31.5.06

O FUTURO

Não vi na RTP a reportagem sobre a violência nas escolas. Contaram-me. Há pais piores que os filhos e vice-versa. Anda por aí muito menino na escola errada. Dizem-me que são "o futuro". Que tal incluir este "futuro" nos "roteiros presidenciais"?

PRIORIDADES

Vale a pena ler este "recenseamento" das "prioridades" do chefe do governo ao longo do curto tempo de vigência do dito. Falta a Rui Castro enunciar a última, manifestamente um novo "desígnio nacional".

A GRANDE INVASÃO

A ASSEMBLEIA DOS PEQUENINOS

Terceiro-mundo. E ainda há quem diga que não se sente representado pelo Parlamento. Dêem-lhes também umas bandeirinhas para colocarem nas orelhas, por favor.

30.5.06

A SAGA DOS NIBELUNGOS...


... vista pelo Crítico, o Henrique Silveira. "Hoje em dia prefiro o Wotan do último acto do Siegfried, onde a renúncia toma o lugar do hieratismo remanescente e imanente à sua figura suprema, apesar da ontológica consciência de: a) relações e dependências b) um destino irremediável. Segundo acto da Valquíria. No entanto a figura ainda encena um poder, inexistente de facto, mas real na aparência, e como tal revestido do seu simbolismo e dos seus estigmas, o menor dos quais não será certamente o orgulho de deus e pai desobedecido e a necessidade imperiosa de impor um castigo, que de facto o não é, é apenas a inscrição no devir, percebe-se depois, de Brünnhilde. Em Siegfried a paz da renúncia (e não na vitória) faz de Wotan um ser infinitamente triste ao mesmo tempo em paz, despojado dos símbolos, de cajado partido em vez de lança das runas, tratados sem valor, poder ausente. Sabedoria máxima, desencanto total, pessimismo absoluto."

DE OLHOS ABERTOS


Eu queria escrever sobre o belo rosto devastado de Jeanne Moreau, a que mais próxima se encontra, pela idade, perto da morte. Queria tentar "explicar" o que o protagonista não consegue explicar a si próprio e aos outros: a tranquilidade absoluta da morte. Queria dizer da serenidade com que o protagonista constrói a sua "agenda" para o "tempo que resta" (sim, os que sabem que vão morrer também têm uma "agenda"). Finalmente queria frisar que não existe um pingo de pieguice no filme de François Ozon, Le Temps qui Reste. Como escreve o António, "a personagem de Poupaud, sem nunca abdicar do seu temperamento colérico, está, à morte, muitíssimo próximo da vida". Não é preciso dizer mais nada. Romain (Melvil Poupaud), o protagonista, seguiu o conselho de Marguerite Yourcenar. Entrou na morte de olhos abertos.

(Le temps qui rest, um filme de François Ozon, em Lisboa estupidamente "apenas" no El Corte Ingles)

29.5.06

A DOER

O PR "desceu" a uma parte do mal apelidado "país real". Anda no "roteiro" contra a exclusão social. É bonito o exercício, não haja dúvida. Acontece que o "país irreal", alimentado a futebol, a Timor e a touradas no Campo Pequeno, com uma economia falsa, prevalece sobre o "real". Lá mais para diante Cavaco Silva terá de dar fatalmente de caras com essa "irrealidade" que, sem o saber, também lhe cabe pastorear. E aí, não haverá rancho folclórico que lhe valha. Vai ser a doer.

UM SILÊNCIO QUE NOS FALA


O João Paulo Sousa declara-se ateu. Como ele diz, a propósito da visita do Papa Ratzinger ao campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, "questionar o silêncio divino durante o Holocausto é mais do que uma novidade, é quase uma dúvida." E logo acrescenta: "na Idade Média ou em séculos mais recentes, estas declarações seriam uma heresia." Ratzinger, sendo "contra o mundo", como escrevia ontem Vasco Pulido Valente, é um dos seus mais acutilantes "analistas". É, aliás, essa "análise" realista a única que pode servir à Igreja neste momento. Ao contrário do João, não sou ateu. Como aqui escrevi há uns tempos, sou um crente que duvida e um céptico que crê. Que crê cada vez menos no "homem" e cada vez mais na persistente mensagem do "Filho do Homem", Aquele que na cruz, em angústia, clamava: "Senhor, por que me abandonaste?". O gesto e as palavras do Papa Bento XVI em Auchwitz confortam nestes tempos de dúvida, de falta de esperança e de conflito do homem consigo mesmo e com os outros. Sendo o Papa, por excelência, um "transmissor" da "Palavra", é extraordinário ouvir este intelectual alemão perguntar, em pleno solo da horrível memória da morte e do desespero, onde é que estava Deus nesse momento. "Por que permaneceste em silêncio, Senhor?", questiona Ratzinger. E o silêncio de Bento XVI, curvado perante o "terrível cortejo de sombras" de Auchwitz, significa meditar em como é possível continuar a crer depois "daquilo". Todavia, é ainda Ratzinger quem responde. "Sim, por detrás destas lápides encontra-se fechado o destino de um número incontável de seres humanos. Eles pertencem à nossa memória e estão no nosso coração. Não têm qualquer desejo que nos enchamos de ódio. Pelo contrário, eles revelam-nos o efeito terrível do ódio. Pretendem ajudar a nossa razão a encarar o mal enquanto tal e a rejeitá-lo. O seu desejo é que se instale em nós a coragem para fazer o bem e para resistir ao mal. Querem que vivamos os sentimentos expressos nas palavras que Sófocles colocou nos lábios de Antígona face ao horror que a cercava: "estou aqui não para que nos odiemos todos mas para que nos amemos". Nunca o silêncio falou tanto.

"... ANUNCIOU-ME O FIM ETERNO."


"Deixei-me aprisionar nas minhas próprias cadeias, eu o menos livre de todos os homens. Oh santa vergonha, oh dor vergonhosa, desgraça dos deuses, fúria infinita, aflição eterna. Sou o mais triste de entre os homens. O que a ninguém revelei, fique para sempre não dito: é para mim que falo ao falar contigo. Quando o desejo próprio do amor juvenil me abandonou, a minha vontade dirigiu-se para o Poder: tomado por súbitos desejos feéricos, conquistei o mundo. Fui desonesto sem o saber, conduzi-me de forma desleal, concebi alianças com aqueles que escondiam fatalidades. Loge, com astúcia, seduziu-me para logo desaparecer, errante. Ao amor, contudo, não pude renunciar e, no Poder, ansiava pelo amor. Aquele que a noite engendrou, o temeroso Nibelungo Alberich, rompeu a aliança. Maldisse o amor e, através da sua maldição, apoderou-se do ouro resplandecente do Reno que lhe trouxe um poder desmesurado. Arrebatei-lhe astutamente o Anel que havia forjado, mas não o devolvi ao Reno. Com ele paguei as muralhas de Walhalla, o castelo que os gigantes edificaram e a partir do qual governei o mundo. Aquela que tudo sabe e que conhece o que outrora foi, Erda, a augusta e sapientíssima Wala, aconselhou-me a libertar-me do Anel e anunciou-me o fim eterno. Quis saber mais acerca desse fim. Porém, a mulher desapareceu em silêncio."

(continua) Tradução livre do monólogo de Wotan na 2ª Cena do II Acto de A Valquíria no qual, de alguma maneira, o "deus-homem" conta a origem de O Anel do Nibelungo, retratada em O Ouro do Reno. Imperdível.

28.5.06

OS HOMENS E A NATUREZA

Vale a pena acompanhar os delíquios da dr. Ana Gomes por causa de Timor. Nem sei por que não se lembraram dela para chefiar a GNR na sua nova gesta "patriótico-romântica". Agora que a Indonésia está a braços com milhares de mortos por causa da "natureza", será que os bons sentimentos da dra. Gomes se esgotam nas peripécias fraticidas dos pequenos homens de Timor- Leste?

28 DE MAIO DE 1926


Há oitenta anos começou, a partir de Braga, a Ditadura, um interlúdio entre a desgraçada I República e o Estado Novo do dr. Salazar e da Constituição de 1933. Não está muito estudada porque ficou entalada entre um fracasso e uma promessa. É, aliás, o nosso estado natural. Sempre entre o fracasso e a promessa.

27.5.06

WAGNER REVISITADO


1. Tal como certos livros, também outras manifestações artísticas devem ser revisitadas ao longo da vida. A primeira vez que vi O Anel do Nibelungo - a tetralogia de Richard Wagner composta por um "prólogo", O Ouro do Reno, e por três "jornadas", respectivamente A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses - era um adolescente frívolo, universitário e sem dinheiro que assistia com regularidade, ora em "peão de plateia", ora nas cadeirinhas apertadas das famosas "torrinhas" do São Carlos, ao que se passava lá em baixo. Outras vezes esperava que o espectáculo começasse e que as almas caridosas dos porteiros deixassem entrar o pequeno grupo de "tesos" que gostava de ópera apenas por aquilo que ela é, o realismo do excesso. Nesse tempo o teatro era dirigido por João Paes e foi-o, depois, por Serra Formigal. O Crepúsculo deverá ter passado na temporada de 1982/1983, salvo errro, e, desde aí, não mais se ouviu falar do Anel.
2. Lá fora, entretanto, a encenação de Patrice Chéreau para o Festival de Bayreuth, com a direcção musical de Pierre Boulez, marcou indelevelmente todas as produções posteriores da obra. Estão aí os "dvd's" para o confirmar, bem como os da encenação de Otto Schenk, para a Ópera de Nova Iorque, entre 88 e 91, por exemplo. Um imprevisto fez com que, há quatro anos, eu descesse das "torrinhas" (que já não existiam) do São Carlos para a sua direcção, um episódio efémero e infeliz a que pus termo cerca de um ano depois. Nem tudo, porém, correu mal. Conheci um dos mais estimulantes encenadores contemporâneos, Graham Vick, que veio a Portugal encenar a Manon Lescaut e, posteriormente, um soberbo Werther. A Paolo Pinamonti, director do Teatro, e a mim, ocorreu-nos então sugerir a Graham Vick que pensasse numa nova encenação do O Anel para o São Carlos. O Paolo dizia-me nessa altura que, depois de" fazermos" O Anel, até 2006, nos podíamos ir embora. Ironicamente eu fui-me embora uns meses depois, o Paolo ficou e é em 2006, pela sua mão, que O Anel de Graham Vick estreia no São Carlos.
3. A gentileza do Paolo permitiu-me assistir ao "ensaio geral". Vick transformou o espaço do Teatro num imenso anfiteatro "grego" em que a própria estrutura faz parte da encenação. O São Carlos, por estes dias, será simultaneamente o palácio construído pelos gigantes para os deuses decadentes - o Walhalla- e a cave de trevas do nibelungo Alberich e dos seus "escravos", todos movidos pela cobiça do ouro do Reno e, por isso, obrigados a renunciar ao amor. A dada altura, Alberich declara-se "o mais escravo dos escravos" como, na Valquíria, Wotan, "o senhor das batalhas", se proclamará "o menos livre dos homens". Graham Vick - leio-o numa entrevista - concebeu este Ouro do Reno como uma "sátira" que anuncia a "tragédia" que se irá desenrolar ao longo das três jornadas.
4. O Anel
é um dos textos mais geniais que conheço. Adapta-se praticamente a tudo e a todos. É permanentemente contemporâneo e, nesse sentido, atroz pelo seu tremendo "realismo". Quando o vi pela primeira vez, acreditava naturalmente em mim, nos outros, na felicidade e no "progresso". Wagner fora "revolucionário", mas depressa percebeu a natureza humana, a começar pela sua. Esta obra "explica-nos" uma evidência que só o decurso do tempo nos pode ensinar. Tal como a filosofia nos ajuda a aprender a morrer, a música e o texto de O Anel do Nibelungo "mostram-nos" que caminhamos inexoravelmente num único e mesmo sentido, para o fim. "Alles was ist, endet", profetiza Erda a Wotan, o deus verdadeiramente cego: tudo o que é tem um fim. E Wotan, na Valquíria - para mim a "jornada" nuclear de todo O Anel -, no célebre monólogo escutado em silêncio por Brühnhilde, já só clama pelo fim ("das Ende") e pela emergência de "um mais livre do que eu, o deus". Será Siegfried, o herói que conhecerá o apogeu na ópera homónima e a traição dos deuses e dos homens no Crepúsculo. Alberich verá a sua maldição confirmada. E Loge, o deus do fogo, adverte logo no final do Ouro do Reno, escarnecendo dos seus pares, que eles caminham para o palácio e, sem o saberem, para a perdição .
5. O texto de Richard Wagner permite todas as leituras. Agora, com os meus quarenta e cinco anos, já o enxergo melhor. Não o digo com alegria porque isso significa a perda definitiva das ilusões e a aceitação da renúncia, um dos eixos fundamentais desta obra-prima. É Brünhilde quem, no Crepúsculo, antes de se imolar nas chamas, diz renunciar a um mundo de desejo e de sofrimento, traída pela ambição dos deuses. Mesmo a "sátira" de Graham Vick é já uma proclamação irónica do fim das ilusões e ficará como um dos momentos altos da história do São Carlos, assim o público saiba entender o que ali está. O Anel do Nibelungo, com os seus "homens-deuses" e com os seus "deuses-homens", chama-nos a atenção para o paradoxo fundamental da existência. O de ainda sermos o que vamos deixar de ser e o de sermos já o que seremos. Isto é, nada.

(Das Rheingold, O Ouro do Reno, de Richard Wagner, Teatro Nacional de São Carlos, 28. 29. 30. Maio 1. 2. 4. Junho 2006 20:00 | 3. Junho 18:00h)

26.5.06

"TUDO O QUE É TEM UM FIM" - 2


"ÚLTIMO PLANO. Tudo é inconsequente na ritualização da morte. Ela é simultaneamente uma mudez invariável e egoísta. Cesare Pavese diz-nos que «para todos a morte tem um olhar». Nunca lhe podemos tocar senão a nós próprios, como um adiamento. Tudo o que sobra - sobre nós e sobre os outros - é a possibilidade de recordar. E isso é tão frágil."

Tiago Barbosa Ribeiro, in Kontratempos

"TUDO O QUE É TEM UM FIM"


"Wie alles war - weiß ich; wie alles wird, wie alles sein wird, seh' ich auch, - der ew'gen Welt Ur-Wala, Erda, mahnt deinen Mut. Drei der Töchter, ur-erschaff'ne, gebar mein Schoß; was ich sehe, sagen dir nächtlich die Nornen. Doch höchste Gefahr führt mich heut' selbst zu dir her. Höre! Höre! Höre! Alles was ist, endet. Ein düst'rer Tag dämmert den Göttern: dir rat' ich, meide den Ring!"

(Richard Wagner, Das Rheingold, "O Ouro do Reno")

ROTEIRO DE UM PORTUGAL MENOR


Seguindo o bom exemplo do Paulo Gorjão, ficam aqui umas "notas soltas":
1. O Presidente da República está "desconfortado" com a pobreza nacional e apresentou o famoso "roteiro para a inclusão". Parece-me que sou insuspeito ao perguntar se Cavaco Silva, quando se candidatou, não sabia que existia um "Portugal Menor", aliás, o único.
2. Um excelente exemplo de outro género de "Portugal Menor", entre o infantil e o débil mental.
3. Dois problemas ligados a esgotos de espécies diferentes e duas imagens maravilhosas do "Portugal Menor".
4. Quando ouço falar em "auto-estima", arrepiam-se-me os cabelos. Que o PR não inclua, por favor, o vocábulo no glossário presidencial. Em dez inconclusivos anos, o dr. Sampaio não falou nem chorou por outra coisa e o país não deixou de ser "menor" por causa disso.

25.5.06

ESCREVER À ESQUERDA


Eu, que não sou "canhoto", aprecio o blogue homónimo. Antes de se começarem a vestir de branco por causa de Timor, conviria que lessem este post de Rui Pena Pires sobre África. E sobre algo completamente diferente, o post de Paulo Pedroso que "vê" pelo lado "esquerdo" o que eu já tinha visto pelo meu acerca do conceito "legal" de "família portuguesa".

BOAS INTENÇÕES

O dr. António Costa vai "projectar" (sic) militares da GNR em território timorense para - segundo Sócrates - "ajudar" à "manutenção da ordem pública" e promover "acções de formação" junto das "forças de segurança" de Timor-Leste. Duas ou três observações. Pelas imagens que vão chegando, falar em "forças de segurança" deve ter um qualquer sentido metafórico oculto. Não se percebe de que lado está a "segurança" quando os "militares" desmobilizados - parte significativa das "forças armadas" timorenses - querem continuar a ser militares e como tal se comportam nomeadamente disparando tiros. Depois seguem-se a "polícia" - que é outra metáfora - e um antigo chefe da "polícia militar" que manifestamente quer "festa". Vêem-se também "cidadãos" com catanas, certamente a defender a tal "ordem pública" que a GNR vai "ajudar" a manter. Finalmente, no meio desta pré-guerra civil, o primeiro-ministro fala em "acções de formação" sem se rir. Antes de Sócrates , vi e ouvi o chefe do governo australiano, no parlamento, a avisar que provavelmente haveria baixas entre os soldados do seu país que já avançaram para Timor. Deve ter sido por isso que Sócrates deu da "missão portuguesa" uma doce imagem filantrópica. O pior é se a imagem falha. É que já passou a fase das boas intenções.

TUDO CERTO



Em compensação, estamos abaixo de cão no que toca ao combate ao crime económico. Um relatório do Conselho da Europa, relativo ao ano transacto, aponta a "falta de uma estratégia de combate à corrupção" e "a falta dos necessários meios materiais, financeiros e humanos e, por vezes, de treino, por forma a levar a cabo investigações aos bens e finanças" como causas para esta anomia. Tanto mais estranhas - as causas - quando declaradamente vivemos num país de aldrabões e de falsários. Mais. "Algumas vezes, as investigações tiveram de ser abandonadas por falta de recursos ou por atrasos devido à comunicação inadequada entre certas agências públicas e privadas ou indivíduos. Por vezes, o acesso a dados fiscais ou bancários chegou tarde demais", explica ainda o relatório. Não são só as empresas que estão a falir. Também o Estado "acusador público" (de novo, a feliz expressão de Medeiros Ferreira) está falido. Por isso somos este patético "paraíso" onde, nada mais havendo para florescer, floresce a bola como epítome da perversão que se esconde por detrás do descalabro do controlo público. Eles fingem que são sérios e o Estado finge que os apanha. Como dizia Salazar, está, afinal, tudo certo e não podia ser de outra maneira.

ESTAMOS VIVOS


A néscia mania de colocar as bandeirinhas nacionais na janela e nos automóveis está, dois anos depois, de volta. Ontem à noite, ao passear com o meu cão, vi um senhor a passear o dele envolvido num cachecol da "selecção nacional". E há pouco cruzei-me com um moço que vestia uma t-shirt com a esfera armilar do tamanho da barriga dele. Este género de palhaçadas deve dar um gozo infinito ao conselheiro de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, o grande impulsionador, há dois anos, desta maravilhosa ideia de vulgarizar o estandarte nacional. Todavia, não é por muito se estenderem as bandeiras ou cantar-se o hino que o país sairá tão cedo do estado de amarga penúria em que se encontra. O extraordinário disto tudo é que, descontando o episódio glorioso dos "descobrimentos" e alguns momentos subsequentes, o país está aparentemente conformado com o seu estatuto indigente. A história das bandeiras faz-me lembrar uma frase de um filme de Oliver Stone que tantas vezes cito. Estamos na merda, mas estamos vivos.

24.5.06

DO ANTIGAMENTE, DA VIDA


Luandino Vieira recusou o Prémio Camões, o que deixou os burocratas do dito sem saber muito bem o que fazer com ele. Segundo o escultor José Rodrigues - que o acolhe num "convento" em Vila Nova de Cerveira - Luandino "há muito que (...) cortou, completamente, com o mundo à sua volta. Diz que já cá não está, que já se despediu deste mundo, e praticamente só fala com os animais." Um homem assim merecia mais o Nobel do que o vaidosão do Saramago. Luandino, da vida, preferiu o antigamente.

LER OS OUTROS


"APENAS UMA TÉNUE MEMÓRIA"

"Primeiro o país gastou o que tinha e o que não tinha, o que devia e o que não devia para fazer a Expo 98. A festa foi bonita, pá. As nossas festas, com bandeiras à janela ou sem elas, são sempre bonitas, pá. Lentamente, a memória da festa foi desaparecendo. O betão, matreiro, sabe esperar e foi avançando, avançando, avançando. Agora é a Praça Sony que vai ser despachada para a Amadora. O bairro, a que chamam Parque das Nações, em breve será um parque de prédios como tantos outros que existem por aí. Há quem persista em chamar a isto desenvolvimento e qualificação urbana. Por mim, chamo-lhe apenas decadência. Não aprendemos nada com os erros do passado."

Jorge Ferreira, in Tomar Partido

NÃO EXISTEM INDEPENDÊNCIAS GRATUITAS


Anda por aí um alvoroço por causa de Timor. Depois da debandada de 1975, só conseguimos corrigir vagamente a coisa, por causa do que se seguiu ao referendo de 99, quando, num momento de rara inspiração, Guterres e Sampaio - sobretudo o primeiro - pediram a Bill Clinton para "falar" no assunto. Depois Timor percebeu que a Austrália - quando não mesmo a própria Indonésia - estava mais perto deles do que o venerável Portugal da "língua" e de Nossa Senhora de Fátima. Tirando uns esforçados professores de português que porventura se imaginam numa qualquer campanha de alfabetização, daquelas a que o PREC nos habituou, o interesse por Timor passou para o plano do romantismo e da nostalgia. Não foi por acaso que Sampaio, à beira de sair, escolheu Timor como derradeira romagem de saudade. Agora Timor anda de novo em pé de guerra doméstico. Nós, sempre curvados perante o nosso passado mal resolvido, parecemos dispostos a mandar para lá a GNR que, seguramente, deve ser o que está a fazer mais falta aos timorenses. Acontece que Timor é um país independente e que, por essa independência, maçou legitimamente muita gente. E se ainda não percebeu que não existem independências gratuitas, não julgo que devam ser os portugueses a fornecer a explicação.

Adenda: Ler este texto do João Morgado Fernandes

SOLIDÃO PROIBIDA


A "lei da reprodução assistida" exclui do âmbito da sua aplicação as mulheres sós. Um homem (ou uma mulher) só também é penalizado nos impostos que paga pela circunstância de não acasalar. O Estado - mesmo este, "socialista" - e algumas beneméritas "associações" da dita sociedade civil pregam diariamente a virtude da constituição de uma "família" ou, no mínimo, da junção de um homem com uma mulher debaixo do mesmo tecto. Seguidamente o mesmo Estado e as mesmas "associações" promovem que se faça filhos em barda e o primeiro tira daí as devidas consequências. A solidão, como opção de vida, não é politicamente correcta e é severamente punida pelos costumes e pela organização financeira do Estado. Não sou de esquerda. Todavia não alcanço por que diabo uma mulher sozinha não pode recorrer à tal lei da reprodução assistida para ter um filho. Não é uma questão política. É uma escolha privada que merece tanto respeito como estar casado com a mesma pessoa cinquenta anos - com muitos cornos pelo meio - e ter, no mínimo, doze filhos, incluindo já os bastardos. Esta mania de regulamentar a vida dos outros, desde as "partes baixas" até aos cabelos, irrita-me. O voto pára à porta de casa. Não quero o Estado, sob a forma de deputados ou de governo, lá dentro.

23.5.06


Estudar comunicação social e cultural, nos tempos que passam, é um exercício complicado. De todo, pelas exigências intelectuais distintas mas pela cambada acumulada de espectros vaidosos, muitos analfabetos - como o João Gonçalves bem caracteriza - , intoleráveis marrões totalmente não esclarecidos para além de meia dúzia de páginas ditadas que dão, inevitavelmente, conta do ânimo de outro tipo de espectro. A entrada deste produto para o mercado de trabalho, ajudada pelo aplauso a um estilo vulgar no próprio ensino, potencia profissionais coerentes com a trapalhada a que se assiste no meio e que há muito se sabe real. Ou são criaturas comprometidas com o conforto e, por isso, ordeiras ou, não sendo comprometidas, são ordeiras apenas porque têm de ser o que, em última análise, é o mais favorável e menos exigente. Existem, ainda, casos de independência que, na sua grande maioria, servem para nada ou para improfícuos orgulhos póstumos. Não são necessários folhetins pseudo-elucidativos para entender esta realidade, os seus meandros, os seus intervenientes e a inevitabilidade da sua protecção. Da mesma forma, não são os folhetins pseudo-elucidativos com pretensões de viragem que removem o elogio à vigarice apreciado.

CORRER ATRÁS DA CAUDA


Ainda não li - nem sei se terei paciência para ler - o famoso livro de Manuel Maria Carrilho dedicado às alegadas "urdiduras" que o conduziram à derrota em Lisboa. Acompanhei, no entanto, o "prós&contras" por onde passaram o autor, Pacheco Pereira, Ricardo Costa e Emídio Rangel. O exercício deve ter sido elucidativo para as meninas e meninos ambiciosos e semi-analfabetos dos cursos de comunicação social. Aliás, na plateia, estavam alguns a "tomar notas". Para além da exibição colectiva de uma imensa hipocrisia - todos os presentes, sem excepção, "vivem e morrem" todos os dias "pela imprensa" -, o programa serviu essencialmente para, uma vez mais, promover Carrilho e a sua "obra". Ao lado dele, sentava-se um dos maiores barões da comunicação social portuguesa pós-25 de Abril, o talentoso Emídio Rangel. As suas "lições", pretensamente dentológicas, não devem, por isso, impressionar ninguém. Ao lado de Pacheco Pereira, estava o "aprendiz de feiticeiro" de Rangel, o frívolo Ricardo Costa que mostrou ter aprendido a lição do mestre. Safou-se Pacheco Pereira que fez o papel do coro - ou do cego - das tragédias gregas. Que me lembre, foi o único político no activo (era, na altura, líder parlamentar do PSD) que enfrentou os jornalistas no Parlamento tentando evitar que seguissem os rabos dos deputados para todo o lado. E que continua, usando e "vivendo" no meio, a não ter por ele nenhum tipo de temor reverencial. Carrilho está a pagar o preço desnecessário e narcísico de, por exemplo, ter deixado cobrir a sua lua-de-mel angolana por uma revista cor-de-rosa. Foi por isso que o minuto no vídeo da campanha lhe foi fatal. Noutras circunstâncias teria passado despercebido. O mesmo se diga do "exclusivo" fotográfico do seu casamento, uma coisa manifestamente privada, para um jornal do grupo onde trabalha aquele a quem Carrilho apelidou ontem de "a vergonha do jornalismo", Ricardo Costa. Ele, Carrilho, vale bem mais do que isto e do que o seu livro, convenientemente "transformado" numa suposta "reflexão" sobre as relações entre os jornalistas, as agências de comunicação e o poder. Estas três entidades precisam umas das outras como de pão para a boca. A promiscuidade entre elas faz parte integrante do "pacote democrático" e sustenta o regime. Não vale a pena correr atrás da própria cauda.

22.5.06

LEITURAS NO CARRIL


Tenho andado pelos transportes públicos, comboios e metro. Reparo no que lêem os "utentes". Para além dos jornais distribuídos gratuitamente, vejo as pessoas agarradas aos calhamaços do sr. Dan Brown, a calhamaços destinados a desmentir o sr. Dan Brown e, em geral, a outra "literatura" da mesma natureza, virada para o "além" e para o "espírito". Não se vislumbra um clássico e, aqui ou ali, desponta um português - de preferência, um jornalista-escritor - ou uma Rebelo Pinto. É com alguma vergonha que eu puxo das memórias do Zweig em " livre de poche". Ele fala de um mundo perdido que as guerras do século passado extinguiram sem dó nem piedade. Também para os leitores dos transportes públicos não chega o seu pequeno mundo. Por isso, no vaivém inútil das suas vidas, esquecem-se dele, por breves instantes, nos parágrafos mágicos das fantasias por que passam os olhos. Fazem bem. Como escreve Zweig, só a ilusão provoca felicidade, não o saber.

DIETAS


O dr. Marques Mendes pretende "emagrecer" o Estado. Basta ir até à Biblioteca Nacional, pedir jornais amarelentos de outras eras e contar os políticos que têm pretendido "emagrecer" o Estado. E, de caminho, verificar como é que, invariavelmente, quase todos acabaram. Para "emagrecer" o Estado, o engº Sócrates já tem ao serviço dele uns imaginativos escuteiros que lhe enchem o gabinete de "relatórios" inócuos sobre o assunto. Acontece que não é da tradição de nenhum governo - seja das esquerdas, seja das direitas - promover o "emagrecimento" do Estado. Podem torná-lo mais pindérico, "emagrecê-lo" é que não. Nem o Estado deixa, nem a "sociedade civil" - que dele depende - o consente. É mais fácil "emagrecer" os políticos. O dr. Mendes que se cuide.

21.5.06

"SOMOS BONS"

Marcelo entende que não se deve tirar o "mundial" da boca, nos próximos tempos, porque é das poucas coisas - a bola - em que, segundo ele, "somos bons". Está enganado. Também "somos bons", ao pé dos parceiros europeus, no número de infectados pelo HIV, na pobreza, na iliteracia, no abandono escolar, no absentismo, na bebida, nos automóveis, nos telemóveis, no Castelo Branco e na Lili Caneças. "Somos bons" ou não somos?

QUARTO COM VISTA


Karen Blixen começa o seu Out of Africa com a famosa frase "eu tive uma fazenda em África...". Eu, pelo contrário, tive um modesto "Tzero" em Cascais durante oito anos. Tinha uma bela vista para o mar e uma estante fabulosa. Por lá passou muita gente, pelos mais diversos motivos. Houve jantares, leituras de poesia à varanda, risos, luares esplendorosos sobre o mar, gelados buscados à pressa no Santini para sobremesa, camas feitas e desfeitas para nunca mais, soturnos momentos, breves alegrias. Tudo se passou num tempo em que eu era vivo. Para o fim, o pequeno apartamento com vista transformou-se numa mera arrecadação de livros que eu visitava esporadicamente. E Cascais, graças ao furor assassino do betão, transformara-se comigo. No dia em que o fechei, não devo ter demorado mais de meia-hora na operação. Não olhei para trás. Agora apenas passo por Cascais a caminho do Guincho ou quando me apetece um gelado e uma volta pela Galileu. À medida que envelhecemos, perdemos mundos e pessoas e os mundos e as pessoas perdem-se de nós. Raramente fica alguma coisa. Esta lengalenga vem a propósito deste texto do Eduardo Pitta. "Sim, ainda há gente bonita, e com um punch mais difícil de encontrar em Lisboa. Mas o resto é uma desolação. A decadência urbana, o comércio pindérico, as ruas desertas de pessoas, a marina deserta, o monólito do Estoril Sol agora com as varandas pintadas de cores diferentes umas das outras, um manto de poeira cobrindo passeios e montras, e carros, carros por todo o lado (um terço são jipes topo de gama), filas intermináveis de carros bloqueando todos os caminhos. É isto, o progresso?"

NADA

Constato, pelos jornais e pelos blogues, que o congresso do PSD deu azo a muitos derrames e a frases torrenciais. Que eu note, só sobra dele a persistência pírrica de Marques Mendes. O resto é nada. E sobre o nada é difícil dizer qualquer coisa.

20.5.06

DIAS


"UMA QUESTÃO DE TEMPO: Ontem, num debate na RTP-N, um indivíduo defendia a exclusão dos representantes da Igreja Católica do protocolo de Estado "porque Portugal é um estado laico no qual existem 60 confissões religiosas não cabendo lá todas". Pelos mesmíssimos motivos, aguarda-se a extinção dos feriados religiosos católicos. Proponho desde já outros: Dia do Touro Manso, Dia do Telemóvel, Dia do Benfica, Dia das Minorias Étnicas, Dia da Dona de Casa Desesperada."

in Mar Salgado (Filipe Nunes Vicente)

DA NÃO LITERATURA


Deram a José Luandino Vieira o Prémio Camões. O laureado não exerce a expressão literária há já muito tempo e retirou-se da mundanidade para um convento no norte do país. "Desta" Angola nem sequer quer ouvir falar. Luandino ficou, sim, indelevelmente ligado ao episódio do encerramento da Sociedade Portuguesa de Autores pelo regime do dr. Salazar. Já passaram cerca de quarenta anos sobre o assunto. No essencial, Luandino é uma mera memória literária e um pretexto político "anti-fascista". Nada que justifique, em 2006, a atribuição serôdia de um prémio supostamente literário. Para isso existem milhares de penduricalhos democráticos e o 10 de Junho. Não servem, aliás, para outra coisa senão para "homenagear" os "heróis" e os "anti-heróis" da nossa história mais recente. Nada disto, porém, tem que ver com literatura.

ANJOS E DEMÓNIOS


Esta e mais esta peça do Diário de Notícias contêm duas imprecisões e uma omissão. Explico. Daniel Proença de Carvalho nunca defendeu - nem sequer podia - a subordinação do "poder judicial" ao governo por intermédio do ministro da Justiça. O jornalista, como se percebe mais adiante, queria referir-se seguramente ao Ministério Público. Aí sim, e de há muitos anos, que Proença de Carvalho sustenta que "se o MP ficasse sob a tutela do Ministério da Justiça, que está sujeito a um apertado escrutínio, todos nós passaríamos a identificar o responsável da investigação criminal e da acusação pública". No fundo, trata-se de assegurar a responsabilização e a legitimidade democráticas da acção penal e não a mera consumação fáctica, "abstracta" e, na prática, "irresponsável" da dita. Depois escreve-se que Souto Moura, o actual PGR, foi nomeado em 2000 quando mandava Guterres e Soares estava em Belém. Não estava. Souto Moura foi uma escolha de António Costa e de Jorge Sampaio. Finalmente temos Paula Teixeira da Cruz, a vice-presidente do PSD, a manifestar-se veementemente contra eventuais selecções externas à magistratura para o cargo ocupado por Souto Moura. Teixeira da Cruz é das mais fervorosas defensoras "civis" do magistério do actual Procurador, um dado importante que falta na notícia. É que o estafado argumento do "comissário" político não "cola" à realidade. Com a magistratura do MP entregue desde sempre a magistrados, era preciso explicarem-me - como se eu tivesse cinco anos - que a gestão processual das investigações tem sido sempre, rigorosa e exclusivamente, "técnica". Nesta matéria, não existem apenas anjos nem tão-somente demónios. Dito isto - e a serem verdadeiras as peças ou meros "spin exercises" destinados a "queimar" o visado - parece-me (sempre me pareceu) que Daniel Proença de Carvalho daria um excelente Procurador Geral da República.

19.5.06

DEUS NÃO DORME


A minha ex-colega de curso, Maria João Sousa e Faro, considerou improcedente a providência cautelar intentada pela editora "Oficina do Livro" e pela "marca registada" Margarida Rebelo Pinto contra o livro de João Pedro George, "Couves & Alforrecas", da "Objecto Cardíaco". Venceu o bom senso. "A juíza considerou "ostensivamente desadequada e desproporcionada" a pretensão dos requerentes, pois atinge "o próprio âmbito de protecção constitucional" do direito à liberdade de expressão" e que "o texto de João Pedro George "se contém genericamente dentro da crítica objectiva", embora pontuado por expressões «incorrectas e indelicadas [...] susceptíveis de se revelarem ofensivas dos direitos do bom nome, honra e consideração" de Margarida Rebelo Pinto". O tribunal "também desvalorizou a presuntiva apropriação da marca “Margarida Rebelo Pinto”, sem a qual ficaria esvaziado o objecto da crítica" (fonte: Eduardo Pitta). Fico contente pelo João e pela decisão sensata da Maria João. Deus não dorme, sei lá.

POBRE PAÍS


Ao contrário do colega de coluna Francisco Trigo de Abreu, não vibro com o futebol. Perante a bola, oscilo entre a indiferença e a abominação. Não me entusiasma a loucura das hordas coloridas que correm para os estádios. Não suporto a maneira como é relatada nas rádios e nas televisões. Desconfio da bondade da maior parte dos dirigentes. Todavia, juro que me esforço por encontrar formas de vida inteligente no vago balbuciar dos principais protagonistas. O sr. Madaíl, por exemplo, o eterno “patrão” do futebol nacional, presumo que já não entusiasme ninguém. Penso até que nem ele próprio está muito convencido daquilo que diz. Limita-se a estar e a ir ficando com o beneplácito de todos. Também a imensa vaidade do sr. Scolari não me provoca tremores incontroláveis como, pelos vistos, à nação inteira. Abrir os telejornais das três televisões generalistas com os ditos cujos por causa dos “eleitos” de Scolari para a Alemanha, é a prova viva do nosso irremediável primitivismo. O país afunda-se mansamente a atira-se poeira para os olhos da populaça sob a forma de jogadores de futebol, devidamente acompanhada pela retórica oca dos respectivos patrões. As próximas semanas destinam-se precisamente a isso. Até o comentador oficial do regime, o meu caro professor Marcelo, distinto companheiro da praia do Guincho, não escapou ao populismo da coisa. Parece que a RTP o vai transformar em “comentador” do Mundial. A patética e vulgar exibição das bandeiras nacionais por tudo quanto é sítio, limita-se a criar estados artificiais de ansiedade colectiva alimentada pelas televisões A “futebolização” da vida pública pode fugazmente alimentar ilusões mas não ajuda a tornar a sociedade portuguesa mais adulta. Os “pobretes mas alegretes” do dr. Salazar foram substituídos pela “alegria” democrática do futebol. A “classe política”, das esquerdas às direitas, preenche colunas nos jornais e participa em mesas redondas nas rádios e nas televisões para apreciar os chutos na bola, cada qual com o seu cachecol de estimação. Com exemplos destes, não admira que o “povo” tenha dificuldade em sair do seu natural estado de necedade. Uns homens a correr atrás de uma bola, aqui ou lá fora, são o sonho possível que alimenta milhares de vidas vazias. De desilusão em desilusão, sempre com a mesma crença idiota na “vitória”. Pobre país.

(publicado no Independente)

18.5.06

VIVER HABITUALMENTE


Na SIC "revelam-se" as intimidades dos jogadores da bola, na televisão pública passa o "festival da canção" e na TVI há tourada. Chama-se a isto "viver habitualmente".

LER OS OUTROS

Vital Moreira.

UM PAÍS LOIRO


O Paulo Gorjão pergunta onde é que, em Lisboa, pode desfrutar da "cowparade". Eu vi várias entre o Campo Pequeno e o Saldanha, tudo muito estilo "José Guimarães". Há dois dias havia uma engraçada, toda azul, em frente à Praça de Touros. Uns espertalhões quaisquer levaram a vaca pela calada da noite, deixando abandonada a partenaire de cor branco-sujo. Entretanto, nas catacumbas do recinto das touradas, abriu um apertado centro comercial com os adereços do costume e cinemas. É um contraste divertido. Em cima, na arena e nas bancadas, volta a manifestar-se o marialvismo tradicionalista, agora revisto, corrigido e aumentado pelos costumes "democráticos" pequeno-burgueses (está tudo muito bem explicado pelo José Pacheco Pereira aqui). Lá em baixo move-se um híbrido constituído pelas "gentes" curiosas do "povo" e pelas "tias" e "tios" que à noite, entre outras coisas, apreciam touradas, peles esticadas e o vazio. O país está a ficar demasiado loiro.

17.5.06

O ORDENAMENTO


O governo propôe-se "ordenar" o território nacional até 2025. Será que, por essa altura, ainda haverá um Estado-Nação chamado Portugal?

LER OS OUTROS


De Pinho Cardão, no Quarta República, "Nem um banquinho...". "A separação da Igreja do Estado, princípio fundamental e indiscutível, pode muito bem coexistir com normas de cortesia entre os mais proeminentes órgãos representativos de cada uma daquelas entidades. Se todos os fundamentalismos são condenáveis, incluindo o religioso, este tique de fundamentalismo, jacobinamente republicano, também o é certamente."

ALISTAMENTO


Ao fazer o gesto cada vez mais reles de ligar a televisão, reparo que o euro-festival da canção está por perto. Ao início, quando essa transmissão ainda era um acontecimento, os da casa ainda conseguiram fazer mais ou menos boa figura, dentro de algum provincianismo vaidoso que sempre os caracterizou. Daqui a uns tempos, vão lá umas petizes avantesmas dignas da produção massificante da imundice. O resto, como e porque convém, interessa muito pouco. Portugal vive enrascado com a bola, com os fogos, com glórias vãs, com gente miseravelmente rica e com o alistamento ao mau hábito das instituições. Safam-se meia dúzia de ricos eruditos, ditos mal dizentes e tratados tão mal quanto é exigido à moléstia.

BICHOS & ALMOCREVES


Não sou dado aos parabéns blogosféricos. Sou mau em efemérides, sobretudo com as pessoais. Porém, abro duas excepções. Uma por causa da qualidade e a outra por causa da amizade. Boa noite e boa sorte.

OS NÓDULOS DO SISTEMA


Vale a pena ler este texto de Maria José Morgado sobre "o combate à corrupção". Andamos distraídos pela espuma - bola, milhões para isto e para aquilo, as lideranças da oposição, o governante tal, os apetrechos a que alguns chamam de maternidades, um dichote parvo de alguém, etc., etc. - e escapa-nos o essencial. Quando uma sociedade se dissolve mansamente, é natural que floresça por aí a corrupção - a esconsa e a mais "profissionalizada" - e se acentue a demissão do Estado enquanto "acusador público", para recuperar uma expressão feliz de Medeiros Ferreira. Também a promiscuidade entre distintas funções de soberania, não ajuda ao exercício. MJM chama-lhes "nódulos do sistema". "Num país de empregados públicos o discurso oficial contra a corrupção não existe, ou é supersticioso."

UM DOS NOSSOS


Por um texto de Teresa de Sousa no Público, fico a saber que Ramin Jahanbegloo, um intelectual iraniano, foi detido pelas "autoridades" do seu país no aeroporto de Teerão, em finais de Abril - só a 3 de Maio é que o Irão revelou o facto - alegadamente por ser demasiado "internacionalista". Dele foi reeditado recentemente entre nós o livro "Quatro entrevistas com George Steiner", pelas Edições Fenda. Aliás, Steiner é o primeiro nome a figurar num pedido público de libertação de Jahanbegloo, promovido a partir da revista Esprit onde colabora o académico iraniano. O cosmopolitismo é um sinal de civilização. Ramin Jahanbegloo é um cidadão do mundo que vive e escreve para "tentar perceber", coisa aparentemente considerada criminosa e "ocidental" pelas luminárias primitivas de Teerão. Por isso Ramin é, acima de tudo, um dos nossos.

16.5.06

O MESMO - 2


De vez em quando vem à baila a famosa "agenda de Lisboa", de há seis anos, quando reinava o bonzinho Guterres. Em matéria de educação, a dita "agenda" fixou cinco "metas" para os países da União: aumentar o número de licenciados em matemática, ciências e tecnologia, participação na aprendizagem ao longo da vida, redução dos níveis de abandono escolar, literacia e aumento do número de criaturas que terminam o ensino secundário. De acordo com a Comissão Europeia, só nos safámos vagamente na primeira meta, fomos medíocres nas duas seguintes e absolutamente nulos no que toca ao combate à iliteracia e à conclusão do secundário. Salvo melhor opinião, é este género de problemas que nos devia preocupar e não os nomes dos "vinte e três" do sr. Scolari. Portugal vive de prioridades invertidas e alimenta-se da sua própria irrealidade. Broncos mas felizes.

O MESMO


Quem aterrasse ontem em Portugal à hora dos telejornais, poderia ficar com a ideia que estava num país despreocupado e dado à paródia. O anúncio, em simultâneo nos três canais generalistas, dos nomes das criaturas que vão atrás do sr. Scolari para a Alemanha, parecia a revelação pública de um esotérico mistério. O eterno cónego da bola, o sr. Madaíl, preparou as coisas para Scolari poder, à vontade, exibir o seu proverbial auto-convencimento. Durante dez, quinze minutos, o país pôde deslumbrar-se com os nomes dos escolhidos e esquecer-se da miséria doméstica. Qualquer membro do governo, ao pé destes "heróis", é um gnomo e, como tal, tratado lá mais para diante nos telejornais. O "esplendor de Portugal", o tal de que fala o hino, fica entregue por umas semanas às pernas dos jogadores. Quando regressarem da sua breve aventura, voltamos ao "mesmo". Um "mesmo" do qual - por causa destas e de outras - nunca conseguimos sair.

15.5.06

BOA PERGUNTA

"O QUE É QUE ACONTECEU AO INQUÉRITO "URGENTE" PARA SABER COMO É QUE LISTAS DE TELEFONES E TELEFONEMAS DE ALTAS INDIVIDUALIDADES DO ESTADO FORAM PARAR AO "ENVELOPE 9" DO PROCESSO CASA PIA?

É que, por muito que se esteja habituado ao esquecimento de tudo, a "urgência" foi um pedido expresso e público do Presidente da República, reiterado pelo Procurador Geral da República, e, tantos meses depois, não há resultados, nada se sabe, não há uma explicação, um esclarecimento, nada. É um pouco afrontoso para o Presidente da República, ou não é? E não é muito afrontoso para todos os que exigem em termos de cidadania mínima, um esclarecimento? É. Ou há uma gigantesca conspiração à volta do envelope, que exige meses e meses de trabalho investigatório, ou então ninguém percebe a complexidade e a demora em saber uma simples coisa que deve ter deixado um rasto de papel atrás."

in Abrupto

A RAZÃO DE SOARES


Este fim-de-semana encontrei-me no Vau, à beira-mar, com o dr. Mário Soares. Aos 81 anos está mais novo do que eu. Falámos por breves instantes. Disse-lhe que me parecia que isto estava tudo a afundar-se. Nós, o mundo. Soares respondeu-me, contra o que seria habitual, que "não foi nada que a gente não previsse". A "gente"? Eu? Ele? E não é que tem razão?

12.5.06

O SISTEMA DAS COMUNICAÇÕES

Grande poema de Eugenio Montale "roubado" na Grande Loja:

Não tenho grande fé de encontrar-te
na vida eterna.
Era já problemático falar-te
na terrena.
A culpa é do sistema

das comunicações.
Descobrem-se muitas mas não aquela
que tornaria ridículas, e até inúteis,
as outras.

UM SINAL SEVERO


"Desse lugar foi lançado um sinal severo que investe contra a falta de reflexão reinante, um apelo à seriedade da vida e da história, uma recordação dos perigos que pairam sobre a humanidade. É o que o próprio Jesus lembra muitíssimas vezes, não temendo dizer: "Se não vos converterdes, perecereis todos" (Lc 13,3). A conversão - e Fátima recorda-o plenamente - é uma exigência perene da vida cristã."

Joseph Ratzinger, Diálogos sobre a fé

INTENDÊNCIA


O João Pedro George tem um novo colaborador no Esplanar. Eu tenho dois. Nenhum colabora.

VULGARIDADE


Disseram-me ao almoço que o prof. Marcelo vai "comentar" o "mundial" de futebol para a RTP. Marcelo é um prestigiado académico e, à sua maneira, um intelectual com notoriedade. De tudo faz política e, a partir da política, mete-se em tudo. A rábula da bola é desnecessária e populista. Por este andar, Marcelo ainda acaba a apresentar um concurso para donas-de-casa. Num momento em que tudo resvala para o seu pior, Marcelo, o comentador do regime, vai descambando para a vulgaridade. E o regime, a preceito, com ele.

UM ESCÂNDALO


"Não é a primeira vez, mas já são muitas, Creonte, que a minha reputação me prejudica e causa grandes embaraços (...). Dai aos ignorantes engenhosas novidades e passareis por um inútil e não por um sábio. Admite-se que os homens têm conhecimentos variados: julgue-se alguém superior a eles e considerá-lo-ão perigoso para a cidade. Eu também participei desta sorte: a minha ciência torna-me odiosa a uns, e outros acham-me indolente. Outros pensam o contrário e, para muitos, sou um escândalo."

Eurípedes, Medeia

11.5.06

ATRACÇÃO FATAL

Em compensação, há quem esteja satisfeito com os "seus" jornalistas (foto sonegada ao JPH). Carrilho devia pôr os olhos neste magnífico exemplo e, ao mesmo tempo, revisitar o seu passado recente. A atracção mútua entre a política e o jornalismo começa geralmente por ser uma atracção feliz que degenera, quase sempre, numa atracção fatal.

O QUE É A FILOSOFIA


Tive o cuidado de assistir à entrevista de Manuel Maria Carrilho a Judite de Sousa. O exercício correspondeu ao desenvolvimento de uma célebre frase de François Mitterrand proferida nas exéquias de Pierre Bérégovoy quando, referindo-se à "campanha" movida contra o seu ex-primeiro-ministro, mencionou, a propósito dos jornalistas, "os que puderam lançar a honra de um homem aos cães". Carrilho foi mais incisivo e terá mesmo falado em "matilha". A nuance - fortíssima - é que Carrilho não é Mitterrand. Não está à altura. Insisto. Carrilho tem um problema qualquer do foro psicológico que o impede de reconhecer por que perdeu. Curiosamente tudo o que disse a Judite de Sousa reavivou os principais motivos. Para me esquecer "deste" Carrilho, vou já reler o seu pequeno e instrutivo "o que é a filosofia". Coisa que o seu autor, mais ajuizadamente, também devia fazer.

O MOBILIZADOR


O sr. Kofi Annan, na sua sábia ingenuidade, nomeou o nosso dr. Jorge Sampaio para, em nome da ONU, "acabar com a tuberculose" no mundo. Sampaio e o seu staff têm dois anos para consumar esta meritória tarefa que consistirá essencialmente em conversinhas "de pé de orelha" e em conferências com vista a "mobilizar a comunidade internacional" para o combate à doença. O propósito é amplamente meritório. Acontece que, em dez anos, o dr. Sampaio não conseguiu "mobilizar" o país a que presidiu. Como é que agora, em apenas dois, vai "mobilizar" o mundo?

UMA SOMBRA


"Oh vida dos mortais, não é só de hoje que a considero uma sombra, e direi sem temor que entes humanos que passam por hábeis e ávidos de ciência estão condenados à mais dura das punições. Entre os mortais, não há um homem feliz. A opulência, quando aflui, pode dar a um maior êxito que a outro, mas a felicidade não."

Eurípedes, Medeia

10.5.06

O LIVRO DO RESSENTIMENTO


Manuel Maria Carrilho ressuscita amanhã dos mortos com um novo livro. Infelizmente não é de filosofia, mas de mágoas. "Sob o signo da verdade" - o seu título - anuncia-se impiedoso. Veja-se a publicidade. "Retrato da mais brutal campanha negativa feita no Portugal democrático", "o vídeo intimista que nunca existiu", "as armadilhas a Carrilho e as perseguições a Bárbara", "fugas e gafes protegidas: episódios reveladores", "difamações e apertos de mão", "a autocrítica de Carrilho". Em suma, "descubra tudo sobre estas e outras histórias que marcaram o verão quente de 2005". A Dom Quixote e Carrilho não se pouparam a nada. Nota-se a falta que Nelson de Matos faz na primeira e a ausência de bom senso do segundo. Fica mal a Carrilho propagandear um livro como se fosse o prof. Herrero, do Herman José, o tal do "cagalhão na tola". Ninguém quer saber de "histórias" que não fizeram história. Estou à vontade. Fui dos primeiros a defender publicamente a candidatura de Carrilho à Câmara de Lisboa. Observei, desagradado, a forma como o seu principal protagonista conduziu tudo tão alegremente para o fundo. Este "número" do livro era escusado a não ser a benefício de um narcisismo tardio. Ou, então, por ter uma "agenda" escondida para maçar Sócrates. Seja como for, significa que Carrilho ainda não entendeu o que lhe aconteceu em Outubro.

O FIEL BANQUEIRO


O PSD não tem nenhuma credibilidade para "interpelar" este governo por causa do seu primeiro ano. Não porque o "desempenho" seja formidável - não é, ao contrário do que o dr. Silva Pereira esteve meia-hora a papaguear a Mário Crespo na Sic Notícias - mas pela simples razão que o PSD, precisamente há dois anos, também anunciava "retomas" onde elas manifestamente nunca existiram. Têm, no entanto, governo e PSD, algo em comum: o fiel e constante Constâncio que arranja sempre umas miraculosas décimas - para baixo ou para cima - nas suas intermitentes "previsões". Talvez por ser Primavera, desta vez subiram.