30.6.05

CEM

Pôr Manuel Pinho a anunciar "investimentos" e "inovações" é praticamente o mesmo que pedir a Júlio Isidro que fale da reestruturação da RTP, por exemplo. No entanto foi ele o escolhido para, com o mar ao fundo, tentar fazer o "contraponto" colorido dos próximos dias do governo, depois de cem quase sempre a preto-e-branco. Nem sequer faltaram o eterno aeroporto da Ota e a "banda larga". Houve igualmente lugar a uns murmúrios sobre "energia nuclear" e, por entre ondas de "progresso" anunciado, o governo posou para se celebrar. Descontando a parolice do gesto, aliás comum a todos os governos, julgo que Sócrates tem ainda pela frente fôlego que baste. E deve ser contido na sua gestão porque "o tempo e o modo" próximos não vão ser nada fáceis. O entusiasmo não é o mesmo de Fevereiro. Este período - vamos chamar-lhe "de adaptação" - não correu tão bem como porventura o governo e o PS esperariam. Ou como eu próprio esperava. Mas eu não conto. Daqui em diante o governo, se já estava aplicadamente vigiado, vai ficar seguramente mais escrutinado, seja por que pretexto for. Sócrates precisa de "afinar" o lado "político" da coisa e, de caminho, obrigar os seus ministros a fazerem o mesmo. Não sei se alguns já irão a tempo.

29.6.05

LER...

... este artigo de Ricardo Costa, sobre o "calendário do PS".

A CAMINHO

Com serenidade e realismo, Cavaco Silva mostrou hoje, uma vez mais, que está no bom caminho para suceder a Jorge Sampaio. Não é necessário ser "providencialista" para chegar ao óbvio. Mas talvez nunca como daqui a uns escassos meses o país terá precisado tanto dele.

OUTRAS VOZES

Vale a pena ler este documento da Conferência Episcopal Portuguesa, Um olhar de responsabilidade e de esperança sobre a crise financeira do país. Trata-se de uma oportuna e serena reflexão sobre os dias que correm feita por pessoas que, ao contrário de nós, não passam a vida a correr estupidamente para lado nenhum. "Na busca de soluções há valores que é preciso preservar: a equidade, a convergência na complementaridade e a subsidiariedade. O contributo de todos é necessário; o que se pede a cada um deve ter em conta a sua situação peculiar, não pedindo o mesmo a pobres e ricos, não descurando os doentes e as pessoas dependentes, não fragilizando as famílias, já tão atingidas por fenómenos como a desagregação ou endividamento insustentável. Em todas as políticas, mas de modo particular nas políticas de austeridade, há grupos sociais que precisam de uma atenção particular, porque quando se agravam os seus problemas, agravam-se inevitavelmente os problemas de toda a comunidade. Problemas como o desemprego criam situações angustiantes. Estamos conscientes de que os próximos tempos conduzirão a uma profunda mudança de mentalidades a exigir estímulo a quem cria oportunidades, a requerer invenção de pronta solidariedade e a conduzir a uma opção pessoal pela sobriedade, terreno realista, contrário a promessas impossíveis."

AVENTESMAS

Está na moda a "indignação" pelo suposto número excessivo de "nomeações" que o governo terá efectuado em três meses. Apenas três observações. Em primeiro lugar, a maior parte dessas "escandalosas" nomeações dizem respeito aos gabinetes dos membros do governo. Ninguém de boa-fé pode esperar que os ministros e os secretários de Estado não trabalhem com quem eles entendem dever trabalhar. Se nem sempre são dos "nossos" ou se, por vezes, até ficam notoriamente mal acompanhados, isso é um problema exclusivo das partes envolvidas. Em segundo lugar, é natural e saudável que o governo "renove". Não se percebe como é que se pode prosseguir uma política "diferente" com as mesmas criaturas. Finalmente, eu também me "indigno", não tanto pelas nomeações já realizadas, mas mais pela circunstância de continuar a ver muitas aventesmas do passado remoto e do passado recente nos mesmíssimos sítios onde as colocaram, caladas que nem ratos. Posso garantir que, com algumas que para aí andam, não se vai a lado nenhum.

A LEI DAS COMPENSAÇÕES

Talvez para "compensar" das tormentas por que tem passado no "flanco esquerdo", o PS e o governo foram ressuscitar o referendo ao aborto. Um pouco como quem pensa: "já que não temos o da Constituição Europeia, temos este". Não é propriamente o que está a fazer mais falta ao país, nem é manifestamente uma prioridade. O que é verdadeiramente uma necessidade é dar aos hospitais públicos condições para que seja cumprida a lei em vigor em matéria de interrupção voluntária de gravidez. A ideia peregrina do recurso a clínicas privadas para se poder fazer o que os hospitais públicos deviam garantir, é apenas mais uma hipocrisia no doentio caminho perseguido por estas matérias. Eu percebo que o PS queira "cumprir" a parte do programa eleitoral que pode cumprir. Pergunto é se esta "parte", tirada sempre da gaveta de acordo com a "agenda mediática" e com as circunstâncias "ocorrentes", não vai abrir despropositadamente outras "frentes de batalha" num momento em que já estamos bem servidos delas.

28.6.05

LER OS OUTROS

No Abrupto, o bonito Adeus de Pacheco Pereira sobre Eugénio de Andrade.

27.6.05

O PATHOS "TÉCNICO"

Sem querer parecer "mauzinho", não posso deixar de assinalar o "tema" do dia. Tudo começou com umas "incongruências" apontadas ao OE rectificativo que o governo entregou sexta-feira, pela calada da noite, na AR. Provavelmente o dia foi passado no ministério das Finanças a "remoer" os dados apresentados e - percebeu-se isso à hora dos telejornais - a pensar no que se deveria dizer cá para fora. Melhor do que eu poderia alguma vez dizer, Nicolau Santos, no texto que a seguir reproduzo com a vénia devida ao autor e ao Expresso online, resume o fundamental. Voltámos, sem nunca disso termos verdadeiramente saído, à dicotomia "técnica" vs. "política". Campos e Cunha veio a terreiro dizer pouco e dizer mal. Depois dos enxovalhos - a maior parte inteiramente merecidos - que foram dirigidos à elaboração do OE em vigor, esperava-se, pelo menos dos "técnicos", que não existissem desatenções ou - o que seria bem pior - "manipulações" na composição do "rectificativo". Como isso aparentemente não aconteceu, os "técnicos" acabaram por prestar um mau serviço à "política". E Campos e Cunha sofreu um revés político, pela via dita "técnica", cuja expressão não deixará de ser devidamente explorada, mesmo com inabilidade, pelos adversários do governo. Ora se há coisa que este ministro das Finanças agora menos precisa é de ver a sua autoridade "técnica" - já que "política" tem muito pouca - diminuida.

Adenda 1:
Uma grande trapalhada
por Nicolau Santos

Corre a manhã de segunda-feira, 27 de Julho de 2005. Na sexta-feira, às dez da noite, o Governo entregou na Assembleia da República o Orçamento Rectificativo 2005, tornado necessário porque o que tinha sido elaborado por Bagão Félix e pela maioria PSD/PP estava claramente desfasado da realidade. A questão é que, pelas primeiras apreciações, o OR, entregue tarde e a más horas, traz erros inadmissíveis, martela receitas e despesas para chegar ao défice de 6,2% e, mais grave, conclui que a despesa do Estado ultrapassa metade do que o país produz (50,2%), ao contrário do que tinha sido prometido. Até agora, contudo, as Finanças não deram nenhuma explicação e, ao que tudo indica, estão a trabalhar de novo os números do documento. A imagem de competência e rigor do ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, sofreu o seu primeiro abalo sério no lado técnico, já que, do ponto de vista político, tinha ficado fragilizado com a questão da reforma que recebe do Banco de Portugal. Na verdade, entre os valores aprovados pela Comissão Constâncio, o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) e o OR há diferenças acentuadas na composição das receitas e das despesas. Assim, do PEC para o OR aumentam as despesas em 1.570 milhões de euros e as receitas em 1.506 milhões. A receita fiscal fica 499 milhões de euros acima do PEC e 989 milhões acima da estimada pela Comissão Constâncio (que não contabilizava os aumentos de impostos entretanto anunciados). E o Governo espera arrecadar mais 7,1% em impostos, um valor muito superior ao crescimento nominal da economia. Mas o caso mais grave vem do lado das despesas. Aparentemente, o Governo mostra-se impotente para travar o seu crescimento. E assim a despesa é superior em 1.570,9 milhões de euros ao PEC e em 1.194,1 milhões aos valores da Comissão Constâncio, crescendo mais de um ponto percentual em relação ao anteriormente previsto em percentagem do PIB. E assim, a despesa das administrações públicas em percentagem do PIB atinge 50,2% contra os 49,1% inscritos no PEC. Não adianta continuar, embora existam outras incongruências relevantes: o esforço de investimento cai 8% mas as despesas de capital aumentam 15% (o que pode dar razão aqueles que dizem que, nas despesas de capital, estão contabilizadas rubricas salariais e custos administrativos que nada têm a ver com o esforço de investimento). O que importa é assinalar que este Orçamento Rectificativo, para quem queria acabar com o «monumental embuste» do OE 2005, é, ele próprio, uma enorme trapalhada, e que aparece ferido na sua credibilidade pelos erros técnicos que enferma e pelas promessas políticas que não cumpre. Convenhamos que não era desta ajuda que Luís Campos e Cunha precisava, para quem necessita de impor um enorme rigor orçamental até 2008.

Adenda 2: Vale a pena ler, em jeito de "complemento", o editorial do Diário de Notícias, da autoria de João Morgado Fernandes, O Modelo da Incapacidade.

Manuel Castells, o catalão que se transformou em guru dos modelos de desenvolvimento assentes em inovação e novas tecnologias, costuma apresentar os Estados Unidos, a Finlândia e alguns países asiáticos como casos de sucesso nos quais a Europa deveria inspirar-se para sair do buraco em que caiu. Numa das últimas vezes em que esteve em Portugal, questionado acerca da eventual existência de um modelo meridional (Espanha, Itália, França, Portugal...), foi claro: "Se existe, não o encontrámos, a não ser que se queira transformar a incapacidade em modelo." Pouco importa discutir se essa incapacidade é recente ou herdada, circunstancial ou genética. Importa, sim, estarmos conscientes da sua existência para, sem dramatismos excessivos, a vencermos, nesta fase em que, por força de uma estranha ciclotimia, somos de novo atirados da euforia para a depressão. Exemplo dessa incapacidade é a forma atabalhoada como todos, sem excepção, lidam com o problema do défice e a necessidade de serem tomadas medidas drásticas para o derrotar. Essa incapacidade começa num poder sem rasgo para apresentar, de forma estudada, consistente, estruturada, um verdadeiro plano que, em simultâneo, ataque o "monstro" e incuta confiança nos agentes económicos e nos portugueses em geral. Ao invés, o poder parece agir apenas pela força das circunstâncias, pressionado, desarticulado e revelando um elevado grau de incerteza quanto à amplitude e profundidade das medidas.A incapacidade prossegue, por exemplo, pelos sindicatos, sejam eles de professores ou polícias, cuja reacção epidérmica às iniciativas governamentais apenas contribui para degradar um pouco mais a imagem pública dos profissionais que representam. Essas são, porém, incapacidades instrumentais. Porque a pior, a mais funda, é que a sociedade portuguesa, todos e cada um de nós, teime em viver do sol e do crédito fácil, sem perceber que o investimento essencial, a força das nações, nasce de cidadãos informados e empenhados. Sem perceber que, antes de ir, é necessário decidir para onde ir.

FINALMENTE...

... o realismo tomou conta da "alma" dos portugueses. Basta ver o que se diz por aqui, ou aqui ou ainda aqui. Fico satisfeito por, afinal, ser "maioritário". Sócrates precisa urgentemente de uma Expo, de um Euro ou de um macaco Adriano que o livre do pior. Que maravilhoso começo de semana!

26.6.05

O SENTIDO DAS COISAS

Ler no Bloguítica, Estratégia, Estilo e Contexto. Nós - penso que o Paulo Gorjão também apoiou - os que apoiámos esta solução governativa, temos o dever de cidadania de, sem temores reverenciais, irmos "alertando", na modéstia da nossas possibilidades, para possíveis "brechas" que, uma vez abertas, podem não mais fechar. Enquanto esperava por uns amigos no aeroporto, olhei para a capa do Jornal de Notícias cujo tema era o orçamento rectificativo. Para além das habituais cativações, o famoso PIDDAC é reforçado em apenas quatro ministérios: Obras Públicas, Ciência e Ensino Superior, Trabalho e Segurança Social e Defesa, por esta ordem. Ou seja, o eterno betão sobreleva a qualificação, tão "defendida" em campanha. E, não vá dar-se o caso de a "independência nacional" tremer, segura-se a tropa. Já nem falo da Cultura, um ministério cuja "discrição" começa a ser preocupante. Enfim, era bom, para além das tiradas retóricas e comicieiras para "consumo" interno, começar a explicar às pessoas o sentido das coisas.

25.6.05

"QUEER AS FOLEIRO"

Decorreu em Lisboa uma "gay parade" à nossa medida. Este ano o propósito do pequeno desfile folclórico consistiu em tentar chamar à razão as "instituições" para a necessidade de ser cumprido o princípio constitucional da igualdade, por forma a serem permitidos casamentos entre "same sexers". Também há gente mais entusiasmada que quer chegar à adopção. E por aí fora. Eu sobre estes assuntos não sou nada politicamente correcto. A obsessão "conjugal" visa fundamentalmente "copiar" o que existe de mais piroso no "outro lado" - o ritual do casamento e o espalhafato da "cerimónia". A lei - porque de um tema jurídico se trata - deve consagrar direitos a pessoas com vida em comum, sem se preocupar com o seu sexo. Ponto final. Não me parece que seja necessário tanta palhaçada para defender isto. O mesmo se deve aplicar em relação à adopção de crianças por duas pessoas do mesmo sexo. Está por provar que um casal dito heterossexual trate melhor da educação e do bem-estar dessas crianças. Ou que um flho não possa ficar à guarda de um pai ou de uma mãe por causa da orientação sexual respectiva. Mais uma vez, não me parece que seja preciso andar de "plumas à cabeça" para constatar puras evidências. Detesto o associativismo sexista e a retórica da discriminação. Julgo, aliás, que esta "pulsão" anti-segregacionista contribui mais para "separar as águas" do que o contrário. Há pessoas que adoram espremer por aí a sua "diferença" e exibi-la como um troféu. Não é pela pilhéria e pelo mau-gosto que se consegue ser respeitado. É, sobretudo, não tentando chamar frivolamente a atenção para a circunstância de que existem "diferenças" onde elas manifestamente não devem existir. É este associativismo parolo, pindérico e pífio que mais contribui para elas virem "ao de cima", ao arrepio de se tentar viver tranquilamente o lado privado da vida de cada um. Meia dúzia de travestis, alguns "casais" mais ou menos "conspicuous", uns quantos "activistas", uma mão cheia de curiosos e dois ornamentos, a Sra. D. Inês Pedrosa e o engraçadinho Rui Zink, fizeram a "festa". Não têm por que se "orgulhar". Não são "queer as folk". São "queer as foleiro".



Adenda: Aos actuais "aprendizes de feiticeiro", gostava de lhes recordar este "poema" de Mário Cesariny, "o regresso de ulisses", escrito por alturas dos "anos de chumbo".

o regresso de ulisses

O HOMEM É UMA MULHER QUE EM VEZ DE TER UMA CONA TEM UMA PIÇA, O QUE EM NADA PREJUDICA O NORMAL ANDAMENTO DAS COISAS E ACRESCENTA UM TIC DELICIOSO À DIVERSIDADE DA ESPÉCIE. MAS O HOMEM É UMA MULHER QUE NUNCA SE COMPORTOU COMO MULHER, E QUIS DIFERENCIAR-SE, FAZER CHIC, NÃO CONSEGUINDO COM ISSO SENÃO PRODUZIR MONSTRUOSIDADES COMO ESTA FAMOSA "CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL" SOB A QUAL SUFOCAMOS MAS QUE, FELIZMENTE, VAI DESAPARECER EM BREVE.
PELO CONTRÁRIO, A MULHER, QUE É UM HOMEM, SOUBE SEMPRE GUARDAR AS DISTÂNCIAS E NUNCA PRETENDEU SUBSTITUIR-SE À VIDA SISTEMATIZANDO PUERILIDADES, COMO FILOSOFIA, AVIAÇÃO, CIÊNCIA, MÚSICA (SINFÓNICA), GUERRAS, ETC, ALGUNS PEDANTES QUE SE TOMAM POR LIBERTADORES DIZEM-NA "ESCRAVA DO HOMEM" E ELA RI ÀS ESCÂNCARAS, COM A SUA CONA, QUE É UM HOMEM.


DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS, ANTES DA ROBOTSTÂNICA GREGA, OS ÚNICOS HOMENS-HOMENS QUE APARECERAM FORAM OS HOMENS-MEDICINA, OS HOMENS-XAMAS (HOMOSSEXUAIS ARQUIMULHERES). ESSES E AS AMAZONAS (SUPER-MULHERES-HOMENS). MAS UNS E OUTRAS ERAM DEMAIS. E DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS QUE PENÉLOPE ESPERA O REGRESSO DE ULISSES. MAS O REGRESSO DE ULISSES É O HOMEM QUE É UMA MULHER E A MULHER QUE É UMA MULHER QUE É UM HOMEM.

PERDAS E GANHOS

Todos os "comentadores" esperaram pela apresentação do orçamento rectificativo na sexta-feira. O governo, na senda do silêncio pedagógico que constitui o seu modo mais conhecido de falar, aguardou a chegada da noite e, cerca das 22 horas, entregou o dito orçamento na Assembleia da República. Nada disso impediu que alguns serões televisivos fossem preenchidos a "analisar" o documento e as suas propostas. A crédito do governo fica, aparentemente, a coragem de defender um diploma sem travestismos nem fórmulas mágicas. Ou seja, como tem sido amplamente divulgado, se não se fizesse nada, o défice rondaria os 6,8% no final do ano. Com as "medidas" que o orçamento rectificativo contempla, prevê-se uma redução de cerca de 0,6% nesse défice. Conta-se ir diminuindo até 2008, altura em que não seriam ultrapassados os miríficos 3%. Acontece que, por causa destes escassos zero vírgula seis, o governo e o PS andam por aí a ser impiedosamente chamuscados. Não teria sido preferível - já que tem que ser feito, e o governo e o PS inevitavelmente chamuscados- fazer "o mal" todo de uma vez e, preferencialmente, bem feito? Perpassou de imediato a ideia de que é demasiada "parra" para tão pouca "uva", sobretudo à custa do aumento do IVA a partir de Julho. É que nada ou muito pouco vai ajudar daqui em diante. O preço do petróleo, o impasse europeu, a má gestão do "dossier" autárquico, a excitação corporativa, a ansiedade da opinião pública e a necessidade de sobrevivência da que se publica, tudo isto resulta numa mistura explosiva que rebentará, mais tarde ou mais cedo, à porta de Sócrates. E Sócrates está exactamente como Barroso no início, com a diferença que este tinha uma ministra das Finanças com maior "autoridade" política. Como demonstra um estudo do Instituto de Ciências Sociais, coordenado por António Barreto e divulgado esta semana na Casa de Mateus, o eleitorado move-se por objectivos de curto prazo, o que justifica o que assistimos desde Dezembro de 2001 até ao último 20 de Fevereiro em matéria de resultados eleitorais. Não foi nada de excessivamente "profundo" que concedeu a maioria absoluta ao PS há uns meses (a deriva "santanista" e a falta de confiança no PSD e no governo, no essencial). Cada vez mais pesa a contingência no modo de decisão do "povo". O governo tem de contar com ela, sem abdicar de exercer a autoridade democrática, com sentido de oportunidade e de utilidade. Só assim estará apto a perder muito provavelmente as eleições autárquicas e as presidenciais sem, por isso, perder a razão ou o poder.

24.6.05

LER...

... e completar, no Random Precision, o "elenco" das "100 +", as frases supostamente mais célebres recolhidas do cinema. Eu junto uma de que gosto particularmente. Pertence a As Good As It Gets (Melhor é Impossível), um filme de James Brooks, de 1997, com Jack Nicholson, o célebre "Mr. Udall", uma espécie de "alter ego" meu:

"You make me want to be a better man".

23.6.05

ELOGIO

Por causa de um comentário menos "correcto" sobre uma decisão judicial, Maria de Lurdes Rodrigues foi atacada miseravelmente pelos sindicalistas que pastoreiam professores e juízes. Até agora, a ministra da Educação, ao contrário do que aconteceu com os seus últimos infelizes antecessores, tem sabido, com discrição e eficácia, tratar da sua intendência. Não conheço a senhora de lado nenhum, nem me foi passada procuração para a defender. Porém, cada vez que vejo emergir um ilustre representante de "classe" indignado contra a ministra e a "apelar" a Jorge Sampaio, a minha admiração por ela vai crescendo. E tanto mais cresce quando se sabe que não se trata exactamente de uma "política" profissional. Como sou parco em elogios, julgo que estamos esclarecidos.

22.6.05

UM POEMA

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos


Eugénio de Andrade

A CAIXA DE PANDORA

Quando vejo milhares de agentes da autoridade- PSP, GNR e SEF - a desfilarem pelas ruas de Lisboa, chamando "gatuno" e "mentiroso" ao governo, por interposto ministro da tutela, vem-me à memória uma manifestação que seguiu o mesmo percurso, em 1975. Chamavam-se "SUV", "Soldados Unidos Vencerão", eram membros - na altura fardados - das forças armadas e reclamavam "poder popular". A adjectivação de hoje, dirigida a um governo de maioria absoluta socialista, vinda de pessoas responsáveis pela segurança pública, é, no mínimo, grotesca se não fosse preocupante. Isto apesar de todos os legítimos "direitos", naturalmente. Está definitivamente destapada a "Caixa de Pandora" de que Pacheco Pereira falou outro dia. Habituem-se.

FALHANÇO

Ficámos a saber duas coisas más. A primeira não é propriamente uma novidade e é, de longe, a mais grave. Trata-se da economia. Façam as contas às vezes que nos falaram na "retoma" nos últimos três anos. Não existe "retoma" nenhuma e, bem pelo contrário, a economia portuguesa, pindérica e dependente de outras que não "arrancam", está em estado comatoso. Ainda ontem, no carro, ouvi o sr. ministro da Economia a prometer "inovação" e "desenvolvimento". O dr. Pinho pretenderá fazer isto com quem e em que economia? É, realmente, um dos mais pesados mistérios deste governo. Depois vêm as eternas finanças e o "programa" do dr. Campos e Cunha. Bruxelas, em mais um momento de demonstração da sua inequívoca pulsão controleira, já avisou que este "programa" não chega. Ou seja, o dr. Cunha terá de se espremer - e, por tabela, tentar espremer-nos - para arranjar mais receita e cortar a fundo na despesa. Como aqui se avisou repetidamente, este governo jamais teria um minuto de estado de graça. Não imaginei, apesar do meu pessimismo estrutural, que atingisse tão rapidamente um "estado de desgraça" que, diga-se de passagem, não é tanto seu quanto do país e da sua endémica miséria. Tudo somado, não vaticino uma longa estadia aos ministros da Economia e das Finanças nos respectivos postos. Os tempos que aí estão requerem capacidade e legitimidade políticas fortíssimas. Por exemplo, e até pela sua experiência europeia, o "negas" dr. Vitorino poderia perfeitamente ter ficado nas Finanças nesta fase inicial da legislatura na qual se exige maior investimento - estritamente político - de afirmação da estratégia governamental, partindo do princípio que ela existe. Manuela Ferreira Leite, uma excelente "técnica", "quebrou" justamente no combate político e por causa da sua "teimosia" técnica. Ousar contornar o círculo vicioso imposto por Bruxelas, tem um custo que só a política pode pagar. Para além disso, sabe-se também que é a "economia", em estado de devastação, que "paga", a final, o "arrastão" financeiro. Como disse na TVI o Miguel Sousa Tavares, até Jorge Sampaio, à medida que se aproxima do final do mandato, vai percebendo o tremendo falhanço a que presidiu pacatamente durante dez anos. Esse falhanço tem um nome e pinta-se a vermelho e verde quando, na realidade, devia pintar-se de vergonha.

21.6.05

O CANALIZADOR POLACO

Por falar em "inovação e desenvolvimento", a Grande Loja descobriu a forma que os polacos arranjaram para chamar a atenção para o seu turismo. O poster que se reproduz de seguida - com a fotografia de um canalizador a "promover" a Polónia como destino de férias - pertence a uma campanha do departamento de Turismo da Polónia, a pensar na melhor maneira de contrariar o medo francês face à "concorrência" polaca, assente no célebre "síndrome do canalizador polaco", tão discutido por alturas do refendo à Constituição Europeia. Com o devido respeito, acho que só contribuíram para o aumentar e não necessariamente pelas piores razões.


SOBRE...

... o enorme embuste que é a "formação" na administração pública, vale a pena ler este post do Jumento.

LER...

... este curioso "dossier" sobre a blogosfera - 1,2,3,4,5,6,7 -, as suas repercussões políticas, sociais e, pelos vistos, judiciais, a partir de um caso concreto ocorrido em França. O título de capa do Libération não deixa margem para dúvidas: Au blog, citoyens!. Nos EUA, ler ainda este "comité para a protecção dos bloggers".

SARTRE, O DIA DO ANO CEM

"Eu sinto-me não como uma poeira aparecida no mundo, mas como um ser esperado, provocado, prefigurado. Resumindo, como um ser que só parece poder vir de um criador, e essa ideia de uma mão criadora que me tivesse criado reenvia-me a Deus. Naturalmente isto não é uma ideia clara e precisa a que recorro cada vez que penso em mim; ela contradiz muitas outras ideias minhas; mas existe, vaga. E quando penso em mim, penso muitas vezes um pouco assim, à falta de poder pensar de outro modo. Porque a consciência em cada um justifica a sua maneira de ser, e não está presente como uma formação gradual ou feita de uma série de acasos, mas pelo contrário como uma coisa, uma realidade que existe constantemente, que não está formada, que não é criada, mas que surge como existindo constantemente por inteiro. Além disso, a consciência é a consciência do mundo, por conseguinte não se sabe muito bem se se quer dizer a consciência ou o mundo, e por conseguinte reencontramo-nos na realidade".


De uma entrevista de Simone de Beauvoir a Jean-Paul Sartre, no Verão de 1974, publicada em A Cerimónia do Adeus

TRÊS SÉRIES

Six Feet Under, Sete Palmos de Terra

Desperate Housewives, Donas de Casa Desesperadas

Sex and The City

Nada, ou quase nada, neste país pateta me interessa observar a partir das televisões. Para além desses amigos silenciosos que são os livros, em casa também se pode escolher a companhia. Descobri recentemente o frívolo prazer de assistir a três séries norte-americanas, sem quaisquer complexos "intelectuais". Aliás, os "argumentos" e as "personagens" são suficientemente interessantes para acompanhar a peripécia de trás para diante ou vice-versa, ao acaso. Se quisermos, não são tanto as "histórias" quanto os "ambientes" que contam, umas vezes de uma forma divertida, outras vezes irónica, outras ainda, e sobretudo, "séria". O resto são tretas ou Manuel Luis Goucha, o clone "masculino" da Fátima Lopes.

20.6.05

GLÓRIAS

Ontem, durante uns breves e risíveis minutos, as televisões, com destaque para a pública, deram grande ênfase à "vitória" de um moço português numa competição de fórmula Um, nos EUA. Por instantes receei que o Prof. Marcelo apelasse novamente ao estendal verde e rubro. Postas as coisas no devido sítio, constatou-se que o maravilhoso terceiro lugar alcançado pelo rapaz resultou de uma prova com... seis condutores. A maioria dos inscritos não correu, não sei porquê. Apesar de tudo, fez melhor figura que Durão Barroso - a outra nossa grande glória internacional contemporânea - na passada madrugada de sábado, em Bruxelas. É o melhor que se pode arranjar, já que Guterres só agora começou a dar os primeiros passos e a distribuir as primeiras solidárias carícias.

A LADO NENHUM

Paulo Sucena, o soba da FENPROF, ainda não percebeu, ao fim de décadas de postulado, que o país não simpatiza com a "causa" dos professores. A circunstância de prestarem "serviços de linha", como os médicos ou os enfermeiros, permite-lhes uma visibilidade política e social a que raros núcleos funcionários têm acesso. A demagogia miserável com que se "queixam", depois de terem sido dos mais beneficiados pelo "sistema retributivo" público, tolha-lhes a hipótese de compreenderem a nobreza da missão que lhes está confiada: ensinar. Se é com gente desta que se pensa apostar na "qualificação" democrática da pátria, vou ali e já venho. Não se admirem, pois, da desconfiança crescente dos papás em relação ao ensino público. Na verdade, com múmias como Sucena, não vamos mesmo a lado nenhum.

19.6.05

SÓ AGORA...

... é que o inefável optimista que é o Prof. Marcelo reparou que a nossa sociedade vive uma espécie de "arrastão moral". Há um ano atrás, por esta altura, não houve palonço que não pusesse uma bandeira à janela ou no automóvel, justamente a mando do dito Prof. Marcelo. O futebol ia salvar-nos. Não nos salvou de coisa alguma. Já nessa altura havia "arrastão moral", como aliás subsiste de há anos e anos para cá, nas mais diversas áreas. Marcelo acha que qualquer dia não se pode acreditar em nada. O grave não é ele dizer isto. Grave é ele ainda acreditar.

LER...

... no Público de domingo, sem link, o notável artigo de Mário Mesquita, Apologia do Herói Imperfeito.

A vasta mobilização desencadeada pela morte de Cunhal, além de significar o peso da sua influência política e ideológica, a homenagem à sua luta contra a ditadura, o respeito pelo modelo de fidelidade aos seus ideais, indica igualmente o apreço de muitos portugueses por uma referência segura, nesta sociedade portuguesa algo desorientada, aparentemente condenada à gestão política baça, sem horizontes de esperança, com a esquerda democrática resignada a substituir os políticos pelos "guarda-livros".

OS CEM DIAS E O TEMOR SEM ROSTO

O fim de semana não correu bem a José Sócrates, um primeiro-ministro que comemora os seus inaugurais cem dias. Tudo começou na longa noite de sexta-feira em Bruxelas. A emergência de Tony Blair, o fracasso das negociações orçamentais e a clara derrota do "eixo" ao qual Portugal estava ancorado por causa da sua teimosia em relação à aprovação do Tratado Constitucional Europeu, marcaram a sua infeliz conferência de imprensa que passou praticamente despercebida. Ao falar na madrugada de sábado, Sócrates deu a ideia - talvez deliberada - de que o "acordo" a que se tinha chegado em matéria financeira, na quinta-feira, era bom para o país. Ou seja, até parecia que o dito "acordo" estava já em vigor, quando, na realidade, não passou de wishful thinking por causa do veio a seguir. Dito de outra forma: Portugal veio de Bruxelas com uma mão atrás e outra à frente. Mais realista, foi essencialmente isto que Campos e Cunha transmitiu aos deputados do PS no Algarve: Portugal perdeu. Depois, neste mesmo Algarve, e perante os mesmos deputados, Sócrates foi falar em "moralidade" para justificar as "medidas" que afectam os detentores de cargos políticos. A inovocação da "moral" no seio da política costuma ser desastrosa para além de ser populista. E mesmo sendo populista, é duvidoso que produza grande efeito atendendo ao grau de irritação e de incómodo crescentes que outras "medidas" anunciadas estão a provocar em determinados sectores. Não vale nunca a pena tapar o sol da política com a peneira da "moralidade". Ninguém acredita. Nem sequer os seus próprios deputados, seguramente. José Gil, num texto complexo mas certeiro, ensaiava, na Visão desta semana, uma explicação para o sentimento, algures entre a simpatia e a perplexidade, que o governo de José Sócrates nos deixa em apenas cem dias. São dele as palavras seguintes, registadas sem mais comentários.

Um aspecto do Governo a quem os portugueses deram a maioria absoluta, supreende: é um governo sem imagem. O seu primeiro-ministro é sem imagem; o ministro que mais aparece nos media, o ministro das Finanças, não tem imagem. Os que tendem a afirmar uma personalidade mais singular, são logo remetidos para o silêncio. Para começar, essas características correspondem adequadamente ao momento crítico que a sociedade atravessa. A crise ameaça transformar-se em caos, as pessoas esperam, num temor sem rosto. E a oposição também não o tem.


Não se trata de um estilo de governação. Porque nenhum traço é verdadeiramente marcante. Por agora, parece apenas uma estratégia para atenuar a crise nos espíritos, não agudizar, não criar ruído, ao mesmo tempo que se criam ondas. Estratégia de neutralização da angústia da população e de esvaziamento dos media, que a amplificam. Repare-se: não há um discurso legitimador das medidas já tomadas - as justificações (em nome da "justiça para todos", da moralidade na prática política) são pontuais, a propósito de derrapagens demasiado evidentes. Nada de grandes valores, de grandes posições ideológicas, nem sequer de traços gerais de metodologias da acção (...) Como se se quisesse criar a ideia de uma necessidade natural, técnica, absoluta, desta política, sem alternativa possível, necessidade que se justificaria pela própria natureza da crise.


A imagem do Governo não afirma nem a tecnocracia, nem o humanismo, nem o socialismo, nem o neoliberalismo. Quer-se mudar Portugal. abrindo um espaço para a acção. Porém, este período não pode durar sempre. A ausência de imagem não será sempre eficaz, como é o caso. Virá o momento em que o primeiro-ministro e o Governo terão de produzir uma imagem (mesmo inovadora) decifrável da sua política, sob pena de incorrer nos mais variados riscos, o menor dos quais não é o de governar contra o povo.

18.6.05

RIDÍCULO...

... isto, via Grande Loja. De um aprendiz de governante que quase chora - se não se deu mesmo o caso de ter chorado - na sua tomada de posse, deve esperar-se o pior.

JUÍZO NA JUSTIÇA

Os senhores magistrados estão "em luta". Parece que as "reformas" - o célebre doce eufemismo de sempre - que o dr. Costa prepara para o sector não lhes agradam. A mais populista de todas - as "férias normais" - ainda menos. Segundo alguma imprensa, já conspiram, imagine-se, com o sr. Carvalho da Silva. "Ameaçam" paralisar o sector. Outro eufemismo: o "sector" já está naturalmente paralisado. Custa imenso a estas estimáveis criaturas descer da hiper-realidade em que sempre viveram, sobretudo depois das "conquistas" corporativas que obtiveram após o 25 de Abril. A mexer, que mexam os "deles", nunca a nojenta política. Convém, porém, lembrar que, por mais obnóxio que o dr. Costa possa ser, ele emana de uma coisa chamada poder político democrático. O governo a que ele pertence está legitimado pelo voto e, por sinal, até tem um apoio parlamentar maioritário. Apesar do nosso conceito "napoleónico" de justiça, os poderes "de facto" não devem sobrepôr-se aos poderes eleitos e sufragados livremente. O governo tem o direito e o dever de ter uma "política" para o sector da justiça que não tem forçosamente de coincidir com as ambições de classe dos magistrados ou dos advogados. A justiça é uma política pública democrática ao serviço dos cidadãos e não um simples feudo enxertado na sociedade ou acima dela. É preciso não esquecer que, enquanto funcionários públicos na verdadeira acepção da palavra, os magistrados são - e correctamente - bastante bem remunerados. E que a missão que desempenham - a administração da justiça, os juízes, e a titularidade da acção penal, os procuradores - é um eminente serviço de soberania que não pode ser confundido com mesquinhos interesses de contingência. Juízo, pois, na justiça.

ONDE É QUE ESTÁ?

Neste post de RAF, do Blasfémias, um blogue que acompanho com regularidade, fala-se de "uma juventude que tem ânsia de pensar" (sic). Com o devido respeito, Rodrigo, depois de tantas baboseiras ditas e escritas nos últimos dias, importa-se de me dizer onde é que pára essa gloriosa "juventude" e, já agora, essa "ânsia" de que fala?

SOMOS TODOS PORTUGAL?

O Senhor Presidente da República esteve em visita folclórica ao bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa. Pregou pela "tolerância" e pela "lei", assistiu a um jogo de futebol - a verdadeira "raíz" da "identidade nacional" democrática -, distribuiu os habituais apertos de mão e garantiu, à sua maneira, que "somos todos Portugal". Na sua ingenuidade voluntarista, Sampaio não sossegou ninguém. Nem os habitantes do bairro, nem os que olham para o bairro como um gueto duvidoso. Tal como Salazar na sua obsessão colonial, também este regime com trinta e um anos de idade, falhou no propósito - sempre o mesmo - da miscigenação das raças, agora mais conhecida pela democrática "integração". Acontece que ninguém perguntou às gentes a "integrar" se elas desejavam efectivamente ser "integradas". E muitos dos mecanismos criados e mantidos pelo Estado para assegurar essa "integração" - voluntária ou "à força" - não conseguem escapar a uma estafada retórica burocrática que nada resolve. A peripécia do "arrastão", bem como a patética manifestação "branca" do Martim Moniz, apenas evidenciam que, ao contrário do que por aí se prega, existe um mal estar larvar. Eventualmente pequenino, mas existe. Os sociólogos e demais "especialistas", imediatamente chamados a perorar, não descolam da trivialidade. A "realidade" jamais lhes consegue entrar na cabeça, cheia de lugares-comuns apanhados nos calhamaços e nas vulgatas que passam a vida a ler. Pelo contrário, é esta "realidade" que começa a "entrar" na cidadania e quase sempre pelas piores razões. O fracasso da "coesão social", da "integração" e da "solidariedade" está à vista para quem o quiser ver. "Somos todos Portugal" ? Onde ?

HABITUEM-SE

"Europe had reached a moment when it had to make fundamental changes and reforms because the ‘no’ votes in the two referendums could not be ignored." Já a madrugada ia alta quando Tony Blair resumiu o essencial. Ao contrário do que os comentadores e os adeptos da "Europa redonda" anunciaram com melancolia, a Europa, depois da cimeira de Bruxelas, deu afinal um passo em frente. Como construção democrática, conflitual e negociada que sempre foi, a União Europeia, só por cegueira ou qualquer outra grave deficiência intelectual e política, poderia ficar indiferente ao que os seus "povos" pensam dos conchavos organizados permanentemente em torno de apenas duas ou três figuras de proa perfeitamente descredibilizadas. Como não gosto particularmente de Blair, estou à vontade para saudar a sua entrada em cena, sobretudo a partir de 1 de Julho. É preciso colocar as coisas no sítio adequado e devolver alguma "democracia" aos interstícios da União. Para os mendigos como nós, esta cimeira representou um rude golpe. Nem Constituição, nem dinheiro fresco. Nada. Não é mau. Temos que começar, de uma vez por todas, a perceber o que valemos e, a partir daí, a viver de acordo com o que valemos. O "mote" não é "habituem-se"? Pois então, habituem-se.

17.6.05

NOVENTA DIAS

Passaram três meses sobre a entrada em funções deste governo. Apesar de tudo, existe a noção de que perpassa pela mente do primeiro-ministro e de alguns governantes que é preciso – finalmente, diria eu – fazer o que tem de ser feito. Na Educação, por exemplo, onde os sindicatos tentam a todo o custo que se mantenha um sorvedouro inexplicável de dinheiros públicos. Na Saúde, onde é fácil dar lastro ao perfume de ambiguidade entre o público e o privado, sempre pago pelo primeiro. Na Agricultura, onde tudo indica que existe um esforço sério para dinamizar uma estrutura estranhamente pesada e, em muitos aspectos, anquilosada. Há, porém, casos em que surgem muitas interrogações. Nas Obras Públicas, sempre politicamente tentadoras, parece que há uma clara vertigem no sentido de “dar passos maiores do que a perna”. E na Economia, já percebemos que um bom técnico raramente faz a mínima ideia do que seja exercer um lugar político. Não é que não pairem por ali excelentes ideias sobre a "economia". No entanto, não estou seguro que essas ideias "entrem" nesta "economia" ou que esta "economia" esteja em condições de absorver essas ideias. Por cima de tudo isto, estão inevitavelmente as Finanças. O Plano apresentado pelo seu titular e as “medidas” que o desenvolvem vão inevitavelmente suscitar alguma acrimónia. O velório financeiro geral, solicitado uma vez mais à pátria, precisa de uma boa sustentação política para se “aguentar”. Ninguém está para se maçar ou ser maçado. Qualquer deriva imprevista, qualquer precipitado amadorismo ou qualquer opacidade “técnica” podem deitar tudo a perder. Pedro Silva Pereira, apesar do seu esforçado mimetismo “socrático”, não “comunica” bem. António Costa, o melhor “político” do governo, tem aparecido precocemente crispado por questões de “lana caprina”. Acontece que o governo não pode estar permanentemente a contar com Jorge Coelho, o seu “batedor” de serviço, para lhe sinalizar o caminho ou para barrar percursos menos avisados. O anúncio “torrencial” de medidas também não ajuda nada. Tem sido igualmente Coelho quem tem evitado o pior, mesmo que à conta de um voluntarismo excessivo. Em suma, e para que as nossas “contas” e as de José Sócrates não se baralhem, não basta fazer “o que deve ser feito”. É preciso também fazer bem feito. (continua)

16.6.05

AGORA...

... já são praticamente todos a favor de uma "pausa" - um eufemismo delicodoce para não desagradar a ninguém - no processo de ratificação do Tratado Constitucional Europeu. E os referendos já não são o que eram ou o que se esperava deles. Até por cá se admite "esquecer" o referendo em Outubro. É por isto que Durão Barroso emerge cada vez mais e melhor no seu papel de catalisador de hipocrisias. Nós, os pedintes, apenas queremos ver a "cor do dinheiro" dentro do famoso "envelope". No resto, vale sempre o mesmo "Maria, vai com as outras".

CARLO MARIA GIULINI (1914-2005)




No silêncio, como convém a um músico superior, Carlo Maria Giulini desapareceu também esta semana. Tratava-se, na minha modesta opinião, de um dos maiores dirigentes de orquestra do século XX. Uma vez mais são as suas gravações que aí ficam para o atestar. Tive a felicidade de o ver dirigir Brahms no ciclo das "grandes orquestras mundiais", no Coliseu. Karajan, insuspeito, disse que Giulini era o melhor de entre eles. Não sei se era ou não. Sei apenas que era dos mais sublimes.

EUGÉNIO

Nem sempre o homem é um lugar triste.
Há noites em que o sorriso
dos anjos
o torna habitável e leve;
com a cabeça no teu regaço
é um cão ao lume a correr às lebres.


De O Outro Nome da Terra


Não falei do outro morto ilustre, o Eugénio de Andrade. Numa outra encarnação, mais dada às "letras" nos jornais, desloquei-me ao Porto, essa cidade que tanto gosto, para entrevistar Agustina. Lá estive na casa do Campo Alegre. Era Inverno e a escritora acolheu-me ao pé de uma mesa que escondia uma lareira, suponho que eléctrica. Pelas pernas, pôs uma manta. Entrava e saía constantemente um amável cão. Mostrou-me os jardins com uma maravilhosa vista para o Douro e ofereceu-me um exemplar da sua "Florbela Espanca", dedicando-o à "lembrança de uma conversa de longos caminhos, minuciosos e inacabados". Falámos inevitavelmente de Eugénio de Andrade e eu mencionei que trazia o seu telefone de casa para um contacto. Cá fora, numa cabine de telefone público - não havia telemóveis -, marquei esse número que nunca chegou a ser atendido. Desencontrei-me, pois, desse encontro não marcado com o poeta. No seu desaparecimento, praticamente ninguém se poupou nas palavras. Logo sobre Eugénio, um poeta com uma noção tão perfeitamente enxuta do seu uso. Uma das melhores "falas" sobre Eugénio de Andrade pertence a Joaquim Manuel Magalhães, poeta também, e seu amigo. Foi ele quem me contou - estava eu na tropa em Tavira - a "origem" de "As Mãos e os Frutos", presumo que sem qualquer espécie de ironia. Eugénio também tinha estado na tropa em Tavira. E aqueles poemas ali terão sido escritos ou pressentidos, numa época em que notoriamente as mulheres ainda estavam longe de ter guarida em quartéis. "A tua vida é uma história triste./A minha é igual à tua./Presas as mãos e preso o coração,/enchemos de sombra a mesma rua." Ou : "Os teus olhos férteis de promessas/vão-se, e a noite fica fechada". Ou ainda esse magnífico "Espera": "Horas, horas sem fim/pesadas, fundas,/esperarei por ti/até que todas as coisas sejam mudas./ Até que uma pedra irrompa/e floresça./Até que um pássaro me saia da garganta/e no silêncio desapareça." É preciso dizer mais alguma coisa?

CUNHAL A SEIS TEMPOS



1. Finalmente o país parou para ver passar o dr. Álvaro Cunhal. Há 31 anos, aquando da sua chegada triunfal ao aeroporto de Lisboa, o personagem que desceu do avião era, ainda, um mistério. As primeiras imagens e as primeiras palavras recortavam a figura definitiva que os “anos brasa” da revolução iriam consagrar. O porte aristocrático, o olhar hegeliano da “noite do mundo”, o discurso cortante, a mordacidade evasiva, a concentração obsessiva, o messianismo do “colectivo”, tudo isso apareceu imediatamente a preto e branco na única televisão da época. Os exilados que regressavam no mesmo avião em que viajava Cunhal afastaram-se prudente e respeitosamente dele. Deixaram-no sozinho com as suas notas. Era o único que sabia perfeitamente ao que vinha.
2. As imagens de “Daniel” e de “Duarte” - da resistência clandestina à ditadura - mostram o homem bonito e sedutor que Cunhal nunca deixou de ser até ao fim. Explicava que a “força” vinha da convicção. E que a convicção obrigava ao combate e à resistência. Em certo sentido, Cunhal faz parte de um mundo que pouco ou nada diz à maior parte dos homens videirinhos dos dias de hoje. Justamente eles jamais conseguirão perceber que, para Cunhal, era uma impossiblidade intelectual o cometimento da mínima cedência aos “princípios” e ao “ideal”. Nem sequer o porquê da inadmissiblidade da discussão da “justeza” comunista. Por isso Cunhal é insusceptível de alguma vez poder ser acusado de “travestismo” político. Ele era aquilo que ele era e nunca poderia ter sido outra coisa. Não significava isto qualquer limitação da inteligência, em sede da qual recolhe a unanimidade de “superior”. Pelo contrário, no seu “sentido único”, Cunhal foi de uma verticalidade rara. E, por aí, igualmente um homem raro.
3. Valeu a pena o país curvar-se perante a sua memória? Valeu. Álvaro Cunhal é incompreensível para a geração do “25 de Abril”. Tê-lo lembrado por ocasião do seu desaparecimento, foi um serviço bem prestado à memória contra o esquecimento. Serve de muito pouco, no entanto, ao oásis acéfalo que é, na generalidade, a actual sociedade portuguesa. Como é que se explica ao país da “quinta das celebridades” e da bola que um homem pode aguentar, em nome de um ideal e da emancipação económica e cultural do seu povo, oito anos de isolamento prisional? Eu creio que Cunhal percebeu muito cedo que andava literalmente a pregar no deserto. O mérito dele – e a nossa vergonha – é ter continuado a pregar, sem a mínima tergiversação. Não cuido agora de saber se tinha razão. Sabemos que não tinha. A sua visão do “pacote” da democracia era radicalmente diferente daquele que nós, par delicatesse, aceitamos. Ceder nunca fez parte do seu vocabulário, porque sempre representaria “outra coisa”. Ora se havia “coisa” que Cunhal detestava, na coerência da sua “fé”, era o “outro” da “coisa”. Num livro do ano passado, Conversas com Álvaro Cunhal, Maria João Avillez perguntava, em 2000, se podia falar em “derrota” e “amarga”. Cunhal disse simplesmente isto: “amarga é uma palavra muito pequenina para o que foi”. Esta espécie de luminosidade amarga acompanhou os anos últimos, sem que, por um segundo, a antiga “convicção” tivesse alguma vez sido abalada.
4. Parece que é piroso revelar-se fascínio perante Álvaro Cunhal. Eu sempre o tive. Entre os meus quinze e dezasseis anos fiz parte da União dos Estudantes Comunistas (UEC). A minha breve e inócua militância traduziu-se por umas passagens por “cooperativas” alentejanas, pela assistência a reuniões meio clandestinas, nas casas de uns e de outros, dirigidas por um “controleiro” senior, em fazer “piquetes” na sede da UEC (nunca cheguei a perceber com que propósito) e a conviver esporadicamente com os “génios” femininos da então juventude comunista, a “Geninha” Varela Gomes e a Zita Seabra. Assisti, com fervor religioso, a alguns comícios em que o momento alto era a palavra vibrante de Cunhal. Li o “Rumo à Vitória” e sublinhei “A Revolução Portuguesa, Passado e Futuro”. Cantei, no coro do liceu, as “heróicas” do Lopes Graça. E, em momentos mais delirantes, andei nas ruas da Costa de Caparica a distribuir panfletos e a recolher “donativos”. Depressa me apercebi da frivolidade infantil desta desastrosa militância e “aburguesei-me”. Logo em 76, achei piada ao candidato presidencial dos óculos escuros, Eanes, apesar de o “nosso candidato ser Octávio Pato”. Leituras e companhias, o curso de direito e a emergência do “movimento reformador” de António Barreto e Medeiros Ferreira, em 1979, fizeram o resto. Anos passados sobre esta aventura, voltei ao convívio com Cunhal através do seu “Partido com Paredes de Vidro”. Mais recentemente, li a monumental “biografia política” de Pacheco Pereira, ainda a meio do caminho com apenas dois volumes publicados.
5. Isto tudo serve para dizer que eu respeito a “história” e a memória de Álvaro Cunhal. Tive familiares que estiveram detidos em Peniche ao mesmo tempo que o “camarada Duarte”. Tive e tenho familiares que sempre foram comunistas. Eu parti muito cedo e definitivamente numa outra direcção. Faltava-me tudo o que eles têm: acreditar no "homem", primeiro, e, pior do que isso, na sua "salvação", a noção de disciplina férrea, a “convicção”, a "felicidade pela coerência" e, sobretudo, a “história”. A Álvaro Cunhal, e à resistência moral e física de tantos outros comunistas e não comunistas, devemos hoje até o direito a sermos parvos. A força imbatível da liberdade “absorveu” e neutralizou a tempo a “deriva totalitária”. Penso que já devíamos conviver todos bem com isso e sem grandes problemas "existenciais".
6. Deu-me um certo gozo ver o país do “respeitinho” democrático e da “era” dos “homens-plasticina” inclinado perante o féretro de Cunhal rodeado de bandeiras vermelhas. Lá no assento mais ou menos etéreo onde subiu, Cunhal, com a sua eterna subtileza irónica, deve ter sorrido e, olhando cá para baixo, murmurado uma vez mais “até amanhã, camaradas”.

11.6.05

SÓ LONGE DAQUI

... Até breve!

10.6.05

QUERELAS E QUESTÕES

O Gabriel Silva escreve no Blasfémias e eu nem preciso comentar:

- O presidente da República portuguesa lamenta que a rejeição do TCE por parte dos franceses e holandeses se tenha devido a «questões de conjuntura política interna, medos, ressentimentos nacionais e querelas partidárias».

- Uma sondagem da Euroexpansão, publicada pelo Expresso, dá um empate técnico (50% sim; 50% não), entre os portugueses. A forte tendência do «não» português (também por cá ao arrepio do sistema partidário, institucional, corporativo e mediático), é capaz de ser por causa de «questões de conjuntura política interna, medos, ressentimentos nacionais e querelas partidárias». Qualquer dia até defendem que se trata de um voto de protesto contra as políticas do governo. Haja pachorra!

O DIA

Comemora-se hoje - presumo que o título se mantenha - o "dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas". O regime do dr. Salazar aproveitava o dia para, na Praça do Império, condecorar os órfãos e as viúvas dos "heróis" ultramarinos e meia dúzia de rijos sobreviventes. A democracia continuou o registo burocrático da ditadura, se bem que de uma outra forma, mas com o mesmo patético propósito de celebrar essa entidade mítica chamada Portugal. Aquilo que para o dr. Salazar consistia em reforçar o regime no seu "núcleo duro" - a guerra colonial e a defesa do "Ultramar" -, transformou-se, com o regime instaurado no 25 de Abril, na mais confrangedora banalização da "distinção" através de veneras e de condecorações atribuídas a torto e a direito. Praticamente já não sobra ninguém para condecorar. A elite oficial e democrática satisfaz-se onanisticamente nestas comemorações anuais que nada dizem ao país "real", e em que, geralmente, as "comunidades" e Camões ficam discretamente de fora. Este ano, por exemplo, há penduricalhos para pessoas tão diferentes como Marcelo, Pacheco Pereira, Leonor Pinhão, Catarina Furtado ou Nicolau Breyner, sem contar com os "títulos póstumos". Pensando bem, o que é que existe hoje digno de ser comemorado ou celebrado? Tirando o sol, o mar, alguns petiscos, umas vagas linhas de alguns "escritores" e "ensaístas", a beleza de alguns corpos e rostos, não resta grande coisa. A paisagem física é constantemente devastada pela estupidez e pela concupiscência. E o "retrato" humano e social é de uma endémica e irrevogável pobreza franciscana onde pontificou, desde sempre, a barbárie da ignorância. Em suma, o "dia de Portugal" apenas serve para celebrar o enorme embuste que é a nossa verdadeira realidade. Uma realidade que se traduz na mesma "austera, apagada e vil tristeza" cantada no século XVI por Camões, afinal o maior esquecido no seu dia.

9.6.05

A CONSTITUIÇÃO E A MOSCA

O sr. Giscard d' Estaing relatou a cena da entrega em 2003, ao sr. Berlusconi, na altura presidente em exercício da Conselho Europeu, do projecto de "Constituição" resultante dos trabalhos da "Convenção", envolto numa capa de couro azul. Andava uma mosca no ar : o seu irritante zumbido comprometia a solenidade do momento. O sr. Berlusconi agarrou no exemplar de couro azul e, com um gesto brusco, esmagou a mosca dizendo: "ao menos esta Constituição já serviu para qualquer coisa". Continue a ler este artigo de Jean-Pierre Chevènement, presidente honorário do "Movimento Republicano e Cidadão" francês e ex-ministro do PS, publicado no Libération sob o título Un non, porteur d'avenir. Escusado será dizer que não partilho as "ansiedades gauchistes" expressas no texto, sendo certo que este é um dos "lados" mais "militantes" do "não" francês que também importa estudar.

LER...

... no Blasfémias, O Estado a que isto chegou 1 e 2.

8.6.05

PAPÁ...?

Devo ter sido dos primeiros que, neste blogue e num jornal, defenderam a candidatura de Manuel Maria Carrilho à presidência da CML. Não senti, por isso, nenhuma pulsão especial em me dirigir ao CCB para a cerimónia de bajulação. Até para me poupar ao espectáculo deprimente dos aplausos frenéticos de muitos dos que tanto fizeram para evitar que Carrilho fosse candidato. Nem tão pouco fui convidado para lá ir. Pelo que li e vi, não creio ter perdido grande coisa. O PS - parece que em peso e com o seu secretário-geral já com "saudades" da "camaradagem" -, oficiou em conformidade. Não era, na realidade, preciso mais ninguém. Esclarecendo uma vez mais que não tenciono mudar de sentido de voto - voto Carrilho -, não ficaria bem com a minha consciência independente se não manifestasse o meu desconforto perante os relatos do evento. As ideias - boas - de Carrilho para Lisboa soçobraram perante um video narcísico, desnecessário e vão. O texto de Ana Sá Lopes no Público é bem elucidativo da frivolidade do exercício o qual, salvo melhor opinião, não rendeu um voto. E as reportagens televisivas também não ajudaram, num registo entre o incrédulo e o irónico. Não consigo entender como é que um homem inteligente e politicamente intuitivo como Manuel Maria Carrilho "escorregou" nesta fantasia "cor-de-rosa" e mediaticamente inútil. Eu mantenho-me na certeza de que Carrilho daria um excelente presidente da cidade-capital. Quanto ao resto (que, por agora, é "tudo"), limito-me a relembrar-lhe a frase de Séneca que tanto gosta: "não há bom vento para quem não conhece o seu porto".

PATERNALISMO

A divergência entre a "posição oficial" de Freitas do Amaral e a sua "posição pessoal" acerca do Tratado Constitucional europeu, valeu-lhe um raspanete público de António Vitorino, um dos mais insignes guardiões do templo de Bruxelas. Pela picardia, achei francamente graça à forma como Freitas respondeu a Vitorino, "reconhecendo-lhe" o direito a ter uma opinião pessoal. Descontando o folclore, este episódio veio apenas reforçar aquilo que aqui se tem dito acerca do "consenso albanês" que os poderes oficiais e oficiosos esperam do referendo em Outubro, caso ele se realize. O Freitas "pessoal" está, porém, no bom caminho e tem razão. Pena é que o fundamentalismo, afinal provinciano, de alguns adeptos ferozes da Constituição Europeia, como o versátil Vitorino, não cure mais de esclarecer em vez de exibir constantemente o seu insuportável paternalismo.



Adenda: Já estava escrito este post quando, numa rápida ronda pela blogosfera "amiga", dei com este texto de Medeiros Ferreira. Junto-me a ele.

HABERMAS SOBRE A EUROPA

Apesar de O Sítio do Não estar "parado" há dois dias, "a luta continua". Vale a pena ler este belo texto de Jürgen Habermas na íntegra - UE, nouvel essor ou paralysie - , na tradução francesa publicada no Libération. (...) Les hommes politiques avaient leurs raisons de ne pas s'embarrasser d'une discussion publique sur la finalité de l'unification européenne. Ils avaient cru pouvoir glisser sous le tapis ce à quoi ils ne voulaient pas se salir les mains. Le peuple électoral l'en a maintenant retiré, pour le mettre bien en évidence devant leur porte (...) Il est à prévoir que la manière dont les choses vont évoluer soit donc une gifle à la face des électeurs dont la protestation est dirigée contre la classe politique dans son ensemble. Il s'y exprime une impulsion démocratique, sinon pour mettre un coup d'arrêt, du moins pour que s'interrompe pendant un temps un processus qui s'est, jusqu'ici, déroulé par-dessus leur tête. Le non est aussi une opposition à la fausse conscience des partis, qui se reconnaissent manifestement dans la manière dont Luhmann décrivait le système politique, c'est-à-dire comme un dispositif apportant les réponses stratégiquement les mieux adaptées à l'environnement constitué par le monde des électeurs. Les expressions de la volonté démocratique de la semaine dernière ne peuvent être éludées d'un revers de main hautain, ni stigmatisées comme pathologie. Et il est tout aussi déplacé de s'en prendre aux plébiscites de manière générale. Les scrutins populaires sont un correctif salutaire, sinon nécessaire, face à des exécutifs qui attendent placidement l'alternance. Dans la mesure où ils se sentaient sous-représentés, les électeurs avaient une bonne raison de s'opposer à Bruxelles, un régime sans opposition (...) Ce non signifie donc bien plutôt, en fin de compte : «Non. Pas comme ça.»

NÃO CHEGA

Maria João Avillez entrevistou o sr. ministro da Economia e da Inovação. Quem não soubesse quais são as funções que Manuel Pinho desempenha no governo, poderia pensar que estava num canal de televendas. De facto, o sr. ministro falou-nos de uma "realidade" que, suspeito, é ignorada pela larga maioria dos portugueses. Particularmente daqueles que diariamente passam nas televisões quando fecham as fábricas onde trabalham, quando lhes aplicam, pela terceira ou quarta vez o lay off ou quando a "deslocalização" torna mais rentável pôr um romeno a fazer sapatos. Nem sequer faltaram os mil rapazes e meninas que vão ornamentar o pequeno e médio "tecido empresarial português" ou a colocação de pequenos génios lusos algures entre Singapura e os EUA. A dada altura, Maria João perguntou ao ministro como é que o "plano tecnológico" encaixava no actual velório financeiro. Com extrema candura, Manuel Pinho revelou que nós - portugueses - estamos fascinados com o dito "plano". Como prova disso, mencionou que, outro dia, estando ele num restaurante, numas mesas por perto só se falava no "plano tecnológico". Vai daí, Pinho concluiu pelo entusiasmo geral da pátria pelo "plano", notoriamente evidenciado naqueles sussurros dos comensais. Esta oportuna entrevista ao ministro da Economia teve o mérito de esclarecer duas ou três coisas. Em primeiro lugar, deu para entender como é que um bom técnico raramente faz a mínima ideia do que seja exercer um lugar político. Como consequência disto, também ficou perfeitamente entendido qual tem sido o papel do ministro da Economia na actual novela das finanças públicas. Têm-no poupado. Finalmente, Pinho fantasiou sobre as empresas portuguesas e o "investimento" como se tivesse vindo directamente de Marte. Manuel Pinho é um homem afável e tímido. Tem excelentes ideias sobre a "economia". Não estou, no entanto, seguro que essas ideias "entrem" nesta "economia" ou que esta "economia" esteja em condições de absorver essas ideias. Neste sentido, parece-me que Manuel Pinho esteve a dissertar sobre uma Disneylândia desconhecida que apenas vagueia na sua cabeça. Deve ser um homem bom e sério. A sério. Só que isso não chega.

7.6.05

O "ESFORÇO EXIGENTE"

Durão Barroso, no conforto de Bruxelas, disse que "Portugal tem de fazer esforço exigente" e que "a Comissão Europeia vai tentar responder a esse esforço". Este é o mesmo homem que, há sensivelmente um ano, disse "compreender" a mensagem dos portugueses nas eleições europeias. Este é o mesmo homem que "compreendeu" tão bem a mensagem que, menos de quinze dias depois dessas eleições, "trocou" a chefia do governo pela CE, numa clara demonstração da sua pessoal concepção de "esforço exigente". Em suma, quem é José Barroso para vir agora pedir um "esforço exigente" aos que cá ficaram a tratar da intendência? Quem?

LER OS OUTROS

O artigo de José Medeiros Ferreira (a quem devo aqui uma amiga referência e a quem, na qualidade de MNE do I Governo Constitucional, Portugal deve o pedido de adesão à então Comunidade Europeia) no Diário de Notícias, "A Europa por dentro e por fora": (...) Os órgãos comunitários, com destaque para a Comissão e para o Parlamento Europeu, montaram máquinas de propaganda vanguardistas e insensíveis aos públicos reticentes e críticos.Criou-se assim uma dogmática europeia absurda e insensata que envolve mesmo os decisores nacionais sem coragem, ou lucidez, para se desviarem da linha-padrão. Muitos ainda não perceberam que o Tratado Constitucional está moribundo e que as ratificações devem parar (...).



Adenda: Ler igualmente no Bicho Carpinteiro, "Freitas junta-se a nós".

PUTA DE SORTE

Segundo o Correio da Manhã, existem em Portugal perto de 900 casas de alterne. O negócio envolve mais de 30 mil prostitutas portuguesas e estrangeiras, movimentando 2,5 mil milhões de euros. Números confirmados por elementos da Polícia Judiciária (PJ) e que podem ser ainda contabilizados de outra forma: se o Estado recolhesse impostos desta actividade, receberia descontos no valor de 650 milhões de euros. Aposto que ainda não ocorreu a nenhum brilhante adjunto ou assessor do ministro das Finanças, ou do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, "estudar" esta matéria. Por que é que estes "corpos especiais" de "funcionárias públicas" não hão-de pagar o seu dízimo ? A "coesão social" e a tirada do "esforço repartido por todos" são, afinal, manifestos embustes. A paródia e os "fandangos" ficam de fora. Que puta de sorte!

SILÊNCIO

Enquanto o país arde de calor e de chamas, o ministro da Administração Interna e o dinossauro presidente da Câmara de Poiares, Jaime Ramos, também astuto "bombeiro", praticam inúteis jogos florais numa Comissão Parlamentar. O exercício destina-se a apurar "o mais desleixado", com o habitual recurso ao "passado" e ao "presente" de cada um. Esta frivolidade assume foros pornográficos quando olhamos para as imagens da devastação. São imagens de outra devastação - só porque acontecem onde ainda não tinham "acontecido" - e de uma mesma pobreza evangélica, repetida dramaticamente ano após ano. Até apareceu um "general" que, desta vez, "comanda" tudo sem, coitado, poder verdadeiramente resolver nada. Eu julgo que as populações vítimas destas catástrofes, à falta de coisas mais palpáveis e indispensáveis para as evitar ou debelar, agradeciam, desta gente tagarela, pelo menos silêncio.

"NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM COMUNICAÇÃO POLÍTICA"

Este é o título de um artigo de Dominique Wolton publicado no Le Monde. É uma reflexão muito interessante efectuada na sequência do referendo de 29 de Maio, mas é mais do que isso. Numa altura em que, por causa da Europa e por causa dos "assuntos domésticos", a eficácia da comunicação política volta a estar em causa, Wolton chama a atenção dos dirigentes e da opinião pública para duas ou três coisas essenciais destinadas a evitar "surpresas", se é que ainda é possível evitá-las. Lá como cá, aliás.


Le 29 mai fait apparaître cinq faits. Une réelle incommunication entre pays légal et pays réel. D'un côté les élites, les urbains, les plus âgés. De l'autre les ruraux, les plus pauvres, les jeunes. Un casse-tête qui ne recoupe pas les frontières politiques. Un rejet du libéralisme dont l'Europe devient le symbole, même si elle en était une tentative d'organisation. Une immense colère contre la crise économique et sociale. Le refus d'une Constitution pas assez débattue et symbole des abandons de souveraineté difficiles à accepter. L'arrogance des élites se retourne contre elles avec la fin du chantage à l'"intelligence" , à la compétence. Le non n'était même pas pensable... Pourtant, en cas de suffrage universel, il n'y a plus de hiérarchie entre ceux d'en haut et d'en bas. Enfin, c'est la preuve que ni les médias ni les élites ne font l'opinion et l'élection : les deux, dans l'ensemble, étaient favorables au oui. On a donc assisté à la rencontre des deux non. Le non français contre la majorité actuelle, et le non européen contre l'eurocratie. Les deux non se sont tissés ensemble, brouillant une fois de plus, et c'est l'originalité de l'Europe, le clivage gauche/droite. Avec cette question sans réponse : le non français aurait-il été plus faible si Jacques Chirac avait en 1995, 2002 et 2004 pris en compte le vote des Français ? Le boomerang moins fort ? Ce qui relance la contradiction inhérente à la démocratie de masse médiatisée : pas d'action possible du pouvoir sans un minimum de durée et de stabilité. Mais, simultanément, impossible de ne pas écouter les citoyens. Au-delà, il faut réfléchir au rôle essentiel de la communication politique, véritable moteur de la démocratie. La communication politique ce n'est ni les paillettes, ni le marketing, ni la publicité. C'est au contraire l'espace symbolique, constitué par le jeu des acteurs politiques, des médias, de l'opinion publique, et la circulation de leur discours. Pas de démocratie avec un grand nombre d'acteurs, le suffrage universel, beaucoup d'informations, de médias, de sondages, sans une réflexion sur le rôle essentiel de ce triangle de la communication politique. Son risque ? Se refermer, perdre le contact avec la réalité, rétrécir le jeu politique et arriver au découplage auquel on a assisté lors de ce référendum. Un exemple. Dès le dimanche soir, dans tous les débats, la ronde des explications avait repris. Tout le monde savait déjà quoi dire et penser. Aucun silence. Aucun doute. En quelques minutes, l'événement était avalé, neutralisé... Pourquoi si peu de modestie et d'autocritique ? Pourquoi ignorer à ce point que les citoyens ne sont pas dupes ? Que cette classe dirigeante médiatisée, pointe visible de l'iceberg, fasse attention : elle laisse dans l'ombre ces milliers d'élus ­ - nationaux, régionaux, locaux ­ - qui ont souvent une bien meilleure compréhension de la société que ces élites, elle oublie les syndicats, associations, mouvements d'éducation populaire, systématiquement identifiés à des corporatismes. Les citoyens voient tout et savent tout. Ils n'ont pas toujours raison, mais impossible de construire ce nouvel espace politique en sous-estimant à ce point les récepteurs qu'ils sont. Quant à l'opinion publique, l'Europe est sans doute le secteur où la tentation de la réduire aux sondages est la plus forte et la plus dangereuse. Ne sachant pas comment se forment les opinions sur cet immense Far West, on y transcrit les méthodes existant aux plans nationaux. L'Europe est à la fois un espace commun fait d'économie et un espace politique qui s'élargit lentement. Mais ce n'est pas encore un espace public nécessitant un minimum de langue, représentations, idéologies, enjeux communs. Les "opinions" des uns et des autres ne veulent pas dire la même chose. Et c'est normal. Alors pourquoi croire que la multiplication des sondages compensera ou suffira à faire naître un espace public ? Mieux vaut d'abord interroger l'histoire, comparer, affronter l'altérité, voyager, comprendre que l'on ne comprend pas. En un mot admettre que la question des opinions européennes n'a rien à voir avec celle de chacune des opinions nationales. Une opinion sur l'Europe, chez un individu, suppose comprendre un petit peu les rapports entre information, connaissance, représentation, idéologie, stéréotype, rumeur, préjugé. Oui aux sondages, mais pas comme substitution à une réflexion théorique et imaginaire. D'autant que l'opinion publique est une figure partielle du citoyen. Plus on respecte sa complexité, plus on respecte celle du citoyen européen à construire. Le rôle des médias, comme toujours, a été central pour expliquer les enjeux et organiser des confrontations. Surtout quand ils ont réalisé l'ampleur du non. Le contenu des débats aurait-il conduit à un autre résultat si les médias avaient commencé plus tôt ce travail d'explication et de débats ? A leur décharge, les opinions politiques ne manifestaient guère hier d'intérêt aux questions européennes. En réalité, les médias sont le moteur de la communication politique, mais à deux conditions. D'abord éviter d'être trop liés aux élites et conserver la fonction de médiation entre les différents milieux de la société. Ils doivent refléter l'hétérogénéité de celle-ci. C'est leur rôle démocratique. D'autant qu'en haut les dirigeants n'ont souvent plus de rapports avec la réalité et n'y accèdent qu'à travers les médias. Si les médias ne reflètent pas mieux la diversité, le risque d'incommunication augmente. Et le nombre de supports ne suffit pas à rendre plus transparente et compréhensible la société, car tous parlent de la même chose, au même moment. Pas assez ouverts, pas assez pluralistes, trop conformistes. L'espace médiatique ne transcrit pas assez l'hétérogénéité culturelle et sociale. Ensuite, les médias doivent éviter de devenir simples commentateurs de sondages. Il y a trop de sondages commandés ou commentés. On serait effaré, tous médias confondus, de voir sur une seule journée le nombre d'informations qui se réduisent à un commentaire de sondage. A croire que les journalistes ne savent plus faire que cela, réduisant la place de toutes les autres compétences pour donner une autre vision de la politique. Les médias ne sont pas les porte-voix des hommes politiques et des sondeurs, et doivent refléter les autres opinions. Ils sont garants de l'hétérogénéité, faute de quoi il n'y a pas de respiration démocratique. La communication politique est donc au coeur de la construction de l'Europe, mais à condition de reconnaître qu'elle ne recoupe pas les clivages traditionnels, et en dépassant les logiques de "chantage" qui ont été utilisées jusqu'à aujourd'hui. A condition aussi d'admettre qu'il ne peut y avoir d'Europe politique sans un minimum de croissance et de solidarité. Sans oublier l'importance des identités et de la diversité culturelle. Enfin, si, avec le non français, rien ne sera plus comme avant, c'est aussi à condition de ne pas nier la liberté des autres, de ne pas imposer sa loi. Autrement dit, la grandeur de la communication est de construire la cohabitation politique en Europe. Donc la tolérance.

O CADÁVER ESQUISITO

O governo de Tony Blair deu ontem a machadada que faltava no Tratado Constitucional. Ao adiar o referendo, os ingleses, que vão assumir a presidência semestral da União a partir de Julho, quiseram significar - apesar de toda a retórica parlamentar do sr. Straw em contrário - o fim sereno da Constituição Europeia. Nada indica, porém que os líderes francês e alemão, por exemplo, estejam dispostos a fazer um mea culpa no próximo Conselho Europeu. Contudo, agora é mais difícil continuar a assobiar para o alto. Entre nós, a esquizofrenia prossegue tranquilamente com o referendo de Outubro ainda "em agenda". Freitas do Amaral, num acesso curioso de dupla personalidade, manifestou simultaneamente uma "posição pessoal" razoável (é preciso voltar a negociar e começar a pensar num novo Tratado) e uma "posição oficial" destestável (o governo português quer prosseguir com o processo de ratificação). A "linha" oficial em prol da ratificação/referendo foi justificada por Sampaio com aquela trágico-cómica ideia de que "nós não somos menos que os franceses". Não somos, de facto, não vale a pena insistir. "Quando tudo arde" no "consenso" europeu que só existe na nossa infinita imaginação, nós preferimos continuar a passear o "cadáver esquisito" de um calhamaço ilegível, a única imagem sobrante da "Constituição" em boa hora "emprateleirada" por Blair.

6.6.05

SEM TECTO, ENTRE RUÍNAS

O país começa novamente a arder. Afinal, o que é que "mudou"? Só a direcção do vento? Parece que os contratos de adjudicação de helicópteros para o combate aos fogos ainda não foram assinados. Estamos assim, como nunca verdadeiramente deixámos de estar. Sem tecto, entre ruínas, na expressão "realista" de Raúl Brandão.

IDEIA BOA COM DÚVIDAS

António Costa quer fundir concelhos e freguesias para poupar dinheiro e racionalizar. Como ferrenho centralista que sou, aplaudo de imediato. Eu vou, porém, mais longe e deixo duas interrogações para "memória futura". Terá o PS a coragem de evitar a deriva regionalista para a qual se mostrava novamente inclinado? Ou esta ideia destina-se apenas a tirar com uma mão o que depois se dará com as duas? Conseguirá o PS "travar" os "localistas" e os caciques - do seu partido e dos outros - que se vão fartar de rabiar se isto for para a frente sem contrapartidas bem definidas?

5.6.05

FAZER BEM FEITO

Freitas do Amaral, ministro e professor de direito, veio a público mostrar a sua "solidariedade" aos colegas Campos e Cunha e Lino. Para a pedagogia "jurídica" ser completa, Freitas explicou que "qualquer que seja o juízo que cada um possa fazer acerca da situação, o certo é que (os ministros) se encontram em situação conforme à lei", acrescentando que "num regime democrático, o princípio é que tudo aquilo que a lei não proíbe é permitido, em contraste do que acontece nos estados totalitários, em que o princípio geral é de que tudo aquilo que a lei não permite expressamente, é proibido". Com o devido respeito e subscrevendo em absoluto esta trivialidade que qualquer aluno do 1º ano de direito entende, parece-me que escapa a Freitas do Amaral- a quem, ao longo destes anos, tanta coisa tem escapado - o essencial da questão. E o fundamental é do foro político e não técnico-jurídico. Para o caso "político" não adianta muito que o governo vá aprovar daqui a três dias legislação destinada a repôr alguma lógica nisto tudo e que os ministros "reformados" passem a ficar sob a alçada da dita legislação, outra notória trivialidade. Este assunto devia ter ficado resolvido antes de os ministros terem tomado posse, como muito bem percebeu o próprio Freitas do Amaral que suspendeu uma "reforma" ao entrar para o governo. Por mais que Sócrates, Freitas, Campos e Cunha ou Lino se espremam, este episódio representa uma ruptura desagradável com largas faixas do eleitorado que apostou no PS para "fazer o que devia ser feito". É que não basta "fazer o que deve ser feito". É preciso, além disso, que o que deve ser feito seja bem feito.

O REGRESSO DO RECALCADO

... para ler no Le Monde, um artigo de Pierre Rosanvallon. (...) Les acquis historiques de l'Europe n'ont pour cela guère pesé dans le débat ­ sauf pour les générations plus âgées. Ses bénéfices économiques, considérés plus isolément, ont en revanche paru plus décevants pour beaucoup. On a payé là le prix de longues années de discours optimistes et simplificateurs sur le caractère protecteur de l'Europe sans jamais évoquer le coût de son hétérogénéité croissante.
Mais un deuxième type d'équivoque n'a jamais été explicité non plus : c'est celui qui concerne les formes politiques et juridiques de l'Europe. La dénonciation de la technocratie bruxelloise et la stigmatisation récurrente d'un"déficit démocratique" se sont largement imposés depuis au moins quinze ans comme allant de soi, mêlant la critique de véritables dysfonctionnements à ce qui ne faisait tout simplement que dériver d'autres modalités de la démocratie que celles procédant de la vision française de l'intérêt général. Le rôle du droit, les formes nouvelles de régulation, ont été systématiquement perçus comme des régressions, alors que ce sont en fait les spécificités du modèle français qui auraient aussi dû être interrogées et discutées (...).

AMBIGUIDADES LISBOETAS

Começa a irritar-me a profusão de outdoors com a carinha dos candidatos à Câmara de Lisboa. E segundo o velho ditado "quem te avisa teu amigo é", suspeito que um dos que mais irrita os lisboetas - pelo despropósito numérico que nos dá a sensação desconfortável de estarmos a ser permanentemente "vigiados" - é o de Manuel Maria Carrilho. Como seu apoiante declarado desde há muito tempo, confesso a minha desilusão pela forma quase clandestina e ambígua como está a decorrer a sua pré-campanha. Normalmente só tomo conhecimento que se passou alguma coisa - uns "encontros" ou umas "jornadas" - pelas notícias nos jornais do dia seguinte. Notícias essas que dão normalmente conta de um indisfarçável mal-estar entre os serviços da candidatura e os jornalistas. Francamente esperava mais imaginação e uma "teoria" comunicacional mais eficaz. Por este andar, Ruben de Carvalho e Carmona Rodrigues, em especial, vão marcar mais pontos do que deviam. Já nem sequer falo de Sá Fernandes, uma incógnita. Carrilho ainda não encontrou nem o "tom" nem as pessoas adequados para o seu "projecto". Supostamente não se vêem porque estão todos "a trabalhar" nele, como diz o cartaz. Como e até quando?

CEGOS, SURDOS, MUDOS

Laurent Fabius, até agora o "número dois" da direcção do PS francês, foi removido da dita por ter estado do lado do "não". Hollande, o secretário-geral, preferiu uma direcção "homogénea" para poder continuar o caminho que, com evidente sucesso, vem trilhando à frente do partido. Em Berlim, Chirac e Schroeder encontraram-se este fim-de-semana para lamberem juntos as feridas produzidas pelos referendo em França e na Holanda. Em Portugal, e apesar de alguns apelos sensatos para repensar a oportunidade do referendo envergonhado de Outubro próximo, tudo indica que existe "consenso" suficiente, uma vez mais sob o alto patrocínio do Senhor Presidente da República - cada vez mais "imaginativo" à medida que se aproxima o fim do mandato -, para que se mantenham as coisas no estado peripatético em que se encontram. Tudo somado, parece que os ensinamentos da semana passada não serviram para nada aos "constitucionalistas" europeus, nacionais ou internacionais. Depois de um primeiro abalo, dão sinais autistas de pretenderem prosseguir como se nada de relevante tivesse acontecido. Convém, no entanto, lembrar-lhes que foi precisamente este friso cego, surdo e mudo à realidade que foi derrotado nas escolhas populares em França e na Holanda. Se o "não" em Portugal começar por aí a crescer em surdina, o que é que eles farão?

4.6.05

O CORPO É QUE PAGA

Quando a cabeça não tem juizo
Quando te esforças mais do que é preciso
O corpo é que paga
O corpo é que paga
Deixa´ó pagar deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Quando a cabeça não se liberta
Das frustaçoes inibições toda essa força
Que te aperta o corpo é que sofre
As privações mutilações

Quando a cabeça está convencida
De que ela é a oitava maravilha
O corpo é que sofre
O corpo é que sofre
Deixa´ó sofrer Deixa´ó sofrer
Se isso te dá prazer

Quando a cabeça está nessa confusão
Já sem saber que hás-de fazer, e já és tudo o que te vem à mão
o corpo é que fica
fica a cair sem resistir

quando a cabeça rola pro abismo
tu não controlas esse nervosismo
a unha é que paga
a unha é que paga
não paras de roer
nem que esteja a doer

quando a cabeça não tem juízo
e tu não sabes mais do que é preciso
o corpo é que paga
o corpo é que paga
Deixa´ó pagar Deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó sofrer Deixa´ó sofrer
Se isso te dá prazer
Deixa´ó cantar Deixa´ó cantar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó beijar Deixa´ó beijar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó gritar Deixa´ó gritar
Se tu estás a libertar

António Variações

Modo de emprego: esta canção é para trautear lendo este post no Abrupto, Para o PS, uma lição que já devia estar há muito aprendida.

3.6.05

DA INTENDÊNCIA

Só Deus sabe como eu não gosto de conversas de "mercearia". Aborrece-me o dinheiro "físico" e, como dizia Salazar, devo à Providência a graça de ser um mero remediado. Não tenho, nessa matéria, invejas, ressentimentos ou sombras. Por isso acho que a excitação em torno da "acumulação" de vencimentos do sr. ministro das Finanças deve ser reconduzida ao plano estritamente político. Suspeito que o "veneno" tenha sido destilado bem de dentro de algumas hostes ressabiadas do PS para alimentar a demagogia populista. Eu já aqui escrevi que uma das maiores fraquezas de Campos e Cunha é ser "independente". Nenhum "político" suporta que um que não é dos "seus" lhe mexa. Para além disso, a "revelação" surge no pior momento para o governo e para Campos e Cunha em particular. Como é que se explica tranquilamente a uns bons milhares de trabalhadores, privados ou funcionários, que "andam nisto" há mais de trinta e tal anos, que uma meia dúzia deles ao serviço do banco central gere automaticamente uma "reforma"? E que essa "reforma" é acumulável com o salário ministerial? Já vai tarde, mas eu aconselhava o sr. ministro - apenas por uma questão de bom senso político, atendendo ao que aí vem -, a suspender a percepção dessa "reforma" enquanto estiver na Praça do Comércio a tratar da intendência alheia. Sobretudo por causa da "forma" como está a tratar dela.

NÓS POR CÁ

Cavaco junta-se a nós na constatação que deve haver uma nova concertação europeia sobre a matéria, conclusão a que Barroso também chegará em breve. Antes de Lisboa? Pergunta, no Bicho Carpinteiro, Medeiros Ferreira. Depois da revisão constitucional de opereta, aprovada a correr pelo "arco parlamentar" para o referendo de Outubro ( haverá?) juntinho às autárquicas por forma a não se dar por ele, Lisboa ainda não se apercebeu do que é que se está a passar politicamente com a Europa desde domingo passado. É pena e é grave.


Adenda: O título deste post é o mesmo do artigo de hoje em O Independente”. Fica um excerto. Porque não me privo de denunciar, as vezes que forem necessárias, esta nossa pequena farsa.


(... ) A "Europa da boa consciência" – sobranceira e desfasada do “seu” povo -, acabou derrotada nos referendos. É, aliás, excelentemente encarnada por esse modelo de "neutralidade virtuosa" e de fundamentalismo constitucionalista que se chama Durão Barroso, uma nossa exportação de luxo. Por cá, o “albergue espanhol” favorável ao “sim” em Outubro, tenciona partilhar a campanha com a tagarelice dos autarcas e dos candidatos a autarcas. Como não há dinheiro nem genuína vontade política de explicar o quer que seja aos portugueses, para além de uma vaga retórica eurófila, “dilui-se” o referendo nas eleições autárquicas. Isto é uma forma manhosa e pouco séria de evitar qualquer debate. Como de costume, nós por cá todos bem.

2.6.05

UMA SUGESTÃO

É provável que neste momento esteja diminuída a credibilidade dos actuais líderes europeus para explicarem aos cidadãos que a resposta aos seus medos está precisamente numa União Europeia mais forte e mais coesa. Quem disse isto chama-se Cavaco Silva e é insuspeito de ser negativo face ao Tratado constitucional. E disse mais. Suspenda-se o processo de ratificação, faça-se uma pausa e reflicta-se, sugeriu. No pântano que, apenas com três meses de uma nova "desesperada esperança", por motivos diversos, se está a instalar mansamente na vida pública portuguesa - e a Europa "é" vida pública portuguesa -, Cavaco Silva emerge cada vez mais como uma voz serena a quem deve ser dada atenção sem os triviais preconceitos imbecis.

O "LADO BOM" DO VOTO

MASSAAL 'NEE'
Mais de 60 por cento do eleitorado holandês rejeitou o Tratado constitucional. Há por aí muito "povo europeu" tranquilamente a mostrar aos seus dirigentes que não simpatiza com uma Europa feita nas suas costas, querendo contudo "continuar" europeu. Era corrente que o Tratado seria aprovado no Parlamento holandês por uma confortável maioria. Saibam, por isso, os chefes de Estado e de governo, bem como o inefável dr. Barroso, "ler" o que está por detrás desta mensagem eminentemente democrática. Este é o "lado bom" do voto. E o lado "bom" do voto não é tanto o dizer "não" como exprimir civilizada e maioritariamente uma vontade de participação, num ou no outro sentido. Sem tentativas pueris de confundir o eleitorado. Tenho pena que, no meu país, seja preciso recorrer à esperteza saloia para fazer o referendo. Entre nós, o conhecimento e a informação sobre matérias europeias resume-se, na prática, a uma reles mercearia da pedincha. Veja-se a intervenção de Freitas do Amaral no Parlamento acerca de um grotesco "bater-o-pé" por causa dos "fundos". Tudo o resto - um resto que é verdadeiramente tudo - nos passa vergonhosamente ao lado, em nome e por causa de uma incompreensível retórica oficial. O "albergue espanhol", defensor do "sim" português e alegadamente "consensual", apenas suspira para que tudo continue assim.