30.11.05

TUDO EM FAMÍLIA

O PS, a braços com algum desvario doméstico por causa das presidenciais, decidiu, através da "concelhia" de Lisboa, retirar a confiança política a Carrilho e ao seu número dois na Câmara de Lisboa por aparentemente terem votado qualquer coisa ao lado do PC. Veio depois Miguel Coelho, uma piéce de resistance da dita concelhia dizer que não, que afinal era só o número dois que ficava privado da sua sublime "confiança". Na AR, por causa do Orçamento, o mesmo PS indignou-se (mais uma indignação) contra o deputado faltoso Manuel Alegre o qual, por sua vez, se indignou com a indignação do seu partido. E atirou-lhes as sondagens à cara. Esta trapalhada paroquial não vai acabar bem. E acabará bem pior se, a 22 de Janeiro, o candidato "oficial" aparecer em terceiro lugar, coisa em que, apesar de tudo, não acredito. O que é espantoso no meio de tudo isto é que, ao contrário do que eu julgava, Sócrates deixou-se irritar e pôs-se a falar por causa de Manuel Alegre, alguém cuja irrelevância política não devia ser salientada pelo primeiro-ministro. Se ele o faz e se Soares já berra com o partido, isso significa que começaram a intuir a trapalhada em que se meteram todos por causa das presidenciais. Não tarda nada - e, para isso, convém atentar na entrevista de Soares a Judite de Sousa - o candidato "oficial" desatará a "descolar" do colo do partido, enquanto o partido lho quer manter a todo o custo, fazendo-lhe o favor de "chatear", a torto e a direito, o outro socialista candidato. É útil manter uma prudente distância destas zangas caseiras. E, por outro lado, prestar mais atenção a outras coisas. A avaliar pelo que se lê pelo que se ouve, parece que é isso que o país anda tranquilamente a fazer.

MOMENTO RARO


Eu teria para aí uns dezasseis anos quando Fernando Pessoa entrou definitivamente na minha vida. Acabara-se a fase dos poetas parnasianos, com Pessanha à cabeça. Nas fotocópias distribuídas pela professora, para ilustrar a nova matéria, figurava o nome de Alberto Caeiro. Teoricamente o mais "simples" dos heterónimos, Caeiro, o "mestre" dos olhos azuis, escondia o resto. Aos poucos, Pessoa chegava pela sua própria voz e, sobretudo, pela do genial e febril "engenheiro de máquinas", Álvaro de Campos. Bernardo Soares viria muito mais tarde. A descoberta de Fernando Pessoa equivale a um murro no estômago. Não é possível, a não ser por pura iliteracia, ficar indiferente ao mínimo verso do homem. Eu digo "homem" com esforço, apesar de sabermos da sua errância por Lisboa, do seu emprego, dos seus "amigos". Na realidade, Pessoa, como tal, pouco existiu, naquele sentido frívolo que costumamos dar ao termo "viver". De certa maneira, não o podia fazer já que apenas "viveu" nesse lugar de abismo e de realidade que era a letra dos seus versos. Já fui mais "pessoano" do que sou hoje. Tive o privilégio de falar pessoalmente, uma tarde inteira na sua casa, com João Gaspar Simões, por ocasião dos cinquenta anos da morte de Pessoa. Li os livros de Prado Coelho, Lind, Eduardo Lourenço e Casais Monteiro. Quis, nessa altura, "perceber". Não sei se alguém o conseguirá alguma vez plenamente. Muitas vezes pego na belissima edição da Aguilar e escolho o acaso de um verso. "Todo o cais é uma saudade de pedra", por exemplo. Como escreveu Eduardo Lourenço em 1952, "muitos homens tiveram saudades e viram cais, mas temos razões para chamar momento raro a esse em que uma consciência de poeta arrancou do mundo das palavras portuguesas esta espécie de inscrição de estela imortal, que depois dele todos temos guardado em algum sítio, todos, os que viajaram e os que só na alma viajam". Em setenta anos, Pessoa permanece como uma espécie de cometa trágico que, do alto da sua inexpugnável solidão, nos ilumina. "Pessoa limitou-se a sentir e a pensar o existente, bem ou mal não interessa, e a compreender que uma consciência está sempre aquém e além de todas as coisas, jamais coincidente com a existência delas. E mesmo com a existência em geral. Fê-lo como nunca ninguém o tinha feito. Nem Antero. Mas com isso o extraordinário poeta do "lado ausente de todas as coisas" não "serviu" ninguém. Serviu a sua inviolável solidão e pediu aos outros que cercassem a deles de altos mutos. Não cremos (Pessoa é muito complexo) que a sua poesia seja alheia a outros gestos igualmente últimos do homem: o apelo da fraternidade, da esperança, do amor. Se assim for, significa que é limitado e nada mais. Há homens (houve sempre e pessoalmente desejamos que a sua raça estéril e altiva nunca mais acabe) que não são capazes de olhar até ao fim o espectáculo do mundo e da história tendo aí a palavra "esperança". Homens do Inferno, se acreditarmos em Dante. Fernando Pessoa talvez tivesse sido um deles. E porque não devia sê-lo?"

29.11.05

DO VERDADEIRO MANUEL ALEGRE ÀS "INDIGNAÇÕES"

1. Leio no Diário de Notícias o texto sobre a apresentação da candidatura de Manuel João Vieira a Belém. Tem graça, tal como o "candidato" tem graça. Também li Joana Amaral Dias, "indignada" com Cavaco e com o ministério da Educação (ME) por causa dos crucifixos. Quanto ao primeiro, a Joana leva a "indignação" ao ponto de ligar a cruz ao Calvário, ou seja, a Cavaco, o qual, à conta de ter proferido duas trivialidades (que o país é maioritariamente católico e que não lhe parece que seja uma prioridade do ME este episódio, coisa que a própria ministra também acha), não tem "perfil" para ser PR.
2. Vamos entrar numa pequena crise de "indignações" generalizadas. Até eu provavelmente vou aderir. O João Morgado Fernandes (JMF) - um jornalista relativamente atípico, na medida em que escreve e pensa bem ( e quem sou eu para o julgar...) - indignou-se comigo. Julgo que o fez duplamente. Por causa de eu ter ido "buscar" uma citação de Rodrigo Moita de Deus (presumo que se deve tratar de um perigoso "reaccionário" das bandas do CDS/PP ou do "neoliberalismo") a propósito das cruzes e, seguramente, por eu ter criticado os "critérios" editoriais do DN em matéria de eleições presidenciais. Pois, meu caro JMF, fi-lo apenas em resposta à "indignação" de Medeiros Ferreira por causa do Público e para demonstrar que, se quisermos, podemos passar a vida de "indignação" em "indignação", tipo jogos florais democráticos, laicos e republicanos. Acontece que eu tenho simultaneamente a vantagem e a desvantagem de não ser jornalista. Posso, se me apetecer, ser tendencioso. Faço parte da chamada "opinião pública" e não tanto da "opinião que se publica". Esta, estando no seu perfeito direito de não gostar de a ou de b, ou de gostar mais de c ou de d, tem que ter um pouco mais de cuidado com o que escreve, independentemente de se "indignar" ou de se "curvar".
3. Finalmente, meu caro JMF, fala-me de "debates" em Portugal e de "graçolas incendiárias e analfabetas". Será que JMF incluiria neste grupo das "graçolas incendiárias e analfabetas" a de Medeiros Ferreira que viu Cavaco "imediatamente abraçado ao crucifixo"? Tirando o mato e a caramunha, descanse que nada se "incendeia" verdadeiramente neste país e Você, como bom jornalista, devia ser o primeiro a saber isso. Existem, é certo, meia dúzia de pessoas que "fingem" alimentar "polémicas" entre si a propósito de banalidades. Em França, por exemplo, quando Chirac colocou o respeitável busto da República à porta das escolas, em nome do laicismo, viu-se o que aconteceu. Apesar de tudo, a França, mesmo quando não é levada a sério, leva-se a sério, o que faz toda a diferença para a paróquia. Nós, quando nos começamos a levar a sério, mesmo (ou sobretudo) com a Constituição debaixo do braço, resvalamos imediatamente para um híbrido entre a comédia e a tragédia. É o que dá termos um país inundado de juristas (como eu, mas estou a milhas de ser fanático) e de proto-juristas. E como eu sei que o JMF é um bom leitor, recomendo-lhe Henry Miller e o seu Viragem aos Oitenta (Fenda), que até pode ser lido como uma sublime homenagem a um candidato presidencial, já que foi por aí que comecei (e agora estou a falar a sério): "quem se leva a sério está condenado."

28.11.05

LEITURAS

O Bilhete de Identidade, de Maria Filomena Mónica, também já foi lido aqui. É, convenhamos, uma leitura "forte" das famosas memórias. Porém, vale a pena ler e discutir. Sobre o "tira e pôe" dos crucifixos nas salas de aula, para já subscrevo esta sucinta opinião de Rodrigo Moita de Deus: "Não há razão nenhuma para existirem crucifixos pendurados nas salas de aula. Não há razão nenhuma para o assunto ser prioridade do ministério da educação." O Rui Costa Pinto chama a atenção para umas breves palavrinhas do candidato Mário Soares, em Santarém. Falaram-lhe de "dossiês" e ele remeteu para mais tarde uma "opinião" em matéria de energia. Será que é desta vez que Soares vai dizer o que pensa, por exemplo, de Pina Moura, o mais soturno dos "socratistas"? Finalmente, no militante Bicho Carpinteiro, Medeiros Ferreira interroga-se sobre os critérios editoriais do Público em matéria de presidenciais. Já agora, eu também me interrogo sobre os de António José Teixeira - que eu não tinha por cortesão - e dos seus auxiliares, no Diário de Notícias.

NA MESMA

Segundo o Correio da Manhã, via Portugal Diário, o sr. director geral dos impostos - que acumula com a "eficaz" e "eficiente" função de "relações públicas" da sua direcção geral, num raro exemplo que bem podia ser seguido por tantos colegas seus -, está a preparar-se para dar cumprimento, em 2006, à extraordinária "orientação" do governo que manda divulgar publicamente o nome dos contribuintes faltosos, empresas ou indivíduos. Estarão abrangidas cerca de oitocentas mil criaturas o que corresponde a mais de três milhões de processos de execução fiscal. Eu deploro que, por causa da impotência do famoso "sistema", se recorra à bufaria. Não é por muito "expôr" o infractor ao "povo" que ele passa a pagar. Pelo contrário. Entre nós, país de ressabiados e de invejosos, a expiação pública tende a converter em heróis - sobretudo os falhados de "luxo", como são quase todos os grandes não pagadores de impostos - entidades que, por princípio e por decência, deviam ser olhados como puros bandidos. O "povo", na sua remediada ignorância de pequeno ou médio contribuinte, tem, no fundo, pena de não poder agir assim. O "sistema", ao arrepio do que apregoa, vive dos "tótós" que não podem fugir aos deveres fiscais e à sua iníqua propaganda. Esta "medida" ressuma apenas demagogia. Finge-se que se "muda" qualquer coisa - e logo pelo pior dos lados, a delação - para que o essencial fique na mesma.

27.11.05

LER

No Sinédrio, "Já está no bom caminho..."

À PRIMEIRA

Depois de uma primeira fase excessivamente tagarela, o dr. Mário Soares serenou vagamente nos últimos dias. Parece que o partido e um ou outro estratega aconselharam recato. Para não perder de todo o registo habitual, Soares passou a falar do que verdadeiramente lhe interessa - Cavaco - através de imagens e de metáforas. Já elogiou o "silêncio", a pretexto da obra de Graça Morais, e a notável inteligência dos golfinhos, sem esquecer os pinguins. Para não perder o pé na matéria e porventura convencido de que é e de que está melhor do que Soares para "bater" Cavaco, Alegre decidiu colocar o ex-primeiro-ministro na sua campanha. Não percebe - também não tem ninguém que lhe explique - que o dr. Soares agradece a gentileza. Finalmente a graçola anti-Cavaco do dia veio de Jerónimo de Sousa. Esteve "inquieto" todo o fim de semana por causa da perspectiva da vitória da "reacção" e brindou o adversário da "direita" com uma maravilhosa "pérola". Cavaco é, na opinião do subtil político de Pires Coxe, um "macaco sábio". Quer Soares, quer Alegre devem ter-se roído de inveja por não se terem lembrado do preciosismo. Descendo agora à terra, verifiquei que Cavaco, o tal "macaco", andou pelas ruas com muita gente por perto. E que se proferia, com insistência, uma palavra sábia. À primeira.

26.11.05

MENA E A SUA BICICLETA



Estive a ler o Bilhete de Identidade de Maria Filomena Mónica. Sou um confesso admirador da prosa escorreita e cruel da autora. Acho que lhe li todas as colectâneas de ensaios dos últimos anos e a, até agora, opus magnum, a biografia do Eça. MFM deverá ter lido, por gosto e por dever de ofício, dezenas de biografias escritas na língua de Sua Majestade e, muito provavelmente, alguma "memorabilia" auto-biográfica. Para além disso, "viveu" em Inglaterra e passa lá vastos períodos todos os anos. Nesse sentido, Mónica, mais do que se sentir, supôe-se mesmo "inglesa". É por isso que a revisitação que faz da sua vida neste livro - apesar de quase tudo nessa vida ser tão "português" e tão "meridional" - esconde a constante pena de ter fatalmente de olhar o mundo e o país a partir das ruas estreitas de Lisboa. Ao contrário de Rui Ramos, a quem a autora deu o livro a ler previamente, conforme nos informa na "introdução", eu não fiquei embasbacado com a sua leitura. MFM intercala o relato da sua privada existência com notas sobre a "agenda" daqueles dias e anos para não pensarmos que ela estava apenas envolvida, por ser extremamante bela e, para a época, ferozmente inteligente, com rapazes despretenciosos, ocos e bonitos do eixo Lisboa-Cascais ou, mais tarde, dos meios "intelectuais" de Lisboa a Oxford. A iconoclastia afectiva, sexual e profissional de Filomena Mónica, bem escrita como sempre, não justifica o arraial publicitário que a tem acompanhado. Francamente não o merece. A este Bilhete preferirei sempre o Eça ou, por exemplo, as magníficas "Visitas ao Poder". Eu percebo que os elementos "novidade" e "exposição", sobretudo por virem de uma mulher onde o loiro do cabelo e a beleza convergem com a inteligência objectiva da criatura, impressionem. Mónica fica certamente encantadora a pedalar a sua bicicleta em Oxford ou a acompanhar as excitações dos primeiros dias da Revolução ao lado de Vasco Pulido Valente. Porém, e como escrevia no DN o Pedro Lomba, uma autobiografia também tem de ser literatura. E este Bilhete, malgré lui, não é.

Adenda: João Pedro George, no Esplanar, já se referiu por duas vezes a este "tema", com links para "observações" de diferente teor. E anda a ler o livro.

25.11.05

TRINTA ANOS


Em política, como em quase tudo o mais, a memória é curtíssima. E trinta anos, à velocidade a que tudo agora acontece, é uma eternidade. Em 25 de Novembro de 1975, a coragem moral, política e física - tudo coisas "de carácter" que vão desaparecendo - de um punhado de "civis" e de "militares" evitou o pior, ou seja, uma "guerra civil" original, em versão portuguesa. Antes desse dia, no "terreno" e em constante combate, Mário Soares e o Partido Socialista (à altura, um enorme "albergue" de sinceros democratas e de curiosos oportunistas, depois revelados) fizeram o indispensável, como nunca é demais relembrar. A 25, quando a aventura militar se declarou, de mãos dadas com a extrema-esquerda e a complacência estratégica do dr. Cunhal - que se retirou no momento adequado-, emergiu um homem desconhecido, de ar duro e sombrio, com os olhos escondidos nuns permanentes óculos escuros. Liderou com sucesso o "contra-golpe" e impôs-se, de seguida, como chefe incontestado de um exército desfeito, primeiro pela guerra, depois pelas brincadeiras de 74 e 75. Ramalho Eanes foi porventura a criatura que mais poder concentrou nas suas mãos, em Portugal, depois da "revolução". Eleito presidente, em 1976, uns escassos sete meses após a sua aparição na conturbada política nacional, era igualmente CEMGFA, comandante supremo e presidente do Conselho da Revolução. Nada disso impediu, antes pelo contrário, que voltasse a disciplina à tropa e que a democracia se institucionalizasse. Apesar das hesitações e das ambiguidades, sempre respeitei Ramalho Eanes. A ele, como no plano "civil" a Mário Soares, devemos o lance de termos passado a viver a liberdade em segurança.

24.11.05

O RESSABIADO

Medeiros Ferreira, sempre atento aos movimentos de qualquer insignificante milícia "anti-Cavaco", decidiu elogiar Miguel Cadilhe, o ex-excelente ministro das Finanças de Cavaco Silva do final dos anos oitenta. Nem o pormenor de a sua entrevista à Visão corresponder à simples manifestação de um mero caprichismo regionalista, aliado ao mais puro desforço ressabiado, incomodou o ilustre membro da comissão política de M. Soares, que o aproveitou de imediato em prol da sua privada cruzada. Ou seja, Cadilhe junta-se a MF, a M. Soares e a Jerónimo de Sousa como mais um homem da brigada que "não dorme" descansada. Esta preocupante insónia que atacou subitamente tanto espírito clarividente das "esquerdas", captura o primeiro incauto. É evidente que Cadilhe sofre de um mal muito comum em Portugal e que me dispenso de nomear. Pode, até, apesar da forma desajeitada e retorcida como se costuma exprimir politicamente, estar a pensar no PSD. Não seria inédito. Pelos vistos, e por enquanto, tem apenas a opinião a saldo.

"TRABALHAI E PERSEVERAI"


LIVROS

Esteve para vir, mas não veio. Didier Eribon, jornalista-filósofo, autor de uma conhecida biografia de Michel Foucault, traduzida cá pelos Livros do Brasil, foi anunciado como participante num colóquio que decorre no Instituto Franco-Português dedicado aos trinta anos da obra Vigiar e Punir (Surveiller et Punir) de Foucault. Faria bem a muitos juristas e a candidatos a juristas, especialmente aos que seguem a magistratura judicial ou a outra, ler este e outros livros de Foucault, em vez das monótonas sebentas/livros produzidos pelos "intelectuais" do direito penal português ou estrangeiro. Eribon é também autor de um livro de 1999 que se intitula Réflexions sur la Question Gay (Fayard) o qual, nestes "debates" tão recorrentes em torno da "evidência" da sexualidade , pode suscitar outras reflexões para além das triviais.

23.11.05

POR ESTAS E POR OUTRAS

Esta coisa de alegados aviões da CIA "trespassarem" o imaculado espaço aéreo nacional, com terroristas lá dentro, é deveras preocupante. Não se percebe, porém, se a preocupação é com os terroristas ou com os aviões. É por estes e por outros patéticos motivos que os dois sujeitos mais "pequeninos" da figura reproduzida ali em cima (sondagem) não devem passar significativamente dali.

A VINDA À RUA

Cavaco Silva vai falar no American Club de Lisboa. Depois do Brasil, trata-se da sua primeira "aparição" esta semana, uma vez que a entrevista ao Público, embora "conte", é outra coisa. Desconheço o que se rumina na comissão política da candidatura onde abundam ilustres académicos. Nem sei sequer se a "estratégia", até mais ver, passa por o candidato ter apenas uma ou duas "intervenções" semanais. Pacheco Pereira também é um "académico". Por sinal, e apesar do seu gosto pela astronomia, costuma ter os pés muito bem assentes na terra. Ao pensar nisto, lembrei-me de um post seu no Pulo do Lobo e que reproduzo de seguida sem mais comentários. "Para ganhar na primeira volta, tendo-se as sondagens como indicativo, a vinda de Cavaco Silva à rua é essencial. Só o contacto na rua com muitos milhares de pessoas vai dar o impulso final de mobilização para um esforço muito difícil. Porque vai sempre ser difícil ganhar as eleições na primeira volta. É possível, mas é difícil. Pode parecer um contra-senso arcaico este método, no momento em que cada passagem na televisão parece atingir muitas mais pessoas do que qualquer comício. Não é de comícios que falo, mas da vinda à rua, ao local ao mesmo tempo máximo e mínimo do "espaço público", onde só se entra quando muito do que se tem a dizer já foi ouvido. Se for bem recebido nas janelas e varandas, e a habitual comitiva preparada dos fiéis se dissolver na multidão, então está tudo a correr bem. Vamos ver se a meteorologia ajuda. Uma campanha para os 51% não é a mesma coisa que uma campanha para os 20%, por isso é natural que as lógicas de campanha não sejam sobreponíveis. Já se deveria ter percebido que Cavaco Silva fará a dele, não a dos outros."

22.11.05

"O DINHEIRO APARECE SEMPRE"

Com pompa e circunstância, o ministro Mário Lino apresentou a "obra" do regime. Não é a primeira, nem será seguramente a última. Já tinha havido a Expo 98 - uma versão circense de "obra" de regime - e o Euro 2004, a mais descarada apoteose do betão. Lino, muito naturalmente, escudou-se nos "estudos" favoráveis à construção de um novo aeroporto na Ota, da mesma forma que podia ter recorrido a outros tantos desfavoráveis à dita. Desculpou-se com a circunstância de tudo "já vir de trás" o que é, aliás, uma "moda" recorrente nestas ocasiões. Tirando os fãs incondicionais, não vislumbrei grandes entusiasmos. Para a plateia empresarial e dos "negócios", Lino fingiu que a coisa é mesmo importante e indispensável. Os espectadores limitaram-se a fingir - porque lhes convém - que acreditavam. O trivial. A "obra" veio aparentemente para ficar e para durar. Acabará, se for avante, por custar aos contribuintes muito mais do que o estimado nos "estudos" financeiros, como é da praxe. E, em matéria de "impacto ambiental", não hão-de faltar prosélitos dispostos a assinar em baixo. O extraordinário disto tudo são, salvo erro, os quatrocentos milhões de euros que Lino vai "investir" na Portela pré-defunta - nesta perspectiva obreirista -, incluindo a eventual "extensão" do Metro até lá. Haverá porventura nisto tudo uma lógica misteriosa que a minha incredulidade ignorante não deixa entrever. Como dizia outro dia o dr. Mário Soares, reputado especialista em contas, "o dinheiro aparece sempre". Parece que, afinal, tem razão.

A "HONRA NACIONAL" REVISITADA - 2

Por Sérgio Figueiredo. "Durão Barroso, chefe de Governo português, teve um arranque tão promissor como José Barroso, presidente da Comissão Europeia. Depois murchou. Foi «certinho». Nem cometeu crimes de lesa-pátria, nem deslumbrou. Ou seja, não esteve à altura dos desafios – e isso podemos afirmar com certeza. O que, por fim, nos coloca na derradeira questão: o país beneficiou? Sim, porque não perdeu um grande Governo. Não, se Barroso continuar a presidir a Europa como governou Portugal."

POLÍCIA CONSTITUCIONAL

Não, não sou eu que o digo. É um dos mais insuspeitos anti-cavaquistas que eu conheço. Porém, diz bem: "cá está a polícia constitucional a dissecar o pseudo-presidencialismo da entrevista de Cavaco Silva ao Público."

A "HUBRIS" SOCIALISTA

Manuel Alegre, alguém que cultiva um tipo de vaidade diferente da de Soares, decidiu remoer a questão das escolhas presidenciais do PS. E contou a uma rádio a sua versão dos encontros e desencontros que determinaram o avanço final do ex-presidente. No fundo, Alegre veio confirmar o que já se sabia: a imposição da soberana vontade do fundador ao partido por causa de Cavaco Silva. Entre o fundador e Alegre, Sócrates não pôde hesitar. Soares detesta que lhe falem disto e remete sempre para o PS qualquer explicação. O reconhecimento de que se tratou de uma quarta ou quinta escolha, para mais imposta, não cabe manifestamente no seu imenso umbigo. De nada vale, no entanto, a Alegre a tentativa de arranjar por aqui um pretexto "fratricida" que o "vitimize". Sócrates não lhe liga nenhuma. E Soares, a seu tempo, encarregar-se-á de o desfazer. O primeiro-ministro, aliás, terá alguma dificuldade em abandonar os lugares-comuns que tem proferido sobre Soares ou em andar de braço dado com ele pelas ruas. Quando era candidato a secretário-geral do partido, há apenas ano e meio, Sócrates (e bem) teve de responder ao então apoiante de uma candidatura adversária irrelevante, dizendo que "os guardiões do templo da ortodoxia fazem o papel ridiculo de conservadores de um museu que ninguém visita". Sócrates, entretanto, já deve ter aprendido que não se deve cuspir para o ar. A "hubris" socialista, em matéria presidencial, ainda mal começou.

LIMBO


Há quarenta e dois anos, neste dia, um bonito casal americano, nada convencional, chegava a Dallas. Era a última viagem de John Kennedy. Mais tarde nesse dia, Jacqueline, com o fato saia-e-casaco cor-de-rosa ainda manchado do sangue do seu marido, regressou à capital noutro avião onde Johnson jurou ser fiel ao cargo de presidente dos Estados Unidos. Camelot terminava aí. Gore Vidal, vagamente "aparentado" a Jackie, conta que, uma vez, numa festa onde estava com Tennessee Williams, passou por eles o jovem senador J.F. Kennedy, cuja visão inspirou ao dramaturgo o seguinte comentário: "que belo traseiro!". Noutro texto, Vidal corrobora uma outra pequena "história" ventilada por um agente dos Serviços Secretos que acompanhava Kennedy. Nela, Jack está dentro de uma banheira que usava como terapia para as suas costas doentes, e fazia amor com uma ilustre desconhecida. No momento crucial, pediu à moça para meter a cabeça completamente dentro da água, já que - consta- tal situação provoca determinados espasmos na zona erógena feminina que, por sua vez, aumentam razoavelmente o prazer viril. John Kennedy tinha tudo para ser bem sucedido. Como Oliver Stone fez dizer a Nixon no filme homónimo, JFK representava o que os americanos gostariam de ser, e ele, Nixon, o que eles eram na realidade. Jack era novo, bonito, sexy - como diríamos hoje -, libertino, inteligente e rico. Levou para a Casa Branca o glamour e a alegria trágica da sua vida pessoal - a oficial e a outra - , ao lado de uma jovem e bela primeira-dama, com um par de filhos belos e fotogénicos. Foi o primeiro político a explorar inteligentemente as vantagens da imagem televisiva. Partilhou com os americanos e com o mundo inteiro os seus mil e tal dias de presidência, de tal forma que, depois dos disparos fatais de Dallas, uma sensação de orfandade objectiva percorreu o globo, como nunca antes tinha acontecido. Mesmo as suspeitas de ligações perigosas e corruptas, supostamente alimentadas a partir do pai para a promoção política do promissor herdeiro, nunca chegaram verdadeiramente a manchar a lenda. Como que num limbo, a imagem sorridente de JFK ficou para sempre cristalizada nos milhares de álbuns fotográficos que o imortalizaram. É por isso que nunca o conseguimos imaginar velho.

20.11.05

INTIMAÇÕES

Não nos deve surpreender que, a maior parte das vezes, os imbecis triunfem mais no mundo do que os grandes talentos. Enquanto estes têm por vezes de lutar contra si próprios e, como se isso não bastasse, contra todos os medíocres que detestam toda e qualquer forma de superioridade, o imbecil, onde quer que vá, encontra-se entre os seus pares, entre companheiros e irmãos e é, por espírito de corpo instintivo, ajudado e protegido. O estúpido só profere pensamentos vulgares de forma comum, pelo que é imediatamente entendido e aprovado por todos, ao passo que o génio tem o vício terrível de se contrapor às opiniões dominantes e querer subverter, juntamente com o pensamento, a vida da maioria dos outros. Isto explica por que as obras escritas e realizadas pelos imbecis são tão abundante e solicitamente louvadas - os juízes são, quase na totalidade, do mesmo nível e dos mesmos gostos, pelo que aprovam com entusiasmo as ideias e paixões medíocres, expressas por alguém um pouco menos medíocre do que eles. Este favor quase universal que acolhe os frutos da imbecilidade instruída e temerária aumenta a sua já copiosa felicidade. A obra do grande, ao invés, só pode ser entendida e admirada pelos seus pares, que são, em todas as gerações, muito poucos, e apenas com o tempo esses poucos conseguem impô-la à apreciação idiota e bovina da maioria. A maior vitória dos néscios consiste em obrigar, com certa frequência, os sábios a actuar e falar deles, quer para levar uma vida mais calma, quer para a salvar nos dias da epidemia aguda da loucura universal.

Giovanni Papini, Relatório Sobre os Homens, Livros do Brasil

O SEXO E A CIDADE

Corre pela blogosfera -alguma- um pequeno "debate" em torno da sexualidade. O pretexto aparente é o "caso" das meninas amantes de Gaia. Sobre esta matéria, a sexualidade, recomenda-se recato. "Não te metas na vida alheia se não quiseres lá ficar", é uma excelente metáfora literária, inventada por Almada Negreiros em "Nome de Guerra" para "fechar" a discussão. Pasolini, por exemplo, dizia que havia apenas "uma" sexualidade cuja manifestação prática se podia traduzir em hetero, homo ou bissexualidade. E Gore Vidal passa a vida a explicar que não existe propriamente heterossexualidade ou homossexualidade, mas antes actos hetero ou homossexuais, eventualmente, até, praticados pela mesma pessoa. A apetência por mulheres, por homens ou por ambos resolve-se normalmente entre quatro paredes. Incomoda-me tanto a exibição pública da "homossexualidade" como da "heterossexualidade". Sou contra quaisquer associativismos segregadores, sejam eles adeptos histéricos da velha Shirley Bassey ou da associação das famílias numerosas. Desconfio, por igual, das "paradas" com manifestantes vestidos de branco e com muitas criancinhas pela mão, como dos desfiles "religiosos" das "drag-queens" do Barreiro. Dito isto, acho que ninguém - homem ou mulher, adolescente ou púbere - pode ser aborrecido por causa do uso, unívoco ou múltiplo, que entende dar aos respectivos órgãos sexuais, aí compreendendo a boca e as mãozinhas, dentro de portas que até podem ser as de um automóvel. Em suma, nesta, como noutras matérias, devemos seguir o conselho de Menandro: "nada te aconteceu de facto enquanto não te importares muito com o ocorrido".

Adenda: Ler os excelentes e últimos posts de Henrique Raposo, em O Acidental, em torno da "questão".

LER...

...este post de Paulo Gorjão.

ARISTOCRATAS

1. Na sua prosa entre o sibilino e o académico - provavelmente uma característica forte dos políticos açorianos -, Mário Mesquita "analisa" no Público (sem link), apesar de advertir que não tem "competência para (se) aventurar em análises psicológicas", "o sorriso amarelo de Cavaco". O ilustre membro da comissão política da candidatura de Mário Soares desenvolve uma "tese" muito simples. O sorriso "contrafeito" ou "amarelo" de Cavaco - ou, naquilo a que, "na crueza anglo-saxónica", Mesquita apelida mais impressivamente de "sorriso-come-merda", "eat shit smile" - explicar-se-ia pela notória aversão do candidato aos "mecanismos" da democracia, a saber, a opinião pública, a opinião que se publica e as campanhas eleitorais com o seu cortejo de "debates" e de multidões expectantes. Apesar de "ir à frente", Cavaco "parece tão infeliz" porque - e é isto que, no fundo, Mesquita quer dizer - não tem "pedigree" democrático.
2. Dito por outras palavras, Cavaco não é um "aristocrata" da democracia, como escreve, na última página do mesmo Público, Vasco Pulido Valente, num acesso ternurento para com o "velho leão". E vai mais longe. "É bom que exista" Soares por causa da putativa entrega da República a um "autoritário vazio" (sic).
3. Esta adjectivação, sobretudo por vir de quem vem, demonstra (e VPV, especialmente, não se cansa de o fazer três vezes por semana) que estes trinta anos de democracia "capturaram" meia dúzia de lugares-comuns e de "personalidades" representativas desses lugares-comuns, o que faz com que Cavaco, por exemplo, apesar de ter sido primeiro-ministro maioritário durante dez anos, seja visto como um "estranho" a esse pequeno-grande "mundo" da democracia "consensualizada", aquilo a que, depreciativamente mas com razão, VPV tem chamado de "regime". Cavaco, não sendo nem um jacobino, nem um "burguês" e, muito menos, um homem "culto" aos olhos da "teoria comunicacional" vulgarizada, será sempre um fracasso mesmo (e sobretudo) enquanto ganhador. Pelo contrário, Soares conseguirá emergir dos escombros da sua "melancólica campanha", que "lhe corre mal e não se endireita" (VPV), como um símbolo a preservar, tipo jarrão Ming da democracia e da república.
4. VPV acaba por reconhecer que Soares vem a estas eleições representar um "mundo que nós perdemos", para utilizar o título de um historiador inglês. E curva-se respeitosamente perante esse exercício ("é bom que ele exista"). Nada disto, por muito comovente que seja, explica politicamente a "necessidade" da sua candidatura. Reduzi-lo a uma função ornamental democrática, a crer na prosa destes dois ilustres cronistas, é pouco para Soares. É por isso que ele vagueia, nesta campanha, à sombra do "plebeu" que, mesmo com um sorriso "come merda" (Mesquita dixit), é o verdadeiro aristocrata destas eleições.

LER

No Minha Rica Casinha, Alegre Soariza-se. É uma das "tarefas" do "reality show" "quem-consegue-dizer-mais-mal-de-cavaco-silva-até-22-de-janeiro". É compreensível. Alegre tinha partido ligeiramente atrasado no "concurso". Só que, à medida que se for "soarizando", Alegre vai perdendo. Entre uma cópia e um original, não se costuma hesitar. E, de Francisco José Viegas, por causa disto, "Ainda os beijos na escola"

19.11.05

REI LEAR

A "HONRA NACIONAL" REVISITADA

Um ano depois, como é vista esta "honra nacional" lá fora? JOSÉ MANUEL BARROSO, president of the European Commission, is Europe's whipping boy du jour. Quant à José Manuel Barroso, il est largement critiqué. On lui reproche sa faiblesse par rapport aux gouvernements des Vingt-Cinq, son incapacité à remettre la Commission au centre du jeu, sa vision d'une Europe a minima sans volonté ni ambition. APRÈS UN AN AU POUVOIR, la Commission Barroso n'a pas réussi à redresser son image à Bruxelles. Au contraire. équipe «sans envergure», «politiquement incohérente», «trop soumise» aux gouvernements ou au monde des «affaires» : telles sont les critiques les plus fréquentes adressées par les milieux communautaires à l'exécutif européen. (...) Libéral un jour, «social» le lendemain, entretenant volontiers la confusion des genres, José Manuel Barroso déstabilise ses interlocuteurs. «Je suis un centriste réformateur», insiste-t-il, en privé, sans que personne ne sache vraiment ce que cela signifie.

A CIDADE E O PILAR

Ao tentar perceber os "desenvolvimentos" em torno do "caso" das duas alunas de Gaia que provocou "erecções escandalizadas" para todos os gostos, nos media e nos blogues, reparo em dois posts que sintetizam brilhantemente o que penso sobre o assunto. O primeiro é de Francisco José Viegas e o segundo é de Eduardo Pitta. Não é preciso dizer mais nada.

18.11.05

A DOR

A Fenda reeditou o último livro de Ernesto Sampaio, Fernanda, dedicado à (sua) memória da actriz Fernanda Alves, sua mulher por mais de quarenta anos. É um livro cruel e belo sobre a dor da perda e sobre a impossibilidade de poder continuar. Mais do que a impossibilidade, o não haver qualquer sentido ou vontade em continuar. Sampaio desapareceria um ano depois da morte da Fernanda, e Mário Cesariny escreveu na ocasião que "é a uníca pessoa que conheço que morreu de amor". "Para se viver no presente, e para que esse presente contenha alguns germes de futuro, é preciso esquecer. Não digo perder a memória, mas seleccioná-la, distanciá-la, acomodá-la à necessidade que todos temos de saborear o presente, de manter indemnes as posssibilidades de novos começos. Mas quando a memória nos cai em cima como um dilúvio, quando o passado nos submerge e afoga, estamos perdidos. Sobrevivemos entre sombras, somos almas penadas, entregues ao desespero e à cólera. Vivemos no inferno, pois o inferno é a ausência de quem amamos. É disso que este livro trata. Disso e da passagem da saudade à solidão."

HOMEM COM OPINIÕES

Esta semana, pelos mais desvairados motivos, vários prosélitos recorreram a Vasco Pulido Valente. Fosse por causa do dr. Soares, fosse por causa do dr. Cavaco, Pulido Valente foi invocado alternadamente como "apoiante" e "crítico" do primeiro e, com maior constância, como impiedoso "desmistificador" do segundo. Até VPV, por fim, recorreu a ele mesmo. Pela natureza das coisas, a começar pela dele, Pulido Valente não pode "gostar" do dr. Cavaco, pese a circunstância de achar que ele deve ganhar. Numa prosa reproduzida na Grande Loja, VPV opina sobre o "homem sem opiniões" que supostamente seria Cavaco Silva. O "mote" é a entrevista da TVI que eu, numa escala de 0 a 20, classificaria com um 12/13. Já pouca gente se deve lembrar dela mas, por exemplo, não custava nada ao dr. Cavaco ter admitido que a dissolução do Parlamento foi correcta e que a emergência do austero Sócrates não fez mal a ninguém. O eleitorado da "direita" sabe isso perfeitamente e não era por lho ouvir de viva voz que ia agora fugir, indignado com a evidência. Quanto ao resto, Cavaco fez bem em evitar a pequena peripécia e em centrar a sua "mensagem" como "pré-presidente", a concorrer para os 51%, como disse Pacheco Pereira na SIC Notícias, e não em masssajar o ego de oponentes que concorrem para os 20 ou para os 30, ou, de resto, para defenderem "territórios". Para não destoar e a benefício de inventário, eu também recorro a VPV, a um VPL de 19 de Julho de 1991, em O Independente, a título meramente ilustrativo de uma "opinião" como outra qualquer. "Os inimigos do dr. Cavaco nunca perceberam que a obstinação dele o punha firmemente no centro das coisas e os podia coagir, como coagiu, a tomá-lo como único ponto de referência. Cavaco sabia o que queria; os inimigos de Cavaco limitavam-se a saber que não queriam Cavaco."

AFINAL...

fala e até tem opinião. "O que é persuasivo é o carácter de quem fala e não a sua linguagem." (Menandro)

17.11.05

CRITÉRIOS JORNALÍSTICOS-2

...vistos por Pacheco Pereira:

"Quando, muitas vezes, alguns jornalistas fazem, irritados, a pergunta retórica de quando é que "protegeram" Soares, uma das respostas está dada hoje. Soares entrou numa campanha quase de insulto pessoal, fazendo a psicanálise do seu adversário, a quem chama "complexado", ou melhor ainda, dizendo que é "complexado com ele próprio". Todo o discurso de Soares é de uma insuportável jactância e arrogância pessoal, política, mas também cultural e social. Não é muito distinto do ataque que o Independente em tempos fez a Macário Correia por ser filho de pobres. Soares não é um analista, não é um comentador, é um candidato a Presidente da República, a dita "mais alta magistratura da nação". Ora ainda não vi um único editorial de protesto contra quem está claramente a baixar o nível da campanha, editorial a que não escaparia qualquer outra personagem da política se não fosse Soares. Ou então terá o seu editorial crítico quando se encontrar qualquer coisa que permita um exercício salomónico, que, como é costume, protege o principal prevaricador. É verdade que Soares não tem tido boa imprensa ao contrário de Cavaco, mas a sua campanha também tem sido tão má que não espanta. Mas continua a beneficiar de uma enorme complacência.
E nos jornais vê-se também como um dos grandes méritos da discreta campanha de Alegre tem a ver com o que disse acima. Alegre fala de igual para igual com Soares, e não lhe reconhece um átomo da superioridade que Soares pensa que tem. Pode por isso responder com elegância ao "mau gosto" de Soares, como fez a propósito do boletim clínico que este anda a prometer exibir."

CRITÉRIOS JORNALÍSTICOS-1


"Porque será que a comunicação social escrita e falada deixou cair no mais profundo dos silêncios a entrevista de Cavaco Silva? Nem editoriais, nem análises, nem comentários. Falam de tudo e de mais alguma coisa e nada sobre o candidato natural de Loulé. Muito estranho, muito estranho mesmo. Olhem que neste sítio as pessoas ainda não são castigadas por terem opinião. Ainda. A vidinha está difícil, mas vá lá, ao menos disfarcem. Leiam a blogosfera e vejam o debate que vai por aqui."

ESTREIA

Do Francisco José Viegas no Pulo do Lobo.

SARKOZY

O que dirá a inefável Joaninha a isto ? Que falta "humanismo" ao "povo"? Ou que o "povo" é, porventura, "complexado"?

16.11.05

O SUPRA LOUÇÃ

Espera-se de um antigo chefe de Estado, mesmo que deste país desgraçado, um módico de gravitas. Soares, sem nunca ter tido necessidade de abdicar da sua essência, soube mantê-la até decidir impingir-se ao PS como candidato presidencial. Nos seus comentários e nas suas posições sobre a vida pública, manifestados aqui e ali ao longo dos anos, essa gravitas sobressaía e Soares era ouvido. Aliás, até à emergência de Barroso, fazia questão em frisar que, por ter sido o que foi, não gostava de se pronunciar acerca das "nossas coisas". O aparecimento de Bush e a saída provisória de cena dos seus compagnons de route, colocaram-no irreversivelmente na destrambelhada rota actual. Tudo piorou a partir de Agosto. O "moderado" de 86 e dos anos noventa deu lugar a este indefinível supra-Louçã em que Soares se transformou de forma quase patológica. A "tirada do dia" - mais uma para ver se Cavaco Silva lhe presta alguma atenção -, para além de vir na linha "psicanalítica" da imediatamente anterior, é, ainda por cima, mal educada. Dizer de outro candidato que ele é "complexado", deixa para trás qualquer argumentário mais "delicado" do líder do BE, cuja pretensão presidencial parece tê-lo provisoriamente serenado. A inominável arrogância e a insuportável mesquinhez de Soares estão a fazer dele o candidato mais obsessivamente preconceituoso destas eleições. Onde estava a gravitas serena que nos habituámos a admirar, ficou uma espécie de arrivismo gratuito, mais adequado a uma candidatura marginal. É poucochinho e é paupérrimo.

LER

No Minha Rica Casinha, Ainda por Cima e É mesmo de admitir.

SAFA

"O professor Cavaco Silva foi o mais difícil de questionar", desabafou Constança Cunha e Sá ao 24 Horas. Será porque foi o único que sabia exactamente o que é que queria dizer, independentemente da maior ou menor felicidade de algumas formulações?

DOIS LIVROS

David Lodge, escritor e ensaísta britânico, está hoje em Lisboa para uma "conversa" no Salão Nobre do Teatro Nacional D. Maria II, tendo como pretexto o lançamento da tradução portuguesa do seu - presumo que último livro - Autor, Autor (Edições ASA),em torno da interessante figura de Henry James. Mais acima, no Grémio Literário, e sensivelmente ao mesmo tempo, Maria Filomena Mónica apresenta o seu "livro de memórias", Bilhete de Identidade (Aletheia), que abrange um período da nossa vida colectiva que começa em 1943 e que percorre os anos "de chumbo" da ditadura, até aos delírios "revolucionários" de 74 a 76.

15.11.05

DE ACORDO

De Soares, gosta-se. Cavaco, respeita-se. Alegre, quando muito, lê-se. Os outros "politicam" como respiram. Jerónimo, o generoso estalinista de Pires Coxe, não engana ninguém. A única diferença em relação a dez anos atrás, é a hipótese mais séria de ter de ir contar votos com Louçã. Cavaco continua a inspirar os mesmos ódios e amuos aos mesmos, exactamente pelos mesmos argumentos de outros tempos. Nada disso impediu duas maiorias absolutas. Nada disso valeu contra os honrosos quarenta e seis por cento contra Sampaio. Nada disso valerá, de novo, agora. Ao contrário de Soares, de quem genericamente se gosta, Cavaco, pelas suas características pessoais, não é um homem fácil de gostar. Ele é o que é. Não é um palaciano e pouca gente se imagina a tomar bicas com ele. Acontece que, neste momento, representa uma força a que todos os outros aspiram poder trepar para derrubar em seguida. Eu só sou "laudatório" de Cavaco porque não suporto o ruído que vem de outros lados. Nem tão pouco a forma desse ruído. Em circunstâncias "normais", bastar-me-ia ir votar, sem uma palavra. Acontece que isso não chega. Por isso comecei por dizer que gosto de Soares e que leio, às vezes, Alegre. Apesar disso, quero que eles percam e que a vitória de Cavaco represente a derrota definitiva de uma certa insolência "consensual" que, de há muito, se instalou na vida pública portuguesa como um cancro. Escrever contra essa ideia cristalizada de democracia, avessa a rupturas e a avanços, e em que só meia dúzia de "iluminados" podem participar, é um dever cívico indeclinável. Não tem nada a ver com o Cavaco "pessoal" e "moral" com que provavelmente nem sequer me identifico. Tem a ver com a defesa da sua candidatura contra as tentativas de diminuição do homem e do político que são apresentadas todos os dias, com extravagância e má-fé. Cavaco ambiciona legitimamente ganhar, tal como ele é. Eu, sem discutir como ele é, quero apenas que ele ganhe. Aí, estamos os dois de acordo.

CREDIBILIDADE

Não me interessa para nada se tem ou não tem "marca de esquerda" . O que releva é que Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra da Educação, pela discrição competente e determinada com que tem enfrentado os vários corporativismos que assolam o seu ministério, está a revelar-se um dos melhores membros do governo de Sócrates. Chama-se a isto credibilidade, a tal de que o país precisa.

APENAS...

... bom senso. "Se o orçamento vai ser cumprido tal como ele está apresentado, acho que não merecia o voto contra".

14.11.05

A MANDATÁRIA

Joana Amaral Dias, a mandatária "bloquista", vista com muita perspicácia por um insuspeito de "cavaquismo", o Jorge Ferreira: "Ao princípio todos pensámos que se tratava de uma dissidência presidencial no Bloco esta mandatarização juvenil do MASP III. Pensando bem, poderá ter sido apenas a abertura de uma delegação do Bloco numa candidatura concorrente." Vale a pena ler tudo.

DUAS NOVIDADES

A primeira, veio de Mário Soares. Segundo o Portugal Diário, o candidato fez uma intervenção em Fafe "que teve como novidade a ausência de críticas a Cavaco Silva". A segunda, é da responsabilidade do próprio Cavaco Silva e está comentada no Pulo do Lobo.

REI LEAR

BEM CONSIGO PRÓPRIO?

"Será natural que no site oficial de Mário Soares haja uma coluna anónima (assinada “Sirius”) dedicada a atacar Cavaco num estilo que não se via desde os tempos de 75? A última que eu li acabava assim: “O lobo vestiu-se de cordeiro mas a garra do lobo ficou de fora…” O estilo é péssimo, mas é mesmo a coisa do anonimato – no site oficial do candidato, repito – que surpreende. E promete." Pergunta Paulo Tunhas, no Pulo do Lobo, "se é natural". É. Basta olhar ao que diz diariamente o ex-chefe de Estado por causa da sua obsessão febril em "debater" com Cavaco, como se fosse ele o compére ou o "juíz" da campanha presidencial, omitindo propositadamente todos os outros candidatos. Soares apenas quer chamar para si a atenção que sente que lhe anda a faltar. A "frase do dia" é que Cavaco não quer "debater" - presume-se que só com ele, já que foi Cavaco o primeiro a explicitar que aceitava debates "a dois" com todos os candidatos - porque "não está bem consigo próprio". Já entrámos no domínio da psicanálise, depois de termos passado pela "economia" - o "técnico de finanças"- e pela "história" - a "esfinge". Quem é que, afinal, não está bem consigo próprio?

A DEMAGOGIA...

...populista da mandatária. Como previsto, vale tudo.

MAXIMIANO

Este post do Eduardo Pitta fez-me pensar na entrevista de Rodrigues Maximiano à Pública de domingo (sem link). Maximiano foi, durante nove anos, o único inspector-geral da Administração Interna. Jubilou-se como magistrado do Ministério Público e, a convite de Alberto Costa, de quem é amigo, integra o Conselho Superior daquele organismo. Saiu imediatamente antes de o PS regressar ao poder, apesar de ter sido pela sua mão que ocupou aquele cargo. Agora deu esta entrevista a Adelino Gomes. Fala de si - nem podia deixar de ser-, fala da justiça e fala de António Costa. Eu, aliás, suspeito que foi sobretudo para criticar o actual MAI que Maximiano falou. As tiradas retóricas sobre a "justiça" e sobre as relações entre a magistratura e a política, dada a proximidade de Maximiano a Alberto Costa, podiam perfeitamente ser ditas em privado. Não é por aí. Com o outro Costa, Maximiano nunca teve grandes relações. E, aparentemente, vice-versa. Este MAI decidiu desvalorizar politicamente o papel da IGAI e isso, mesmo na sombra, incomoda Maximiano. E bem. Só que, ao criticar António Costa, Maximiano acaba por criticar implicitamente a manutenção em funções da pessoa que lhe sucedeu e que foi seu colaborador ao longo dos nove anos em que esteve à frente da Inspecção. Não sei se a IGAI ganhou alguma coisa com esta "reaparição" de Maximiano, pelos vistos, como sublinhou, "jubilado mas não reformado". Eu li assim a entrevista. Como é que António Costa a terá lido?

13.11.05

LER

No Pulo do Lobo, Questões "Presidenciais", por José Pacheco Pereira.

TEC

Comemoram-se os 40 anos do Teatro Experimental de Cascais. É uma casa de que gosto particularmente. Lembranças, portanto, para o Carlos Avillez e para os seus colaboradores, os presentes, os ausentes e os já desaparecidos, como a Zita Duarte, na foto.

SUBCAMPANHA

Os telejornais, no que toca a eleições presidenciais, estão a promover uma espécie de subcampanha, parecida com um concurso televisivo. Consiste em apurar, de entre os quatro candidatos das "esquerdas", quem é que consegue, com maior persistência, dizer mais mal de Cavaco Silva. Pelo menos nisso, há um que já vai à frente.

CAVACO POR CAVACO

Se não houver nada em contrário, tipo uma loira da MTV, um jogo de futebol ou o macaco Adriano noutro qualquer canal, a entrevista que Cavaco Silva dará amanhã a Constança Cunha e Sá, na TVI, deverá ser vista por muita gente. Independentemente do que Constança irá perguntar - o inevitável -, importa a Cavaco estabelecer claramente as "balizas" da sua campanha e a clareza dos seus propósitos. Todas as entrevistas anteriores, tiveram-no, a ele, Cavaco, genericamente como "tema". Quase todas as perguntas formam formuladas em função do que os candidatos "pensavam" dele. Agora, é a vez de Cavaco por Cavaco. Em primeiro lugar, é preciso deixar evidente o carácter "positivo" desta candidatura. A sua, é a candidatura útil e necessária ao país, neste momento. Não por causa de qualquer "providencialismo" serôdio e, muito menos, por uma qualquer vertigem "restauracionista". É, por natureza, a candidatura "moderada" que, sem esconder os apoios partidários de que dispôe, melhor "fala" a todos os sectores do eleitorado, precisamente por ser a única que não é sectária nem segregadora. É o candidato que, uma vez eleito, melhores garantias dá de, respeitando os direitos das oposições, compreender e dar sequência ao sentido do voto maioritário das últimas legislativas: estabilidade, austeridade democrática e credibilidade. Em segundo lugar, Cavaco deve evitar responder aos adversários no mesmo tom de "barrela" que tem sido utilizado contra si. Falar dele mesmo, apontando o que o distingue politicamente dos outros, é o suficiente. Finalmente, e pensando nos seus mais consistentes adversários, Cavaco deve apelar ao voto, à participação na pré-campanha e na campanha, da rua aos "espaços digitais", contrariando a tentação abstencionista e os triunfalismos precoces. De Cavaco espera-se uma campanha popular, sem "populismos", com alegria mas sóbria, determinada e realista. Uma campanha que, verdadeiramente, começa já amanhã.

12.11.05

"IDEIAS"...

... fantásticas de João Miranda para "livros do Saramago" e para "desígnios nacionais". "Num país em que ninguém morre Soares alterna com Sampaio na presidência" Ou "quem se preocupa com o défice é salazarista".

"VOCÊ TAMBÉM PODE SER ESCRITOR?"

Discute-se, com evidente interesse nacional, a circunstância de o próximo chefe de Estado dever ser um "humanista", conhecedor de literatura, história e filosofia - não necessariamente por esta ordem -, por contraposição aos "economistas" e adjacentes, manifestos subprodutos das "ciências humanas" (tem graça, quando eu andei na Universidade Católica, frequentava a então Faculdade de Ciências Humanas onde "cabiam" o direito, a economia e a gestão de empresas) e claramente ineptos para a função. O João Pedro George, porventura inspirado por esta transcendente questão, foi ao Jornal de Letras dos remotos anos oitenta buscar este "inquérito" subordinado ao tema "você também pode ser escritor?". Mesmo que não se considere um "humanista", responda. Pode ter uma surpresa.

LER...

... este post de Paulo Pinto Mascarenhas.

CADA DIA QUE PASSA

Existem dois grandes adversários [para Cavaco Silva]- os verdadeiros - a vencer nestas eleições: o triunfalismo e a abstenção. O primeiro, induzido pelas "sondagens", "comentadores" e outros "estudos de opinião", combate-se dizendo às pessoas que os votos não estão nem nas "sondagens", nem nos "estudos de opinião" e, muito menos, são atribuidos pelos "comentadores". A segunda, a abstenção, significa resistir ao "canto da sereia" de que "já está tudo decidido" e que, por consequência, "não vale a pena". Vale. Não nos resignemos perante evidências virtuais. Não está nada decidido para sempre. Tudo vai sendo decidido cada dia que passa.

In Pulo do Lobo

UM DESAFIO

Decorre hoje, em Lisboa, uma "manifestação" politicamente incorrecta. Ao contrário das últimas, esta não pretende derrubar governos, proclamar direitos, berrar diferenças ou pura e simplesmente exibir rotinas proclamatórias. Encher as ruas de Lisboa com milhares de pessoas unidas pela imagem de Fátima e pela fé na Luz, na pequenina mas revigorante Luz que teima em iluminar os corações mais incrédulos, é, de facto, um desafio. A ignorância atrevida de alguns verá nisto a evidência do mais perigoso reaccionarismo. A esses felizes "iluminados" respondo sempre com a palavra cosmopolita e livre de João Paulo II que não me canso de repetir aqui: "não tenhais medo, abri o vosso coração a Cristo". E, também a pensar neles, desafio à leitura de um livrinho de Joseph Ratzinger, editado pela novíssima Aletheia, A Europa de Bento na Crise de Culturas. "A tentativa, levada ao extremo, de modelar as coisas humanas prescindindo completamente de Deus, conduz-nos cada vez mais para o abismo, para o total esquecimento do homem. Deveríamos então inverter o axioma dos iluministas e dizer: mesmo aqueles que não conseguem encontrar o caminho da aceitação de Deus deveriam procurar viver e orientar a sua vida "veluti si Deus daretur", como se Deus existisse. É este o conselho que já Pascal dava aos amigos não crentes; é o conceito que gostaríamos de dar também hoje aos nossos amigos que não acreditam. Assim ninguém fica limitado na sua liberdade, mas todas as nossas coisas encontram o apoio e o critério de que têm urgente necessidade. Aquilo de que mais precisamos neste momento da história é de homens que, por meio de uma fé iluminada e vivida, tornem Deus credível neste mundo. O testemunho negativo de cristãos que falavam de Deus e viviam contra Ele ensombrou a imagem de Deus e abriu a porta à incredulidade. Precisamos de homens que mantenham o olhar voltado para Deus e aí aprendam a verdadeira humanidade. Temos necessidade de homens cujo intelecto seja iluminado pela luz de Deus e aos quais Deus abra o coração de modo a que o seu intelecto possa falar ao intelecto dos outros e os seu coração possa abrir o coração dos outros. Só através de homens tocados por Deus, Deus pode voltar para junto dos homens."

11.11.05

LER OS OUTROS

Os últimos posts do Minha Rica Casinha."When the eagles are silent, the parrots begin to jabber." Sir Winston Churchill. E no Blasfémias, "Soares e Cavaco e Cavaco e Cavaco e Cavaco".

ATÉ QUANDO?

A sondagem do Correio da Manhã de hoje coloca Cavaco em perda em relação à última, e Alegre à frente de Soares. De qualquer maneira, Cavaco obteria "maioria absoluta" a 22 de Janeiro, e, não a obtendo, seria esmagador na segunda volta contra Alegre ou contra Soares. Por outro lado, todos os candidatos "de esquerda" sobem o que demonstra que não existe, por enquanto, nenhuma candidatura "unitária" suficientemente credível para a esquerda. E, tudo somado, não chega para derrubar Cavaco que, pelos vistos, tem à partida garantidos votos daquela "área" por se apresentar sem preconceitos. Nada disto é surpreendente. É natural que Cavaco "desça" ainda mais ou, pelo contrário, se a pré-campanha for, como deve ser, mobilizadora e "realista", podem surgir indicadores claros de uma vitória à primeira volta. A exposição de Cavaco, seja porque fala, seja porque não fala, trará inevitavemente de volta os velhos demónios do "amem-no ou odeiem-no". A capacidade de resistência política a isto, o combate sem desfalecimentos ao "negativismo" dos adversários e a persistência na imagem de um presidente verdadeiramente "útil" e não meramente ornamental ou "otorrinolaringologista" do regime são os passos decisivos a dar. Também o triunfalismo injustificado ou a abstenção acomodatícia são maus conselheiros. A tentativa de dramatização que anda a ser feita por um candidato, não só não o beneficia a ele, como pode prejudicar, em geral, a mobilização dos eleitores, nada disponíveis para "fitas". Estes são os verdadeiros adversários de Cavaco Silva. Quanto aos outros, particularmente Soares e Alegre, parece que está a cavar-se uma interessante divisão no eleitorado especialmente afecto aos dois, com uma ligeira vantagem para Alegre. Até quando vai Soares fingir que pode ignorar Manuel Alegre?

10.11.05

TROCA-TINTAS

A demagogia e a pusilanimidade com que o PSD tratou, no Parlamento, a questão do Orçamento de Estado, merece umas breves notas. Particularmente depois de ter dado a entender que estava disponível para não o inviabilizar pelo voto. Qualquer pessoa minimamente esclarecida e de boa-fé concede que este OE não seria muito diferente de um elaborado por um ministro das Finanças social-democrata. Excluindo o aumento de impostos para os pensionistas "remediados" e a metafórica redução da despesa pública pela via de uma inexistente e desestruturada "reforma da administração pública" que apenas visa reduzir circunstancialmente a despesa, o OE do dr. Teixeira dos Santos mereceria, se não a aprovação, pelo menos a abstenção do PSD. As coisas são como são e não é por estar "lá" o PS ou PSD que a realidade muda. O PSD ainda não conseguiu, por consequência, enxergar sobretudo a "sua" realidade. "Troca-tintismos" como estes descredibilizam, até, um merceeiro. Miguel Frasquilho aceitou o "lugar do morto" de Marques Mendes para o Orçamento, algo, aliás, que ele aparece quase sempre a fazer com imenso gosto. Na sua insustentável leveza, não perceberam que, assim, ninguém os pode levar a sério.

UNIDOS

Eu, Vital Moreira, o Jumento ou o Tugir (um inteligente blogue "por" Manuel Alegre), pelo menos, temos, afinal, uma causa comum: podemos constituir uma "comissão de honra" para "unir" os clientes da Netcabo contra a sua suprema vigarice, como bem lhe chama o professor de Coimbra.

NOS LIMITES DA CIDADE

Paris em Lisboa, por Francisco José Viegas. Não passou pela cabeça dos que se excitam com "o perfume da revolta" que a maior parte das vítimas dessa violência que destrói escolas e autocarros, lojas e edifícios públicos, sejam precisamente imigrantes e cidadãos que vivem na margem desse modo de vida francês, limpo e organizado.Não sei se estão a ver o retrato, mas pode simplificar-se territórios onde a República não entra, onde a lei não entra. Sabendo-se que a pior exclusão é a que permite a miséria - a nacionais ou a estrangeiros -, convinha relembrar que nos limites de Lisboa há territórios que em breve serão assim. E que um país que não respeita os estrangeiros e os imigrantes não pode pedir-lhes que o respeitem. É o dilema da República. E das fronteiras actuais.

NÃO VALE A PENA...

...ir por aqui.

ZELIG

Com toda a legitimidade do mundo, Mário Soares está cansado de andar por aí a falar sozinho. No entanto e paradoxalmente, inventou que Cavaco Silva - agora "esfinge" depois de ter sido três dias "técnico de finanças" - "priva" (sic) os outros candidatos do uso da palavra, coisa que em Soares manifestamente não se nota. Até agora, nenhum dos outros candidatos para levar minimamente a sério, se queixou de que outrém lhe andava a cercear a palavra. Pelo contrário, parecem felizes na sua pele de candidatos presidenciais, com os seus "programas", "objectivos" e "tempos" próprios. Cada dia que passa, torna-se penosamente mais claro que é apenas Soares quem anda crispado e irritado porque não obtém nenhuma resposta. Por este andar, Soares arrisca-se a ser o Zelig desta campanha, o "homem desfocado" que aparece em todo o lado mas que já não pertence a lado nenhum.

"PASSAR AO LARGO"

"No dia de abertura do congresso ["Portugal, Que Futuro?"] pelo Presidente da República, domingo, 8 de Maio de 1994, fui com a minha mulher concretizar um programa privado aprazado já há algum tempo com o governador civil de Beja, Luís Serrano: conhecer o Pulo do Lobo, no rio Guadiana, no concelho de Mértola, uma garganta profunda e estreita cavada na rocha do leito do rio, por onde as águas se precipitam em ruidoso turbilhão e cujo nome deriva de um lobo poder aí saltar o rio de uma margem para a outra. Depois da visita, fomos à vila de Mértola. A tarde estava amena e sentámo-nos descontraidamente na esplanada de um café a saborear caracóis cozidos e a beber uma cerveja. À mesma hora, o meu Governo era o alvo de um violento discurso de Mário Soares na abertura do congresso. Resolvi deliberadamente passar ao largo do que lá se disse. Era manobra excessivamente politiqueira para eu levá-la a sério."

Aníbal Cavaco Silva, Autobiografia Política II

9.11.05

O LITERATO

José Saramago, um escritor vagamente talentoso e uma criatura verdadeiramente insuportável, deu uma entrevista esclarecedora ao Diário de Notícias. A sua imensa vaidade - "até agora nunca escrevi nenhum livro mau" - e o seu incontornável estalinismo intelectual, sobejam no homem de oitenta e cinco anos que continua a raciocinar como o director comunista - sem ofensa aos comunistas - do DN nos idos de 75. Depois do Nobel, e mesmo antes, esta criatura tem merecido foros de "símbolo nacional". Não o bajular ou ousar criticá-lo é punível com uma espécie de opróbrio cívico. Do PR à mais remota entidade, não existe uma alma que não se babe e extasie perante tamanho vulto. Seremos saloios e saloios havemos de morrer, enquanto Saramago se torce de gozo na sua ilha, tão seca e inóspita como ele. Volta não volta, ameaça não comparecer a "actos oficiais". O pretexto desta vez é Cavaco Silva, brindado na entrevista como alguém que "não tem ideia nenhuma do que é a literatura ou a arte" ou como "génio da banalidade", a quem Saramago não tenciona conceder o "privilégio" da sua presença.Tornaram-no oficial e oficioso. Agora aturem-no. Só espero que Cavaco, uma vez presidente, não caia na vulgaridade de, apesar destes dislates, se mostrar, como os outros, atento, venerando e obrigado perante o literato.

LER...

No Bloguítica, "Não vale tudo". A Fundação Mário Soares presta um relevante serviço cívico e cultural ao país. Existe independentemente das contingências da nossa vida política. E ainda bem que existe. Não vale a pena misturar "alhos com bugalhos".

PULO DO LOBO

Nome de blogue cujos propósitos se anunciam neste post de Pedro Lomba. Lá estaremos.

"As pessoas que escrevem neste blogue querem que Cavaco Silva vença as próximas eleições presidenciais. Não sei se partilham outras convicções para além dessa. Umas provavelmente sim, outras provavelmente não. O objectivo de ver Cavaco Silva como Presidente chegou e sobrou para que nos reuníssemos livremente e fizéssemos este blogue. Algumas também não se importariam que o letrista Manuel João Vieira disputasse os votos do letrista Manuel Alegre. O assunto é sério. O momento é sério. Cada um assinará os seus próprios textos e assumirá a responsabilidade por eles. Ninguém obedece a instruções, disciplinas, agendas. Este blogue não é oficial nem oficioso. Vou dizer isto outra vez, a pensar especialmente nos jornalistas do Público: este blogue não é oficial nem oficioso. Escolhemos um título sugestivo para o blogue - “Pulo do Lobo” -, uma zona do país que Cavaco Silva, como se sabe, pôs no mapa turístico dos portugueses, e pedimos emprestada uma imagem de Nanã Sousa Dias (obrigado Nanã). De resto, queremos ver Cavaco Silva em Belém, com ou sem citroén. E queremos que os outros candidatos percam as eleições. Com dignidade."

8.11.05

UM SENTIDO DE ECONOMIA

Segundo o Paulo Gorjão, tem faltado ao dr. Soares "parcimónia" - a qualidade do que é sóbrio, parco - nas suas aparições e nos seus comentários. Acontece que Soares, apesar de sobejamente conhecido, precisa de aparecer, "por dá cá aquela palha", não para "ouvir", como insinuam os cartazes, mas sobretudo para "se" ouvir e, naturalmente, para ser visto. Continua, nas tiradas para os repórteres, a tentar trazer Cavaco "à superfície". Perante a situação em França, Soares garantiu delicadamente que aquilo não é coisa para "economistas" e que ele, se o tumulto fosse cá, seria o homem certo, como "político", para acabar com ele. Soares, a propósito de tudo e de nada, fará a sua campanha contra a "economia" e pela "política", como já se percebeu. Até Paris serve de mote contra o "outro", por causa da "economia". Soares corre o risco de nos fatigar, fatigando-se. E de se repetir, repetindo-se em vão. É que até nas palavras é preciso ter um sentido de... economia.

AFTERGLOW

Siempre es conmovedor el ocaso
por indigente o charro que sea,
pero más conmovedor todavía
es aquel brillo desesperado y final
que herrumbra la llanura
cuando el sol último se ha hundido.
Nos duele sostener esa luz tirante y distinta,
esa alucinación que impone al espacio
el unánime miedo de la sombra
y que cesa de golpe
cuando notamos su falsía,
como cesan los sueños
cuando sabemos que soñamos.


Jorge Luis Borges

7.11.05

LER...

... no Origem das Espécies, "A ausência de República".

UMA PERGUNTA....

... do Paulo Pinto Mascarenhas: "será que o candidato oficial do PS mantém a ideia que o diálogo é a melhor forma de responder a este tipo de terrorismo urbano - ou, pelo contrário, está solidário com a posição do Governo de José Sócrates e apoia a "determinação" das autoridades francesas para acabar com a violência?"

A INTEGRAÇÃO SEGUNDO SAMPAIO

O dr. Jorge Sampaio quis dar o seu contributo para a gramática dos incidentes em França. Com aquele extraordinário sentido de oportunidade em que procura elevar-se da sua habitual irrelevância, sugeriu que "temos que defender aquilo que é a capacidade de integração, de conviver com o outro, de termos as minorias que se possam exprimir da forma que queiram". "Isso faz parte do nosso país, da nossa cultura", acrescentou. Nada de mais errado. Sampaio, formado nos compêndios da "rive gauche", não podia deixar de lado o jargão "integracionista" do "multiculturalismo" que, como se vê, tem dado excelentes resultados. Querer à força "integrar" o que não é "integrável" ou, mais simplesmente, não se deixa "integrar" porque não quer, é meio caminho andado para o desastre. O mesmo se diga da eterna miragem do "diálogo de culturas". Se há coisa que "dialoga" pouco entre si é a "cultura", como bem explicou o José Pacheco Pereira num texto dos finais dos anos noventa, chamado "A solidão das culturas". E o que "faz parte do nosso país, da nossa cultura", ao contrário do que diz Sampaio, é a pura ausência de um sentido cosmopolita da existência e a uma secular ignorância do "outro". Vá lá a França falar de "integração" e vai ver o que lhe acontece.

O "OUVIDOR"

Passei há pouco pelo primeiro cartaz da campanha do dr. Mário Soares. Nele, Soares aparece aparententemente "porque sabe ouvir os portugueses". Virá outro a seguir onde ele também aparece "porque sabe unir os portugueses". E parece que se prepara um terceiro com outro verbo parecido, entre o "ouvir" e o "unir". Esta terminologia não deixa de ser curiosa quando aplicada especificamente ao candidato. Se existe coisa que o dr. Mário Soares suporta pouco, é ter de "ouvir" os outros. Maça-o enormemente, a não ser que seja um assunto que lhe interesse ou uma picardia que lhe convém. Aliás, Soares é mestre em "fingir" que está a prestar atenção aos seus interlocutores. Normalmente não lhe interessa nada o que os outros lhe estão a dizer. Desde sempre que Soares sempre foi conhecido - ele mesmo o confirma - por gostar de "levar a água ao seu moínho". Salvo mais recentemente, quando as suas contradições a propósito da justificação da recandidatura se tornaram mais incómodas, é que ele se viu forçado a "explicar-se" e, portanto, a "ouvir", e mesmo assim, mal. Quanto ao "unir", deve ler-se apenas como "somar os votos das esquerdas" ou "desistam para mim". Nada que tenha a ver, em geral, com os portugueses.

LER...

...no Margens de Erro, "La Malaise Française", vários.

UM RETRATO...

... de um país feito a partir de uma cidade - Lisboa -, por Eduardo Pitta:

Lugar-comum: a classe política é medíocre. De facto. Mais do que reflectir a mediocridade geral, o elenco de candidatos presidenciais (em que pese a minha simpatia por Soares e, por exclusão de partes, o voto correlato) traduz o huis clos da sociedade portuguesa. Se a sociedade é o que sabemos, porque carga de água teríamos outra classe política? Duas horas na rua, ao domingo, em Lisboa — e não estou a falar da Baixa, porque já ninguém vai à Baixa; nem das periferias étnicas, que são outra coisa; nem sequer do cenário de cartão do Parque das Nações —, na cidade burguesa que sobrou, e hoje é quase nada — a quadrícula das Avenidas Novas que vai da Versailles a Entrecampos, umas ruas na Lapa e em Campo de Ourique, o anel do Príncipe Real, o Chiado que vai da Bertrand a São Carlos, adjacências da Praça de Londres e Avenida de Roma, decerto Alvalade e São Miguel —, duas horas neste microcosmo chegam e sobram para deprimir. O confronto com cidades europeias — não, não estou a pensar em Londres, Berlim ou Paris; mas em Madrid, Bruxelas ou Praga — é um exercício desencorajante. Um terço da cidade está a ruir. Oitocentos mil carros atravessam, todos os dias, o centro. As livrarias não têm fundos. Em toda a cidade, um único café digno do nome. Um. Em anos felizes, a temporada de ópera são doze dias: quatro programas, três sessões cada (regra geral, menos). Música clássica, a que a Gulbenkian se lembra de dar, em regra boa, mas pouca, e sempre para os mesmos, porque a coisa funciona em circuito restrito. Jazz, foi chão de antiquíssimas uvas. Teatro de repertório? Acabou em 1974. Do outro, vai havendo, mas os Artistas Unidos e a Cornucópia são ilhas para happy few. Estamos a falar de uma área metropolitana com 2,8 milhões de pessoas; tudo o que seja menos de 20 teatros, a sério, abertos todos os dias, é nada. Música pop, entre o foleiro e o standard MTV. Ciclos anuais de cinema (documental, gay & lésbico, francês, etc.) para as trezentas pessoas do costume, quase sempre com horários que não contam com as pessoas «comuns». Entre Outubro e Maio, cinco lançamentos de livros por dia. Ninguém vai. Dança? Raramente dou por ela. Pintura? Era bom. De fora não vem nada e não é preciso explicar porquê. Quanto ao mercado indígena, simplesmente parou. O boom dos anos 1980 era artificial mas marcou uma época. Tirando Cabrita Reis e Croft, ninguém se lembra dos vinte génios que o Alexandre Melo descobriu nessa altura (Sarmento não precisou de ser «descoberto»). A larga maioria das bancas de jornais fecha aos domingos e feriados. Não se pode andar a pé porque os passeios estão cheios de carros. Sobra o quê? Espaços à míngua de espectáculos e de público? Museus melancólicos? Um CCB votado a passeio dos tristes? Uma Festa da Música cada vez mais pobrezinha? O rio, que agora se chama «docas», por conta do negócio de secos & molhados? Noutro patamar de exigência há meia dúzia de restaurantes tão caros como os de Paris ou Nova Iorque. Felizmente temos a luz, em Lisboa deveras sublime. O pior é a porcaria assim iluminada. Único elo que nos liga ao mundo: as salas de cinema. Dizem-me que «a noite» tem movida. Terá. As vezes que fui «aos» sítios que estão a dar, tudo me pareceu sem o mínimo pique e, convenhamos, a tender para o ordinarote (quanto mais fashionable mais vulgar). Onde é que eu ia? Pois, Lisboa, domingo, duas horas na rua. Igualzinho ao que era em 1973, por esta altura do ano: um friozinho pindérico, famílias compostas, matriarcas de voz grave, herdeiros muito louros e irreverentes (hoje só no trazerem o cós das calças a meio dos pêlos púbicos), o BMW em contravenção, a pesporrência altissonante do dinheiro. Tal como em 1973, nada produzimos. Belmiro, epítome do «sucesso», é o quê? Um empresário da distribuição. Nada contra. Mas dá a medida da vocação do país. Quatro quintos do pessoal político veio das berças, saltou da carroça para o Porsche, acotovelou, trepou e instalou-se. Ao pé da maioria, Santana, que é o que a gente sabe, passa por príncipe da Renascença (Agustina dixit). Tem de haver um meio-termo entre a rebaldaria dos descamisados e esta macaqueação do antigamente: tédio, discurso, tiques, sinais exteriores de dominação. Afinal, os últimos trinta anos serviram para quê?

6.11.05

UM LIVRO

À boa e à má consciência das "esquerdas", tão "levantadas do chão" nos últimos dias, faria bem a leitura destas conferências com mais de cinquenta anos, de Isaiah Berlin, proferidas para a BBC, reunidas sob o título de Rousseau e outros cinco inimigos da liberdade (Gradiva)

A BOA CONSCIÊNCIA DE ESQUERDA

... no Elba Everywhere.

O "OUTSIDER"

António Barreto sobre Soares, no Público (link indisponível), a partir do Minha Rica Casinha:

"Comporta-se como um "outsider", um candidato marginal. Pede debates... Solicita debates urgentes, todos os debates, chega a inventar recusas dos outros candidatos a debater, pois acredita que, se conseguir "esmagar", na televisão, em directo, os seus adversários, tem a vitória garantida. Entretanto nas entrevistas impressas e na que deu a Constança Cunha e Sá, na televisão, perdeu o essencial do seu tempo a falar de Cavaco Silva, a provocar Cavaco Silva e a denunciar Cavaco Silva. Parece um destes candidatos radicais à procura de interlocutor e rival, em busca do tempo de antena que lhe seria oferecido pelas querelas com o adversário. Transformou-se em candidato desesperado a agitar-se diante daquele que considera já o presumível vencedor. Por sua vontade e decisão, Soares encabeça hoje um combate fora de tempo e fora da actualidade. Sem aparentemente argumentos politicos nacionais pesados, busca uma campanha de luta pessoal. Ora com Alegre, ora com Cavaco. Corre o risco de apenas obter, como resposta, o silêncio."

Adenda: O António Barreto pertenceu à comissão política do MASP I, em 1985/86, e foi o principal responsável pela redacção do "manifesto político" da então candidatura de M. Soares. Ele conhece-o.

O TRIUNFO DO RECALCADO

O que está a acontecer em França e que, por "simpatia", pode vir a acontecer noutros países europeus, corresponde uma uma sucessão convergente de fracassos. Durante anos a fio, nas arengas dos comícos, nos "manifestos" eleitorais, nos "seminários" e nas conferências", os partidários acríticos e os "intelectuais" do "Estado social" e do "multiculturalismo", "venderam" ilusões aos autócnes e a si mesmos. O equívoco da "integração" foi o culminar dessas estratégias pueris. Aos jovens de segundas e de terceira gerações de imigrantes a aos eternos "assocializados" que com aqueles partilham a mesma desconfiança do "outro", o "assistencialismo" do "Estado providência" nada diz. Espartilhados entre as "origens", cultivadas na família que não conhecem, e a "integração" forçada que não sentem, esta gente está numa no man's land pronta a dissolver-se ao menor pretexto. Por outro lado, foram excitados pela irresponsável bravata do "direito à indignação" cujo teor estão manifestamente a levar a sério, a ferro e fogo. No quentinho das suas retóricas, seria talvez a altura de pedir responsabilidades "morais" aos apóstolos do "direito à indignação", tão ainda em voga, como se vê nas eleições presidenciais portuguesas. Durante anos, andaram a pregar pelo "triunfo do recalcado" contra, entre outros, a fantasma "imperialista" norte-americano. Queriam o sucesso do "recalcado" ? Pois aí o têm.

5.11.05

É POBREZINHO

Belmiro de Azevedo, reconhecidamente um "mau português", numa entrevista da semana passada, disse que Cavaco Silva vai ganhar e que será um excelente presidente para trabalhar com um excelente primeiro-ministro. O dr. Medeiros Ferreira, com a "tolerância democrática" e a "síndrome de superioridade" que caracterizam a generalidade dos apoiantes de Mário Soares - certamente um "tique" que herdou da funesta campanha presidencial de Salgado Zenha, em 1986, quando Belmiro estava ao lado de Soares -, vem classificar a sua declaração como "arbitrária, facultativa e irracional" e que "não [lhe] parece relevar da melhor cultura empresarial". Este maniqueísmo inquisitorial que tomou conta dos estrategas da recandidatura "soarista" devia suscitar algumas preocupações ao próprio candidato. Tantos anos a combater o velho ditador para se acabar na "cultura" medíocre do "quem-não-é-por-nós-é-contra-nós", é manifestamente pobrezinho.

IDEM

"ZZZZZZZZ: Acabei de ver o "Expresso da meia-noite" na SIC-N, no qual os experientes Nicolau Santos e Ricardo Costa tentaram promover um debate com os mandatários da juventude de quatro dos principais candidatos presidenciais ( faltou a mandatária de Cavaco Silva). Se não tivesse visto, não acreditava."

4.11.05

UMA DESCOBERTA

O blogue Macroscopio. Em especial, "O homem falsamente duplicado" e "Reacções" by F. Sarsfield Cabral. Soares na TVI". "Há um estranho fascínio na submissão àquilo que Baudelaire chamou "a nostalgia do lodo"; e quanto mais depressa vamos deslizando para o abismo mais nos vamos persuadindo de que nos estamos a elevar."

LER...

... "Humanidades e Messianismo", por Francisco José Viegas.

ALEGRE

Manuel Alegre também já leu o seu manifesto. Ignoro, ainda, se é uma candidatura para levar a sério. Soares fará os possíveis por o diminuir, logo ele, que ouviu da boca de Alegre um dos mais belos discursos proferidos no seu primeiro comício da candidatura de 1986, no Pavilhão dos Desportos. Aí Alegre afirmou que Soares era "o candidato da memória contra o esquecimento". Hoje, Alegre apresenta-se como um "socialista independente", provavelmente em nome daquilo que ele entende ser um dever de cidadania por causa da mesma "memória" que não sente representada por Soares. Eu não acredito em milagres. Alegre, malgré lui, não tem a densidade política de Soares e isso, com o tempo, ser-lhe-á eventualmente fatal. Não sei se todos os sobressaltos "cidadãos" que o animam, serão suficientes para o colocar para lá de Soares. Tenho dúvidas. E estou à vontade para o dizer, já que nenhum deles é o candidato que apoio. Alegre tem, porém, a seu crédito, à semelhança de Cavaco, protagonizar uma candidatura "não negativa" e a consideração democrática por todos os restantes candidatos. Num lance meramente lúdico, acharia engraçado ver Alegre "passar à frente" de Soares. Em sede de puro debate político - o que mais me interessa -, preferiria, de longe, o ex-presidente. A ver vamos, como diria o cego.

3.11.05

UM PAÍS DE EVENTOS

O dr. Medeiros Ferreira defendeu há umas semanas, na televisão, que Portugal, à falta de melhor, devia pensar-se como um "país de eventos". O que é que MF irá dizer do "evento" sugerido por Cavaco Silva que, pelos vistos, sempre "fala"? "Os níveis de confiança em Portugal são muito baixos, o que é anormal quando dispomos de um Governo com maioria absoluta. Se não forem as eleições presidenciais a injectarem na sociedade portuguesa uma dose de confiança, então qual é o evento que o fará?"

MTV

No Acidental:

É mais ou menos a mesma coisa que fazer a cerimónia dos globos de ouro na ilha do Corvo

A entrega dos prémios MTV é oportunidade única para assistir em directo ao nosso miserabilismo de escala nacional. Do género ver a Rita Ferro Rodrigues com o braço à volta da Shakira como se a conhecesse desde miúda, ou ouvir repetida à exaustão a pergunta da praxe: Então? Gosta do nosso país? E a estrela, com ar entediado, responde para satisfação de um portugal sedento de auto-estima sim, sim acabei de sair do avião mas gostei muito do caminho do aeroporto para o hotel.

JÁ CHEGA....

... de dar o palco a Soares (que é o que ele quer). Um pouco de Cesariny, se faz favor.


O Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores, foi hoje atribuído, por unanimidade, a Mário Cesariny (n. 1923). Que bem que ele está aqui ao alto com a Menez. Cesariny, at last. Mais de uma vez chamei a atenção para o ridículo que representava o facto de Cesariny nunca ter sido premiado enquanto poeta. E aos que diziam que o autor de Manual de Prestidigitação (1956) não publicara obra inédita em anos de democracia, várias vezes lembrei que isso não é verdade. Basta citar Titânia... (1977), Primavera Autónoma das Estradas (1980) e O Virgem Negra (1989). Contudo, ainda que os não tivesse publicado, e a obra continuasse sustentada pela reedição de títulos memoráveis, como Corpo Visível (1950), Pena Capital (1957), Nobilíssima Visão (1959, porém escrito em 1945-46), A Cidade Queimada (1965), etc., os prémios «de carreira» existem para consagrar o conjunto da obra, à revelia do que está a dar. Demorou, mas antes tarde que nunca. Em anos anteriores, o Prémio Vida Literária foi justamente atribuído a Torga, Saramago, Sophia, Óscar Lopes, Cardoso Pires, Eugénio de Andrade e Urbano Tavares Rodrigues. No valor de 25 mil euros, e tendo a CGD como sponsor, o prémio nada acrescenta a uma obra insubornável. Mas sabe bem. Parabéns, Mário!

PASTELARIA

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os
olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com
fome
porque assim como assim ainda há muita gente
que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de
muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra