31.8.11

FIM DE AGOSTO




Verdi: Otello. Jon Vickers, Mirella Freni, Peter Glossop, Aldo Bottion, Michel Senechal. Chorus of the Berlin Opera. Berlin Philharmonic. Herbert Von Karajan

AS BENEVOLENTES


Aos prosélitos, dos profundos aos superficiais, que verberam o documento relativo à consolidação orçamental para os próximos anos apresentado por Vítor Gaspar, não ocorre perguntar por que é que ele foi necessário. Ou por que é que chegámos até aqui. Então ver (e ler) certas caras e línguas de pau - que deram um generoso contributo para que tivéssemos chegado a tal ponto - a "criticar", seria risível se não fosse trágico. Porque a questão fundamental (o resto é grosseira estupidez ou simples má fé) é mesmo aquela: por que é que foi necessário? Porquê?

REALISMO

Moral de uma "história" contada numa hora e meia: o que é insustentável não será mais sustentado. Isto é não apenas um "corte" financeiro real como um corte epistemológico com determinados temores reverenciais e corporativos. Primeiro estranha-se mas depois entranha-se.

O CENTENÁRIO DE MANUELA DE AZEVEDO


«Comemora hoje o seu 100º aniversário a jornalista e escritora Manuela de Azevedo, uma das grandes figuras da imprensa portuguesa. Mulher de cultura, autora de várias obras de ficção, de biografias de escritores portugueses e de um livro de memórias, Manuela de Azevedo foi, durante muitos anos, crítica teatral do Diário de Notícias (no tempo em que todos os jornais tinham um crítico de teatro). E foi devido ao teatro que eu a conheci há mais de quatro décadas e que mantive com ela um contacto regular ao longo de 20 anos. Além do seu trabalho como jornalista, Manuela de Azevedo empenhou-se em outras causas. Recordo-me que colaborou estreitamente com Madalena de Azeredo Perdigão na criação do extinto Ballet Gulbenkian e que foi uma ardorosa defensora da reconstrução da Casa de Camões, em Constância, tendo presidido à associação que promoveu essa obra. A Câmara Municipal de Santarém assinala hoje o centenário de Manuela de Azevedo com uma exposição da colecção de arte contemporânea doada por ela ao município em finais dos anos 80, juntamente com a sua biblioteca. A exposição terá lugar no auditório da Casa-Museu Anselmo Braamcamp Freire, em Santarém. Assinale-se que Manuela de Azevedo foi a primeira mulher a receber, em Portugal, a carteira profissional de jornalista.»

Júlio de Magalhães

Adenda: E tradutora.

30.8.11

«PRO BONO»

Expressão latina que quer dizer - desde que as pessoas saibam ler e escrever como habilitação mínima - «actividade [que] seja exercida com carácter e competências profissionais, não sendo, no entanto, remunerada. Portanto, trata-se de uma actividade exercida por profissionais competentes, que a praticam de forma voluntária e sem ser pagos pelo serviço prestado. Esta actividade normalmente é exercida em acréscimo à actividade normal, remunerada.» Vem na Wikipédia que é acessível a qualquer cidadão com um módico de literacia informática.

NÃO É PARA TODOS, EU SEI, MAS OS OUTROS PODEM SEMPRE TENTAR



29.8.11

DÚVIDAS E CERTEZAS


Ao ler muitas das coisas que por aí se escrevem, sobretudo na "blogosfera", e tidas por "factos", ocorre-me inevitavelmente aquela velha frase de um velho humorista brasileiro que me ensinaram noutra encarnação. Mais vale estar calado e passar por parvo do que abrir a boca e acabar com as dúvidas.

O VÍRUS ROMÂNTICO



«Tudo, segundo ele, nasceu de um mesmo «vírus» romântico, manifestação de uma sensibilidade burguesa desregrada, de uma língua que abandonou o rigor clássico, de um culto histérico da personalidade, e de um conformismo estético e político. Para Aymé, a literatura contemporânea, à custa de se apresentar como «transgressora» acabou por se tornar comodista.»

Pedro Mexia, Lei Seca

DA PARTILHA

Manuel António Pina.

O PASSIVO E O PASSADO


António José Seguro apareceu ontem na Madeira, envolto em nevoeiro, e perguntou pela "irresponsabilidade" financeira local. Quem é que a paga, questionou o secretário-geral do PS. Não faz mal em perguntar embora a dívida da Madeira deva ser a única pela qual o seu partido, em quinze anos com uma leve intermitência de três, não é o principal responsável.

28.8.11

O SILÊNCIO ELOQUENTE

Aos pífios nostálgicos do "regime" derrubado no voto de 5 de Junho - que reúne uma amálgama de analfabetos simples e funcionais apesar do epíteto de "intelectual" conferido pelos primeiros a alguns apoderados dos segundos - não interessa um átomo a situação ilegal e amoral a que esteve sujeito um jornalista (e quantos mais cidadãos não terão estado na mesma?) entre Julho e Agosto do ano passado. Na realidade, a estes depostos arautos da auto-denominada "esquerda moderna" apenas a quadrilhice rasteira importa mesmo que funcione num raio de oito quilómetros quadrados. Nunca, na verdade, quiseram saber do país para nada. Mas esse país que o deslumbramento parolo e o instinto rapace praticamente destruiram, está a evidenciar-se a cada dia que passa. Podem enganar-se alegremente uns aos outros e a meia dúzia de idiotas úteis. Ao país é que já não enganam mais.

Adenda: É evidente que António José Seguro - que se distingue desta estrumeira porque é um homem decente - já condenou em público e de viva voz esta miséria política.

PRINCÍPIO, MEIO E FIM

«Leio sempre com muita atenção Miguel Cadilhe. Desde o tempo dos Reformadores. Desta vez trata-se da sua proposta sobre o lançamento de um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas, fora do quadro do IRS. Tem a vantagem de ter princípio, meio e fim. E de não ter ido a reboque dos afortunados filantrópicos.»

Medeiros Ferreira, Córtex Frontal


«Os nossos ricos nunca se distinguiram pela sua riqueza, nem aliás (tirando meia dúzia de excepções) por qualquer virtude económica ou cívica. Não criaram empresas, não fizeram o menor gesto filantrópico (fora o velho Champalimaud), náo intervieram inteligentemente na vida do país. E, quando as coisas se tornavam complicadas, em geral fugiam.»

Vasco Pulido Valente, Público

É DO FADO

Carlos do Carmo - cujo talento enquanto fadista vem desde os ominosos tempos do regime que precedeu o 25 de Abril - é, à sua maneira, um "filósofo". Aliás, o "boneco" de Herman José ("Largo do Carmo") faz inteira justiça a esse lado místico-político do fadista. Porém, tudo visto e ponderado, Carmo ainda não se habituou à democracia passados todos estes anos. Veio para o fado e ficou. É apenas por aí que se deve deixar ficar, Carlos. Porque no fado é um príncipe. No resto, nem chega a ser um panfleto.

BERGANZA EM LISBOA



Teresa Berganza canta Rossini, Tancredi, no Teatro São Luíz, em 1983. Também lá estava.

27.8.11

ISTO É UM "RECADO"



Para ver como se canta com as vísceras. Callas: Donizetti, Anna Bolena. Milão. 1957

GRANDEZA E ALEGRIA



Montserrat Caballé e Marilyn Horne. Barcarolle de Les Contes d'Hoffmann de Offenbach. Munique. 1990

MEA CULPA

Um dos encantos da presente "polémica" que envolve o binómio impostos-ricos é a descoberta de que, afinal, somos um país pejado de "liberais". Só é de admirar que, com tanto "liberal" e com uma "sociedade civil" tão dinâmica e tão justamente indignada, tenhamos chegado ao ponto a que chegámos. Terá sido apenas por culpa do Estado?

UM POUCO DA MORTE


No Expresso, António Guerreiro chama a atenção para o futuro editorial da poesia. O mais recente "desenvolvimento" passou pela absorção da editora Assírio&Alvim pela "galáxia" Porto Editora. O termo é "protocolo de colaboração" mas a realidade é mais comezinha e infinitamente mais triste. A Assírio, como outras "assírios", «não consegue hoje sobreviver pelos seus próprios meios se o núcleo central do seu catálogo é a literatura portuguesa - mesmo que seja uma parte razoável do cânone do século XX.» E, ainda menos, quando esse núcleo central é a poesia geralmente vendida num catálogo a preços desmesurados. As afirmações de Vasco Teixeira, responsável editorial da Porto Editora, reproduzidas por Guerreiro são, nessa matéria, eloquentes: "se me perguntar se daqui a dez anos ainda se edita poesia em Portugal, dir-lhe-ei que não.» A poesia não se avalia ao quilo, ao metro ou na contabilidade de um editor. Mas, como escreveu Joaquim Manuel Magalhães em Rima Pobre, de 1999, a poesia enquanto "produto" está a sofrer o inevitável embate das "análises", das "classificações", dos "agrupamentos", de "tudo isso em que são sapientes as escolas, o cálculo dos críticos, os grupos de pressão, o manobrismo de alguns poetas afeitos a partidos e instituições que se pagam em autopromoções, o necessário comércio da editoras e, é claro, os jornais.» E a crise fatal. Chegou a hora de a Assírio&Alvim, uma das mais bonitas e inteligentes editoras nacionais. É um pouco da morte que, afinal, e no dizer de Magalhães, a poesia é.

TUDO O QUE É MAU


«Contas feitas, as parcerias público-privadas nas estradas, excluindo as que têm portagem real, representam nos próximos 15 anos dez vezes o valor do imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal. Na auditoria da IGF são vincadas as críticas sobretudo às sete concessões e subsconcessões rodoviárias lançadas em 2008, no início da crise financeira, pelo Governo de José Sócrates. A IGF denuncia ainda que o Tribunal de Contas concedeu cinco vistos a estas infra-estruturas em situação ilegal.»*

«As 687 facturas não contabilizadas foram emitidas a partir de 2004, mas a maior parte são de 2008 a 2011, e que o I[nstituto] do D[esporto] de P[ortugal] vai comunicar "brevemente" o caso ao Tribunal de Contas, Inspecção-Geral de Finanças e Direcção-Geral do Orçamento, embora a denúncia ao Ministério Público dependa da conclusão do inquérito em curso no organismo. Foi ainda detectado que o IDP terá retido cerca de 2,2 milhões de euros de receitas dos jogos sociais da Santa Casa da Misericórdia consignadas ao Plano Mateus, "que deviam ser entregues ao Ministério das Finanças e não estavam a ser desde março de 2010".

«O Inatel pagou cinco mil euros por um trabalho de promoção, que incluiu uma entrevista ao seu presidente, Vítor Ramalho.»

«5 mil euros por uma entrevista é uma semi-gota de água nos milhões de euros que nos custam revistas de autarquias, de juntas de freguesia, de comissões de coordenação, do programa escolhas, as agendas culturais municipais que ninguém lê mas mostram profusamente a cara do senhor presidente. Uma presidente duma junta de freguesia de Lisboa conseguiu que a sua cara fosse publicada DEZASSEIS vezes num boletim da respectiva junta! A esmagadora maioria destas publicações não tem qualquer outro interesse além da propaganda dos seus dirigentes e alimentar uma clientela de jornalistas, intelectuais de serviço e afins. Os cinco mil euros pagos pelo INATEL ao pé disto nem se vêem. Mas já agora aproveite-se o balanço e leia-se algo muito mais questionável ou seja própria revista do INATEL cuja impressão no ano de 2009 custou mais de 500 mil euros, revista essa que se pautou durante o governo Sócrates por funcionar como uma espécie de tempo de antena do PS

«Nuno Simas, que trabalhou no PÚBLICO até Julho deste ano e que pertence agora à direcção de informação da agência Lusa, era o jornalista que acompanhava os assuntos ligados aos serviços de informação no PÚBLICO. Segundo o Expresso, foi este o principal motivo da investigação que lhe foi movida no interior do SIED. Segundo o jornal, às mãos de Jorge Silva Carvalho, então director do SIED, chegaram seis páginas A4 e o documento foi intitulado com o nome de código “Lista de compras”. O semanário reproduz hoje cópias desses documentos, onde aparecem registos detalhados de todos os telefonemas e SMS enviados por Nuno Simas, entre 19 de Julho e 12 de Agosto de 2010.»

*O Tribunal de Contas desmentiu.

DA AVALIAÇÃO


«2 meses de governação pouco ou nada interessariam antigamente. O simples facto de hoje serem alvo de avaliação é sinal de que algo já está a mudar. É bom que este Governo se habitue a ser avaliado ao segundo.»

João Maria Condeixa, República do Cáustico

26.8.11

«EM PLENA ACÇÃO EM TRIPOLI» OU «GRACE UNDER PRESSURE»


Não é preciso estar deitado no meio do chão.

A RUA E A PRIVACIDADE

«O direito a ser divertido é hoje um direito intocável do cidadão. Em Lisboa, por exemplo, o espaço público acabou por se tornar um espaço comum que toda a gente, ou quase toda a gente, pode usar para seu interesse ou conforto. A câmara não hesita em fechar ao trânsito partes da cidade, mesmo da cidade central, a benefício de um concurso de bandas (de género desconhecido ou ambíguo) ou de um acampamento de barraquinhas, que se instalaram no Rossio com um propósito misterioso. Segundo o jornal i, a Câmara de Lisboa até nem hesitou em se dotar de uma empresa, a EGEAC, com 183 funcionários para a conservação de salas (que, suponho, a cultura não deixou vender) e a organização de eventos, presumivelmente do agrado da populaça ou de meia dúzia de tontos que se acham beneméritos da humanidade. Ainda assim, o pior não é isso. O pior é que as freguesias imitaram essa política, que vinha de alto e que elas, coitadas, presumiam "moderna". Sexta, sábado e domingo, há, em Carnide, a partir de Maio, uma festa ou um baile, com uma espécie de música devastadora e penetrante, que não deixa dormir ninguém num raio de, pelo menos, dois quilómetros. Nunca a polícia interveio neste simpático exercício, que, suponho, considera inócuo e perfeitamente legal. Reparei agora que este hábito se estendeu pela província, perante a benevolência de autoridades que sofrem de insónias ou que não querem interferir com a democracia. Num Estado que proíbe tudo e regula tudo, a privacidade não conta. Só somos livres dentro de casa e com isolamento de som. A rua é de quem toma conta dela.»

Vasco Pulido Valente, Público

VERSÃO REVISTA E AUMENTADA

Não me apetecia regressar já ao dr. Pacheco. Mas constato, com as ironias e os cansaços do Régio, que, em menos de 24 horas, o que na edição em papel era «e, já agora, porque é que ninguém fala da RDP?», passou para a versão online a «e já agora por que é que ninguém fala dos "canais" da antiga RDP?». Bem haja, dr. Pacheco, por me ler.

25.8.11

CANCELAR A "ARTE DEGENERADA"

«É bom saber que, na "coutada do macho ibérico", há uma empresa que se mantém fiel aos viris valores ancestrais e tem a coragem de, como nos saudosos anos 40 na Alemanha e na URSS, "cancelar" a "arte degenerada". Porque não se dedicam os artistas a pintar pores-do-sol e retratos dos 'stakeholders' do Grupo Espírito Santo?»

Manuel António Pina (via Do Médio Oriente e Afins)

CRÍTICA DA RAZÃO CÍNICA

«Esta guerra da Líbia arrisca-se (...) a revelar-se o último exemplo de duplo critério e hipocrisia da consciência política ocidental.»

Pedro Lomba, Público

O OURIÇO, A RAPOSA, A LAGARTIXA E O JACARÉ


O dr. Pacheco Pereira, no seu artigo na revista Sábado - "quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré" é o título e, presumivelmente, o dr. Pacheco deverá rever-se neste último ser vivo reservando para o resto da humanidade a declinação em lagartixa - aparece muito preocupado com a RTP e pergunta por que é que ninguém fala da RDP. Talvez aqui conviesse mais ao dr. Pacheco a fábula russa do ouriço e da raposa. Porque o dr. Pacheco, sempre tão bem informado, devia saber que há anos e anos que RTP quer dizer "rádio e televisão de Portugal".

RAUL DE CARVALHO POR MÁRIO VIEGAS



Serenidade És Minha (À Memória de Fernando Pessoa)

Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.

Vem, serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anémonas, os monstros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.

Vem, serenidade,
com o país veloz e virginal das ondas,
com o martírio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frémito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contudo
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.

Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.

Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.

Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
surpresa, plenitude.

Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.

Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.

Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.

Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!

E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.

Vem, serenidade,
para que se não fale
nem da paz nem da guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.

Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de ouro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.

Vem com as meretrizes que chamam da janela,
o volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.

Vem, serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.

Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
o corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.

Vem, serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vicio de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.

Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
o papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.

Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe,
mais húmida que a pele marítima do cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu vôo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.

Vem, serenidade,
para perto de mim e para nunca.

....................................... ................

De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma nuvem que aumenta a vã periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu te peço como quem pede amor:
Vem, serenidade!

Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!

Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!

Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.

Vem, serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.

Vem, serenidade,
leva-me num vagão de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.

Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.

A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à policia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade,
Vem, serenidade,
e leva-me contigo.
Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmônio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.

Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
e que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.

Serenidade, eu rezo:
Acorda minha Mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.

Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.

Vem, serenidade,
e absolve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.

E recorda comigo o barulho das ondas,
as mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros daÍndia imaginada,
o espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.

Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes, só de ver
que a beleza não nasce dia a dia na terra.

E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exacta
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.

E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caos e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome.
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros
na chaminé do sangue.

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retrácteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.

Vem, com teu frio de esquecimento,
com tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!

Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.

Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente,
Serenidade, és minha.

24.8.11

SARKOZY E O PRINCÍPIO

Isto não é exactamente uma má ideia. O famoso princípio da igualdade postula que o igual seja tratado de forma igual e o diferente de forma diferente. E Sarkozy, não se tendo propriamente revelado grande coisa enquanto presidente da França e dirigente europeu, nem sequer pode ser tido por um tipo de esquerda.

O FIM DO "NASSERISMO"

«Parece que a «questão Khadafi» estará resolvida na Líbia. Mas em termos internacionais e europeus foi um triste processo que não valida seja o que for para o futuro. Tudo foi mal feito, o mandato da ONU uma comédia na sua aplicação, a NATO, na versão pilar europeu, envergonhada do seu próprio papel, os «rebeldes» uma incógnita. De certa maneira é o nasserismo que está a acabar no mundo árabe. Veremos o que nos trazem os novos poderes. Quando o forem. Mas há muita gente a por as mãos no fogo...»

Medeiros Ferreira, antigo MNE


BORGES


No Google. Via Cibertúlia.

23.8.11

«THEY LOVE ME»



«Chega hoje ao fim a longa ditadura de Muammar Al-Qaddafi. E começa a governação do Conselho Nacional de Transição, que não terá pela frente uma tarefa fácil. Cabe-lhe instaurar um regime democrático, segundo o que no Ocidente se designa por democracia. E realizar eleições. Preferencialmente em paz. Trabalho ciclópico em que não acreditamos. Cabe-lhe igualmente a reconstrução do país. E promover a reconciliação dos irmãos desavindos. O exemplo dos outros países árabes, que foram governados ditatorialmente durante décadas, e que agora aspiram à "democracia", não augura nada de bom.»

Do Médio Oriente e Afins (convém prestar atenção às ilustrações)

ARRIAGA OU AS "HARMONIAS SOCIAIS"


Faz amanhã cem anos que foi eleito (eleito...) o primeiro titular da Presidência da República, o açoriano Manuel de Arriaga. Aquela República nada tem a ver com a de hoje. E o PR de hoje, desta constituição, nada tem a ver com lugar que, então, o infeliz do dr. Arriaga foi ocupar. A 1ª República não passou de uma tirania de cariz urbano centrada no PRP que, depois, com Afonso Costa, se chamou Partido Democrático e que de democrático nada tinha. Acabou tudo às mãos da tropa e de uma outra ditadura - militar - que adubou o caminho ao Doutor Salazar e à sua ditadura corporativa, mais conhecida por Estado Novo. Tudo visto e ponderado, não sobra motivo algum de especial alegria pela passagem do referido centenário. Como republicano, a 1ª República, de uma forma geral, não me convence a não ser pelo lado da rejeição não obstante aquela chalaça sempre comovente do Braga, de eléctrico, a caminho de Belém. Vasco Pulido Valente, porventura o primeiro a "denunciar" cientificamente a ditadurazinha do PRP e do Partido Democrático - depois dele houve uns quantos "académicos" que se limitaram a copiá-lo - retratou adequadamente o dr. Arriaga e a sua impotência ornamental. «Em nenhum momento da sua longa vida excedera (ou haveria de exceder) uma mediocridade honesta. A seu favor contava-se apenas um passado de pioneiro, assaz diletante, e quase quatro décadas de fiel serviço ao Partido [Republicano]. Mas agora estava velho e cansado e a cada passo mostrava que não percebia nem se adaptava às duras realidades do mundo republicano. Sobrevivente de mais simples e tranquilos tempos, autor de um livro chamado Harmonias Sociais, entrou para a presidência em estado de inocência política e saiu para morrer, deixando atrás de si só desilusões e ruínas.» Comemorar o quê?

HÁ MAIS MARÉS QUE MARINHEIROS



22.8.11

PRESENTE PERMANENTE


«Nietzsche se voulait inactuel pour mieux réfléchir à son époque...

Tandis que nous vivons dans une sorte d'actualité perpétuelle... Un présent permanent. Notre vie intérieure est parasitée 24 heures sur 24 par un déluge d'informations, au point de se demander si nous pensons encore, et si c'est même nécessaire de penser. Nous vivons là un saut qualitatif considérable. Il y a toujours eu des tueries sur cette planète, bien avant qu'elle soit en cours de mondialisation accélérée, mais qu'elles forment une actualité perpétuelle nous apprend quoi? Nous aide à penser en quoi? Est-ce qu'on pense encore quand il n'y a plus que des faits, du calcul, et plus de pensée, plus d'interprétation? On retrouve bien là ce que Nietzsche a pressenti, qu'il a vécu comme vertige, cette question abyssale qu'il a posée... Est-ce que notre époque pense encore?»

Philippe Solers

DO BETÃO

O ciclo do betão precisa urgentemente de um contra-ciclo. E é preciso começar por algum lado.

ESTAR E FICAR


Já há algum tempo que não dava pelo dr. Mega Ferreira. Foi preciso a modorra do verão nos jornais para o ter de volta. E que nos diz o dr. Mega? Entre outras coisas que «espera mesmo que Sócrates regresse à vida política porque não tem dúvidas de que o País precisa de políticos como o anterior primeiro-ministro.» Felizmente que o regime tem personalidades duradouras como o dr. Mega que não precisam sair para voltar (ou o contrário) porque - como que em declinação gauchiste de Salazar no prefácio às entrevistas com António Ferro - estão e parece que nunca vão deixar de estar. Estão e ficam.

O ÁRBITRO



«-
Van Vooren: É sensível às críticas? -Vidal: Não. Decidi cedo que aquilo que penso dos outros é mais importante do que aquilo que eles pensam sobre mim. Qualquer jogo tem de ter um árbitro e, então, decidi que eu seria o árbitro. »

21.8.11

GRANDE MINHO



Boa gente, bom vinho e boas festas.

O brinco da tua orelha
Sempre se vai meneando;
Gostava de dar um beijo.
Onde o teu brinco os vai dando.
Tem um topázio doirado
esse brinco de platina;
Um rubi muito encarnado,
e uma outra pedra fina.
O que eu sofro quando o vejo
sempre airoso meneando!
Dava tudo por um beijo
onde o teu brinco os vai dando.

António Botto

EQUILÍBRIO



A água do mar - como é próprio da natureza que é sábia - fica mais quente depois da tempestade ou da sua ameaça. Do sol passa-se, sem dar por isso, de novo à tempestade ou à sua ameaça. Talvez haja um equílibrio misterioso nisto tudo. Como na música de Wagner ouvida no carro.

Clip: Wagner, Rienzi (abertura) London Philharmonic Orchestra. Klaus Tennstedt.

«JE SUIS MON OUVRAGE»


O amor é, também, a arte da guerra. Pode intervalar-se Sun Tzu com Choderlos de Laclos e vice-versa que vai praticamente dar ao mesmo. Por um euro, num quiosque de jornais, pode adquirir-se uma tradução das Ligações, do Laclos, que não é boa nem má, vem de Espanha e é distribuída pelo grupo Impresa. Recomendo, em especial, a epistolografia da Madame de Merteuil. Numa das cartas mais interessantes, Mme. de Merteuil traça o retrato definitivo: «je suis mon ouvrage.» Os tradutores não chegaram lá e retiraram, com uma frase espúria, a força da original. De duas cartas, de Valmont a Mme. de Merteuil e da resposta desta.

-«Mais vale ter-me como amigo do que como inimigo. Adeus, Marquesa, até à primeira ocasião.»
-«Não gosto que se acrescentem graças de mau gosto a atitudes deselegantes; e isso não está mais nos meus hábitos que no meu gosto. Quando tenho motivos de queixa de alguém, não o escarneço; faço melhor: vingo-me. Por muito contente que esteja neste momento, não se esqueça de que não seria a primeira vez que se aplaudiria antecipadamente, na esperança de um triunfo que lhe escaparia no próprio momento em que se felicitava. Adeus.»

FANTASIAS SEM SENTIDO


«Transformada em Parque-Expo, [a Expo] teve tempo para produzir uma ninhada de empresas (no mínimo, sete e quase sempre deficitárias), para se meter indevidamente no domínio do Estado e para se afundar numa dívida directa de 225 milhões de euros. Não vale a pena falar da idiotia seguinte, o Euro 2004 de futebol, que fora afervorar o patriotismo, normalmente calmo, de meia dúzia de loucos, não nos trouxe qualquer forma de benefício e nos deixou quatro ou cinco estádios, que ninguém quer e se arriscam hoje a apodrecer ao sol, sem uso ou propósito. Depois desta viagem por uma loucura colectiva que durou 20 anos, só agora a ministra Assunção Cristas nos tenta devolver a um módico de realismo e de sensatez, dissolvendo a famigerada Parque-Expo e privatizando o que puder privatizar das sete empresas que ela entretanto acumulou. Não é com certeza a nossa salvação. Mas talvez convença os portugueses que o respeito da Europa e do mundo não se consegue disfarçando a desordem da sociedade com fantasias sem sentido.»

Vasco Pulido Valente, Público

20.8.11

BOA NOITE E BOA SORTE




Aparentemente - e para além de outras vantagens - o canal Mezzo poupa-nos a coisas como estas. Nunca fui grande fã do Pavarotti mas reconheço que se trata (o presente é do indicativo porque temos as gravações) de um exímio intérprete de Puccini. "Nessun dorma", da Turandot, é, em certo sentido, uma ária emblemática. Boa noite e boa sorte.

Clip: Janeiro de 1980, Lincoln Center. NY Philharmonic. Zubin Mehta

SERVIÇO PÚBLICO



No canal Mezzo, a partir das 19.30, duas obras-primas do "verismo" - Cavalleria Rusticana, de Mascagni, e Pagliacci, de Leoncavallo. Versões do Teatro Real de Madrid, de 2007, dirigidas por Jesus López Cobos. Segue-se uma homenagem a Pavarotti, um concerto gravado em 2008 na Jordânia. Com Angela Gheorghiu, José Carreras, Plácido Domingo, Sherrill Milnes, Laura Pausini, Sting e outros. Toca a Orquestra Filarmónica de Praga dirigida por Eugene Kohn.

Clip: Intermezzo da Cavalleria Rusticana. Festival de Ravenna, 1996. Teatro Comunale di Bologna. Riccardo Muti.

UMA EPÍGRAFE


Descobri este este blogue de dois ilustres membros do conselho regulador da ERC. Gosto sobretudo da epígrafe. Podia ser uma metonímia de um título de um famoso ensaio do filósofo norte-americano Donald Davidson. Aprende-se muitas coisas divertidas (e bem sérias) com a filosofia da linguagem.

O CONVITE À REDUNDÂNCIA

«A rápida reacção de Cavaco Silva à proposta de Merkel e Sarkozy sobre a constitucionalização dos limites do défice orçamental resgata Portugal de uma crescente e oportunista cultura de colonizados, e é coerente com a realidade económica e financeira. Além de ser corajosa e digna. Não se pode querer rever a constituição por ela ser demasiado programática e depois deformá-la com manifestos de rendição. Já estamos obrigados aos 3% do défice e aos 60% da dívida pelo TUM e pelo Pacto de Estabilidade. O convite à redundância é o maior sinal de impotência da actual liderança europeia.»

José Medeiros Ferreira, Córtex Frontal

19.8.11

LISBON TRAVIATA



Excerto da presença (única) da Callas, em 1958, no São Carlos. Um amigo ofereceu-me os cd's da excelente versão "remastarizada" totalmente em 2000 graças aos bons ofícios, entre outros, do João Pereira Bastos (tinha apenas a da EMI, dos anos 80, em vinil). É uma edição da Rádio e Televisão de Portugal (RTP) através da então RDP. Era uma coisa que cobiçava há muitos anos. Não a RTP, mas, sim, esta Callas. Que é eterna.

OS FARISEUS


Exactamente.

COISA POUCO CATÓLICA

«Cerca de dez mil jovens portugueses ouviram ontem a catequese do Cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, na Arena de Madrid, mas nem todos puderam participar, porque a entrada custava dez euros. Foi o caso de um grupo de cerca de 50 jovens desfavorecidos residentes em zonas de Lisboa como Cova da Moura, Outurela, Carnaxide, Bairro da Boavista e Póvoa de Santa Iria, que optaram por voltar para trás. O sacerdote que os acompanha, que preferiu manter o anonimato, disse ao CM que "estes jovens são de famílias pobres e levam o dinheiro contado. Dez euros fazem-lhes muita diferença". A entrada na Arena de Madrid estava garantida aos que tinham comprado o kit, que custou 30 euros. Quanto aos que não o possuíam, tinham de pagar a entrada. A organização explica que esse custo tem que ver com o aluguer da Arena, que terá rondado os 25 mil euros. Jovens e sacerdotes de outras dioceses classificaram a situação como uma "vergonha".»

in Correio da Manhã

AS TÉNIAS

Não recebo lições de moralismo barato de videirinhos que, entre outras coisas, se dispõem a ir a tribunal depor contra colegas de profissão.

UM BOM COMEÇO


É para aplaudir, sem hesitações, a decisão de Assunção Cristas em acabar com a Parque Expo. «A Parque Expo é um mau exemplo que não pode continuar. Foi uma empresa criada para determinado fim e foi acumulando competências para autojustificar a sua manutenção.» À semelhança desta Parque, outras "parques" ou "pares" deverão seguir o mesmo caminho, e pelos mesmos motivos, à medida que o Estado deixar de ser o tantas vezes inexplicável senhorio, arrendatário e outras posições jurídico-financeiras insustentáveis que transcendem as suas funções elementares e que transformaram o regime numa verdadeira plutocracia. É um bom começo para o fim de tanta pastorícia inútil.

18.8.11

«ALL THOSE MOMENTS WILL BE LOST IN TIME LIKE TEARS IN RAIN»



Uma boa notícia para alternar com as más e com as não notícias.

«QUE NADA E NINGUÉM VOS TIRE A PAZ»


«Há muitos que, por causa da sua fé em Cristo, são vítimas de discriminação, que gera o desprezo e a perseguição, aberta ou dissimulada, que sofrem em determinadas regiões e países. Molestam-lhes querendo afastá-los d’Ele, privando-os dos sinais da sua presença na vida pública e silenciando mesmo o seu santo Nome. Mas, eu volto a dizer aos jovens, com todas as forças do meu coração: Que nada e ninguém vos tire a paz; não vos envergonheis do Senhor.»

Bento XVI, Madrid, 18.8.11

AVES DE MINERVA


Até há menos de dois meses atrás, Luís Amado era o nosso MNE. Houve quem visse nele - desde ele mesmo até à "direita", com alguma inevitável comunicação social pelo meio - um ersatz de Sócrates sem eleições. Cordato, afável, com bom aspecto, Amado tinha literalmente o perfil de um diplomata ao pé de um então 1º ministro crispado e pouco dado ao diálogo. Acontece que a esta beatitude geral em torno da figura nunca correspondeu grande substância política. Todavia, Amado apareceu a opinar sobre a Europa e a cimeira franco-alemã como se ainda fosse MNE. Aparentemente o estatuto de MNE projecta os seus antigos titulares para um limbo qualquer - do qual nunca mais saem - que faz com que pareça que ainda estão e que já não estão em funções. A stasis de Amado, qual ave de Minerva que só levanta cautelarmente voo ao crepúsculo, é apenas uma evidência disso.

Adenda: Sobre a referida cimeira e a Europa, Jacques Delors (que é doutras alturas) diz o fundamental. «Desde o início da crise" que os dirigentes europeus "têm passado ao lado da realidade", acusando os líderes das grandes potências da Zona Euro, Alemanha e França, de "formular respostas vagas e insuficientes"."Tal como estão, não servem para nada", disse Delors sobre as propostas do Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e da chanceler alemã, Angela Merkel.»

17.8.11

«FIRMES NA FÉ», 2

Exactamente.

«FIRMES NA FÉ»


Recomendo à juventude uma ida a Madrid em vez de alguma dela andar "preocupada" com a fusão do "seu" instituto (na realidade, dos contribuintes) com o do desporto. Crentes ou não crentes, de certeza que mal não fará. «Marcamos encontro em Madrid, com o tema: «Enraizados e edificados em Cristo... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7). Por conseguinte, convido-vos para este encontro tão importante para a Igreja na Europa e para a Igreja universal. E gostaria que todos os jovens, quer os que compartilham a nossa fé em Jesus Cristo, quer todos os que hesitam, que estão na dúvida ou não crêem n’Ele, possam viver esta experiência, que pode ser decisiva para a vida: a experiência do Senhor Jesus ressuscitado e vivo e do seu amor por todos nós.» (Bento XVI)

DO MAIS


«Poesia não, é a parte underground da minha actividade.» Não é nada. Não imita ninguém. Nem dança ao som das "modas" como um vulgar poetastro.

A "TESE" DO AMIGO DO PORTUGUÊS ACORDOGRÁFICO

«Com tanta artilharia pluriparadigmática, os "inimigos do Acordo Ortográfico" não ganharam para o susto e ainda se arrepiaram mais ao lerem que, na nona tese, o autor propõe para a CPLP "o nome mais cairológico e menos restritivo de Comunidade Lusófona", implicando assim que a referência à língua portuguesa na sigla é afinal redutora.(...) Um chorrilho de asneiras deve ser o factor de aproximação da maneira de escrever a língua portuguesa nos vários espaços em que é falada.»

Vasco Graça Moura, DN

16.8.11

DERROTAR A EUROPA


A sra. Merkel e o sr. Sarkozy escolheram empurrar a Europa com a barriga. Sugerem um "governo económico" que reúna uma ou duas vezes por ano (no mínimo) presidido pelo sr. Rompuy que fará o papel de preboste dos dois. No fundo, fizeram tábua-rasa política do eixo franco-alemão concebido por Kohl e Mitterrand e, por tabela, da Europa que estes e outros estadistas da época forjaram. Não querem, legitimamente, sarilhos domésticos com medo de derrotas em casa. Para já apenas estão a derrotar uma certa ideia de Europa.

15.8.11

O FARAÓ ENJAULADO


O sr. Mubarak foi, indisputavelmente, um ditador. O sr. Mubarak portou-se mal com o seu povo que tratou com a sobranceria de um pífio faraó. O sr. Mubarak não soube nem quis sair a tempo, Todavia nada no mundo justifica que o sr. Mubaral seja exibido publicamente pela "justiça" egípcia (ponho entre aspas porque amanhã ou depois esta justiça já pode ser outra) como um animal enjaulado, moribundo e impotente, deitado numa maca a aguardar um desfecho previsível.

LER OS OUTROS


«A esperança conduz mais longe que o medo.»

Ernst Jünger

A QUESTÃO MAIS NOBRE


A este artigo de Ana Sá Lopes - e como os dias de descanso de Agosto me costumam maçar interminavelmente, aproveito-os para ler e reler várias coisas ao mesmo tempo - acudiu-me, de repente, um escrito de Vasco Pulido Valente de 1997, no livro Esta ditosa Pátria. Desde logo é um escrito que recomenda Tucídides, um autor que devia figurar numa qualquer prateleira de todas as redacções. Porquê? Porque com Tucídides (entre outros como Heródoto ou Píndaro) aprende-se que «o mundo não começa todas as manhãs com o noticário das oito, nem fecha todas as noites com um novo escândalo e uma nova intriga.» De facto, «o mundo já cá estava quando nós nascemos e presumivelmente vai continuar quando nós morrermos, e é essa noção de permanência e mudança (em grosso, a «cultura») que ajuda a separar o essencial do acessório e a não confundir uma incessante macacada de truques e de fintas com a questão mais nobre de governar o próximo.»

14.8.11

QUERIDA TELEVISÃO


A RODA PARA O FUNDO


Não pertenço ao clube de fãs de Jorge Silva Melo. Nunca fiz vigílias interiores ou exteriores por causa dele (dele, do Cintra ou de outros quaisquer que foram sempre mais "teatro nacional" do que o D. Maria tutelado oficialmente pelo Estado). Todavia há momentos da sua entrevista ao Público de domingo com os quais só posso concordar. "Os centros culturais em velocidade de cruzeiro - Culturgest, Maria Matos, Centro Cultural de Belém... - andam a produzir todos o mesmo espectáculo teatral em que não acredito de todo: a especificidade teatral, a autoria da cena sobre a autoria literária"? Andam. Existe "um certo amadorismo, em copy paste, em espectáculos com pouco mais interesse do que o bolo de aniversário e o cantar dos parabéns" que "atingem, acima de tudo, 50 amigos dos aniversariantes" e que, "à volta disso", tudo o resto "parece franchising"? Existe. "A "festivalização" da Cultura é uma coisa evidente, depois da Cultura nacional" e isso corresponde à criação de um público e à emergência daquela "figura a meu ver tremenda que é o programador, intermediários vindos não sei de que cama que aparecem para dizer às pessoas o que ver"? É. "Desaparece o teatro que me interessa - que é a literatura", "tal como a literatura tem vindo a desaparecer" porque, "numa sociedade dominada pela superficialidade da imagem, nas artes perfomativas, o que está a ser feito é a criação de imagens, acompanhadas de vagos lugares-comuns da filosofia contemporânea" onde "três frases de Agamben, meia de Zizek, duas de Didi-Huberman, mais três notícias de jornal e uma imagem forte e fica o espectáculo feito"? Desaparece. Como escreveu Vasco Pulido Valente noutro contexto, há quase vinte anos, as possibilidades reduzem-se à medida que se roda para o fundo do funil. É mais ou ou menos para aí que tudo - todos - roda.

A TRALHA QUE SOBREVIVE


«O Governo cumpriu, sem surpresa, as primeiras exigências do acordo com a troika. Com mais ou menos neoliberalismo, as primeiras contas compuseram-se. A receita é dolorosa, mas não podemos ser cínicos ao ponto de dizer que a desconhecíamos e, sobretudo, que não temos culpa. Essa vã e patética tentativa de apagar a memória do passado recente é o que anda a fazer ainda uma parte do ‘socratismo’ sobrevivente neste PS de António José Seguro. O delírio político de alguns porta-vozes para a economia, estranhamente deixados à solta e entregues ao mais puro autismo político, chega a ser arrepiante. Não é com gente desta que se constroem alternativas.»

Eduardo Dâmaso, CM

13.8.11

A CASA CIVIL DE GUIMARÃES

Leio que a "Guimarães 2012" se prepara para "encomendar" trinta (30!) filmes a realizadores portugueses e estrangeiros para "reflectir sobre a riqueza histórica e cultural da cidade". Dois ou três não chegavam?

A LUZ SEM NOME



«Poucos como Caravaggio se abeiraram tanto desse encontro com a carne quotidiana. Talvez banal. Mas resgatada pela pintura (e pela vontade).» Só descarto o "leninismo pictórico" de Caravaggio. Prefiro pensar, como ele, que o «melhor remédio para a secura do espírito, é representarmo-nos sempre, perante Deus e os santos, como mendigos.»

12.8.11

«AR DE BERLIM»



Paul Lincke. Berliner Philarm. Seiji Ozawa

UMA ASSINATURA


Alguns livros e alguns autores ajudam à manutenção na superfície da Terra junto do género animal que nos é, consta, mais próximo. Gore Vidal é aqui, famosamente, um deles. Aprecio o estilo "desagradavelmente" claro e as suas "injustiças" confortam-me. Mas, em geral, do que mais gosto é do "sumário" que ele faz disto tudo. Coisas como «sou tão insociável quanto é possível ser-se" ou "não existe um único problema humano que não pudesse ser resolvido se as pessoas seguissem os meus conselhos» são pressupostos básicos para um módico de equilíbrio pessoal. Assevera nunca ter tido «uma opinião excessivamente elevada do mundo» até porque «o mundo não fez nada para mudar.» Aos oitenta e muitos, só pode ter razão.

O FIM DE UM TEMPO

«O que mudou em Portugal, nos últimos anos, foi ter acabado o tempo em que se acreditava que o dinheiro chegava sempre para tudo.»

José Manuel Fernandes, Público

Adenda: Ainda há muita gente a precisar de meter explicador. Em Portugal, "no seu todo pluricontinental", para recorrer a uma expressão conhecida do falecido e então General Spínola.

O REALISTA FMI


«Poul Thomsen elogiou a implementação do programa até agora, mas avisou que "o mais difícil ainda está pela frente", afirmou o chefe de missão do FMI, acrescentando logo de seguida é que: "O que falta são as reformas abrangentes no sector orçamental para ganhar controlo sobre o S[ector] E[mpresarial do] E[stado], as P[arcerias] P[úblico] P[rivadas]", avisou Poul Thomsen e esta é uma área em que esperamos "desafios ao programa". O FMI evidenciou também a importância das empresas públicas reduzirem o seu financiamento, e dos bancos conseguirem recapitalizar-se com recurso a "parceiros dinâmicos" que tenham acesso aos mercados. "O sucesso do programa depende acima de tudo da abertura da economia", sublinhou, isto é, do sucesso das reformas estruturais. "Uma reforma muito importante é a desvalorização fiscal" afirmou Thomsen.»

11.8.11

«FAÇAM FAVOR DE CONFERIR»

Aqui.

LISBOA DIFERENTEMENTE FELIZ


É o que penso também.

MEMO


«Não tem substitutos, nem de perto nem de longe, nem tão pouco mais ou menos por uma razão simples que é a da Vida. E se todos temos vida, nem todos a vivem vivida, intensa, errada ou certa mas nunca neutra ou cobarde, pior ainda, cobardolas, opiniosos sem nada fazer, só opiniosos e do lado de fora disto tudo, que é a evidência de viver a euforia, de ne pas badiner avec l'amour ou como ele escreve: De que falamos quando falamos de cultura? Disto, apenas disto

Fátima Rolo Duarte, fworld (a boa Fátima porque há outra noutro lado, ilegível)

TROIKAS

O dr. Pacheco e um certo humor "a la Putin".

A COISA PASSA

Por vezes o dr. Soares envia sinais de que ainda não recuperou da "socratite aguda" que o molestou nos últimos anos. Mas a coisa passa.

10.8.11

NORMA J.


«Em Agosto de 1962, aos 36 anos, morreu Norma Jeane Baker, facto que só é lembrado por ser esse o nome de baptismo da que para o mundo foi Marilyn Monroe. Volvidos 49 anos, esse ícone da beleza foi posto à venda em Buenos Aires. Ou melhor, foi a leilão um filme de Norma Jeane a fazer sexo. Da proverbial beleza pouco resta. É assim a pornografia e não podia ser diferente só por o objecto de prazer onanista ser Marilyn. Ninguém pagou os 350 mil euros pedidos. Porque, diz-se, o filme não entusiasma e, pior, pode ser falso. Mas, por se tratar de pornografia, a autenticidade importa menos do que o carácter quase sacrílego das imagens. Escreveram-se milhões de páginas sobre Marilyn, o seu sofrimento, os seus casamentos, as suas limitações como actriz... mas muito pouco sobre Norma Jeane. Foi isso que disse Ruy Belo quando escreveu: "Mais que chamar-lhe Marilyn/devíamos mas era reservar apenas para ela/o seco sóbrio simples nome de mulher." E foi a mulher que decidiu matar o mito, e morrer com ele, quando percebeu que "todos afinal a utilizavam". O drama dos ‘mitos’ é esse: anulam a nossa humanidade. Mas essa, ao menos essa, devia poder descansar em paz.»

Francisco J. Gonçalves, CM

«Marilyn is gone. She has slipped away from us over the edge of the horizon of the last pill. No force from outside, nor any pain, has finally proved stronger than her power to weigh down upon herself. If she has possibly been strangled once, then suffocated again in the life of the orphanage, and lived to be stifled by the studio and choked by the rages of marriage, she has kept in reaction a total control over her life, which is perhaps to say that she chooses to be in control of her death, and out there somewhere in the attractions of that eternity she has heard singing in her ears from childhood, she takes the leap to leave the pain of one deadned soul for the hope of life in another, she says goodbye to that world she conquered and could not use. We will never know if that is how she went. She could as easily have blundered past the last border, blubbering in the last corner of her heart, and no voice she knew to reply.»

Norman Mailer