas e o seu compatriota Plácido Domingo. Passaram todos por cá, em momentos diversos. Karajan no Coliseu, a Callas e Domingo no São Carlos e este, também, no estádio do Belenenses. É uma boa notícia, no meio do deserto, o anúncio de um concerto de Domingo, em Abril, no Pavilhão Atlântico. Por mais "popularucho" que o concerto venha a ser, constituirá decerto uma derradeira oportunidade - para quem nunca teve esse privilégio - de ver e ouvir um dos grandes músicos dos nossos tempos. Espero que não seja exclusivo para múmias convidadas que não sabem distinguir Wagner de Schönberg ou Verdi de Donizetti.

UMA VERDADE INCONVENIENTE

O dr. Manuel Pinho já não devia ser ministro da Economia há muito tempo. Até agora, e tirando as apresentações informáticas de luxo em que participa, não se lhe conhece grande valia. Não lhe explicaram - e há tantos especialistas no governo que o podiam fazer- que, antes de "técnico", o seu lugar é político. Apenas e só isso. Ora até um cego consegue ver que, para além de inexistir politicamente, o dr. Pinho, quando tem acessos como o que teve na China, faz corar de vergonha o governo socialista que integra. Ao passar um breve e real atestado de "chinês" ao trabalhador tuga, o dr. Pinho, no entanto, falou verdade. Uma verdade inconveniente, porém uma verdade.

A FANTASIA

Fora de horas, como de costume, a RTP exibiu o programa "Portugal de...", ontem de Vasco Pulido Valente. Recorrendo à história, Pulido Valente explicou por que é que nós raramente passamos do estado de fantasia. Para não ir mais longe, fico-me por agora. Decretou-se que este governo do aprumado e soturno Sócrates é reformista. Qualquer "entendimento administrativo" de um burocrata que leu umas coisas e a quem encomendaram um missal de ocasião, perpetra uma "reforma". Chatear este e aquele com duas ou três "medidas" destinadas a espevitar a inveja e o ódio ao próximo, é uma "reforma". Usar os media como quem usa uma panela para fazer caldeiradas, é "transmitir o espírito reformista do governo". Recorrer, dia sim, dia não, a grandes circos para fazer anúncios triviais, é "reformar". Acontece que não é nem nunca foi e, a seu tempo, o país pagará caro esta fantasia. Até lá, cá iremos cantando e rindo como mandava o doutor Salazar que, ao contrário de tantos "democratas", nunca foi dado a fantasias e sabia que não lhe interessava deixar isto ir muito longe. Todos os dias pagamos a factura de não podermos ser outra coisa apesar de esmerados copistas do alheio. Podem "puxar" à vontade que isto não dá mais. O resto, a fantasia, é, como sempre foi, o essencial.

30.1.07

TAMBÉM ACHO

"Acho obscena, assim mesmo: obscena, a utilização de crianças e adolescentes em programas como o Prós e Contras de ontem para falarem ou se manifestarem sobre o aborto. Tal me parece ser da mesma exacta natureza que o inquérito sobre os costumes sexuais dos pais, que tanta condenação suscitou e bem. Antigamente, no tempo em que os animais falavam, havia uma regra deontológica dos jornalistas que impedia entrevistas a menores sobre estes temas. Caducou?"

José Pacheco Pereira, in Abrupto

DA CASTIDADE


Antes de prosseguir, fica estabelecido que sou católico. Frequento solitariamente a igreja quando me dá na gana e, de vez em quando, assisto à missa. Não o faço ao domingo nem em dia certo, não comungo e confessei-me duas vezes na vida, a última quais serviu praticamente para perguntar à voz que me ouvia do outro lado o que é que devia dizer. Vagamente, lá para o fim, mencionei os chamados "pecados da carne" como uma inevitabilidade. Tudo junto valeu-me, se bem me lembro, cinco "padres-nossos". Julgo que a Igreja não tem a mínima dúvida que as suas "ovelhas" pecam escandalosamente. Aliás, sentem-se mais aliviadas do que as desprovidas de fé já que sabem que serão presumivelmente perdoadas. Todavia, e ao arrepio da minha fé que concebo num plano completamente distinto, não creio que exista ou deva existir uma "moral sexual" e uma imposição normativa de comportamentos a esse nível. Por isso, quando D. José Policarpo defende a educação sexual orientada preferencialmente para a castidade, sabe que está a produzir um oxímoro. A sexualidade pressupõe, para ser saudável, o "outro". E nem sempre pressupõe procriação ou um "outro" de sexo diferente. Ou, muito menos, uma vida inteira de abstinência ou de apoteose da mão. É inerente à sexualidade o prazer - mais do que o "amor " ou a "paixão" - e não há que ter medo disso. Educação sexual significa esclarecimento, abertura, responsabilização, informação e protecção da saúde pública e privada. Orientá-la para a castidade, com o devido respeito, é contrariar a natureza das coisas. É o mesmo que pedir a alguém com sede que evite beber ou a alguém com fome que evite comer. Nestas matérias, para além de católico, sou sobretudo romano. Defender a vida também significa defendê-la plenamente e vivê-la com um módico de qualidade. Isso passa pelo "outro" por mais que o "outro" seja cruz ou salvação, uma vida inteira ou em apenas meia-hora.

OS VERDADEIRAMENTE DIFERENTES E MELHORES

"... vítima mais uma vez do ostracismo votado em Portugal aos verdadeiramente diferentes e melhores." Quem conheceu de perto A. H de Oliveira Marques, desaparecido a semana passada, sabe bem como isto é verdadeiro. Excelente in memoriam.

CAMPANHAS SURDAS-MUDAS

Pelo menos um grunho anónimo apelidou-me de "fascista" num comentário. Ele que combine um encontro no meio da rua comigo que eu terei o maior gosto em lhe devolver o "fascista" em conformidade. Adiante. Estes dias de "campanha" anunciam o pior. Não vai debater-se nada porque ambas as campanhas são surdas-mudas. No final do "debate" na televisão, alguém disse que está em causa, no dia 11 de Fevereiro, acrescentar ou não acrescentar uma alínea ao art. º 142.º do Código Penal. É verdade, e a isto os defensores do "não" - só o dr. Aguiar Branco escapou - não souberam responder porque não estava lá ninguém que sustentasse a actual legislação. Quem ouvisse sobretudo os e as médicas do "não", pode ter ficado com a ideia de que, se dependesse deles, nem o art.º 142.º deveria ter sido alterado em 1984. E a inteligente retórica coimbrã do prof. Vital Moreira ajudou a que pairasse no ar o demagógico registo "prisional" que faz tanto sentido como recusar as excepções que despenalizam o crime de aborto em qualquer parte do "nosso" mundo. Uma campanha surda-muda deixa as pessoas legitimamente em casa no dia do referendo. É bem feito.

NÃO

O "livre arbítrio da mulher" porque "sim"? Não.

SAFA - 5

A rapaziada do Blogue do Sim que está na plateia da D. Fátima, ainda não saiu mentalmente do mesmo bistrot da rive gauche parisiense dos anos sessenta. O Vasco Rato, aliás, anda a ler o mesmo poche em inglês há trinta e tal anos. Está desculpado.

SAFA - 4

A deputada do PS Ana Catarina Mendes explicou linearmente por que é que se deve votar "não". O partido que representa não quer resolver o problema. Quer apenas legalizá-lo.

SAFA - 3

"A namoradinha de Portugal", mais conhecida por Catarina Furtado, conseguiu dizer uma coisa acertada. Ganhe o "sim" ou o "não", o aborto clandestino continua. Depois asneirou. "O "não" está a interferir com a "razão" do "sim", disse a apresentadora. Importa-se de repetir?

29.1.07

SAFA - 2

Há escritores, como Lídia Jorge e outros, que não deviam praticar a oralidade. "Coisa humana", expressão vinda de quem escreveu "O dia dos prodígios" para qualificar o que se alberga no ventre materno até às dez semanas de gestação, é uma triste enormidade. Recorrer à mana da Beauvoir, ainda é pior. O ar constrangido da Helena Matos, atrás da escritora, é de uma eloquência extraordinária. Actualização desta previsão: aumento da abstenção, aumento das intenções de voto no "não".

LER OS OUTROS

Forma de vida inteligente dentro do PS.

SAFA

Dá-me ideia que, quando acabar o "Prós&Contras" da RTP, a abstenção no referendo do dia 11 de Fevereiro sobe. O regime, quando chama o regime para o palco e para a plateia, não une. Afugenta.

UM RABO É UM RABO QUE É UM RABO


A TVI, para garantir que os seus "Morangos" superam a "Floribella" do dr. Balsemão, trocou as habituais mamocas da meninas pelos rabos dos rapazes. Em alternativa, também podem ser vistos pela frente, em cuecas apertadas, estilo Calvin Klein. Como diria o Fernão Mendes Pinto, em mar de tempestade qualquer buraco é porto.

UMA IDEIA

Dá-me ideia que o governo quer fazer dos cidadãos uma espécie de "cornos mansos" ou "homens-banana". Explico. Brotou, à conta do ambiente, a ideia de taxar as entradas em Lisboa em carro próprio. Eu moro cá dentro e, por isso, estou à vontade. E sempre me irritou ter de deixar o meu carro à porta para que os de fora possam circular e estacionar livremente. Todavia acho um abuso como qualquer outro esta ideia. Quem compra um carro quer, muito naturalmente, andar com ele e o Estado não tem nada com isso. O condutor sabe que, cada vez que "mete" gasolina, está a dar o dízimo. Se o preço dos combustíveis já incorpora cerca de 70% de imposto, para quê mais?

TÃO COISA NENHUMA

Há muitos anos, num livrinho da maior utilidade para percebermos com que raça lidamos, Jorge Dias definiu, tanto quanto pôde, "o carácter nacional português". Chamou à raça "contraditória e paradoxal", a querer sempre o mesmo e o seu contrário. Se ele cá voltasse, andaria por aí a rir-se, pelo menos, durante quinze dias. Vejam-se, por exemplo, as sondagens, as "honestas" e as outras, ou os "movimentos de opinião". O tuga quer o aborto liberalizado até às dez semanas de gestação, mas acha que as mulheres não devem ter a última palavra e que, a final, a coisa é mesmo crime. O tuga detesta o governo e as suas "medidas", mas acha sublimes o senhor engenheiro e o PS. O tuga abomina o antigo regime e o PC, mas está à beira de eleger Salazar e Cunhal como dois "grandes portugueses". O tuga derrama honestas lágrimas pelo destino da Esmeraldinha, mas aprecia o respeitinho togado. O tuga é muito dado aos direitos humanos, desde que não seja nada com ele. O tuga baba-se de gozo quando vê uma "corporação" a ser atacada (nem que sejam as mulheres da limpeza) e rosna quando é a sua. E por aí fora. Chama-se a isto esquizofrenia. Só um país de esquizofrénicos, a caminhar rapidamente para a oligofrenia, pode ser tão coisa nenhuma.

SALAZAR FASHION

A RTP colocou na rua um outdoor para concorrer com os do aborto. É parecido com o de cima, embora os "candidatos" estejam dispostos por outra ordem. Ou seja, pela primeira vez depois do "25 de Abril", o doutor Salazar tem direito a figurar num outdoor deste regime. É um passo em frente na "normalização" da nossa história mais recente. Não faltarão os resmungos dos "democratas" de última hora e dos polícias dos bons costumes jacobinos. A ignorância, democrática ou não democrática, sempre foi e será sempre atrevida.

A DEPUTAÇÃO

A minha consideração pela deputação nacional é praticamente nula, à excepção de um ou de outro caso, inteiramente pessoal ou privado. Quando voto nas "legislativas", voto para escolher um primeiro-ministro e nunca perdi tempo a ler as listas de candidatos a deputados. Parece que dois terços da referida deputação é favorável ao "sim" no aborto. Muito bem. Nesse caso, por que é que não arrregimentam mais uns quantos para rever a Constituição, o art. 24.º, por exemplo, e as disposições que protegem a vida intra-uterina? Era muito mais fácil, barato e, de certeza, dava milhões. De votos, naturalmente.

OS TRABALHOS DA DRA. EDITE

A dra. Edite Estela, uma heroína nacional na luta pelo "sim", promoveu o trabalho comunitário como a pena para as mulheres que recorram ao aborto após as dez semanas que o partido dela fixou para a liberalização total do dito. A dra. Edite, e muitos como ela, querem e não querem a mesma coisa. Ao menos, a sua "posição" tem o mérito de pôr as pessoas a pensar, sobretudo as que olham para os cartazes do PS e do BE onde se fala de "prisão". Quer dizer que há no "sim"- tal como no "não" existe o original dr. Gentil Martins - quem assimile o aborto a um crime ao qual tem forçosamente de corresponder uma pena, nem que seja o trabalho a favor da comunidade. Não penso assim. O aborto é uma prática vedada pela Constituição e pelo Código Penal que, em casos identificados neste (art. º 142.º), é impunível. E, mesmo continuando tipificado como crime, a ele não tem necessariamente que corresponder uma pena, nem sequer a que brotou da iluminada cabeça da dra. Edite.

28.1.07

AMADURECIMENTO


O Tomás Vasques leu o livro de Felícia Cabrita sobre a alegada vida amorosa de Salazar. Confesso que a autora me causa alguma alergia, tanto quanto o retratado me fascina (esta é de borla para os pidezinhos "democráticos"). Já o Tomás é mais insuspeito do que qualquer um de nós dois, eu e a autora. E é mesmo disto que se trata: "livros atrás de livros têm sido publicados nos últimos anos sobre Salazar, sinal de amadurecimento democrático."

A BOLHA


Para além do que o Paulo escreve, ainda há cerca de noventa mil desempregados não contabilizados oficialmente. Tudo porque acham que não vale a pena inscreverem-se nos "centros de emprego". O governo, devidamente ajudado pelos seus bonzos de gabinete e pela "economia", está a criar uma bolha social explosiva que, em devido tempo, rebentará. Nesse dia, não haverá capacete que safe o senhor engenheiro.

O FREI

Miguel Marujo questiona-me sobre o artigo de frei Bento Domingues no Público de domingo. Apenas dois esclarecimentos. Raramente leio o dito articulista. Não me interessa porque não me acrescenta nada. E, depois, já disse o que pensava dele e de outros do mesmo "género" aqui. Não me impressiona nada. Mesmo nada.

Adenda: O facto de não estar disponível online não altera a substância da coisa. Por mim, até o podiam publicar no Diário da República. Quanto à reprodução da "missa" do Marcelo, limitei-me a reparar na omissão do livro do Blogue do Não no Diário de Notícias, por sinal o primeiro em que ele falou no domingo passado. E não me passa pela cabeça ajuizar a fé de cada um que, como sabe, é temperada pela razão. É por isso que não faço do aborto uma questão religiosa. Mas eu não sou frei, nem cónego. Deus manda-nos ser bons, mas não nos manda ser parvos.

A EVIDÊNCIA


Karen Walker para Jack, em "Will and Grace": "Tu achas que o casamento é sagrado porque o Estado não te deixa casar".

O MONOPÓLIO DO CORAÇÃO

A sra. dra. Maria de Belém Roseira - que foi oportunamente rifada como "ministra para a igualdade" pelo bonzinho Guterres e que, até hoje, nunca percebeu o que é que lá esteve a fazer - resolveu decretar que os adeptos do "sim" são "tolerantes" e que os do "não", obviamente, são "intolerantes". Fê-lo numa sessão do PS de apelo ao voto na liberalização total do aborto até às dez semanas de gestação. Não sei onde é que estava a dra. Belém em 1984, nem me interessa. Apesar de na altura ter "apenas " 23 anos, não me recordo de ter escutado um pio por parte da sra. dra. quando a lei foi alterada no sentido que está em vigor. Essa de chamar intolerantes aos outros é, à partida, um gesto de pura intolerância, digno do seus ocasionais companheiros do BE. A "esquerda" - e eu nem sequer considero a dra. Belém um "modelo" da dita - tem esta maldita mania da superioridade moral e política. Não, sra dra., nem a senhora, nem os que a acompanham têm o monopólio do coração. Meta isso, de uma vez para sempre, na sua cabeça.

ADEUS, PRINCESA


Ontem, ao contemplar o primeiro-ministro a fazer de engenheiro em Beja - já agora, ele é engenheiro de quê? -, ao mesmo tempo que lançava a primeira pazada para mais um "momento betão", lembrei-me de Clara Pinto Correia. Há muitos anos - para mim, os anos de felicidade já se perderam na "noite do mundo" - li a única coisa de jeito que ela escreveu, o "Adeus, Princesa". O cenário é Beja, a antiga base aérea alemã de Beja, e tudo gira em torno "da perversidade que se esconde por debaixo dos malmequeres" da planície solitária do Alentejo profundo. É uma "história" bem contada, com aquilo a que os "críticos" chamariam "contornos" policiais, o inevitável desamor e a tremenda e funesta lusa paixão. Daí em diante, Pinto Correia deixou praticamente de escrever apesar de julgar que o fazia. Era bom para a frigidez do actual poder, tão bem personalizada na "socrática" figura da pazada, ler ou reler esta pequena obra-prima escrita num belo e escorreito português. Não perdiam nada.

27.1.07

FEZ O QUE PÔDE


Não tenho "heróis". Pelos meus nove anos, morreu Salazar. De férias, nas termas do Vimeiro, lembro-me do funeral a preto-e-branco na sempre oficiosa RTP e de toda a gente de pé, na sala onde estava a televisão, quando tocou o hino. Marcello foi-me mais familiar pelas "conversas" que ouvia religiosamente, tal como aprendia com "O Tempo e a Alma" de José Hermano Saraiva. O "25/4" apanhou-me aos treze. Apreciava infantilmente o Spínola - aquelas primeiras deambulações épicas pelo "país real" de um PR fardado a preceito e de pingalim impressionavam - e só com Soares e Sá Carneiro percebi que havia política para além da tropa. Em trinta anos, no entanto, houve um homem que sempre respeitei e que me habituei a ver, passe o cliché, como um modelo de seriedade. Por ocasião do seu doutoramento, Jorge Miranda, que também foi meu professor por três vezes, chamou-lhe "herói" da democracia. De facto, se tivesse de escolher um grande português contemporâneo, o meu voto ia para o General António Ramalho Eanes. Atípico - não jacobino nem "educado" na oposição "intelectual" pequeno-burguesa e da classe média alta ao "Estado Novo", como Cunhal ou Soares, ou "liberal", como Sá Carneiro -, "formado" para a democracia no "terreno" duro de África onde aprendeu a ser um patriota sem se tornar reaccionário, refractário aos ditames e aos jargões do regime que ajudou a construir depois do "25 de Novembro", discreto, solitário e irrepreensível em matérias de interesse público, o General Eanes é, nos dias que correm, um exemplo de probidade que deve ser constantemente recordado. Andou bem o Expresso ao entrevistá-lo por ocasião do seu 72º aniversário. Conheci-o em 1980 e posso considerá-lo um amigo da mesma maneira que a História, um dia, o recordará com um dos grandes amigos do país. Eanes gostou sempre mais desta terra do que Portugal, alguma vez, gostou dele. De facto, esta choldra piolhosa não merece homens de carácter como Ramalho Eanes. Fez, como poucos, o que pôde.

CANDIDATOS PRECISAM-SE


Parece que foi de propósito. Cravinho "pirou-se" envergonhadamente para Londres a instâncias do senhor engenheiro que lhe inscreveu na testa a palavra "asneiras". Eis que, ao mesmo tempo, a empresa Bragaparques, uma das grandes fornecedoras de betão do regime, embaraça Lisboa e, por tabela, o dito regime. Aparentemente a empresa usa o betão como arma de arremesso político e a política usa a empresa para os devidos efeitos. Estão, por assim dizer, todos em casa. Acontece que Lisboa - a cidade, os seus munícipes, aqueles que todos os dias cá vêm trabalhar - nada tem a ver com estes arranjos inteiramente privados, alheios, por completo, ao interesse público. Politicamente a CML deixou de ter condições objectivas para trabalhar porque ninguém confia em ninguém e nós não confiamos na vereação. O pior é que, ir mais para baixo do que já se foi, ainda é possível. Só a devolução da palavra aos eleitores da cidade pode emprestar um módico de dignidade a tudo isto. Cheguem-se à frente candidatos.

A IDADE DA INOCÊNCIA


O dr. Pedro Lomba decidiu-se pelo "sim" e explica a coisa num artigo no Diário de Notícias. Parece que em 1998 era demasiado novo e, motivado pela campanha cega e intelectualmente desonesta da esquerda extrema de então e da do "no meu corpo mando eu", votou "não". Agora, que já se sente mais crescidinho, olhou para um lado e para o outro, ouviu uns respeitáveis amigos e amigas, e comoveu-se - é o seu único argumento plausível já que tudo o resto podia ter sido escrito por um apoiante do "não" com as devidas adaptações - com as promessas do dr. Correia de Campos e do governo. Para além de embarcar na demagogia "bloquista" das "mulheres criminosas", vê-se mesmo que o dr. Lomba, para sua felicidade, não frequenta o serviço nacional de saúde. Todavia, e pior do que isso, é acreditar que o "o Estado não pode deixar de desmotivar o recurso ao aborto através de centros de aconselhamento e de outros mecanismos de informação e defesa da vida." Too much Harry Potter, dr. Lomba?

OS COMPADRES E AS COMADRES

"Portugal continua a ser marcado pelo conjunto d’os compadres e as comadres que constituem o país legal, como dizia Alexandre Herculano."

José Adelino Maltez, in Sobre o tempo que passa

26.1.07

SEGUIR EM FRENTE

Com a costumeira serenidade e seriedade, o Pedro Magalhães dá-me duas boas notícias sobre sondagens. A primeira, é que o pujante "sim" do dia 11 de Fevereiro - praticamente dado como a nova "união nacional" - declina ao mesmo tempo que as baboseiras proferidas em seu nome aumentam. A segunda, lá de fora, é que Sarkozy sobe nas sondagens francesas contra a fraude política representada pela Mme. Ségolène, uma proto-Blair sem a cabeça deste. Sigamos, pois, em frente.

POUCA CONVERSA

O anterior PGR falava entre portas, a correr para o carro, a entrar ou a sair de casa. Pinto Monteiro adoptou, por assim dizer, outro "método". Recebe. Pedem-lhe e ele recebe. Peticionários, a visionária Ana Gomes, Carmona já pediu para ser recebido e aquela garota mal encarada que até ontem era vereadora do urbanismo - do urbanismo, meu Deus - na CML "exigiu" celeridade ao homem. Banalizar a figura do PGR, fazer do seu gabinete um confessionário de luxo - sim, porque o anónimo desgraçado que tenha um inquérito criminal em cima fica a falar sozinho - e ter as televisões à porta por tudo e por nada, é um mau caminho. A investigação e a justiça exigem recato, discrição e pouca conversa. Nem dentro, nem fora de portas.

LOGO SE VÊ

"Músculo financeiro", disse o senhor ministro Lino em mais um momento powerpoint do governo sobre a OTA, referindo-se aos potenciais concorrentes nacionais e internacionais à construção desta teimosia elefantina. Os dinheiros públicos já estão garantidos, não vá dar-se o caso de alguém se lembrar de desviar muito dinheiro dos impostos para inutilidades como a educação ou a saúde. A explicação sobre o modo de fazer a coisa fez lembrar o mesmo raciocínio usado para a colecção Berardo, estacionada no CCB depois de um generoso acordo do comendador com o Estado. Em suma, logo se vê.

CONFUSÕES

João: quando eu quero saber o que pensa a Igreja Católica, leio este site. Quando quero estar a par das "posições" da igreja portuguesa, passopor este. Não faça confusões.

DA ESCURIDÃO

Clarice Lispector, com aquela densidade cristalina que a caracterizava, perguntava-se se olhasse a escuridão com uma lente, se não a aumentava um pouco mais. O Bloco de Esquerda veio escurecer o debate sobre o aborto com a sua permanente lupa pidesca e "correcta". Peguem, pois, na lupa e observem a lista à "direita" neste blog - atenção, é mera localização da responsabilidade do Blogger-, uma vez que ele é "alinhado" do do Não, e contem os blogues "de esquerda" que lá estão. Isso torna-me, por exemplo, "alinhado" com o Blogue do Sim?

UM LIVRO, MUITOS IDIOTAS


"As pessoas mudaram; tornaram-se hostis ou, no limite, perigosamente impessoais. Dou-me conta de que talvez tenha mudado de tal maneira que as vejo tal qual elas são, tal qual elas sempre foram... no entanto, é possível que aquilo em que eu reparei mais cedo fosse a realidade e que aquilo que observo agora seja uma distorção inteiramente privada da realidade, embora, e de qualquer maneira, eu veja o que vejo: hostilidade e perigo. Tenho consciência de que a minha posição é exagerada e de que há gente inócua no mundo e, bem mais importante do que isso, muitos idiotas. Pelo menos, agradeço tamanha fartura."

Gore Vidal, Clouds and Eclipses, The Collected Short Stories, Carroll & Graf Publishers, New York, 2006 (tradução minha)

A ÚNICA SAÍDA

"Nada do que por lá [na Câmara Municipal de Lisboa] acontece nos deve espantar. Já não há qualquer lógica política que a sustente e nenhuma coerência nos grupinhos que, dentro e fora da antiga maioria, se formaram atrás de gente sem muita envergadura, à procura de notoriedade ou de alguma vantagem pessoal, partidária ou outra. Uma trapalhada destas não se governa. Carmona não governa e, sem apoio popular ou uma força organizada atrás dele, não pode vir a governar. Se não perdeu o direito legal de ficar onde está, perdeu a legitimidade e a única saída decorosa que lhe resta é a demissão. Como é a única saída que resta aos vereadores, a todos, se tiverem o mais vago respeito pelo interesse público. "

Vasco Pulido Valente, in Público

COMO ELA É

De acordo com o "partido-entidade-reguladora-da democracia", o Bloco de Esquerda, colaboro num blogue que tem links para blogues "fascistas", como eles dizem. O BE gosta de envacalhar, como costuma fazer em qualquer campanha. Até o aborto serve para, no caso de vitória do "sim", o dr. Louçã e os seus pupilos reclamarem o seu dízimo habitual. Se há alguém que não é fundamentalista, nem de um lado, nem do outro, sou eu. Respondo exclusivamente pelo que penso e escrevo, tal como -imagino- o Bloco não subscreve nada do que Rui Rio, Paula Teixeira da Cruz ou Teresa Caeiro defendem fora da questão abortiva. Por isso, não aceito lições de democracia vindas de quem não considero democrata. Sobretudo de franganotes e de gaiatas que nem sequer eram nascidos quando a lei foi alterada em 1984. O que é que gente desta sabe da vida, da puta da vida como ela é?

25.1.07

A GESTÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO


Com a inegável sabedoria e a manha estratégica que o manteve à tona durante quase todo o século XX português, o doutor Salazar recomendava que, uma vez decididos até onde ir, não devíamos ir mais além. Nas "coisas" em curso na nossa patética "sociedade" democrática- aborto, combate "suavezinho" à corrupção, abruptas alterações no mundo do trabalho público e privado, economia cada vez mais periférica, pais biológicos e pais adoptivos e por aí fora - talvez fosse conveniente seguir o conselho do antigo estadista. Nalguns aspectos, o senhor engenheiro já está a dar os primeiros passos. Aprende-se muito com os velhinhos.

24.1.07

FRIO

Oh Pacheco Pereira, V. foi tão "maoísta" na sua "quadratura do círculo" por causa da Esmeralda Porto. Que "frio", homem.

TAMBÉM...


... acho.

REVISÕES

Averiguar o enriquecimento ilícito é "suspeito" e "viola" direitos fundamentais? O senhor engenheiro deve começar rapidamente a rever os seus conceitos antes que o país comece a revê-lo a ele.

A.H. DE OLIVEIRA MARQUES 1933-2007


Abri isto para escrever sobre o aborto, sobre o esforço de cidadania feito por um pequeno grupo de simpáticos estudantes do antigo Liceu Camões, entre os dezassete e os dezoito anos, que quiseram ouvir o "não" e o "sim". Para comentar o jargão aprendido nas secções do partido e trocado pelo fim atempado do curso de direito do voluntarista representante da JS. Ou da clareza da jovem do BE que se fartou de falar na "legalização" do aborto sem saber do que é que estava a falar. Ou ainda da serenidade sistemática da Assunção na defesa do "não". Todavia, a televisão deu-me a notícia da morte de A. H. de Oliveira Marques. Antes de o conhecer pessoalmente, em 1980, na campanha da recandidatura do Presidente Eanes, já ele me "acompanhava", desde o liceu, com a sua utilíssima "História de Portugal". Nessa altura apetecia-me o curso de história, mas o horrível propedêutico da época arrastou-me para o direito na Católica. Um pequeno desvario a meio do curso, levou-me a uma passagem fugaz pela Universidade Nova, a da Avenida de Berna, da qual Oliveira Marques tinha sido, se não erro, presidente da respectiva comissão instaladora, o equivalente a "reitor". Foi sempre a sua casa, depois da saída de Letras e dos anos americanos. Foi graças à sua influência que, anos mais tarde, entrei para a Maçonaria Portuguesa, o Grande Oriente Lusitano, a única a que pertenci. Frequentei a sua antiga casa, em Alvalade, e aprendi muito com as conversas que partilhámos. Infelizmente adiei de forma irreversível visitá-lo na "Casa do Gato", a Santa Clara. O tempo, a vida, a falta de paciência e umas quantas pequenas divergências fizeram-me abandonar o GOL, depois de, com ele e outros amigos, termos formado a Loja Fénix, em 1989. Nunca tremeram a estima e a sincera admiração pelo homem e pelo intelectual. Víamo-nos no São Carlos, com o António Henrique no mesmo camarote de sempre, na primeira ordem. Era um genuíno maçon, um fervoroso republicano e um íntegro progressista. Eu, entretanto, mudei sendo o mesmo. Para a sua "Breve História de Portugal" escolheu como epígrafe uma frase do jovem Werther, o mais famoso herói romântico de Goethe: "warum wechst du mich, Frühlingsluft?... die Zeit meines Welkens ist nah". Esse "tempo" de que falava o malogrado Werther chegou hoje para o António Henrique. Que entre em paz no seu Oriente Eterno.

DEBATER


A Associação de Estudantes da Escola Secundária de Camões promove um debate subordinado ao tema "Despenalização do aborto, ou IVG, antes das 10 semanas - SIM ou NÃO", hoje, dia 24 de Janeiro de 2006, no Auditório da Escola Secundária de Camões, em Lisboa. O debate tem início às 16.45 e serão intervenientes, pelo Blogue do Não, Assunção Cristas e o autor deste blogue, e pelos Jovens pelo Sim, Pedro Vaz e Natasha Nunes. Modera o vice-presidente da Associação, David Erlich.


TENTAR PERCEBER

Vale a pena ler na íntegra. Com a devida vénia ao autor, Rui Ramos, no Público de hoje.

"A GRANDE ESTRATÉGIA"

"Somos uns ingratos. O primeiro-ministro põe o seu melhor fato e o seu melhor teleponto para nos anunciar a estratégia que vai finalmente fazer de nós um "país mais culto e qualificado" - e isto, em sete anos e com apenas 45 milhões de euros. E nós, sem consideração, arranjamos maneira de criticar, descrer e gozar. Imagino o tempo gasto a preparar o Quadro de Referência Estratégico Nacional. Adivinho o empenho com que se apuraram as fórmulas, ou a ansiedade com que se previram as reacções. Tudo isto, para quê? Será consolo para José Sócrates saber que está em ilustre companhia, entre os visionários escarnecidos por esta nação incorrigível? Há precisamente 120 anos, em 1887, o escritor J. P. Oliveira Martins apresentou na Câmara dos Deputados o seu QREN, sob a forma de um Projecto de Lei de Fomento Rural. Também ele queria aproveitar o potencial dos portugueses. Só que, em vez de mestrados e cursos de formação, pretendia dar-lhes terra para cultivarem. Sim, os tempos eram outros. A ideia de Oliveira Martins consistia em fixar a população excedentária do Norte do país nos campos subaproveitados do Sul, em pequenas quintas viabilizadas pelo regadio. Oliveira Martins desejava, como toda a elite sua contemporânea, modernizar o país. Mas sabia que não chegava converter os portugueses às ideologias modernas. Era preciso mudar as suas condições de vida, torná-los mais ricos. E para isso, Oliveira Martins propunha-se fazer de Portugal uma "colmeia rural", em que a maioria da gente tivesse emprego em propriedade própria, e o território fosse uniformemente valorizado. Como foi então acolhido o seu plano? Para uns, tratava-se de uma fantasia, já que não havia dinheiro para as necessárias obras hidráulicas no Alentejo. Para outros, era uma farsa: Oliveira Martins procuraria apenas protagonismo para chegar a ministro. Desde há décadas, que os governos e as luminárias da nação se dedicam afincadamente a gastar dinheiro para ajudar o futuro a nascer. Abundaram sempre os QREN. E há algumas décadas que os seus objectivos, por entre variações de vocabulário e contexto, são os mesmos. A memória corrente reteve as proclamações de Cavaco Silva no fim da década de 1980. Mas recuando mais no tempo, encontram-se estas grandes prioridades: "Aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional; repartição equilibrada do rendimento; correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento." Não, não é uma citação do QREN de Sócrates nem das Grandes Opções do Plano de Cavaco Silva, mas do III Plano de Fomento de Salazar, publicado em 1967. Nas considerações desse Plano, lamenta-se já a falta de "formação profissional" dos portugueses, e a ineficiência da administração pública, cuja "rotina" e "burocracia" podem "comprometer iniciativas públicas e privadas que exigem celeridade". O grande horizonte, em 1967, era claro: "alcançar o mais rapidamente possível os níveis de desenvolvimento da Europa Ocidental", através de uma "reconversão da economia". Já éramos assim há 40 anos. Não reparamos nisto, porque gostamos de reduzir a nossa história recente a uma sucessão de cortes e saltos salutares, do capitalismo para o socialismo (com o PREC), ou das ditaduras para a democracia (com o actual regime). Andamos sempre, como fez Sócrates na apresentação do QREN, a "cortar com a cultura do passado". Para que servirá então lembrar a longa tradição do nosso desenvolvimentismo de Estado? Para demonstrar que nada mudou? Não, Portugal mudou. Só que nunca mudou como os seus dirigentes políticos, por entre largas despesas, previram e planearam. Os que, no século XIX, procuraram criar condições para uma "colmeia rural" nunca imaginaram a industrialização do século XX. Os que, nas décadas de 1940 e 50, contaram com uma indústria que sobretudo substituísse importações, foram surpreendidos pelas exportações de vestuário e calçado depois da entrada na EFTA. Quem pensou em explorar esse filão com a adesão à CEE viu-se confrontado na década de 1990 com o seu definhamento e com a expansão dos serviços e da construção civil - uma mudança que comprometeu os ritmos de crescimento económico do passado. Em Portugal, o que estava previsto e planeado quase nunca aconteceu, e o que aconteceu quase nunca foi previsto e muito menos planeado. Por isso, tudo aquilo que verdadeiramente se passou, desde a industrialização até à urbanização, passou-se "desordenadamente", à revelia dos planos e mesmo fora da lei. Até hoje, os governos andaram sempre a tentar mudar o país em meia dúzia de anos. Talvez fosse preferível tentarem compreendê-lo."

O CORAÇÃO DA COISA

"Sempre que se levanta o problema de ir ao coração da luta contra a corrupção, é curioso que existam as maiores dificuldades, sempre", disse o eng.º Cravinho, ex-campeão nacional da luta contra a corrupção. Isto vindo de um "E.T" ainda se aceitava. Ora o eng.º Cravinho - que até já mandou nas obras públicas - devia saber perfeitamente que ninguém está interessado em remover o "coração" da corrupção. Pelo contrário. De Cândidos e de Pangloss está o inferno cheio.

O EDIT DE EDITE

Estava deliciado a ler este post do meu amigo Eduardo Pitta quando, a três linhas do fim, ele descambou. Mesmo assim, é mais um contributo para se perceber como o "correcto" é transfronteiriço. E o disparate, de Sintra a Estrasburgo, também.

23.1.07

A SITUAÇÃO E OS COLABORACIONISTAS

No "antigamente" ou "no tempo da outra senhora"- era assim que o Estado Novo dos doutores Salazar e Caetano era conhecido - os meios do regime referiam-se ao mesmo como "a situação". Fulano ou beltrano, aquela ou a outra, eram ou não eram afectos "à situação". Hoje, ano da graça de 2007, em pleno absolutismo democrático, também é efectuado idêntico escrutínio, embora mais alargado. Tem a cumplicidade, quando não mesmo a orientação, dos meios de comunicação social. Por exemplo, uma vez que "a situação" defende o "sim" no referendo ao aborto, a comunicação social, com estritas excepções, espreme-se para mostrar serviço a quem manda. As omissões, as reportagens capciosas, o aproveitamento do disparate alheio como se fosse coisa séria, tudo serve para indicar "o caminho" à opinião pública (devem ter lido o livrinho do beato Escrivá). Estão porventura mais à vontade do que em 1998, já que, desta vez, "a situação" não admite estados de alma. Apesar de não terem nada a ver uns com os outros, revela-se útil "à situação" o serviço directo e indirecto que comunistas, "bloquistas", "liberais", articulistas e fundamentalistas espúrios lhe prestam. A "antiga senhora" também funcionava assim: reinava sobre uma "união" que ela arregimentava ou dividia conforme lhe dava jeito. Depois, uma vez resolvida a circunstância, expulsava o que já não lhe convinha. E tudo voltava, serena e "habitualmente", à "união nacional", com os colaboracionistas atentos, venerandos e obrigados à espera da próxima oportunidade. Então como agora, "a situação" desprezava os colaboracionistas, vistos como meros capachos ou idiotas úteis. Normalmente acabaram na estrumeira moral de onde verdadeiramente nunca chegaram a sair.

A DISTRACÇÃO DE UM GÉNIO

Emmanuel Nunes, para quem não conhece, é uma eminência musical pátria "refugiada" em Paris, no IRCAM, de onde, de vez em quando, emite uns sons. Tem cá, como é costume, os seus "delegados" das capelas político-culturais que circulam atrás uns dos outros e uns para os outros. Já arrecadou vários prémios, entre os quais o Pessoa, do dr. Balsemão e de outros beneméritos. Nunes é, entre outras coisas, compositor. Para quem não sabe, de música. Para minha perpétua desgraça, não aprecio. Quando Paolo Pinamonti me disse que lhe encomendara uma ópera, nos idos de 2002, torci-me todo e fui valentemente insultado num jantar de amigos "cultos" por ter tido o desplante de não acompanhar o director do São Carlos em tamanha proeza. Nessa altura, eu era membro da direcção do Teatro com a incumbência, com os outros dois colegas, de gerir a "massa" e de precaver a legalidade e a oportunidade dos contratos. Vejo agora que Nunes, numa "indignada" entrevista ao Público, vergasta Pinamonti por a sua encomendada "criação" não ter sido exibida, sem que ele- Nunes- tivesse assinado o contrato que o Teatro lhe enviou... em 1 de Fevereiro de 2006. De acordo com Nunes, Pinamonti tem "falta de deontologia". O que é que se há-de então chamar ao quase um ano à espera que o grande compositor assine o contrato que viabilize a estreia da ópera? Distracção de um génio?

O MOÇO DE FRETES

"2006 foi o ano de viragem na economia e na consolidação das contas públicas."

Vítor Constâncio, Jornal de Negócios, 22 de Janeiro

22.1.07

A MÃO ERRADA DE DEUS

Um amigo enviou-me este mail: "Para fazer campanha pelo sim, sem ofender grosseiramente os princípios do bom jornalismo, a RTP descobriu a solução: dar tempo de antena aos pobres prelados que nos pastoreiam. Cada intervenção deles é um voto a favor do sim." Eu vi na SIC o prelado da Guarda, com o ar mais bimbo deste mundo, a babosear (atenção: Deus manda-nos ser bons, mas não nos manda ser parvos). A Igreja portuguesa não soube acertar o passo neste referendo. É bom que se fique pelas missas.

NÃO MORDEMOS



Talvez para não incomodar o politicamente corrrecto tão em voga no Diário de Notícias - se calhar, não é por acaso que o dr. Figueiredo, o director do doutor Salazar, e o sr. Saramago, o do dr. Cunhal, continuam a "iluminar" a sala de reuniões do jornal - foi omitida, na coluna de livros apresentados por Marcelo na RTP, a referência ao primeiro a que Rebelo de Sousa aludiu, justamente o do Blogue do Não - BdN, dez semanas de argumentos, com prefácio de Matilde Sousa Franco - agora nas livrarias. De qualquer forma, o livro é apresentado amanhã, ao fim da tarde, no Hotel Tivoli, em Lisboa. O Diário de Notícias, que tantos bloggers tem na rede, que apareça. Não mordemos nem somos complexados.

O NÃO MARCELISTA


Marcelo podia ser mais claro. Liberalizar o aborto - coisa diferente de despenalizá-lo em determinadas circunstâncias - nos termos em que se pretende que se diga "sim", é uma armadilha bem urdida em que o regime alinhou direitinho atrás da proposta de lei do PS. O aborto não é um método anti-conceptivo disponível num supermercado, numa farmácia, num vão de escada, numa clínica de luxo ou no SNS. Assim, de facto, não.

REQUIEM POR UMA IDEIA DO HOMEM


A natureza, particularmente a parte que mais amo, o mar, está furiosa com o "homem". Coloco propositadamente "homem" entre aspas porque é-me díficil, depois de tantos séculos de "evolução", assistir a este retrocesso na nossa qualidade de vida. Em devido tempo, a Terra acabará provavelmente num único e imenso oceano. Não se perde nada. Antes pelo contrário, pode ser uma boa ocasião para começar tudo de novo. Vem isto a propósito da Costa de Caparica. O mar, na sua justa fúria, está a engolir a parte norte da praia. Mais praias por aqui e por ali serão devidamente tragadas à medida que o clima e o curso "natural" da natureza for torcido pela cupidez e pelo instinto rapace do "homem". Já não existem estações, só mesmo as de Vivaldi. Nas praias do sul de França podia tomar-se banho ainda ontem, no centro da Europa há flores que despontam como se fosse primavera e, mais ao norte, pessoas e bens são arrastados por enxurradas e dilúvios. Nos EUA ora cai um nevão, ora desponta um sol despropositado. Por cá é a mesma coisa. A semana passada houve dias dignos de mar e sol e já se anuncia uma nova "onda gelada". Não só matamos o nosso espaço vital como, com a nossa ignorância evolutiva, nos matamos um pouco mais todos os dias. Talvez esta espécie, dita "humana", que não sabe tomar conta do que lhe calhou em sorte e muito menos de si própria, não mereça outra coisa.

21.1.07

MANOBRA

Foi criada outra manobra de diversão no "caso Apito Dourado", com a divulgação de um despacho do Ministério Público a reabrir processos. Deu resultado. Maria José Morgado instaurou um inquérito para investigar a origem da manobra. Enquanto o pau vai e vem folgam as costas.

PETIÇÃO

Oh João, não me diga que, depois de V. se espremer tanto, nem sequer o levam à China. Já estava na hora de um Ferrero Rocher, não acha? Se quiser, arranja-se já uma petição.

A ÚLTIMA PALAVRA

O bonitão da foto, especialmente "produzido" para a leitura do acórdão no Tribunal de Torres Novas, é o pai biológico de Esmeralda Porto, a miúda que anda desaparecida ao colo da mãe "adoptiva" e cujo marido tem os costados na cadeia em virtude do dito acórdão. Por causa dele, do acórdão, já foi criado na blogosfera um "grupo de amigos do bonitão", todos virtuosos defensores da legalidade democrática em vigor, segundo eles, devidamente plasmada no acórdão. Apenas duas observações. Os juizes são seres mortais, complexos e alguns têm dúvidas como todos nós. São, por exemplo, tão licenciados em direito como eu. E se a mim me tem "dado" para ir para juiz, com a mesma lei, com os mesmos factos e com o mesmo circunstancialismo, de certeza que não iria escrever a mesma coisa ou votava vencido. Talvez a minha "sensibilidade" jurídica seja menos apurada do que a dos senhores juizes de Torres Novas que, "sem margem para dúvidas", puseram o sargento baixinho, feioso e, pelos vistos, mal intencionado, na prisão. Quanto ao "habeas corpus", continuo a não ver motivos para que ele não seja concedido. Quanto ao resto, "amigos do bonitão" e demais carpideiras legalistas, há recursos para todos os gostos. Ainda não foi dita a última palavra.

UM DESTINO


Miguel Sousa Tavares, no Expresso, "indignava-se" pela presença de Salazar e de Cunhal nos dez "finalistas" da D. Elisa. Por outras palavras, o Miguel explicava que não íamos a lado nenhum precisamente por causa deste deslumbramento por autoritários e ditadores. De facto, ao lado destes dois, temos ainda o poeta da "Mensagem" - o do "presidente-rei" e da saudação inicial ao "Estado Novo"- , o Marquês de Pombal que não brincava em serviço e meia dúzia de "humanistas" e de visionários cujo legado os vindouros se encarregaram metodicamente de destruir. Porventura o último "homem bom" terá sido D. Carlos I - ninguém se lembrou dele na D. Elisa- e, mesmo esse, apascentou o "ditador" João Franco, acabando às mãos dos tiranos que se seguiram, os amiguinhos do dr. Afonso Costa. Depois do 25 de Abril, a saga continuou. O MFA quis "reeducar" o povo à força por via da "dinamização cultural" e sempre se soube o que queriam o dr. Cunhal e os seus "homens de palha". Com o 25 de Novembro chegou o austero Eanes e, anos depois, o "absolutismo democrático" de Cavaco Silva e de José Sócrates. Somos "geridos" - na política, na cultura, no "espírito" e na economia - por ex-maoístas, por maus salazarentos e por antigos estalinistas reciclados, todos genuínos anti-democratas. São eles a "elite". Não temos, por isso, o lastro de uma democracia liberal que nunca seremos. A "massa autoritária" está-nos no sangue e em tudo. Entre nós não existe - nem nunca existirá - uma verdadeira cultura democrática. O trágico episódio da "rua assassina do Arsenal", como lhe chamou em poema o Joaquim Manuel Magalhães, terá posto um fim a quaisquer veleidades de isto poder ter sido outra coisa. As coisas, porém, são o que são e nós somos o que somos. Sempre pequeninos, sempre respeitosos, sempre venerandos e obrigados.

FIAMA....

... pelo José Medeiros Ferreira: "queria elevar os padrões de vida e de exigência do povo português mas não usou a cultura como fonte de poder ou de opressão sobre os outros." Num momento de virtuais "grandes portugueses", não conheço melhor voto.

TRÊS TRISTES "SIMS"

Ontem, num telejornal, apareceram pelo menos três grandes defensores do "sim". O senhor engenheiro, o sr. Jerónimo de Sousa e o dr. Louçã. Fizeram-me lembrar a campanha das presidenciais que tão brilhantes resultados trouxe às "esquerdas". O senhor engenheiro, naquela linguagem mista entre o gestual e de professor primário dos anos 50, explicava pacientemente aos camaradas como se devia estar e não estar simultaneamente a favor da causa. Jerónimo de Sousa aproveitou o aborto para mais uma bravata contra o seu colega do "sim" - o referido engenheiro - e terminou agarrado aos camaradas a cantar o hino dele, o "avante, camarada, avante, o sol brilhará para todos nós". E o dr. Louçã, finalmente, qual amanuense dos serviços prisionais, persistiu em ligar aborto a prisões e vice-versa, como se alguém estivesse preso à conta do dito. Qualquer dos três prestou um excelente serviço à campanha do "não" e, pior do que isso, à abstenção. É que, olhando para aquelas três tristes figuras, quem é que tem vontade de votar?

20.1.07

WHY NOT?

A dada altura, Norman Mailer escreveu que a forma como Mrs. Clinton franzia o sobrolho denunciava uma imensa sede de poder. Why not?

UM "SIM RESPEITÁVEL"

Desenvolveu-se ultimamente a fantástica ideia de um "sim responsável" o que, no limite, pressupõe que existe um "sim irresponsável". Eu, que não faço parte nem de um, nem do outro, preferia um "sim respeitável". Para isso, era preciso que a pergunta do referendo fosse outra, que o SNS funcionasse em condições e que não se confundisse despenalização com liberalização. Todavia, já não há tempo para grandes "filosofias". As coisas são o que são.

FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO 1938-2007

Peço emprestado o poema ao Eduardo. Fiama é apenas um dos poetas mais importantes da sua geração. Sobram poucos: o Gastão, o Joaquim e o João Miguel. Dos que eu gosto, naturalmente.

O urogalo não cantou toda a manhã.
Despida de sentimentos, procuro
os nomes e os mitos. E a grande sombra
da árvore de palma veio pousar
sobre a relva nua e o decepado coto.
Não mais interiorizo a Natureza próxima.
Que o morto aloendro leve consigo
anos de infância e juventude, carícias
do vento, para sempre e em todo o lugar.

O urogalo viria em vez do melro,
cujo corpo sacode o restolho de velhas folhas,
cujo assobio se abafa na hera invasora.
Seria o sinal do último cantor da casa,
o desconhecido urogalo, que apagaria
esta tristeza de nada desejar, aqui e agora,
entre estes cepos, esta terra revolta
e os mortos tão absolutos e esquecidos,
depois de tão eternamente vivos.

OS SUPER-CÂNCIO

Faz segunda-feira um ano que Cavaco Silva foi eleito PR. Nessa pugna interveio a blogosfera, sobretudo o Pulo do Lobo, "cavaquista", e o Super-Mário, "soarista de terceira geração". Agora, para este referendo, também há um Blogue do Não e um Blogue do Sim. A diferença é que, neste último, a "convivência" gerada no "Super-Mário" alargou-se a "liberais blasfemos". Também tem o engraçadinho da PT e o homem de imprensa do BE. E, last but not the least, a Fernanda Câncio. Vou, pois, chamar-lhes os "Super-Câncio". Bem-vindos ao debate.

DESCONHECIMENTO

O engenheiro Sócrates imagina que acaba com o aborto clandestino se o "sim" ganhar. Como chefe do governo, tinha a estrita obrigação de conhecer o país e, sobretudo, as instituições de saúde pública em que manda. Não é, pelos vistos, o caso.

SENTIDO DE VIDA

Como é óbvio, este blogue também subscreve o pedido de "habeas corpus" que visa tirar da cadeia o pai adoptivo de Esmeralda Porto, inexplicavelmente sentenciado com seis anos de prisão por ter querido dar qualidade e sentido de vida a uma criança. Será que os senhores magistrados de Torres Novas - juízes e MP - ignoram o que seja o "sentimento jurídico colectivo", do velho Rudolf von Ihering? Qualquer sebenta de introdução ao direito explica.

BATER NA BOCA

Enquanto o primeiro-ministro de Portugal participa em sessões de propaganda do seu partido favoráveis à liberalização do aborto - nos termos em que ela é proposta na pergunta malandrinha de 11 de Fevereiro - sem propriamente estar interessado em debater o assunto friamente, o Bloco e o maior partido da oposição "agarram" no "pacote Cravinho anti-corrupção" (na parte que o PS, com argumentos que fariam corar o aluno mais burro do primeiro ano do curso de direito, fez abortar) e vão apresentá-los, fazendo-os seus, no Parlamento. Vale o gesto, já que a maioria do respeitinho não deixará certamente de invocar o mesmo barroquismo jurídico que alegou dentro do seu grupo parlamentar para continuar a assobiar para o ar. Alberto Martins, Vera Jardim e um senhor dos Açores foram o rosto desse inexplicável barroquismo. Ainda um dia os hei-de ver a bater na boca.

19.1.07

DEBATER


Colóquio Nacional sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, amanhã, dia 20 de Janeiro, na Sala Almada Negreiros do Centro Cultural de Belém.

PROGRAMA

10h30 – Abertura pelo Dr. Luís Marques Mendes

1.º Painel - «por opção da mulher nas 10 primeiras semanas»

Moderadora - Raquel Abecassis (Jornalista da Rádio Renascença), Dr. João Paulo Malta (Obstetra no Hospital Cuf Descobertas), Dr.ª Margarida Cabral (Advogada), Prof. Miguel Oliveira da Silva (Obstetra no Hospital Santa Maria), Dr.ª Margarida Neto (Psiquiatra)

14h30 – Reinício do Colóquio

2.º Painel - «a despenalização»


Moderador - Paulo Pinto Mascarenhas (Director da Revista Atlântico), Prof.ª Maria Lúcia Amaral (Professora de Direito da UNL), Prof. Tiago Duarte (Professor de Direito da UNL) Dr. Rui Pereira (Professor de Direito da UNL e da Universidade Lusíada) Dr. Rogério Alves (Bastonário da Ordem dos Advogados)

16h30 – Reinício do Colóquio

3.º Painel - «em estabelecimento de saúde legalmente autorizado»

Moderadora - Laurinda Alves (Jornalista), Dr.ª Maria de Belém Roseira (Jurista e Deputada), Prof. José Manuel Silva (Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos), Prof. Manuel Pedro Magalhães (Director Clínico e Presidente da Comissão Executiva do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa)

17h45 – Encerramento pela Dr.ª Laurinda Alves

RAZÃO DE ESTADO?

O Paulo Portas tem razão e Luís Marques Guedes também. Maria José Morgado e Maria Fernanda Palma, respectivamente procuradora-geral adjunta e juíza do Tribunal Constitucional - esta, ainda por cima, a relatora do acordão sobre a brilhante pergunta do referendo - apareceram num colóquio do PS que se realizou em plena Assembleia da República. São, naturalmente, cidadãs com direito à sua opinião. Veicular essa opinião numa sessão partidária devidamente identificada, não se coaduna com as respectivas funções as quais exigem isenção, pelo menos, pública. Ou será que o "sim" puramente partidário tem estatuto de razão de Estado?

EQUILÍBRIO, DIZEM ELES

"A Comissão Nacional de Eleições (CNE) criou, em nome do equilíbrio dos tempos de antena, uma grelha, que permite uma presença mais assídua nas rádios e na televisão dos movimentos pelo “Sim”. A lei obriga a uma divisão aritmética dos tempos, mas o facto de existirem 6 movimentos pelo “Sim” e apenas 15 pelo “Não” iria levar a um desequilibro."

Via André Azevedo Alves, in Blogue do Não

A PENHORA FICA-VOS TÃO BEM

O arresto dos bens do sr. dr. Vale e Azevedo constitui "ouro sobre azul". É como se não se passasse mais nada no país gerido silenciosamente pelo eng.º Pinto de Sousa.

UM MISTÉRIO LIBANÊS


Parece que Rute, uma jornalista portuguesa, se perdeu no país do cedro. Ou será que foi sequestrada? Sorte ou má sorte ter ido até ao Líbano? É de seguir. E mais gente preocupada com isto.

JOGOS FLORAIS - 3

João Pedro: apesar de V. me ter proibido de o ler, este "estadista" gostava eu de o ter escrito.

DA CAPOEIRA

O dr. José António Pinto Ribeiro, eminente jurista que provoca honestos delíquios e vastos suspiros junto de algumas "intelectuais" da nossa pequenina praça (deve ser da melena blasé) , homem da "esquerda caviar" degustada com champanhe, saiu-se com esta pérola de refinado bom gosto: "um ovo não é igual a um pinto, um ovo não tem os mesmos direitos do que um frango." A eminência preside ao Fórum Justiça e Liberdade e proferiu a sentença numa sessão organizada pelo Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim. A Marta Rebelo, que estava ao lado dele, terá achado esta sublime imagem dignificante para os seres humanos - mulheres, homens e crianças - que o Movimento que integra alegadamente defende? Não haverá ninguém no Movimento que lhe esmague um ovo na melena para ele perceber a diferença?

18.1.07

ISTO É...

UM LIVRO

Amanhã estará à venda na Livraria Almedina e é apresentado para a semana, em Lisboa. Alguns dos argumentos também são meus. O livro é nosso mas é sobretudo dos leitores.

CREPUSCULARES

Umas quantas caquéticas "soixante-huitardes", lideradas pela inefável Arlette Laguiller - o equivalente francês de Francisco Louçã - manifestaram-se em Paris a favor do "sim" em Lisboa, com mais meia-dúzia de activistas nacionais devidamente arregimentados. A coisa passou-se ao cair da noite pelo que - felizmente para elas - ninguém deu por isso.

Adenda: Agradeço ao João Vacas a correcção.

O DONO

Só agora reparei que o PS recorreu a um espaço na Assembleia da República, onde antes tinha assento a Câmara Corporativa, para produzir uma sessão político-partidária de apoio ao "sim", com direito a cartaz, a bardo - Alegre - e a uma magistrada do MP, Maria José Morgado, como "superstar". Como é que uma mulher cuja profissão é garantir a legalidade democrática, alinhou nesta pequena comédia perversa do partido maioritário que, pelos visto, se julga dono do Estado?

AI...

... sim? Que medo.

JOGOS FLORAIS -2

A televisão pública, RTP 1, no telejornal do escritor Rodrigues dos Santos, ouve em directo o sr. Melo abaixo referido. Há várias maneiras de fazer propaganda. Uma delas é promover os pseudo-adversários quando eles não resistem à sua pequena vaidade. O CDS, pelo menos uma das suas partes, é uma belíssima muleta negra do senhor engenheiro, seja no voto parlamentar, seja no circo. Isto ainda acaba em boda.

CONTENTINHO

O incrível e ainda ministro da Saúde, Correia de Campos, decidiu que o melhor mesmo é não investigar isto. Primeiro, mandou fazer o habitual inquérito. Depois, alguém reuniu com alguém e Campos deu-se por satisfeito. Aliás, se se reparar bem, o ministro aparenta sempre um ar de contentinho por maior que seja a trapalhada. A minha padeira, em vez de contentinho, chama-lhe outra coisa.

JOGOS FLORAIS



O sr. Melo mostrou-se muito indignado contra o sr. Ribeiro e Castro a quem acusou de "perseguição pessoal" e de outras aleivosias. Segundo o sr. Melo, Ribeiro e Castro não lhe disse "olhos nos olhos" o que pensava dele embora não conste que ele - Melo - o tivesse feito em relação a Ribeiro e Castro. Do que me lembro, o sr. Melo aproveitou uma jantarada onde se sentava o ladino Portas para o bajular e indirectamente atacar com todas as letras o líder do partido. Se fosse comigo, o sr. Melo teria sido imediatamente corrido da chefia do grupo parlamentar. Como foi com Ribeiro e Castro, a coisa transformou-se num imenso pastelão - bem maior do que aquilo que o CDS/PP representa no país - que culminou com a bravata do sr. Melo no Parlamento. De seguida, os seus amiguinhos deputados vieram lamber-lhe as feridas e, de novo, bajular Paulo Portas. Como escreve José Pacheco Pereira no Público, existem dois CDS/PP. Qualquer deles, acrescento eu, duas ficções onde pairam, evanescentes, o actual líder e Paulo Portas. Mais um bocadinho, e em vez de dois partidinhos de ressentidos, não há nada. Convinha aos "populares", cujo tamanho do umbigo é inversamente proporcional à sua importância política real, meditarem nisso. E o último a sair que apague a luz e leve o busto do engº Amaro da Costa.

A SOMBRA

Vera Jardim, deputado como João Cravinho, detectou "inseguranças" jurídicas no tão falado projecto deste último contra a corrupção. Cravinho já está noutra, de malas aviadas para Londres e, como é lúcido, já deve ter percebido que os seus camaradas estão apenas interessados em voar baixinho na matéria. Quando não se quer fazer grande coisa, recorre-se aos jargões do direito: imprecisão, insegurança, incerteza e por aí fora. Não admira, pois, que Salazar corra o risco de, quase quarenta anos depois da sua morte, vir a ser o "político do ano". Não era ele que recomendava "decididos até onde ir, não devemos ir mais além"?

17.1.07

QUESTÕES DE "FORÇA"

A dra. Maria José Morgado, pessoa que considero, emitiu uma opinião sobre o aborto. Disse que a norma em vigor - do Código Penal - "perdeu a força" e que existem clínicas em Portugal onde se perpetram abortos que são um negócio chorudo e corrupto. Apenas duas observações. A norma não me parece que tenha perdido a força. Raramente a teve, o que é uma coisa completamente diferente. Ou seja, não se criaram as condições para a sua plena aplicação. O dr. Correia de Campos só agora "despertou" para isso e, tal como M. J. Morgado, defende a liberalização total do aborto realizado até às dez semanas de gestação para "lavar as mãos" de um "sistema" que não controla. Voltamos, pois, ao facilitismo abortivo como puro método contra a concepção e para "safar" o SNS das suas elementares obrigações. Quanto às clínicas, a questão coloca-se nos mesmíssimos termos para os negócios que se avizinham se o "sim" vencesse: chorudos, potencialmente corruptos e eticamente condenáveis. A dra. Maria José ainda se manifestou sobre o direito constitucionalmente consagrado que protege a vida intra-uterina. Segundo ela, com um argumentário muito baralhado, este não sobreleva o famoso direito da mulher a gerir a sua vida. Se fosse por aí, o corolário lógico seria retirar o aborto do Código Penal. Todavia não era isso que ia acontecer se a posição da dra. Maria José vencesse. O aborto é e será um crime, previsto e punido pelo direito penal da civilização de que fazemos parte, com excepções que, de maneira nenhuma, perderam "força". Melhor do que eu, a dra. Maria José sabe que a lei deve ser cumprida. Se ela "perdeu força", de quem é a culpa?

FAÇAM FAVOR

Paulo e outros amáveis leitores: preocupa-me mais o que o governo anda a fazer do que aquilo que o Pedro Santana Lopes pensa fazer ou deixar de fazer. Isso é que me interessa e imagino que interesse, ainda que vagamente, ao país. Pressuponho que isso também interesse a S. Lopes. Onde, quando e como, é lá com ele e com o PSD. Limitei-me a emitir uma sugestão. Se o dr. Marques Guedes é tido por um excelente líder parlamentar do maior partido da oposição nas actuais circunstâncias, quem sou eu para o contestar? Façam favor.

UM SINAL

De acordo com o Público, os ministros António Costa, Vieira da Silva e Mário Lino irão gerir o QREN. Se assim for, tratar-se-á de uma gestão política da coisa e não tanto técnica, como ontem se insinuou, a entregar a "privados". Ou seja, mesmo que arranje uns "privados" para cuidar da intendência, o PS não abdica do fait du prince. Costa à cabeça - um mega-ministro com um espectro de actuação político-partidária incomensurável - é um sinal. Mau, por sinal.

À PROCURA DE UM TRIBUNO - 2


Quando me autografou o livro, tentei explicar-lhe três coisas em dois minutos. A primeira, que nunca devia ter aceite a passadeira vermelha da "loja dos trezentos" que os drs. Sampaio e Barroso lhe ofereceram. A segunda, que costumava andar em péssimas companhias. A terceira, que desconfiasse sempre de alguém cuja principal referência de juventude foi o "livrinho vermelho" do Mao. Ele olhou-me espantado e, na dedicatória, agradeceu a "sinceridade" e apreciou o facto de eu "ser livre". Pois sou. Fui quando o critiquei e sou quando, apesar dos comentários, escrevi isto aqui. Afinal, parece que não era assim tão despropositado. Força.

BACK TO BASICS


Consta que Cavaco Silva, depois do gosto que lhe ficou pelo pão que comeu na Índia, pôde ainda "respirar o espírito de inovação" em Bangalore, local onde se viu rodeado de "excelência" e por um português que lhe recomendou acabar com as meridionais "pontes" entre feriados. Percebe-se que Cavaco anseie poder "vingar-se" do desaire carnavalesco de 94, no que certamente contará agora com a anuência do seu austero primeiro-ministro, esse extraordinário aprendiz de feiticeiro. Terminada a volta pelo "espírito de inovação", talvez conviesse ao Presidente meditar nas palavras do seu antecessor D. Carlos I e único quando, depois das paródias de Paris, resmungava para quem o quisesse ouvir: "lá vamos outra vez ao encontro dos nossos piolhosos". Seja bem vindo.

16.1.07

O SONHO E O NADA


Por razões diferentes, gosto de praticamente todos os "dez maiores portugueses" da D. Elisa. Entre o Infante D. Henrique e D. João II, prefiro este e outro que lá não está, D. Manuel. Entre Camões e Pessoa, escolho os dois, ambos melancolicamente traídos por um país que os não mereceu. Tenho pena que não esteja o Eça. O Gama lembra-nos um vago tempo em que parece que fomos grandes e imaginativos. Já Afonso Henriques nunca me impressionou diferentemente de Sebastião José de Carvalho e Mello, que sempre admirei, e que o pacovismo e a "reacção" ancien regime nunca suportaram. Aristides Sousa Mendes seria um herói em qualquer parte do mundo porque era um verdadeiro cidadão do mundo. Restam os "grandes" do nosso século XX, para além de Pessoa e Sousa Mendes: Cunhal e Salazar. Todo esse tempo se forjou em torno deste último. Com ele e contra ele, o Portugal político dos novecentos girou sempre à sua sombra tutelar. Cunhal "fez-se" na luta contra Salazar e Salazar perpetuou-se, entre outras coisas, em nome da luta contra o que Cunhal representava. Cunhal viveu o suficiente para assistir àquilo a que ele chamou uma amarga derrota. Salazar, pelo contrário, morreu indemne. Estes "dez grandes" de um jogo televisivo não nos representam, afinal, tão mal quanto isso. Foram como nós somos, eternos oscilantes entre o sonho e o nada, como escreveu Camões em "Os Lusíadas".

QREN


O engenheiro Pinto de Sousa apresentou ao país uma nova sigla, o QREN, dá-me ideia que é assim. E apresentou o que interessava à plateia que o ouvia, recheada de autarcas, de governantes, de directores-gerais, do regime, enfim. Vêm aí os últimos milhões de Bruxelas. A partir de 2013, a Europa fecha a torneira, vira-se para o seu centro e nós ficamos entregues ao nosso sol, à nossa praia, à nossa miserável periferia. A retórica da qualificação, da "formação profissional" e o "desta vez é que é" não faltou na exposição do primeiro-ministro. Entretanto, dos vinte e um mil e poucos milhões, ficaram por explicar cerca de onze mil. Esses ficam para os lobos que oportunamente uivarem, para a OTA e para qualquer outra obra que possa perpetuar este regime e os seus sequazes. É, como de costume, de esperar o pior.

FILHA, COMO ELES DIZEM

Parece que a criança se chama Esmeralda. Foi filha do acaso, de um "descuido" que envolveu um português e uma moça brasileira. O "tuga", depois de aliviar-se, não quis ouvir falar mais em filha. Como de costume, a brasileira não tinha "com que" criar a criança sozinha, depois do pai debandar. Soube entretanto da existência de um casal em Torres Novas que pretendia adoptar uma criança. Aos três meses, Esmeralda foi adoptada pelo dito casal. Aquando da investigação obrigatória da paternidade para registo oficial da adopção, requerido pelo casal em tribunal, o "tuga" lembrou-se que lhe apetecia ser pai. Esmeralda tinha então um ano. Há três anos, no processo de regulação do poder paternal, o tribunal entregou a criança ao fornecedor de esperma com o inevitável e cínico "acompanhamento psicológico". Inconformado, o casal que a criara - a filha, como lhe chamavam - interpôs recurso da decisão e fez a Esmeralda sair de circulação. O "arrependido" tratou então de apresentar uma queixa-crime contra o casal a que o MP deu o devido andamento, pelo que o homem - a mulher terá desaparecido com a filha, como eles lhe chamam, e o homem jamais abriu a boca para dizer onde se encontram as duas - foi pronunciado por sequestro, tendo sido sujeito a prisão preventiva não fosse o caso, entendeu a juíza, de lhe apetecer ir ter com a família. Hoje, no dia em que o pai da Esmeralda - o tal que lhe chamou e a tratou sempre como filha - foi condenado a seis (6) anos de prisão pelo Tribunal de Torres Novas e ao pagamento de uma indemnização de mais de trinta mil euros ao "tuga" arrependido, a Esmeralda tem cinco anos. Desde os três meses não conheceu outra família senão este casal que a desejou e criou como sua filha. Quiseram ambos, no primeiro ano de vida da filha, adoptá-la de acordo com a lei e isso aparentemente foi-lhes fatal. O Tribunal decidiu, "sem qualquer dúvida", condenar o homem. Entre a lei cega, surda e muda e a felicidade da filha e da mulher, ou seja, da sua família, aquele homem também não teve qualquer dúvida. Terá porventura escutado a sentença de pé. E é de pé que este homem vai continuar a viver daqui em diante, na prisão, seguro do seu amor pela Esmeralda, a filha dele e não um objecto transaccionável nas mãos de um oportunista e de uma lei cruel. Há dias - tantos - em que a "administração da justiça", o direito, me envergonha. Este é só mais um deles.

A CENSORA

A dra. Manuela Ferreira Leite tem, para além de uma boa cabeça de economista, uma cabeça autoritária e apolítica. Sabe-se que Marques Mendes vota "não" e que, para além disso, o partido tenciona organizar debates e sessões de esclarecimento abertos aos adeptos de qualquer das duas, três, quatro ou cinco "posições" sobre o aborto. É mais pedagógico do que colocar demagogia pura em outdoors como anda a fazer o partido maioritário. Ao utilizar os seus "tempos de antena" neste registo, o PSD presta melhor serviço à opinião pública do que se andasse para aí a berrar para um lado ou para o outro. Acontece que Ferreira Leite, seguindo os piores exemplos do "adversário" (Teixeira Lopes contra Rui Rio no Porto ou Odete Santos contra Paula Teixeira da Cruz, na televisão), não quer que os adeptos do "sim", militantes do PSD, participem nos "tempos de antena" porque, diz ela, o partido é maioritariamente pelo "não". Eu voto "não", mas não tenho as certezas da dra. Ferreira Leite nem tenho pretensões a mandar na cabeça dos outros. Oxalá não se arrependa.

DOIS GRANDES PORTUGUESES


Em plena escuridão "fascista", a Simone de Oliveira e o José Carlos Ary dos Santos deram uma lição, pelos vistos mal aprendida, aos prosélitos que julgam agora ter descoberto a pólvora por causa de um referendo. "Quem faz um filho/fá-lo por gosto", escrevia o Ary dos Santos e cantava a Simone de Oliveira, cá e na Europa, através da televisão. Corria o ano de 1969, com Salazar já meio taralhouco e um Marcello emergente e pusilânime. Ela e Ary são, por exemplo, dois grandes portugueses. Ao menos tinham- a Simone felizmente ainda tem - tomates.

15.1.07

TODOS BONS RAPAZES

Ao fim de quinze dias de ano novo, o governo regressa em grande à propaganda pela voz autorizada do ministro Santos Silva. À sua volta, um economista amigo, politicamente nulo e notório compagnon de route (o ministro diz que "sim" com a cabeça a cada frase maravilhosa e maravilhada do isento economista). À sua frente, o presidente da câmara corporativa dos bancos e esquecível ministro das Finanças do dr. Balsemão, ou seja, sem um pingo de autoridade política, o eterno dr. Salgueiro, e um vice-presidente do PSD, Azevedo Soares, um bom homem. Na primeira fila da Casa do Artista, senta-se Nicolau Santos, na feliz expressão de Bagão Félix, "o perguntista do regime". Todos bons rapazes.

DESLUMBRAMENTO PRESIDENCIAL

Estive a ver e não acreditei. Na SIC Notícias, o "meu" casal presidencial foi entrevistado no quarto do hotel, algures na Índia. Nenhum casal levado à Índia pela Abreu diria melhor.

CLAROS DIREITOS E CLAROS DEVERES

Não tenho outra maneira de dizer isto, Eduardo: oponho-me à aplicação das disposições sobre "direito da família" que constam do nosso Código Civil e legislação conexa (registos, etc.) a same sexers. Porquê? Muito simplesmente porque todo o articulado, mesmo o revisto em 1977 - sim, às vezes, quando se fala muito em reformismo, esquece-se um dos governos mais "reformistas" da democracia, o primeiro de Mário Soares -, está concebido para a família dita tradicional, constituída a partir de cônjuges de sexo diferente. Gosto tanto de uma como das outras. Todavia, sou favorável à criação de um instituto jurídico distinto do "direito da família"e legislação complementar - tão detalhado quanto esta e com a ratio legis adequada - para outro tipo uniões maritais. Sem confusões e com claros direitos e claros deveres.

NO PAÍS DAS MARAVILHAS

O Portugal "competitivo", desafiante, do TGV, da OTA, da "globalização" e de outras maravilhas que me dispenso de nomear, não consegue transportar de Odemira para Lisboa um ferido grave em menos de seis horas. O ferido é hoje um cadáver. As declarações do presidente do INEM, num sítio civilizado, já o teriam posto na rua, na sua rica casinha porventura prudentemente afastada do perigoso "interior".

14.1.07

A.O.S


Custou caro à televisão oficial - também conhecida por "serviço público" -, ao regime e aos seus corifeus "histórico-culturais" a omissão inicial no "guião" do programa da D. Elisa. Mesmo assim, ainda recorreram à "ordem alfabética" para disfarçar o embaraço. Eis, pois, um belo momento para pôr termo aos fantasmas da nossa história recente. Neste caso, inscrevendo Salazar naturalmente nela, ou seja, num tempo que passou, tentando percebê-lo. Sem demagogia, sem dramas, sem complexos.

PELO SIM E PELO NÃO...

"Neste referendo, tal como no de 1998, dada a delicadeza do assunto que está em causa, qualquer pessoa de bom senso, na dúvida engrossa a abstenção."

Tomás Vasques, in Hoje há Conquilhas


"ela lembrou-se de me dizer, sem sequer eu ter introduzido o assunto, que não votaria a 11 de fevereiro. 'porque não concordo', disse ela. em 98, ela não votou. estivemos na noite anterior a discutir isso. a minha amiga é católica. a minha amiga abortou, não sei se uma se duas vezes. diz que se arrepende de ter abortado. percebo isso -- percebo bem de arrependimentos. contou-me que um dos abortos -- ou o único? -- foi feito numa mesa de cozinha com uma bomba de bicicleta. só retive isso: uma mesa de cozinha e uma bomba de bicicleta. que foi horrível. que ela era muito nova."

Fernanda Câncio, in Glória Fácil

NADA FICOU

Salazar mandou defender Goa até à morte do último soldado. Era, digamos assim, uma questão de princípio. Falar agora em questões de princípio diz pouco aos nossos contemporâneos, sobretudo os mais jovens, cada vez mais amnésicos, cada vez mais ignorantes. Custa-nos engolir o passado e até o chefe de Estado evitou passar por um quadro que retratava o antigo presidente do conselho, em Goa. Se somos nós próprios os primeiros a ter vergonha da nossa história, que podemos esperar dos outros? A manifestação feita contra o doutoramento honoris causa de Cavaco Silva, em Goa, significa apenas isso. De nós, nada ficou.

À PROCURA DE UM TRIBUNO



O PSD, mesmo enquanto partido maioritário, teve sempre problemas com os seus líderes parlamentares. Que me lembre, e tirando Luís Marques Mendes - nos difíceis tempos de Marcelo - e Guilherme Silva - que teve de gerir, no Parlamento, uma coligação -, o resto mais remoto foi complicado. Duarte Lima, um bom parlamentar, enfraqueceu-se por causa das suspeições sobre a sua vida privada. Pacheco Pereira, que lhe sucedeu, arranjou uma diatribe despropositada com a comunicação social da altura - não queria ver jornalistas a farejar nos corredores da AR - e é manifestamente um homem de bastidores. Manuela Ferreira Leite foi um erro. Não é "política" e devia estar preservada para outras coisas que acabaram por aparecer mais adiante (o governo, por exemplo). Chegamos assim a Luís Marques Guedes. Guedes, seguramente um bom jurista e uma boa pessoa, é a antítese de um líder parlamentar da oposição - da que conta - a uma maioria. Imagino que pouca gente o ouça fora do hemiciclo. E mesmo lá dentro, tenho as minhas dúvidas. Não empolga e não nos reclama atenção. Marques Mendes faria bem em sugerir outro nome, agora que se vai entrar na "política" a sério, tanto quanto se pode levar a sério a nossa "política". Este grupo parlamentar do PSD - é bom não o esquecer - não resulta de uma escolha do actual líder do partido. Falta-lhe em tribunos o que lhe sobra em monos. Está lá, no entanto, o homem que os escolheu, o homem que, de qualquer maneira, deu origem a "isto", a esta maioria. Por sinal, é, quando quer, um excelente tribuno. Por isso, modestamente sugiro daqui dois nomes. O dele, o de Pedro Santana Lopes e, pela disciplina adquirida noutros tempos e pelas performances parlamentares de que é capaz, a Zita Seabra. Loucura de domingo? Talvez sim ou talvez não.