29.11.06

COMO NÃO

A 11 de Fevereiro de 2007.

O BRUXO


O "Sô Zé" foi ontem ouvido na PJ por causa de bombas. Vai daí, e como é da praxe sempre que se aproxima o dia 4 de Dezembro - num anúncio à revista Focus, no RCP, fala-se de 1 de Dezembro... - regressou a "teoria da conspiração". Quem ouve, olha e presta alguma atenção ao "Sô Zé" apercebe-se que o homem transpira credibilidade por todo o lado e que, depois de ter passado, enquanto José Esteves, ex-bombista, por tudo quanto é polícia e comissões de inquérito, só agora, em 2006, se fez finalmente luz. Está-se mesmo a ver, não é verdade? "Sô Zé" deve estar precisado de clientes, o que é de toda a legitimidade. E a recorrente "teoria da conspiração" também. Até parece que é bruxo.

COSÌ FAN TUTTE ?


Dizem-me que o director do Teatro Nacional de São Carlos, Paolo Pinamonti, exprimiu publica e formalmente a intenção de não prosseguir nas funções quando expirar o seu contrato na primavera de 2007. O neo-realismo tardio, em vigor na Ajuda, precipitou as coisas. Estou à vontade porque há três anos e meio deixei o Teatro pela impotência face à Ajuda- nessa altura era outra - e porque percebi que só se podia dirigir uma casa daquelas em regime de ditadura. Entretanto tudo piorou e toda aquela improvisação organizada acabará, um dia, por se estatelar graças aos comissários externos e internos que cuidam mais de si do que da causa do Teatro. Se eu fosse o Paolo Pinamonti, esperava sentado para ver o que é que dizem aqueles que, desde 2001, tanto o bajularam sem hesitações. Falo de quem o nomeou - o sr. José Sasportes e respectiva camarilha político-burocrática -, de quem o apoiou sem reservas a partir do Palácio de Belém do dr. Jorge Sampaio- o próprio incluído - e de outras "figuras" da nomenclatura "musical" portuguesa que me dispenso de nomear. Pinamonti, agora sim, precisa destes apoios para fazer frente ao equívoco instalado no ministério da Cultura cuja face mais paradoxal (ou talvez não) é o secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho, outro grande nome da "cultura musical portuguesa contemporânea", formado na boa escola da ex-RDA. Ou os socialistas limitam-se a defender os seus "mais seus" e só protegem os outros apenas quando a eles lhes convêm? Que dirá o "mecenas exclusivo" desta telenovela mexicana, logo hoje, em dia de "gala"?

O ESFORÇO

Nem que fosse apenas um.

NÃO TEMER

Para apenas duzentos e cinquenta fiéis cristãos, num país de milhões de muçulmanos, o Papa reafirmou o que é necessário reafirmar:

"Con questa visita ho voluto far sentire l’amore e la vicinanza spirituale non solo miei, ma della Chiesa universale alla comunità cristiana che qui, in Turchia, è davvero una piccola minoranza ed affronta ogni giorno non poche sfide e difficoltà. Con salda fiducia cantiamo, insieme a Maria, il “magnificat” della lode e del ringraziamento a Dio, che guarda l’umiltà della sua serva (cfr Lc 1,47-48). Cantiamolo con gioia anche quando siamo provati da difficoltà e pericoli, come attesta la bella testimonianza del sacerdote romano Don Andrea Santoro, che mi piace ricordare anche in questa nostra celebrazione. Maria ci insegna che fonte della nostra gioia ed unico nostro saldo sostegno è Cristo, e ci ripete le sue parole: “Non temete” (Mc 6,50), “Io sono con voi” (Mt 28,20). E tu, Madre della Chiesa, accompagna sempre il nostro cammino! Santa Maria Madre di Dio prega per noi! Aziz Meryem Mesih’in Annesi bizim için Dua et”. Amen."

Bento XVI, em Éfeso, no Santuário Mariano Di MERYEM ANA EVÌ

SEMPRE O MESMO

O sr. Madaíl anunciou, como se fosse uma novidade, que se recandidata a presidente da federação portuguesa da bola. Tenciona, disse ele, levar consigo o sr. Hermínio Loureiro que sucedeu ao major de mesmo apelido, ou seja, vai tudo dar ao mesmo. Na "sociedade portuguesa de autores", o baladeiro "abrilista" Manuel Freire ganhou a uma caricatura do que foi António Victorino de Almeida, outra previsibilidade. País monótono este, sempre de mal a pior, sempre o mesmo.

EXERCÍCIOS DE CALENDÁRIO

Se bem percebi, logo mais à noitinha, depois da cimeira da NATO em Riga, Jacques Chirac pretende festejar o seu 74º aniversário com um jantar com o lúgubre Putin. Eu, que celebro menos vinte e oito do que ele e que sobrevivo há vinte e nove ao antigo cardeal patricarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, também nascido a 29 de Novembro, não tenciono jantar com ninguém. No ano em que Cerejeira passou para a Casa do Senhor, eu andava no D. Pedro V a "licear". A meio da tarde do dia 29, à falta de melhor, telefonei à minha colega e amiga Anabela - que será feito dela? - e convidei-a para um chá na Pastelaria Ferrari, entretanto desaparecida no incêndio do Chiado. Em Agosto desse ano remoto, enquanto Cerejeira agonizava na Buraca, estive sozinho, durante duas semanas, em Londres. Achava-me, com alguma razão "Mnemónica", perito em inglês e subtil. Tinha a infinita paciência - foi o que me valeu desde aí até aos trinta e muitos - para visitar, perscrutar e escutar tudo o que cheirasse minimamente a história, a música dita erudita, a imóveis com pilhéria ou griffe, etc. Londres foi literalmente esventrada por mim e, um regresso no final da década de noventa, não me deu particulares saudades. Passaram anos, gentes, sítios, amores, circunstâncias, amigos, eu. Há dez exactos anos, em 96, pela fresquinha, apanhei um avião para Paris e, à tarde, estava no Grand Palais, depois de uma boa "molha", a olhar para os retratos de Picasso. Dias antes, o também aniversariante Chirac tinha removido o autor de "A condição humana" para o Panteão. Havia Malraux por todo o lado, do metro às exposições e às livrarias. Tentei não perder nenhum e trouxe o que pude sobre esse extraordinário animal esquisito. Fui sozinho, como irei amanhã, que é a melhor maneira de encontrar a cidade e de me rever numa década para pensar a próxima, se ela vier. Se falo hoje aqui alarve e excepcionalmente sobre a minha pessoa, é porque os meus melhores momentos dos quarenta e cinco foram passados justamente aqui, "junto" de tanta gente que não conheço, de outros que já conheci e de alguns que espero vir a conhecer e que é como se os conhecesse desde sempre. Por exemplo, quando alguém nos "apanha" tão bem - "o caso mais amor-ódio que eu conheço na blogoesfera" -, que mais pode um homem querer quando, como escreve o Gore Vidal nas suas derradeiras memórias, "I now move, graciously, I hope, toward the door marked Exit"? Não há jantar mas estão todos convidados cá por dentro, no que resta. Cheers.

28.11.06

MITOMANIA


Enquanto a OTA vai e vem, o ministro Lino tenciona investir - a ANA por ele, o que vai dar exactamente ao mesmo bolso - quase quatrocentos milhões de euros na Portela. Em 2010, o actual aeroporto estará mais "extenso" para, teoricamente sete anos depois, o respectivo terreno ser vendido a retalho para a preciosa OTA, a 50 km de Lisboa, poder funcionar. Afinal, o recorrente "esforço nacional" que serve para que não se possa mexer uma palha, não é para todos. A OTA tem sido pretexto para todos os estudos do mundo, para todos os projectos do mundo, para todas a baboseiras do mundo. Já nasce, se nascer, obsoleto, torto e misterioso. A mitomania betoneira do ministro Lino sai-nos cara. Dê a coisa para onde der.

FITAS

O dr. Alfredo Barroso, alguém que foi um notável - apesar de "politiqueiro"- chefe da Casa Civil de um presidente da República, estava num "frente-a-frente" televisivo com Paula Teixeira da Cruz a discutir a câmara de Lisboa. Não lhe ocorreu melhor arremesso do que os queixumes diários do vereador "bloquista" Sá Fernandes vertidos num jornal. Aliás, não se percebe bem o que é que esta quixotesca figura (inicialmente apoiada por tanto notável lisboeta e depois reduzida a mera toupeira dos drs. Louçã e Portas) lá está a fazer. Dá-me ideia que a rua lhe assenta melhor. Porém, voltando ao dr. Barroso, vejo-o muito preocupado com as contratações de assessores deste e daquele para esta e aquela administração municipal, ainda por cima coisas que não são da responsabilidade deste atribulado mandato de toda a vereação. O moralismo tardio do dr. Barroso, nesta altura colectiva do campeonato, tem o seu quê de irónico. Queria que os outros contratassem quem? Os seus amigos? Ou os amigos deles? Ou passa pela cabeça de alguém que o partido que no momento serve o regime, seja numa autarquia, seja no governo, peça voluntários para aqueles cargos? O dr. Alfredo Barroso, que possui uma vasta experiência na matéria, de São Bento a Belém, passando pela extraordinária Fundação São Carlos, mais valia ter estado caladinho. Escreva mais, que é o que ainda faz melhor, e ouça ópera. Deixe-se de fitas.

NOI SIAMO FORTI


Vinha no carro e surge-me a voz desse peculiar bispo das Forças Armadas que é D. Januário Torgal Ferreira. Bento XVI acabara de aterrar em Ancara. D. Januário referia-se à "coragem" do Papa - dando a entender que, se fosse ele, ficava quietinho - e rematou com esta pérola: se o Papa fosse "assassinado, morria no seu posto". D. Januário não entende - nem os freis Bento Domingues desta vida - que Joseph Ratzinger não vai à Turquia para se exibir ou penitenciar. Não é da sua índole nem uma coisa nem a outra. A sua visita é política e é religiosa, e destina-se a marcar uma fronteira inquebrantável. O seu encontro com a hiper-minoria católica turca tem um significado extraordinário e representa a consagração prática da doutrina do "grão de mostarda" que guia Bento XVI. O Papa é avesso às multidões mas não as evita. Prefere que a fé e a palavra de Cristo se espalhem a partir de pequenos núcleos, sobretudo no meio da hostilidade ignorante e da intelectualidade desonesta. Basta ver, por exemplo, como os media se referem sempre às "chamas ateadas pelo Papa" numa subserviência patética perante a "correcção" política e o "multiculturalismo". Ratzinger apenas não se curva perante a intolerância irracional. Por definição, todos aqueles que o agredirem pelo verbo ou o tentarem pela força, são homens abençoados pelo Papa. A esperança é mais forte que o rancor. E a fé moldada pela razão também. "Nós somos fortes", como lembrou Ratzinger em Setembro. Boa viagem.

27.11.06

IR PARA DENTRO

Para acabar o dia em beleza, depois de uma valente chuvada e cão a dar-lhe para cheirar "saídas", aparece na televisão oficiosa o esplêndido Mariano Gago, da ciência e ensino superior, bem como uma enxurrada de reitores e de estudantes vestidos de corvos. O Eduardo Pitta, em mais um dos seus periódicos acessos "socráticos", pede imaginação às universidades, sonhando porventura com Stanfords, empresas e "sociedades civis" que manifestamente não existem por perto. Nem isto tudo, nem política. Como o seu amigo Armando, "vou para dentro". "E é o que tenho feito até hoje. Ir para dentro."

Adenda da meia-noite: Foi preciso um ministro do dr. Salazar para "chamar à pedra" o ministro Gago. Se a comissão a que Adriano Moreira presidiu gastou 3 milhões de euros/ano, por causa das suas várias sub-comissões, foi porque alguém lhe deu esse dinheiro. A data mencionada pelo ex-ministro do Ultramar, 1998, para o início das actividades da comissão que chefiou, coincide com um governo de que fazia parte o actual ministro Gago. O famoso "esforço nacional", a cartilha socrática em vigor que Mariano Gago repetiu à exaustão, arrasará com tudo no ano que chega daqui a um mês. Vão ver.

QUESTÕES DE PROTECÇÃO


Mário Crespo fez uma excelente entrevista a Augusto Santos Silva, na SIC Notícias, sobre a "entidade reguladora da comunicação social" e os seus extraordinários poderes reguladores e interruptores em preparação. Santos Silva falou de "escolha" do espectador, dos seus "direitos" e das "grelhas" programadas com 48 horas de antecedência, ao que Crespo ripostou com a BBC onde chegam a fazer dezenas de alterações de programação por dia nos seus vários canais sem que o espectador sinta necessidade de ser "protegido". A grande preocupação de Santos Silva é a pornografia "em canal aberto", quando inteiros serviços noticiosos e talk shows indescritíveis não passam de pura pornografia intelectual e visual. De acordo com o ministro, a "intervenção" da dita "entidade" far-se-á para proteger os espectadores de televisão de alegadas extravagâncias cuja definição fica a cargo da "entidade" dita independente só porque é "escolhida" pelo Parlamento. Pois. E quem é que protege os espectadores da "entidade" e do senhor ministro?

UM LIVRO, UM HOMEM


A beleza, a história, a melancolia de um olhar pessoal sobre uma das mais belas cidades do mundo. A palavra, a fé e o conhecimento profundo dos homens, sem ilusões nem temores reverenciais em relação ao essencial.

AS CONTINHAS -2


Ele há dinheiro para tudo e para nada. Estranho país, estranho Estado e estranho regime que permite que se façam as contas mais inverosímeis para os mais desvairados propósitos, típicos de novos-ricos. E reposições e responsabilidade financeira, moita?

"ROAD TO NOWHERE"

O senhor engenheiro foi "inaugurar" umas obras quaisquer supostamente concluídas na IC19. Afinal, parece que ainda não estavam exactamente concluídas. O ministro Lino apareceu, inevitavelmente enquadrado pelo powerpoint, a explicar o betão à volta de Lisboa para "facilitar" o trânsito. Sina das nossas estradas: sempre em obras, sempre em alargamentos, nunca definitivas, nunca seguras. As que não estão em obras, encerram por causa da chuva e dos rios, e algumas pontes caem sem mais. Este país, sempre à beira do último abismo mais colorido, lembra-me uma velha canção, "road to nowhere". Já estivemos mais longe.

À PORTA


Finalmente um pouco de bom senso na União Europeia.

OPART OU O RAIO QUE OS PARTA?


Por uma entrevista escorreita no Actual, o suplemento "cultural" do Expresso, percebi que os directores do Teatro Nacional de São Carlos e da Companhia Nacional de Bailado, respectivamente Paolo Pinamonti e Ana Pereira Caldas, ficaram fora dos preparativos do novo organismo que vai juntar aqueles dois e que passará a ter a natureza de "entidade pública empresarial". Como não há dinheiro - o TNSC vai "cortar" cerca de 20% da programação inicial, tanto quanto o corte orçamental sofrido -, Pinamonti, com inegável realismo, menciona o eventual recurso a empréstimos bancários por parte da "entidade", os inevitáveis despedimentos e reestruturações (diria antes estruturações porque não existe nenhuma) em matéria de pessoal e outras atribulações que prometem tudo menos espectáculos a sério que é para isso que ambos, TNSC e CNB, existem. A coisa está entregue a uma comissão vinda directamente de Marte e do interesse particular de alguns dos seus membros, cuja composição, à partida, não augura nada de bom. Mário Vieira de Carvalho, o secretário de Estado de Pires de Lima, tutela esta peripécia e, suponho, dirige-a. Ao menos, Pinamonti e Pereira Caldas tinham ideias e projectos concretos. A pior coisa que podia acontecer ao TNSC - e só falo deste porque o conheço razoavelmente bem - era voltar aos tempos da infeliz Fundação São Carlos. Aí, sim, foi um "fartar vilanagem" e mordomias tão esdrúxulas quanto inúteis: cada vez que faltava dinheiro, recorria-se ao empréstimo. Quando veio o instituto público e acabou a Fundação, em 97/98, o défice que entretanto o Estado foi forçado a regularizar, chegava aos 200 mil contos, a preços da época. É para esse tempo - versão "esquerda moderna" de "vacas gordas" entremeadas com "vacas escanzeladas" gerida por uns quantos "amigos de Peniche" - que Vieira de Carvalho e a sua comissãozinha amestrada querem voltar?

26.11.06

"ENTRE NÓS E AS PALAVRAS"

Ao fim do dia da morte de Mário Cesariny, já vi o Chefe de Estado manifestar-se, já li uma declaração de Isabel Pires de Lima e já escutei a bela voz de Manuel Alegre. Do PC, não há muito a esperar. Cesariny foi sempre refractário ao cânone imposto pelo partido e pelos seus bonzos intelectuais, antes e depois "de Abril". Do PS ou do PSD, talvez devesse vir qualquer coisa. Finalmente, quiçá à conta das listas internas que muito o devem preocupar como se o partido fosse um organismo vivo, até à hora em que escrevo, não se ouviu um murmúrio do gabinete de José Sócrates. Não haverá lá ninguém que saiba ler e escrever?

A IGREJA E O MUNDO - 2

Por causa do passamento de Mário Cesariny (vai ser interessante acompanhar o "movimento das piranhas" que se vão "atirar" ao espólio do pintor), falei no José Manuel dos Santos, seu amigo de muitos anos feito. Por isso, aguardo com natural expectativa a sua "Impressão Digital" da próxima semana no Expresso. Já a de sábado, 25 de Novembro, me merece alguns comentários. Sob o título "O Referendo", o José Manuel, com a habilidade e a elegância de sempre, reduz a questão do aborto - ele, com a mesma eloquência que atribui ao cardeal patriarca de Lisboa, refere-se sempre delicadamente a "IVG" - como uma questão religiosa onde o direito e a supremacia do Estado laico e democrático deve ser inquestionável perante uma Igreja "intransigente" acerca do livre arbítrio humano. E coloca os adeptos do "não" num mesmo registo, "uma voz onde não há lugar para uma distância ao ódio". Apesar de não ser católico, o Zé Manel deve saber tão bem como eu que há tantos caminhos para Deus quanto há homens. Dito isto, nem todos aqueles que votarão "não" no referendo anunciado o farão por causa do que defende a Igreja, mas apesar disso. Aliás, não se esperaria que a Igreja pugnasse por outra coisa, mesmo quando o cardeal patriarca fala em "questão de consciência". A Igreja cumpre o seu papel com os mesmíssimos direitos que assistem aos indivíduos e associações que perpetram pelo "sim". Tem muita influência, é demasiado "institucional"? É natural que tenha e que seja, por razões já de há muito debatidas. Não pode é ter qualquer capitis diminutio em relação a outros movimentos de natureza "laica". Digo isto com o à vontade de quem é favorável à aplicação da lei em vigor, ao criar de condições para esse efeito e que é contra a banalização do aborto, em pleno século XXI, como remédio para um descuido, para um atrevimento ou para a mera ignorância. Não há nenhum arquétipo feminino, por muito respeito ele me mereça, que se sobreponha a um outro arquétipo que escolha o "direito à vida", e vice-versa. Por isso apoio as excepções legais. E, só para terminar, não creio que a Igreja exerça qualquer soberania "sobre os corpos e as almas" e que tema perdê-la. Para além das contingências e do relativismo, a Igreja sobreviverá - sobretudo esta, de Ratzinger - e, com ela, milhões de católicos "pecadores" que encontram ali o conforto espiritual e ético que, infelizmente, até o "Estado social de direito" não consegue dar. Há, pois, vida para além de um simples "sim" ou de um simples "não".

MAIS DO MESMO

Aquele homem da protecção civil, Gil Martins, tem mais cara de quem atrai catástrofes do que de quem as combate. E a conversa dos "alertas" arco-íris já cansa.

RESPEITINHO

Mais um momento albanês no PS, com as listas de Sócrates para os órgãos nacionais do partido aprovadas sem um votinho contra. O PS assemelha-se a uma repartição pública dos anos de chumbo. O chefe à frente, isolado, numa secretária, e os funcionários todos alinhadinhos em filas de três, quatro ou cinco, sem poderem levantar o cu da cadeira sem pedir licença. A única novidade foi o dr. Santos Silva "saltar" para o lugar do dr. Jorge Coelho. O seu papel como "grande controleiro" dos media já merecia uma prebenda.

MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS 1923-2006


A última vez que vi o Cesariny, aconteceu depois da estreia de "Um Auto para Jerusalém", há quatro anos, no D. Maria II. Fui com o José Manuel dos Santos e, já não me lembro bem em que circunstâncias, um pequeno grupo reuniu-se em torno da estátua do António José de Almeida à espera que o homem aparecesse, e lá fomos todos para a casa/atelier arranjada pelo João Soares ao Cesariny, ali para os lados do mausoléu da Caixa Geral de Depósitos. Há já seguramente alguns anos que o Cesariny não fodia nem podia com este pequeno "reino cadaveroso" em que estamos atolados. Fodia-se mais e mais livremente na ditadura, por causa do "interdito" e da polícia, e a tropa dava-se a outros "passeios" pelo Rossio. Havia menos medo do outro, afinal o mesmo. Estar para aqui a debitar palavras bonitas na morte de Cesariny daria direito a que ele me mandasse tranquilamente para o caralho. Lá onde agora repousa, irrequieto e livre para sempre, o Cesariny está melhor do que nós, os seus eunucos, amor-ódio de estimação, sem os quais não valia a pena ter escrito nada. Gloriosa vida eterna a um dos poucos que a merece.

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Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

A IGREJA E O MUNDO - 1


O papa Bento XVI está, a partir de terça-feira, na Turquia. A visita à "Porta" tem um significado simbólico fundamental, num país em que, apesar da declarada laicidade do Estado, ser cristão é tomado publicamente como uma afronta. Ratzinger não vai à Turquia "redimir-se" do discurso de Ratisbona. Vai, suponho, explicar às autoridades religiosas e políticas - o sr. Erdogan parece que vai arranjar uns minutinhos - que, não obstante o "diálogo" entre religiões (a esmagadora maioria é muçulmana) e até prova em contrário, foi o cristianismo irradiado a partir de Roma, erguido sobre os escombros do império romano e que comporta a liberdade pela fé e pela razão, o verdadeiro "sucessor" dessa civilização imortal. Nada disto encontramos numa Turquia oficiosa que se esforça por ser europeia enquanto nas profundezas rosna contra o mundo criado a ocidente. Por isso, e como o cardeal Raztinger, sou adversário da adesão da Turquia à União Europeia. O "alargamento" está a ser levado longe demais e, não tarda, ainda temos a Rússia do sinistro Putin a assinar "acordos de cooperação" privilegiada com Bruxelas que, por ser mais burocrática do que política, parece disposta a tudo para assegurar o "sucesso" de uma diplomacia sem espinha dorsal. Bento XVI , como nas palavras do Senhor - "convertei-vos ou perecereis todos" - confirmará à Turquia e ao mundo, uma vez mais, o inderrogável lema do pontificado do seu antecessor: "não tenhais medo, abri os vossos corações a Cristo".

NÓS E OS OUTROS


Ontem, antes de ir ver o novo James Bond, apareceu-me na televisão o nosso 1º ministro, com aquela máscara plastico-sorridente que ele coloca quando está a fazer propaganda, com o gesto característico das mãos juntas a acompanhar o "discurso", ora para a direita, ora para a esquerda. Que me dizia ele? Tentava, se bem percebi, demonstrar-me as virtudes do TGV Madrid-Lisboa, ida e volta. Já estou a imaginar os comboios a abarrotar de passageiros para trás e para diante, de manhã à noite, deslizando sobre carris que, à primeira tromba de água, ficam submersos. Para além do trivial e dos "interesses", o que é que português comum espera da vitesse que o ligará à sumptuosa Madrid? Ir e vir mais deprimido do que quando deixou Lisboa? Ficar por lá? Sonhar-se, por umas horas, espanhol e, por consequência, europeu? Contentinhos, os socialistas que governam a Ibéria voltaram aos respectivos mundos. Não são estas "cimeiras" de chacha que mudam a natureza das coisas. Eles continuarão eles e nós, para mal dos nossos pecados, nós.

25.11.06

LOBO DA DECÊNCIA E DA PERSEVERANÇA

"Diz a Agustina que as pessoas que amam os cães são as mais egoístas sobre a terra. E ela gosta de cães. Porque os cães são uns mestres de zelar pelo que é teu, a família, os bens, as emoções profundas, mesmo quando tu te desleixas ou adoeces? Lobo da decência e da perseverança, o cão. Causa amante, contra toda a evidência, um cão. Ars longa, vita brevis. Sobretudo a dos cães. Tenho medo de quem tem medo de cães."

Maria Velho da Costa, in Livro do Meio

ONDE É QUE ESTAVA?


Também segundo o Expresso, nenhum político das actuais fornadas se dignou felicitar Eanes por ocasião do seu doutoramento, à excepção de Cavaco Silva. Pelo contrário, foi dada importância mediática à deslocação do dr. Sampaio à Casa-Museu João Soares, em Cortes, Leiria, onde proferiu uma banalíssima prédica "sergiana" sobre educação. Sampaio, aliás, nem sequer se preocupou com um módico de nojo depois de deixar Belém. Anda mais frenético do que quando foi presidente, da Câmara e do Estado, secretário-geral do PS ou membro do MES. O regime cuida bem dos seus e esquece com facilidade aqueles que lhe propiciaram a entrada definitiva no lance democrático em 25 de Novembro de 1975. Já agora, onde é que estaria Jorge Sampaio nesse dia?

"SOBRA INEVITAVELMENTE"

"Hoje qualquer diletante se permite criticar Marques Mendes. Não se preocupam com certeza com a realidade do mundo. No PSD, Cavaco é intocável, mesmo quando em duas frases arrasa a política do partido. A maioria absoluta e o regimento da Assembleia reduzem o debate a uma formalidade sem sentido. E a televisão, com a sua geral repugnância por política, escolhe aleatoriamente uns soundbytes. Se Marques Mendes não se ouve, é porque não se consegue fazer ouvir. Nem ele, nem o PC, o Bloco ou CDS. O país, de resto, anda resignado ao tratamento que o "Eixo do Bem" lhe impôs. Mas, se o tratamento falhar, como falhará, sobra inevitavelmente o PSD, agora educado pelo dr. Cavaco e pelo eng. Sócrates, seu pupilo. Venha, entretanto, o que vier nas sondagens."

Vasco Pulido Valente, in Público

Adenda: Por outras palavras, já tinha pensado nisto aqui , aqui e aqui.

31 DA ARMADA


Saúdo o novíssimo "31 da Armada", recheado de bons velhos e recentes bloggers. Sem querer citar ninguém, todos não somos demais contra o caminho que esta treta está a levar. E, tal como o natal, é "25 de Novembro" sempre que um Homem quiser ou precisar.

NÃO HAVIA NECESSIDADE


De acordo com o Expresso, o governo prepara-se para "deixar" que o sucedâneo da nefanda "alta autoridade para a comunicação social", a "entidade reguladora", interpele, em plena emissão, as televisões no caso de estarem em "incumprimento dos limites à liberdade de programação". Que raio de coisa é esta? Não esperava, embora não espere nunca nada de ninguém, que os "socialistas", pela mão do sociólogo Santos Silva, alinhassem numa de "diácono Remédios" serôdio. A paz dos cemitérios em vigor, ou o "eixo do bem", nas palavras de Vasco Pulido Valente, não concede um átomo de importância a isto. Fosse o governo anterior a ter esta maravilhosa ideia e quantas "sms" não andariam para aí já a circular. Os que agora se calam, são, pelos vistos, os mesmos que andam a carpir pela "perda" da Festa da Música e que a comparam estupidamente com Bayreuth ou Edimburgo sem se rirem. Não havia necessidade.

24.11.06

GEDEÃO

Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.


A PROPAGANDA...

... não tem preço. E este ministro até não é mau.

OTA, TGV...?

Em apenas três semanas, a circulação ferroviária foi interrompida duas vezes pela natureza. Na linha do norte e na linha do oeste, com os vetustos carris invadidos pela água. O senhor que está a "preparar" a OTA já "alargou" a previsão de povo no aeroporto para 25 milhões que é como quem diz, as habituais "derrapagens" continuarão se o louco projecto avançar. Há um ano, um candidato presidencial, por sinal eleito, tinha muitas dúvidas sobre a "relação custo/benefício" e sobre os "estudos" justificativos da OTA e do TGV. Espero que, ao menos, essas dúvidas persistam.

O DR. CAMPOS

Impensável, Francisco? Nada do que brota da excelsa cabeça do dr. Campos deve ser levado à conta de um pensamento. O dr. Campos tem o dom de alternar, mesmo em um só dia, as suas distintas opiniões. O dr. Campos, se fosse ministro de Pedro Santana Lopes, já teria provocado um pequeno tumulto e cabeças várias já estariam a ser reclamadas. Todavia, como vivemos em tempos de "silêncios estratégicos", o dr. Campos pode persistir na sua curiosa visão do mundo que ninguém leva a mal.

AFUNDAÇÃO NACIONAL


Enquanto o país se afunda com a água que brota da terra, do mar e do céu, decorre uma "cimeira ibérica" em Badajoz, certamente um momento político ímpar para a sobrevivência nacional. Por outro lado, o governo "comemorou" um ano de plano tecnológico, com o dr. Zorrinho, o "coordenador", muito contente. Que pena que o plano tecnológico não aproveite ao país que, ontem como hoje, aguenta estoicamente as desventuras da natureza. Não se esqueçam dos caramelos, sim?

PARA SEMPRE?


Caramba, Fernanda, grande prosa: perceber nas entrelinhas do escurinho do cinema, de um livro, nas rugas prematuras do rosto que "para sempre não há", apenas, como escreveu Vergílio Ferreira, uma porra de uma quantidade imensa e inútil de nós que "acontece no acontecer" e que é só devastação.

O FIM DA POLÍTICA


Também fiz o mesmo que o João, só que na FNAC do Colombo. Retive do prefácio da Constança Cunha e Sá a nostalgia pelo fim da política que representou, de alguma forma, a derrota de Soares 3 e a emergência de Cavaco 1. O Cavaco 2, se existir, terá de rever os velhos manuais da dita para que a história o registe como político e não apenas como um homem muito competente. Quanto ao resto, concordo com o João, apesar de saber mais umas coisinhas do que ele, mas isso fica para umas memórias quaisquer. "1. Os membros do MASP 3 detestavam-se e o ambiente era de cortar à faca. 2. A estrutura do MASP 3 era caracterizada pelo amadorismo e por grandes carências ao nível operacional e logístico.3. Soares foi sempre o principal adversário de si mesmo. Nunca percebeu que 2006 é a era do Cabo , da Internet e das Tv's Privadas e não como em 86 , do monopólio da Rádio e Tv Publica e dos jornais em que ainda estavam lá os seus amigos". Se me permite, só mais um número 4: a ausência do PS oficial, no "terreno", já a pensar na "cooperação estratégica".

"O MEIO, À LUPA, SEM LICENÇA"




"Não admira que "O Livro do Meio" seja motivo de escândalo e atrabile. O país dos interditos convive mal com movimentos de câmara lenta. O rumor surdo da perplexidade traduz as reticências de regra. Afinal, o que é que leva dois autores consagrados, Armando Silva Carvalho e Maria Velho da Costa, nascidos ambos em 1938, à desabusada escavação da infância? Por que é que, sem perder Laclos de vista, foram ambos induzidos à narrativa da intriga? Valmont e a Merteuil trocaram o castelo de Madame de Rosemond pelo British Quintal? (O British Quintal é o jardim da casa de Maria Velho da Costa.) Pergunta ela: "E que fizemos à Merteuil e ao Visconde? / Devem ter-se tolhido com a tua abominação da aristocracia, a querela de classes, o Terror." (p. 308) A questão não é inocente. E o protocolo não engana: nos interstícios do passado insinua-se a prova do quotidiano. Leitura do mundo: obras, autores, prémios, família, castas, ódios, equívocos, querela, política, dinheiro. O Meio à lupa, sem licença, entre 4 de Fevereiro e 29 de Junho do ano em curso. Tão simples como isto."

Eduardo Pitta, in Mil Folhas, Público

UMA CAMPANHA ALEGRE


Estreei-me na Casa Fernando Pessoa, ao lado de Miss Pearls, um espaço magnífico agora entregue à argúcia e à imaginação do Francisco José Viegas, mais do que propriamente, se bem percebi, às verbas. De livros se falou e do "Estado e a cultura". Isabel Pires de Lima confessou que já estava a ler, como eu, "O Livro de Meio", de Armando Silva Carvalho e Maria Velho da Costa que, nas suas linhas e entrelinhas lhe deve fazer melhor à cabeça do que o orçamento que tem para um ministério que ela, tão esforçada quanto inutilmente, se propôs defender cheia de mapas. Zita Seabra falou do que sabe e gosta - dos livros - e demonstrou a falácia em que a especialista em Eça anda a incorrer. Urbano Tavares Rodrigues, velhinho e doce, leu um bocado do seu novo romance. Rui Horta pedinchou, como lhe competia, e José Fonseca e Costa, o aristocrata do cinema português, gostava que o dito tivesse tantos espectadores como "Casino Royale", menos burocracia e, naturalmente, mais massa. Na assistência, alguns dependentes e candidatos a dependentes da ministra e da sua pequena e estouvada corte, um inesperado André Dourado (da parte "cultural" do gabinete do dr. Barroso enquanto 1º ministro) que, muito a propos, e com o conhecimento de quem esteve na Fundação das Descobertas, vulgo CCB, explicou a Pires de Lima que a exposição temporária da colecção Berardo tinha sido o maior flop financeiro da gesta Fraústo/actual governadora civil de Lisboa, agora que o governo converteu o espaço em praticamente uma coutada privada do sr. comendador. Saí de lá sem chuva, a saber pela Zita Seabra que o PC tinha retirado "parte" da confiança política a uma sua deputada (já chegámos ao ponto de a "confiança política" se dividir às postas) e confortado na minha certeza da inutilidade do ministério da Cultura. A forma como a ministra fez as suas continhas, constituiu todo um programa. O único, aliás, ou a falta dele. Mais vale dedicar-se ao que sabe e deixar-se de "campanhas alegres". E o Estado também.

23.11.06

GRANDE TEXTO...



... de José Pacheco Pereira no Público - talvez amanhã apareça no Abrupto - sobre Mário Sottomayor Cardia:

"Em Portugal os mortos são todos bons e os vivos todos maus. A explicação é simples: tudo é escasso, os bens são escassos, logo cada vivo ocupa um lugar a mais, o lugar que poderia ser o meu. A enorme inveja social que domina a vida pública e privada em Portugal é a consequência dessa escassez. Mário Sottomayor Cardia morreu agora, mas na verdade já tinha morrido há muito tempo, porque não ocupava já o lugar de ninguém, não afrontava os vivos, logo não existia, estava esquecido. No seu funeral escasseavam os dirigentes socialistas do regime, os actuais detentores do poder, para quem Cardia era já uma sombra de uma sombra e a uma sombra não se justificava sequer o elogio habitual dos mortos. Tivesse Cardia morrido no exercício pleno de qualquer cargo, e a consternação seria maior. O morto já podia ser bom e o lugar podia ser dado ou recebido. Esquecido pelos novos-ricos do seu partido, do poder e da celebridade fátua, Cardia foi lembrado por aqueles que ainda se recordavam do seu percurso solitário na política portuguesa dos últimos 40 anos. Quem se recordava lembrava-se intensamente, como Mário Soares comovido como não é habitual; quem esquecera nunca percebera nada. Perguntar o que sobra é sempre cruel, porque sobra sempre pouco (...). Cardia ficará na história do pensamento político entre a desagregação do marxismo nos anos 60 e 70 e o modo peculiar do nosso socialismo que ele, como vinha do marxismo, queria "sem dogma". Ficará o ministro da Educação de tempos difíceis, num pequeno grupo dos "normalizadores" do PREC, sob a égide do combate político de 1975 de Mário Soares. Ficarão para os seus amigos as recordações do homem, um gesto, um acto, um escrito, uma palavra, um exemplo, uma pena, uma preocupação. Nestes tempos é o que fica. Nestes e nos outros."

ALGUÉM...

... sabe quem é que, afinal, ganhou o concurso da D. Elisa, "Os Grandes Portugueses"? Isto sem batota, naturalmente.

VAMOS...

... até lá. Depois falamos.

AS CONTINHAS

Há por aí muita rapaziada, dos sete aos setenta e sete anos ou mais, a precisar de rever a tabuada.

A CONSCIÊNCIA

LER OS OUTROS

Um "retrato" da bloquista-soarista e hiper-emancipada Joana Amaral Dias, tão acarinhada pelo regime, feito pelo Tómas Vasques, ele, sim, da esquerda do tempo em que a esquerda era viva e se recomendava. E, de outras bandas, no Jantar das Quartas, o Eurico de Barros e o Victor Abreu, respectivamente O Tubarão, Turismo e As purgas segundo Konk: "Ontem, ouvi de passagem a notícia que um tubarão enorme tinha sido apanhado em Portugal. Fiquei impressionado. Mas afinal, era mesmo um tubarão do mar e não um potentado da banca, um cacique da política ou um mafioso do futebol."

HONORIS


Antes de prosseguir, e passe a publicidade, esclareço que aprecio o café Delta. Chego a dar voltas até encontrar um sítio que sirva "bicas" Delta. O café é bom, o homem é um grande empresário, dá emprego, manda na zona dele, é um grande socialista. Até aqui tudo bem. Daí ao "honoris causa" ao sr. Azinhais Nabeiro na Universidade de Évora, "apadrinhado" por Jorge Sampaio, devia ir uma prudente distância. Não tarda nada, pelos distintos serviços prestados à pátria - distraí-la do essencial - ainda vamos ver a Floribella, a Romero e a Raposo feitas "honoris causa", devidamente apadrinhadas pelo ministro-sociólogo Santos Silva. Que tristeza.

22.11.06

NÃO SE PODE DEPORTAR?

Custa-me, palavra de honra que me custa, meter o JFK no meio do charco. Acontece que num telejornal qualquer apareceu a "escola nacional de belas artes" a degradar-se, noutro o IPO do Porto sem aparelhos suficientes para radioterapia (mas o aborto, meu Deus, o aborto, essa trepidante causa "pós-moderno-antiga" que deve passar à frente dos cancerosos no SNS) - e em todos uns quantos alunos do "básico e do secundário" - nunca o termo básico foi tão oportuno - a berrarem contra Maria de Lurdes Rodrigues, em "manifestações expontâneas", tipo pedofilia sindical. Não se pode deportar o país inteiro para qualquer lado?

JFK

"Only a hero can capture the secret imagination of a people, and so be good for the vitality of his nation; a hero embodied the fantasy and so allows each private mind the liberty to consider its fantasy and find a way to grow."

Norman Mailer sobre Kennedy quando passam 43 anos sobre a sua morte brutal, via Minha Rica Casinha

QUESTÕES DE ACREDITAÇÃO

Por indecente e má figura, denunciada pela entidade europeia competente, foi extinta uma coisa chamada "conselho nacional de avaliação do ensino superior". Se percorrermos a lista dos "conselheiros" - presumindo que podemos acreditar nela, já que Teresa Ambrósio está lá apesar de ter falecido este ano - só encontramos "professores doutores" daqueles que as nossas grotescas universidades produzem em série. Avaliai-vos uns aos outros e não deixeis que ninguém meta aqui o bedelho, parece ter sido o lema deste generoso "conselho" que, desde a sua criação pelo bonzinho Guterres, custou 35 milhões de euros ao erário público. Este governo, na pessoa do dr. Gago, uma eminência recuperada ao "guterrismo", engoliu em seco e partiu para a criação de uma "agência nacional de avaliação e acreditação do ensino superior". Talvez a "agência" pudesse começar por "avaliar" e "acreditar" o senhor ministro e, depois, quem sabe, as venerandas figuras e os estabelecimentos onde as primeiras debitam ensino a que chamam de "superior". Quem é que pode acreditar nesta gente?

A TROPA


Para que serve a tropa neste momento? Aparentemente para nada. Quando muito, ajuda a apagar fogos, a conter inundações e dedica-se a actividades de natureza filantrópica. Finda a guerra e os "golpes", a democracia ficou sem saber bem o que fazer com ela. Aos poucos, foi-se apoucando a função e os homens que a serviram uma vida inteira. Como cumpri o serviço militar obrigatório que demagogicamente foi extinto pela "direita", tive o privilégio de conhecer muitos militares. Confesso que nunca me senti mal e entendo que um módico de dignidade é fundamental para não envacalharmos tudo em nome do correcto político. Isso passa por duas coisas. A primeira, por os poderes públicos não tratarem os militares como um bando de obsoletos dispensáveis. Um país precisa de alguma simbologia para sobreviver e não de macacada. A segunda, por os militares, mediante passeatas folclóricas, não contribuirem para o descrédito de uma instituição que pouco significa para as novas gerações, "educadas" apenas para a frivolidade e para o "carpe diem". Senão, mais vale meter tudo no glorioso "serviço nacional de bombeiros e protecção civil" e aprender a fazer "ponto-cruz".

UMA CAMARILHA


(...) Na primeira página do livro, ficamos a saber que Santana já tinha, aos 25 anos, uma certa importância política. Páginas adiante, mostra-se a si próprio e a Barroso, muito jovens e sonhadores, a partilharem antecipadamente entre os dois as regedorias do regime. Ungidos por uma aproximação precoce ao poder, propiciada pela revolução de 1974, pertencem a um pequeno grupo desde sempre convencido de que o poder em Portugal seria distribuído em função das relações de força entre eles. Tornaram-se exímios na criação de "percepções" e "factos políticos". Tornaram-se também um pouco paranóicos (por exemplo, Barroso e Santana evitavam falar de política ao telefone). Quanto ao povo, esperaram que, à porta do palácio, lhes fosse admirando a esperteza e a sorte, enquanto roía os sobejos do Estado social. Eis os políticos que temos. Não formam, de facto, uma classe política democrática, mas uma "camarilha" digna de qualquer corte absolutista do século XVIII. Têm muitos sonhos. Mas nós - os eleitores - não fazemos parte desses sonhos."

Rui Ramos, in Público, "Os sonhos deles"

MEMÓRIAS LAURENTINAS

No Suspensão do Juízo (não sei de quem é mas gosto), "Frederico Lourenço". O pretty boy lido pelos "seus", já algo fartinhos da arcadia.

O PERB - 2

Oh João, V. também aderiu ao PERB? Quem diria.

O MANDARIM - 2

Ah, é verdade. Já cá faltava a manifestaçãozinha das SMS, para o CCB, em "protesto" pelo passamento da "Festa da Música". Alguns devem ter razão. Em 365 dias, é bem capaz de serem os únicos dois em que se sentiam "cultos". Senhora professora: nomeou o mandarim, não nomeou? Agora ature-o.

A NOVA ELEANOR


Descobri um "retrato" mais político do que cosmético da Mme. Ségolène, a nova Eleanor Roosevelt da "esquerda" europeia, só que infinitamente mais bonita por causa da pele bem esticadinha, eventualmente sem segundos pensamentos em relação às raparigas que lhe tratam da maquilhagem e, como compete a um bom político do século XXI, vulgar. "Que fazer aos jovens marginais dos subúrbios, assolados pela exclusão social e incitados por gangs organizados? Segundo Royal, nada como “enquadrar os delinquentes num programa militar especial”. Suponho que o objectivo seja aconselhar a malta no manuseamento de armas. E como lidar com o afastamento dos cidadãos face à política? Credibilizar as instituições? Nada disso! Para Royal, o ideal é criar “júris populares”, com acesso às reuniões dos conselhos de ministros, para avaliar a acção governativa (...) A França vive um conflito social? Moralizar é a palavra de ordem, diz-nos Royal, que critica as jovens raparigas que usam fio dental (as marotas!), defende os valores tradicionais da família (casamento & procriação, entenda-se) e apela às “virtudes do povo francês”. “Eu sou de esquerda”, diz-nos a senhora. E quem somos nós para duvidar?" Giraça a moça, não é? Fervilha, como diria são Boaventura de Coimbra, de ideias.

CCB GALLERY


Até "embater" em Mega Ferreira e na "Festa da Música", Isabel Pires de Lima "servia". Modestamente, mas "servia". Na verdade, já tinha deixado de "servir" quando foi passada para trás no negócio Berardo em que o referido Mega foi um conivente passivo. Não sei de que se admiram. Querem "chuva na eira e sol no nabal", a colecção do sr. comendador e o Haydn em prestações suaves num fim de semana de primavera? E será que Isabel Pires de Lima ainda não percebeu que, entre outros e outras, Mega é um candidato a seu sucessor? Onde é que esta gente toda vive? Num quadro da colecção do comendador?

21.11.06

O MANDARIM

O respeitinho ainda é o que era. As carpideiras do regime juntaram-se ao mandarim Mega Ferreira para chorar a perda da "Festa da Música" como se o CCB - esse mesmo, o do sr. comendador - fosse o Royal Albert Hall e a dita "Festa" os "promenade" ou os "concertos para jovens" de Bernstein. Sugiro a todos os organismos "culturais" em regime espartano, dos nacionais aos municipais e regionais, que sigam o "exemplo" do mandarim para ver o que é que as mesmas carpideiras dizem.

O REGIME DO CARECA

A "ideia" de um procurador especial "político" para chafurdar no lixo, designadamente provocado pela "política, e que não vai para os tribunais ou que os tribunais e a investigação competente entendem não ter merecimento, não lembra ao careca, como diria Marcelo. Acontece que ocorreu ao PS e, por simpatia, ao PSD. Este regime, se não existisse, tinha que ser inventado.

O CORPO ESQUISITO


Houve uma altura em que o prof. Cavaco, referindo-se à administração pública e ao alegado "excesso" de funcionários, encolhia os ombros e desabafava que era preciso "esperar que eles morressem". Por acaso, o mesmo Cavaco não só não precisou de "morrer", como se aposentou como professor do ensino superior público e foi eleito, felizmente, Chefe de Estado. Agora, alguém descobriu que, para além de teimarem em não morrer, os ditos funcionários são a "praga" que anda a dar cabo do país, espalhada por aí à razão de um por cada dezassete portugueses (partindo-se sempre do saudável e democrático princípio que os ditos funcionários mal têm direito à naturalidade portuguesa, uns hominídeos ao pé dos outros). Este "corpo esquisito", para recorrer a Cesariny, incomoda um país que, pelos vistos sem eles, seria dos mais desenvolvidos do mundo. Todavia já tivemos muito menos e não consta que tenhamos alguma vez passado do patamar medíocre de sempre. Isto é o resultado dos disparates de um governo que insiste em meter no mesmo jargão coveiros municipais, professores catedráticos, investigadores, escriturários e médicos, só para dar alguns exemplos de "servidores públicos", para consumo dos "outros" portugueses. Um novo racismo, afinal.

O PERB


Está em curso um "programa especial de recuperação do dr. Barroso", o PERB. Ele é visitas a tudo o que é exposição, ele é entrevistas "íntimas" a revistas - como se um produto típico do "livrinho vermelho" se deixasse enredar em intimidades -, ele é entrevista à SIC, ele é convite do PR para aquela reunião clandestina sobre a globalização em Sintra, ele é o "irrepreensível" de Santana Lopes na televisão e o seu contrário no livro sobre 2004, em suma, ele é uma presença constante em Portugal e menos numa Europa que apenas o tolera. Barroso quer ver-se livre da Comissão Europeia com a mesma rapidez com que se viu livre dos portugueses que o elegeram e do governo do país. Deus manda-nos ser bons, mas não nos recomenda ser parvos. Durão Barroso anda para aí a derramar a sua frieza e o seu cinismo "patrióticos" para o que der e vier, como se fossemos todos ceguinhos. Se calhar até somos. Depois não digam que ninguém avisou.

SOPA DE PEDRA


O Filipe Nunes Vicente traçou um "retrato" cruel da ministra da Cultura por causa da "Festa da Música" do CCB, a pensar igualmente nos episódios Berardo e Rui Rio: "tudo sempre naquela pose de hortaliceira vagamente atarefada". O presidente da República recebeu agricultores biológicos e exortou à respectiva produção. Para o florilégio ser perfeito, só faltou o ministro Pinho e mais uma catrefada de "investimentos". Cavaco persiste em nos mostrar um país perfeito que ele anda por aí a descobrir por trás do primeiro e mais solitário "bem sucedido" que lhe aparece pela frente. É o "mérito" do velho-novo homem português dos anos noventa a dar frutos, até "biológicos". Os ministros de Sócrates, pelo contrário, lembram-nos diariamente como somos miseráveis e como eles talentosamente nos procuram salvar do atoleiro. A "cooperação estratégica" é, afinal, este caldeirão onde se aquece, em lume brando, o bom, o mau e o péssimo que há em nós. Uma sopa de pedra que, mais tarde ou mais cedo, ou azeda ou se queima.

CAMARATE

Não haverá mais nada de relevante para fazer na "justiça do pacto" do que desenterrar pela enésima vez Camarate? Onde é que os "desenterradores" profissionais do "caso" querem chegar com isto? A memória de Sá Carneiro e dos seus companheiros merecia que os deixassem em paz e não terem, volta não volta, meia dúzia de mórbidos mabecos a revolver-lhes as ossadas.

20.11.06

DIAS


O dr. Mega Ferreira não tem orçamento para a sua Festa da Música no CCB. Este evento irritante - supostamente as "massas" são forçadas a converterem-se aos "clássicos" numa maratona de pouco mais de 48 horas - massacra tanto como a Sport TV. As televisões generalistas não saíam de lá e ouviam-se os maiores disparates ditos com o ar mais deslumbrado do mundo. Chama-se a isto provincianismo, não do saudável camponês, mas do citadino parolo. Para temperar, a ministra da Cultura veio dizer que "se trata de um novo projecto com "um outro perfil e com outra dimensão" e mostrou-se convicta de que haverá uma "programação muitíssimo melhor" no próximo ano, comparativamente com a de 2006 e 2005". "Dias da Música" foi o que Mega inventou para gastar um terço do que gastava com a "Festa". São dedicados ao piano, disse ele. Acho bem. E que atraiam as escolas em vez dos do costume. É de pequenino que coisa e tal, e o piano é um excelente instrumento para começar a apreciar a música sem pretensões erudito-populistas.

GRANDES PORTUGUESES


Os foliões do "buzinão" de 1994, na Ponte Salazar, agora não dizem nada? Nem um pio? Grandes portugueses.

LER OS OUTROS

(...) Bem pode o Cardeal-Patriarca alegar que o aborto não é uma questão religiosa, mas de consciência. Bem pode a Conferência Episcopal apelar aos leigos para que sejam eles a entrar na campanha.Nada feito. Para algumas pessoas, a única atitude aceitável dos católicos, além de darem a outra face e uns bailes de paróquia, é o silêncio. Alguém devia explicar-lhes que os tempos do Dr. Afonso Costa já lão vão. E não deixaram saudades."

Pedro Picoito, in O Cachimbo de Magritte

ENTREVISTAS


Sugiro que todos os arguidos em processos de inquérito de natureza criminal que estejam em liberdade mediante prestação de caução até 500 mil euros, se apresentem às 20 horas à porta da SIC para serem entrevistados. Entre outras coisas, os entrevistados podem ser obrigados a comentar a seguinte frase: "a tendência das democracias, em todas as coisas, é para a mediocridade." (via James Fenimore Cooper, via Jantar das Quartas).

SÓCRATES VISTO PELOS SEUS - 2

O mistério do Orçamento do Estado



Manuela Arcanjo*
Professora do ISEG


A leitura do Relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2007 deixou-me diversas certezas: não é, ao contrário do afirmado, um OE orientado para o crescimento económico; o esforço de consolidação é menos intenso do que o realizado em 2006 e fortemente baseado na receita; são discutíveis, por razões diferentes, duas das suas quatro prioridades (combater a pobreza apenas ao nível dos idosos e prestigiar Portugal no âmbito da futura presidência); pretende ter por referência uma reforma que ainda não produz efeitos (Segurança Social) e outra que não existe (Saúde). Mas a minha atenção centrou--se na misteriosa relação entre a publicitada redução nas despesas de funcionamento (despesas de pessoal e aquisição de bens e serviços) da administração central e a reforma da administração pública. Algumas questões colocadas ao ministro das Finanças (MF) ficaram sem resposta; a outras foi respondido que não se "pretendia cortar cabeças" ou que as novas leis orgânicas iriam reduzir de forma muito expressiva as estruturas e cargos de direcção. O que diversos analistas interpretaram como prudência pode ter outra explicação. Ainda com base no referido relatório, é possível concluir que as despesas de pessoal apresentam uma redução de cerca de 610 milhões de euros (-4,5%) face a 2006 (estimativa de execução, incorporando já o aumento da massa salarial); ora, a redução prevista apenas nos ministérios da Educação e da Saúde aponta para cerca de 670 milhões de euros. Duas conclusões: primeira, são os ministérios onde mais se faz sentir o congelamento das progressões, a contenção salarial e as aposentações; segunda, diversos ministérios apresentam mesmo um aumento desta despesa. No que respeita à aquisição de bens e serviços, verifica-se que em 7 dos 15 ministérios há um aumento desta despesa. Este não é o resultado oposto ao esperado pela reorganização dos serviços? Como é que estes dados se relacionam com as muito discutidas reduções de 3,6% e de 5% na despesa de funcionamento do Estado e dos serviços e fundos autónomos, respectivamente? No primeiro caso, trata-se simplesmente de considerar apenas a componente financiada por receitas gerais, o que traduz uma "engenharia interpretativa" e ainda uma má prática orçamental, pelo recurso acrescido a receitas consignadas. No segundo caso, trata-se de uma cativação que se tornará, ou não, em redução efectiva no final da execução.
Duas conclusões alternativas: os efeitos da reforma da administração pública não estão contemplados no OE ou, se estão, são contrários ao esperado. Se esta não faz sentido, a primeira pode traduzir uma reforma adiada. O mistério não está objectivamente resolvido, mas agora entendo a razão para muito riso e sorriso do MF num debate televisivo recente.

* Manuela Arcanjo foi secretária de Estado do Orçamento e ministra da Saúde de António Guterres, uma "independente" levada para o "socialismo democrático" no poder pela mão de Joaquim Pina Moura. Saiu furiosa com Guterres que, tal como fez com Pina Moura, lhe "tirou o tapete". Conhece-os bem por dentro.

O ESTADO DA CULTURA


A minha estreia na Casa Fernando Pessoa, como mero assistente ao abrigo da "entrada livre", far-se-á na próxima quinta-feira. Interessa-me ver o que é que Isabel Pires de Lima tem a dizer sobre "o papel do Estado na cultura". Para além disso, Novembro é o mês final do poeta a quem sempre faltou "qualquer coisa": "E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase/E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa." Percebem, oh tótós?

E AGORA UMA COISA COMPLETAMENTE DIFERENTE


Como já somos todos crescidinhos, e embora não seja dado a petições, parece-me que esta é de "assinar". Não custa nada. É uma mera questão de direitos fundamentais e de aproveitamento da ONU para outra coisa que não apenas acudir a trapalhadas guerreiras por este mundo de Cristo afora.

19.11.06

O MEIO


A semana que "entra" vale pela colocação deste livro de Fátima Bivar (Maria Velho da Costa) e de Armando Silva Carvalho nos escaparates. É uma forma original de escrever: a duas mãos, com a infância de ambos por pretexto e o que se vai passando por cá "pelo meio". É bom que se comece a "descascar" o "meio", seja o literário, seja o político, seja lá o que for. É relativamente fácil porque é tudo muito pequenino e são sempre os mesmos. "Há dias folheei um livrinho cínico e galante, de um menino bem, um pretty boy, a falar da sua adolescência, vivida nos braços das artes e nos deleites do antes, durante e pós-coital. Autor: o inefável Frederico Lourenço, esse tão celebrado tradutor dos velhos gregos. O pai dele, o M. S. Lourenço, um homem requintado das filosofias, amante da palavra, do mito e da pergunta, andou comigo na recruta em Mafra e chamava-me o sapador suicida."

Armando Silva Carvalho, Maria Velho da Costa: O Livro do Meio, Romance Epistolar (Editorial Caminho, 2006)

CORRER PARA O FIM

A Fernanda não é só barricadas e "puxadas de culatra atrás". Leia-se como ela fala "do amor", esse tema impossível. "há no amor uma vocação trágica que corre para o fim, para esse cume de sentimento e loucura que tão bem visconti filmou em 'sentimento'. amor que não mata e esfola e esventra de amor não é amor, talvez -- é assim, pelo menos, que o aprendemos na literatura e no seu sucedâneo cinematográfico, no fado e em toda a pop, na ópera e em todas as grandes líricas." A tetralogia de Wagner não "canta" outra coisa, aliás, correr para o fim.

MÓNICA E O CAMPONÊS


O "diário" de hoje, domingo, de Maria Filomena Mónica na Pública intitula-se "Salazar e os grandes portugueses". A tese é simples. Salazar emerge em 1928, num país rural e analfabeto, e só um e num país rural e analfabeto Salazar - inteiro produto desse país rural e analfabeto, com a "inteligência e a cultura" que o seminário lhe propiciou, senão não passaria de um vulgar burgesso, que é como Mónica aprecia a "tribo rural" (sic) - poderia pastorear. Por consequência, não se deve ter medo da evocação do nome do ditador (ou seja, a RTP também teve aqui o seu lado burgesso apesar da socióloga ter achado "graça" e se ter "entretido" com o programa), até porque - é a única coisa sensata do artigo - o nosso "fascismo" não foi propriamente "fascista" e ele, o ditador, jamais voltará dado que o país deixou de ser analfabeto e rural. Aquele andar de bicicleta pelas ruas de Oxford, bem como as descidas ao rés-do-chão envolta apenas num casaco de peles para se entregar aos puros prazeres da carne, entre outros prodígios cosmopolitas e "civilizados" que perpetrou em Inglaterra, tornaram Mónica numa espécie de supra-Saramago, uma intelectual portuguesa sem uma Azinhaga onde possa acabar a derramar a sua incompreendida genialidade e a dar autógrafos. Não creio que os adjectivos que Mónica usa para "classificar" a "tribo rural" e, de seguida, Salazar, sejam exclusivos dessa "tribo": "um exército de gente tacanha, manhosa, hipócrita, desconfiada e sobretudo avessa a riscos". De facto, mediante o recurso a estes "predicados", Mónica acaba por fazer um retrato da democrática "pequena burguesia de espírito" em que vegetamos, na cidade e nas serras. Quer, Maria Filomena Mónica, melhor exemplo disso do que o seu original artiguinho?

Adenda: Sobre isto, ler o Luís Naves, no Corta-Fitas.

LENDO OUTROS

"VOZES: Marques Mendes fez bem em demarcar-se dos elogios de Cavaco Silva ao governo. A democracia inclui, por definição, um pouco da stasis ateniense, ou seja, o confronto. Se os principais actores políticos ( PR e os dois maiores partidos ) disserem o mesmo, a cidade asfixia."

Filipe Nunes Vicente, in Mar Salgado

O PROBLEMA DO ESTADO OU O JAZIGO DE FAMÍLIA

1. Em duas ou três frases do artigo semanal no Expresso - muito bonito e bem escrito, por sinal - Miguel Sousa Tavares coloca o "dedo na ferida" político-narcísica de Sócrates e, depois da entrevista encomiástica de Cavaco, do Presidente da República. O "sempre o mesmo querer e não querer o mesmo" (refiro-me ao Estado e ao seu "papel higiénico") relativamente quer ao "Estado social", quer à chamada "reforma da administração pública", quer ainda ao papel (também "higiénico") da "sociedade civil", resume-se a isto: "apesar da baixa do IRC, decretada por Durão Barroso, o investimento privado continua a cair pelo quinto ano consecutivo; só se investe quando se tem apoio financeiro ou fiscal do Estado ou então quando se consegue, do Estado ou das autarquias, um tratamento de excepção ou de favor". Como me dizia outro dia alguém com responsabilidades institucionais, o "problema do Estado" está muito para lá dos setecentos e tal mil funcionários cuja destrinça ninguém está interessado em fazer. Está sobretudo naqueles que, por via indirecta ou directíssima, acabam sendo mais dependentes do Estado do que aqueles que trabalham profissionalmente para ele, e que ninguém contabiliza porque, naturalmente, não interessa.
2. "(...) artigo de Graça Rosendo sobre o Tribunal de Contas (TC) publicado no semanário Sol. Revela a jornalista que, apesar das anunciadas restrições a novas contratações neste e noutros organismos do Estado, "só este ano já entraram no TC - por transferência ou requisição - 14 novos funcionários, três dos quais são técnicos administrativos". E vejam lá a coincidência: uma dessas requisições permitiu a entrada "da filha de um dos juízes-conselheiros do TC", que aqui permanecerá um ano, "renovável", para integrar o Departamento de Planeamento e Consultadoria do Tribunal de Contas. Revela ainda o Sol que a jovem licenciada em Direito "tem como única experiência profissional ser 'directora de serviços' na IPSS, de onde foi requisitada". Segue-se mais uma notável coincidência: esta última instituição "é presidida pela mãe, sendo o pai presidente da assembleia-geral". O pai da menina, contactado pelo jornal, desvaloriza o facto, assegurando que "outros conselheiros têm também familiares no TC". Ele próprio teve outra filha "a trabalhar no tribunal durante três ou quatro meses". Sempre por mero acaso: as coincidências sucedem-se nesta história (...) Parte de prosa do Pedro Correia, no Corta-Fitas. Em linguagem cifrada, chama-se a isto o "jazigo de família".

O CASO PEDROSO

No PS, para além de Sócrates, Costa e Silva Pereira, manda no aparelho um moço de bom aspecto chamado Marcos Perestrello, produzido por António Costa, e secretariado por Capoula dos Santos. Até foi ele, julgo, quem organizou o congresso albanês de Santarém e que, juntamente com José Manuel dos Santos e o cineasta Barroso, preparou um filmezinho de propaganda histórica - do tempo em que o partido era vivo - para presentear os camaradas. Segundo o Expresso, os ditos Perestrello e secretário mostraram-se muito incomodados por Paulo Pedroso ter chamado a atenção da organização do congresso - deles, portanto - para o facto de o líder o ter convidado para a comissão nacional e de, a final, o nome do ex-ministro não aparecer. Com a empáfia de quem sabe que pode e manda, Perestrello garantiu que o nome de Pedroso "nunca esteve na lista e nunca foi pedido a ninguém que recolhesse a assinatura dele". Verdade ou mentira, o certo é que o líder se viu forçado a convidar Pedroso para a comissão política, tal como o ministro Luís Amado que, como aristocrata da política e não do aparelhismo, foi esquecido pelos caciques de serviço. No lugar de Pedroso, ou mesmo de Amado, eu não teria aceite nada de gente desta natureza. Pedroso tem legítimas expectativas e ambição política que manifestamente não cabem na lógica "socrática" em vigor. Isto não tanto por causa de Sócrates, mas mais por causa da nomenclatura que o rodeia. Pedroso foi bom enquanto durou. O tempo e circunstâncias desagradáveis fizeram dele uma peça incómoda num partido onde reina a paz dos cemitérios. Ao aceitar a comissão política, nestas condições, Pedroso só se diminui inutilmente.

EANES


Num país entregue à desmemória e à trivialidade, quase passaram despercebidas as provas de doutoramento do primeiro presidente da República eleito por sufrágio universal, directo e secreto, António Ramalho Eanes. Com paciência verdadeiramente chinesa, Eanes preparou o seu trabalho académico que, a avaliar pelo que li nos jornais, constitui - apesar das quase duas mil páginas - um testemunho incontornável de uma época, escrita por um dos seus mais distintos protagonistas. Eanes, ao contrário de tantas eminências semi-analfabetas ou simplesmente presunçosas, não coleccionou os horríveis títulos "honoris causa". Preparou-se e, aos quase 72 anos, deixou às infelizes gerações que para aqui andam a pastar, um trabalho sério. Com a minha idade e por o conhecer bem desde 1980, já posso tranquilamente afirmar que Ramalho Eanes foi, de entre os produtos da democracia instaurada pelo golpe militar de Abril de 74, um dos grandes. Integro como poucos, de carácter como quase nenhuns, humano como já não se usa, a ele devemos - nunca é demais repeti-lo, como em 1976 - o "viver a liberdade em segurança". No final do doutoramento, em Espanha, perguntaram ao homem que mais poder concentrou nas suas mãos, entre 1976 e 1982, como é que gostaria de ser referenciado. "Eu gostaria de ser tratado apenas por Eanes."

18.11.06

LER OS OUTROS

Mais do mesmo Saramago, pelo Pedro Correia, na semana em que deve estar cheio de babugem alheia e própria.

MME.

Meu caro Carlos M. Castro,
Nada me move contra a Mme. Royal no sentido que V. me atribui no post. Já sou suficientemente crescidinho para não ter complexos ou preconceitos sexistas, seja num sentido, seja no outro. O que critico na senhora é o mesmo que critico a qualquer político da "modernidade": muita parra e pouca uva. Não se vota na beleza, apesar de ela a ajudar muito mais do que à pobre senhora Merkl. As suas posições aparentemente "contraditórias" e "originais" sobre determinadas questões, não fazem dela - julgo eu - um ícone do "novo" socialismo francês, seja lá isso o que for. Mitterrand era contraditório, só que tinha uma densidade política e humana que Mme. Royal, por mais que se esprema e sorria, nunca terá. Nem ela, nem Sarkozy e, muito menos, Chirac que ainda pode tentar-se a ficar, coisa que Mme. agradecia. Só que, nestes casos politicamente "brancos", escolho sempre os "meus". Apenas isso.

COMPLACÊNCIA...


... acerca de Pedro Santana Lopes, "passado, presente e futuro", no Abrupto. Tem razão JPP quando recorda esses tempos - foi apenas ontem - em que insuspeitas luminárias, da "esquerda" e da "direita", nos jornais, nas televisões e nos blogues, derramaram sobre a emergência de Lopes no governo as mais espantosas prédicas. Por essa altura, escrevi uma mini-série de posts a que chamei "primeiro estranha-se, depois entranha-se", para além de outras coisas que valeram ao "Portugal dos Pequeninos" ser apontado na altura - na revista Visão, por exemplo - como um dos blogues mais visivelmente "anti-santanistas". Algumas, senão muitas dessas luminárias, são agora as mesmas que "descobriram" em Sócrates o "modelo" do estadista ideal português e que, quando se perceber a falácia, serão os primeiros a abandoná-lo. Eu gosto - sempre o disse - do Pedro Santana Lopes da mesma maneira que Barroso, como carácter, me é insuportável. Até por isso, entendi, para bem dele, que quanto mais depressa "aquilo" passasse, melhor. Infelizmente, Lopes tem uma pulsão demoníaca para o desastre que tempera com a capacidade para cair e levantar-se todos os dias. Isso não desculpa nada nem o absolve. Todavia, já repararam que há já alguns dias que não falamos de outra coisa?

UM HOMEM BOM

Bonito perfil de Mário Sottomayor Cardia, desaparecido esta semana. Cardia, talvez poucos se lembrem disso, foi ministro da Educação do 1º governo constitucional de Mário Soares, apenas dois anos depois do "25 de Abril" e em pleno pós-PREC. Corajoso, fez o que pôde para devolver às escolas um módico de normalidade, o que lhe valeu valentes contestações da "esquerda". Merece ser recordado como um homem bom e íntegro.

ÁGORA NOSTRA


De acordo com as "audiências" televisivas, os seios da menina Pereira venceram Santana Lopes, e Santana Lopes, por uma vez, venceu Cavaco. Graças à minha muito querida amiga São, estou provido com o derradeiro livro de memórias de Gore Vidal, Point to Point Navegation, A Memoir 1964-2006. Logo nas primeiras páginas, Vidal escreve que "para a Ágora, a Arte agora é som e imagem; e os livros estão fechados. De facto, a leitura, seja do que for, está em declínio. Metade do povo americano nunca leu um jornal. Metade nunca vota nas presidenciais - a mesma metade?". Aqui é mais ou menos a mesma coisa. Da menina Pereira ao livro de Santana Lopes - escrito com os pés e com tiradas que não ocorreriam à sra. Rowling -, passando pela inútil entrevista presidencial, a nossa "Ágora" não se recomenda. Cada vez mais tenho pena de não ter crescido umas gerações atrás. A minha, tão tragicamente representada pelos "Pedros", "Paulos", "Zé Maneis", "Sarmentos", "Costas" e "Sócrates" desta vida (como sublinhava a Constança Cunha e Sá no Público de ontem), falhou redondamente às mãos de uma delirante demência, ambiciosa, egoísta e nula. Em apenas quatro, cinco anos, mostraram - estão a mostrar - o que valem e de que "matéria" são feitos. De todos, o mais "humano" ainda é "o Pedro". Que pobre consolação.

17.11.06

UM PAÍS QUE NUNCA SE APAGA

O huis clos a que chegou a nossa "identidade cultural" esteve bem presente na "comemoração" dos 84 anos de José Saramago. Ainda há dias revia um excelente documentário sobre Salazar, projectado pelo José Mendonça da Cruz, onde não faltavam os "locais", do "tempo" do "senhor presidente", a referir como ele limpava o ranho das criancinhas que encontrava na rua, como podava as vinhas ou como a "criada" lhe preparava um "aviamento" de couves e galinhas para mandar para São Bento. A lógica é a mesma, só a envergadura dos homens é que é diferente. Se o país, como recorda o Tomás, tivesse dependido da vontade do sr. Saramago, provavelmente nem o documentário sobre Salazar teria sido realizado. Mete-me nojo ver como o regime, desde a esquerda à direita - não esquecer a "reconciliação" promovida pelo dr. Barroso, outro "grande homem" -, se inclina respeitosamente perante esta seca e rancorosa criatura dita de "letras" como se ele tivesse descoberto a "literatura portuguesa". Por isso a Azinhaga foi ontem símbolo, não de regozijo, mas de um país que nunca se apaga.