30.4.10

ESTA "REFLEXÃO"

Resume perfeitamente o estado a que chegou o batatal.

PERFEIÇÃO



Para desenjoar desta porcaria que somos nós, hoje, aqui, nesta abjecçao colectiva de seu nome Portugal, Maria Callas. Bellini, Norma.

O AMIGO DE PENICHE

Às tantas, no meio do pseudo-debate parlamentar quinzenal, Sócrates puxou da tora passoscoelhista, o livrinho Mudar, para nele se louvar das suas magníficas obras públicas tipo TGV, aeroportos e auto-estradas. Talvez Passos e os seus lúcidos conselheiros comecem agora a perceber com quem é que se meteram.

HONORIS POIA

O lesma Guterres vai receber um doutoramento honoris causa na "universidade" da Beira Interior que deve ter sido coisa inventada por ele e pelo inexistente Gago.* Assiste esse emérito ex-aluno universitário que dá pelo nome de José Sócrates. Tais coisas, honoris causa, até a ratos podem ser atribuídos porque não alteram o curso da natureza. Porém, os que lho vão dar, farão a menor ideia do que representou, para o país que o pariu, o exercício da criatura enquanto chefe de governo, descontando o brilhantismo de mona que nem a ele, por cá, de alguma coisa serviu?

*segundo comentário, data de 1979, prévia, portanto, ao Gago e ao homenageado. Imagino que seja uma "grande" universidade da mesma maneira que tudo é grande em Portugal.

A "AGENDA"

Estive a "folhear" a agenda do Presidente da República enquanto Portugal se afunda na auto-ilusão. Recebeu a "comissão do 10 de Junho" - meia dúzia de inutilidades que preparam outra inutilidade -, arrostou o fardo do homem branco atrás do presidente de Moçambique e respectiva tropa fandanga e prepara um fim de semana dedicado a provadores de vinho e à machona Ovibeja. Em que país vive, afinal, Cavaco?

POLÍTICA CADAVEROSA


«O que Sócrates nos deve é - não exagero - imensurável. Não há maneira de resolver nenhum problema de Portugal, financeiro ou outro, com este Governo e o pessoal que ele atraiu ou contratou. Desde a Monarquia Constitucional à I República, a história está cheia dos cadáveres de quem nos levou ao desespero e à humilhação por que hoje passamos. Quem não acredita que leia quatro eminentes ministros das Finanças. Gente com experiência e alguma presuntiva sabedoria. Um deles (ministro de Sócrates) acha, literalmente, que precisamos de rezar, e muito. Braga de Macedo confessa com franqueza que não existe uma receita certa para evitar, ou afastar, uma "crise especulativa". Bagão Félix (ministro de Santana) pede o fim expedito dos "paninhos quentes". Catroga também. E só o inefável Pina Moura, embora manifestamente a custo, consegue dar ainda um arzinho do optimismo oficial. Os jornais parecem um muro de lamentações. Mesmo os políticos, com razão, já não se atrevem a abrir a boca. Esperemos que Passos Coelho, como ele prometeu, faça de facto o que for necessário, com dureza e com pressa. Não é justo que Portugal caia pouco a pouco na miséria e no medo.» Até aqui é Pulido Valente no Público. Sucede que Passos Coelho regrediu para aí uns vinte e sete anos e veio com a conversa dos certificados de aforro para substituir remunerações, uma coisa que aconteceu ainda Portugal não estava na Europa, não havia euro e havia, sobretudo, FMI e o dr. Soares que sempre tinha outro prestígio que estes neófitos não têm. Para já, o que Passos pode fazer com a "ideia" é limpar-lhe o rabinho ou esperar uma monumental desordem geral.

A BOLA OU O ESTADO DE NEGAÇÃO NACIONAL


«O objectivo é manter os cidadãos entretidos com a bola e seus clubes "maiores", para não se lembrarem da crise e do Governo que nos pôs nela. Balzac dizia em 1834 que, se não fosse pelas tabernas, o Governo seria derrubado em França todas as terças-feiras. Hoje é o mesmo. Sem o futebol na televisão, este Governo cairia todas as terças-feiras.» Até aqui é Eduardo Cintra Torres, no Público. Sem o futebol na televisão, os portugueses seriam confrontados, no recato dos seus lares infelizes, com eles mesmos e com a mediocridade geral da pátria para a qual contribuem simultaneamente como vítimas e carrascos. A bola mantém o estado de negação nacional e conforta a mais recente dupla salvífica (quantas covas e jazigos não estão cheios delas!), Sócrates e Passos, Passos e Sócrates. E assim sucessivamente.

«NUNCA VI PARIS CONTIGO DENTRO»


Vi Roma a arder, e neros vários
bronzeados à luz da califórnia
guardar em naftalina nos armários
timidamente, a lira babilónia;
as capitais da terra, uma a uma,
desfeitas em nuvem e negra espuma,
atingidas de noite no seu centro;
mas nunca vi paris contigo dentro.
E falta-me esta imagem para ter
inteiro o álbum que me coube em sorte
como um cinema onde passava «a morte»;
solene imperador, abrindo o manto
onde ocultei a cólera e o pranto,
falta-me ver paris contigo dentro.



António Franco Alexandre, Duende

29.4.10

O ENTERTAINER CAMARÁRIO

António Costa, um tipo que mal sabe tratar da intendência de uma miserável câmara, pretende dar lições de economia e finanças europeias enquanto mero entertainer televisivo. Os outros três bonzos que o comprem e o dr. Balsemão que lhe pague que não tenho troco para tagarelas.

AS RAZÕES DO PAPA


Venho do lançamento do livro da Aura Miguel sobre Bento XVI. Marcelo, um católico optimista, apresentou. Revi amigos sem data nem marcações prévias como o João Seabra e o João Amaral, da editora, de quem partiu a ideia do livro. A Aura é jornalista de profissão e a única que acompanha as viagens papais com estatuto de "vaticanista". Neste sentido, a Aura é atípica da monomania jacobinóide e materialista que tomou conta da quase totalidade dos media e que só serve, afinal, para revelar analfabetismos funcionais, ignorâncias várias e preconceitos chiques. A maior parte dos que escrevem contra Ratzinger são burros e burras simples. Sucede que a mensagem deste Papa é demasiado elementar na sua aparente complexidade. É, aliás, a única mensagem verosímil da Igreja neste tempo - uma mensagem radical, altamente exigente, como recordou Marcelo. Porque, nesta Europa secularizada, nós, católicos, somos uma minoria apesar das estatísticas, coisa que Bento XVI não se cansa tranquilamente de repetir diante de uma pessoa ou de milhões delas. A Aura falou de um Papa que aí vem que nos quer inteligentes precisamente porque a fé, na razão, acrescenta vida à vida. Este livrinho de menos de cem páginas ajuda a perceber porquê. (Nota: amanhã, dia 30, o livro é apresentado na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, às 19h00, por D. Manuel Clemente)

O REMAKE DE LINO

O ministro das finanças está certo quando defende a reavaliação da megalomania betoneira palonça. O ministro-sombra de Mário Lino está errado. Noutros tempos, o ministro das finanças mandava, como deveria mandar na presente situação. O ministro-sombra de Lino, ao insistir no powerpoint propagandístico, não percebe que está a comprometer a hipótese de qualquer "sucesso" social de eventuais medidas de "contenção" que venham a ser tomadas. O dr. Mendonça é a prova viva de que só o bom ar não chega.

PASSOS E O SEU DUPLO

Este Passos é o mesmo Passos dos salamaleques regimentais de ontem?

«VERSOS A UMA CABRINHA QUE EU TIVE»

Com seu focinho húmido
Esta cabrinha colhe
Qualquer sinal de noite
De que a erva se molhe.

Daquela flor pendente
Pra que seu passo apela
Parece que a semente
É o badalinho dela.

Sua pelerina escura
Vela-a da noite sentida;
Tem cada pêlo uma gota,
Com passos, poeira, vida.

De silêncio, silvas, fome,
Compõe nos úberes cheios
Toda a razão do seu nome
E fruto de seus passeios.

Assim já marcha grave
Como os navios entrando,
Pesada dos pensamentos
Da sua vida suave.

E enfim, no puro penedo
De seus casquinhos tocado,
Está como o ovo e a ave:
Grande segredo
Equilibrado.


Vitorino Nemésio, Eu, comovido a oeste (1940)

AS ILUSÕES DA TRANSPARÊNCIA



«De onde vem este fascínio pela transparência? Ele decorre da convergência de três factores: em primeiro lugar, da generalização da infidelidade que acompanha a desenvolta afirmação do individualismo moderno, que sacudiu todas as fidelidades tradicionais, sejam elas ideológicas ou amorosas, religiosas ou políticas. Depois, da "pipolização" mediática, que consagrou na prática o voyeurismo como um direito de saber tudo, transformando assim automaticamente todo o segredo em algo de suspeito. E, por fim, da desafeição dos cidadãos em relação à democracia representativa, em geral vista como indiferente em relação aos seus problemas mais prementes. O fascínio pela transparência vem de que, em todos estes casos, ela compensa um défice de confiança. Mas essa compensação é ilusória porque, ao contrário do que tantas vezes se diz, só há confiança quando, justamente, há segredo. É precisamente o facto de não se saber tudo - na amizade, nos negócios, na política, etc. - que dá sentido à confiança. Confiar é, sempre, acreditar para lá do que se sabe*. O que acontece num mundo em que a fidelidade se tornou descartável e em que a inconstância se transformou num valor social positivo é que a transparência emerge como a mais consoladora - mas também, talvez, a mais enganadora - das respostas às mais variadas formas de desconfiança que atormentam os cidadãos, quer elas se traduzam em insegurança ou em ciúme, em inveja ou em suspeita, em cólera ou em revolta. A força da transparência vem, em boa parte, do que ela esconde: é quando a sociedade da desconfiança triunfa que a exigência de transparência mais se impõe. É por isso que é necessário valorizar o segredo pessoal, a reserva social e a confidencialidade política. Mas fazê-lo ligando esse esforço a uma inequívoca afirmação da responsabilidade, que deve ser feita, mais de informação do que de manipulação, mais de humildade do que de prepotência, mais de respostas do que de escutas. A revitalização da responsabilidade é o único antídoto eficaz para as patologias da transparência.»

*Como algúem inequivocamente do campo do pessimismo antropológico, e ao contrário do autor, desconfio sempre para além daquilo que sei. E mesmo daquilo que sei desconfio.

28.4.10

O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL (REFODIDO)


O sentimento de injustiça social visto por um socialista que não é socraticamente ceguinho. Dito isto, Passos terá exigido a Sócrates a revisão das megalomanias ferroviárias, das barragens, dos aeroportos e de demais merdas propagandísticas ditas de "investimento público" ou apenas posou para a fotografia do respeitinho patrioteiro porque sim e porque usa um penteado diferente do da dra. Ferreira Leite e tem a mania que é liberal ?

«ISTO DURA ENQUANTO SE PUXA. MAS DEPOIS CAI E VOLTA TUDO ATRÁS»


Há 121 anos nascia o Doutor Salazar, como recordou um leitor. Ressuscitasse ele hoje, aqui e agora e, no mínimo, morreria imediatamente de susto. Disse a Franco Nogueira, quase no fim, que isto "estava bom para safados". Vê-se.

FARSA

Agora com som, verifico tratar-se de uma pequena farsa para consumo mediático com a qual Sócrates "enfiou" Passos no bolso do fatinho escorreito. Já tinha feito o mesmo a Mendes com o "pacto da justiça" cujos resultados estão à vista. Também observei um presidente de banco a botar faladura sugestiva acerca de um "PEC2" e outro a decretar que "acabou a brincadeira" sem especificar se se estava a referir ao banco dele, particularmente dado à paródia. Com gente desta, para não falar da raça "em si", Portugal merece tudo o que de mau lhe vier a acontecer. É gente amoral que é bem diferente de ser imoral. Deve, pois, ser a tal "Hora" de que falava Pessoa em Mensagem, notoriamente a pensar noutra coisa, numa grandeza qualquer sempre por vir.

UNA VOCE POCO FA


A ministra Canavilhas decidiu - e bem - varrer o director artístico do São Carlos e a direcção da OPART. Mas não chega. Jorge Salavisa, que vai presidir a esta última, não pode manter os restantes membros sob pena de a coisa se ficar pelo make up. Conheço Salavisa há muitos anos e, por isso mesmo, só lhe posso desejar venturas e lonjuras de certa parasitagem permanente que pulula na cultura como piolhos. As tutelas passam e eles, quais lêndeas (bicho pior que o piolho), ficam. Quanto ao director artístico convidado, um maestro britânico, não sei quem é. Preferia o regresso de Pinamonti. Ver-se-á.

CADA MACACO EM SEU GALHO

Ao almoço, diante de mim, num "lcd" sem som, surgem Passos e Sócrates não necessariamente por esta ordem. Imagino que estivessem a decretar a salvação da pátria. Pelos salamaleques mútuos, dir-se-ia que disputavam a primazia nas joelheiras. Cheguei a ter saudades momentâneas de cena parecida entre o Prof. Mota Pinto e o dr. Mário Soares. Sempre eram gente. Todavia, há virtude política no exercício. O dr. Portas falou do Caldas e os outros dois falavam de São Bento. Cada macaco em seu galho.

Adenda: A "cena", em versão "Iô Pan! Iô Pã" e "pão de ló molhado em malvasia", pode ser lida aqui com ilustração a condizer.

«CLAREZA»


Este, que debandou como Barroso, e que ficou conhecido entre os seus pela sua presciente "clareza" (a falar era-o, de facto, e pouco mais), vem agora também dar um arzinho da sua falta de graça. O bonzinho Guterres representou- é preciso repetir a coisa à exaustão - o princípio do descalabro que já leva quinze anos. Teve dinheiro e Sousa Franco no primeiro mandato e, em 99, a um deputado da maioria absoluta, "desligou". Não tem a menor autoridade para falar de falta de clareza alheia. Que tome conta do seus famélicos que nós por cá todos mal, também, graças a si.

A MORTE DO FACTO

Como a adesão ao acordo ortográfico lulístico pode matar, logo na primeira frase, o resto. «Aldous Huxley dizia que "os fatos não deixam de existir só porque são ignorados."» Tal como as camisas, as gravatas ou as cuecas, já agora.

EQUILÍBRIO

Seguir as reflexões do Filipe Nunes Vicente acerca de Ratzinger. Aqui e aqui. «Os que, por imbecilidade, sabem ver no Islão aspectos cordatos e atraentes, mas na Igreja só bispam açoites e cruzes assustadoras, conferem solidez ao meu propósito: equilíbrio.» Seu e do autor sobre quem pensa. Rara virtude a sua, Filipe, em tempos de tanta douta ignorância e de asnática "adequação" aos sopros do vento. Numa carta com mais de quarenta anos, Jorge de Sena (que não chegou a conhecer a blogosfera e o jornalismo "livre" e analfabeto que é o nosso copiado de alhures no mesmíssimo registo trapalhão) já dizia que «as virtudes da estupidez e da incultura nunca foram tão triunfantes e com tão geral conivência.»

REMORSO DE TODOS NÓS

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,

se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal,

o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,

rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,

não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,

galo que cante a cores na minha prateleira,

alvura arrendada para ó meu devaneio,

bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,

golpe até ao osso, fome sem entretém,

perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,

rocim engraxado,

feira cabisbaixa,

meu remorso,

meu remorso de todos nós...


Alexandre O'Neill, Feira Cabisbaixa

27.4.10

OS DEGRAUS DA ESCADA

O dr. Passos telefonou ao 1º ministro. O 1º ministro agendou o dr. Passos e, a seguir, o Doutor Cavaco agendou o 1º ministro. Gostamos todos dos mercados mas os mercados são como tudo na vida dos dias de hoje. A democracia funciona em pacote à semelhança das viagens a Cancun com pulseiras "pensão completa". E funciona em huis clos. Particularmente na Europa. Ora a Europa, a do euro, está em crise e a senhora Merkel não tem sido especialmente inspiradora. O que se passa - e virá a passar - prova à saciedade que, não tarda, a Europa regressará as "velocidades", da primeira à vigésima quinta ou sétima. As agências de rating valem o que valem. Mas nós também.

ERASED (act.)

Houve aqui um problema qualquer que me obrigou a "confirmar" ao Google que eu sou eu e não um outro. Espero que o blogue esteja de volta e, por isso, agradeço que, desta vez, comentem. Aos amigos (não de Peniche) agradeço a chamada de atenção.

Adenda: A semana passada também "desapareceu" o "sitemeter" (esteve um dia inteiro a zeros) que me vi obrigado a repor. Mistérios da informática porventura dos EUA.

Adenda2 (de dia 28): Hoje "calhou" a vez ao Mar Salgado.

CIRCO SEM PÃO

No post anterior, por causa da comissão trágico-cómica de inquérito, disse que aquilo era vazio em demasia, em tempos sombrios, para um país com muito mais para fazer. De novo, uma agência de rating baixou o nosso. As consequências são as do costume - o dinheiro emprestado custa-nos mais. Mas o nosso parlamento é a "expo 98", deslavada e a preços de 2010, i. e., circo sem pão.

UMA COMISSÃO EM TEMPOS SOMBRIOS


Há muito tempo que não concordava com o dr. Mário Soares. É evidente que jamais partilharei do seu optimismo antropológico, genético, ou da forma babada com que defende o parlamento português como se aquilo fosse exemplo para alguém. Também o desvelo com que encara Sócrates - depois de incialmente o ter entrevisto como ele na realidade é - só o diminui numa história pessoal e política que não precisa de insignificâncias contingentes como ele. Dito isto, Soares tem razão acerca da famosa comissão de inquérito presidida por Mota Amaral. Só ontem, ao assistir a um pouco daquilo em directo, percebi a vacuidade do exercício em tempos sombrios para um país com muito mais para fazer.

«Acho [as comissões] fastidiosas e inúteis. (...) Primeiro, os deputados-inquisidores que participam na comissão são na sua maioria jovens, portanto, com pouca experiência, salvo, obviamente, algumas excepções (...) Mota Amaral - que é um político lúcido, experiente e, do seu natural, prudente e moderado -, também começa a sentir-se desconfortável na posição em que se encontra. O que é que resultou até agora de positivo - depois de tantas intermináveis audiências - para o progresso da justiça e para um melhor conhecimento dos factos alegados pelos acusadores? Alguém é capaz de responder, com objectividade? Não creio. Mas há uma coisa que julgo não poder evitar-se, depois de tantas horas de audiência: o desinteresse do público e o desprestígio dos deputados participantes (ao contrário da publicidade que julgam merecer) e do Parlamento, que lhes cumpre, em princípio, defender. Por isso, apoiei a decisão do primeiro-ministro de não comparecer na comissão.»

26.4.10

ESCASSEZ EM EXCESSO

Outro momento elevado ocorrido na dita comissão deu-se quando Manuela Ferreira Leite foi "interrogada" por esse prodígio intelectual que é o sr. Canas. A ex-líder do PSD afirmou "ter a certeza absoluta" que Sócrates mentiu ao prestigiado parlamento português. Fala, logo mente, foi sempre a premissa de que partiu Ferreira Leite durante a sua fulgurante carreira de presidente partidária que tanto sucesso mundial lhe granjeou. Se estivesse no lugar de Sócrates, processava-a imediatamente devolvendo-lhe o ónus da prova. Aliás, e apesar do público "perdoa-me", também processava o boy Soares por, entre outras coisas, abuso de confiança. A escassez de processos intentados por causa de coisas destas, tão peremptórias quanto inconclusivas, dava outra comissão de inquérito. E, já agora, deixava de falar com o amigo Vara, a não ser sobre a inconfundível beleza dos portos marítimos, porque ele baralha-se muito apesar de ser um homem de métier. E só via os telejornais da tvi.

NO LIMITE DA LEGALIDADE

O administrador-delegado da tvi, um tal Bairrão (não sei se ainda é mas era), foi à comissao onde o dr. Pacheco faz recortes de jornais rodeado de umas miúdas giras, dizer que a decisão de acabar com o telejornal da Moura Guedes foi tomada "no limite da legalidade". O que ele (o "ele" desta história, a avaliar pelos consecutivos depoimentos na comissão, é um conceito tão vago como o de idade média ou romantismo) quer dizer com isto é que não se entende. Todavia, na sua aparente inocuidade, Bairrão disse mais sobre a vida pública (tão cheia de "privada" incontável) actual do que milhares de dissertações imbecis dos comentadores de serviço.

OS VIVAÇOS DO 25

Por falar no "25 de Abril", trinta e seis anos depois, o sr. Vara constitui outro fantástico exemplo da produção em série de gente que jamais teríamos tido o prazer de conhecer não fosse o miraculoso evento. Ámen.

A "MANIF" DO "25 DE ABRIL SEMPRE"


Vista por um leitor.

«Já nem nos idosos, e pessoas adultas à altura do 25, conseguimos perceber lógica, conhecimento e lucidez quando mostrados na Télvizão a falar sobre o dito - ou então a Télvizão faz sempre uma laboriosa e exigente selecção, de modo a mostrar apenas os mentecaptos babosos. O folclore mostrado em telejornais é confrangedor: partículas de povo que se saracuteiam como macacos; carros alegóricos e chaimites cor-de-rosa (como os elefantes); velhas desdentadas envergando bonés mal-enfiados pela matéria córnia abaixo; criancinhas irrequietas e delinquentes, ou criancinhas inertes e expressão alvar; jovens porcos e chulos do pai-e-da-mãe; imbecis ociosos; pseudolíderes políticos em desfiles encenados, e que só aguardam combinada sincronização com as Télvizões para arrancar - como as espontâneas manifestações anti-crise. As festas do regime são fracas, feias, fedorentas e falsas. A liberdade um mito e o progresso uma anedota. De resto o povo continua, como dizia Eça, a "querer beber o sangue ao patronato, mas deixará logo essa ideia de lado se o patronato, em vez de abrir a veia, mandar abrir Cartaxo".»

DA VIDA INTELECTUAL PORTUGUESA


«Os promotores da distribuição de preservativos em todos os actos públicos da visita de Bento XVI a Lisboa, Fátima e ao Porto, andam a ser ameaçados, por diversas vias, blogues conspícuos incluídos, de medidas drásticas.» Andam? Coitadinhos dos grunhos que não podem sair à rua e ter propaganda à borla e à fartazana nas televisões, incluindo (ou sobretudo) a pública. Posts como este provam como a "vida intelectual" portuguesa tem tanto de burra como de desonesta.

UM TRIO INFELIZ

Nos finais de 2007, a então deputada do PC por Santarém, a D. Luísa Mesquita, "esqueceu-se" que tinha assinado um papelinho - costumeiro no PC - que dizia qualquer coisa como "o lugar de deputado não é teu, é do partido". Quando chegou a hora do partido o reclamar, a D. Luísa entendeu que o lugar, afinal, era dela e fez o pequeno número da "vítima independente" até acabar a legislatura. Infelizmente Santarém tem a presidir à sua câmara uma coisa chamada Flores e guarda a memória impoluta de Salgueiro Maia. O primeiro e Sócrates andaram por lá ontem a dar cabo dela - dessa memória - à conta de uma "fundação da liberdade" à qual vai presidir a D. Luísa. A senhora não esperou muito tempo para ficar refém de duas das piores emanações do regime, qualquer delas sem substância democrática que as recomende particularmente. E Salgueiro Maia merecia seguramente mais do que este trio infeliz.

Adenda (mail de leitor):

«Em 1971 vi, em Santarém, que é a minha cidade-berço, inaugurar uma legítima estátua em bronze ao mui-corajoso Pedro Álvares Cabral - fronteira ao hospital da Misericórdia e numa avenida honesta e rectilínea. Já no fim do séc. XX vi, numa visita aos meus progenitores, essa estátua ser substituída - no mesmo pedestal Estado Novo - pela de Salgueiro Maia (enquanto que o navegador Pedro era remetido para um qualquer depósito, "à espera"). Nos alvores do séc. XXI vi pedestal-e-estátua-de-salgueiro desaparecerem, enquanto que a honesta e rectilínea avenida era deformada, por uma utilíssima obra camarária, numa rotunda em forma de cona velha. Mais recentemente, vi a estátua de Salgueiro reaparecer à entrada do povoado, junto a um chaimite, sem pedestal e sem letras, e democraticamente colocada ao nível do passante - que assim pode colar auto-colantes, cuspir, bater, tirar fotografias cómicas - reduzindo assim Maia à categoria de boneco de feira. De Cabral nunca mais ouvi falar. Santarém-e-Moita arvoram, à entrada, o lema "Uma história de liberdade" num dístico já desbotado. Ontem Sócrates foi lá dar mais um golpe, distinguindo o município com mais três instituições inventadas e inoperantes; uma delas feita à medida de moita-e-mesquita. Sinistro.»

Adenda2 (outro mail de outro leitor):

«Só uma achega, a estátua de Pedro Álvares Cabral foi já há muito tempo colocada no larguito fronteiro à Igreja da Graça, lá em Santarém. E Santarém lá continua penando, como já Garrett se queixou.»

25.4.10

O LIMITE


Segui, quase de imediato, a sugestão do PR. Da parte da tarde, atirei-me ao mar que, pelos vistos, é o que nos resta como consolação. Andar ali a levar porrada das ondas é bem mais agradável do que aturar um domingo que foi também feriado de gente. Demos, pois, graças a Deus por haver sol e vida e a desnecessidade de falar à beira-mar. Também se pode ler. Poemas como este, de Nemésio.

Chamarei os velhos que foram
No bosque humano
Eu velho agora
novo para eles
No tronco antigo
de Neanderthal.
Faremos todos uma fogueira
Dos dentes deles às rosas novas
No meu quintal
Da Faculdade
Do Mundo ter idade
(Sem limite a idade, claro:
O Mundo não,
Que esse é finito na expansão).
-«É bom não pôr limites à Misericórdia divina»
Disse um Papa velhinho
A quem exígua prece
Votava uns anos mais
Como é próprio da Caixa de Descontos
Dos pequenos mortais
Tudo deperece,
desaparece...
Nasci ainda ao sorriso de Leão XIII:
Cá me vou, como os mais.

No bosque humano chamarei os velhos que foram
As rosas que são
vermelhas
alvas
azuis
amarelas
Dobradas rosas singelas
Minhas cordas de viola
alto rosal de som.
Chamarei os velhos que foram
Em lá sostenido
em si natural
A quem não quer chorar seu mal.
Chamarei os velhos que foram:
Envelhecer é tão afinal
Entre roseiras e fogueiras
(Talvez feriado nacional)
E então prefiro o mi bemol,
Eu novo eterno tomando sol
Com os velhinhos comigo a par.

Em dó sostenido, para não chorar.



in Limite de Idade (1972)

«ODIUM THEOLOGICUM» OU A OUTRA COISA

Em resposta a isto, isto. «What has happened, I suggest, is that you have lost the argument over the meaning and the proper hermeneutics of Vatican II. That explains why you relentlessly pursue your fifty-year quest for a liberal Protestant Catholicism, at precisely the moment when the liberal Protestant project is collapsing from its inherent theological incoherence. And that is why you have now engaged in a vicious smear of another former Vatican II colleague, Joseph Ratzinger (...) That grotesque falsification of the truth perhaps demonstrates where odium theologicum can lead a man. But it is nonetheless shameful.»

CADEIRAS

Passos Coelho ficou muito mal acompanhado no parlamento. Calhou-lhe o senhor conselheiro Pinto Monteiro cujo facies não escondia o desconforto de estar sentado ao lado de quem ousou questionar a sua continuidade como PGR. Deve ter desejado uma cadeirinha na bancada mesmo à frente dele.

O HOMEM DO LEME


Numa bonita paráfrase "socrática" - portos, mar, turismo náutico, novas oportunidades, confiança, inteligência criativa, gerações, futuro, unidade nacional -, Cavaco apresentou os prolegómenos programáticos da sua recandidatura. Até Alegre apreciou.

O REGIME DA "LIBERDADE BASTANTE" OU O PAÍS FALIDO DO RESPEITINHO ETERNO, 2

O maçon Rosas, do Bloco - e familiar de um antigo ministro de Salazar que muito provavelmente o poupou a alguns vexames desnecessários - falou pela seita no parlamento. E "ligou", muito apropriadamente, o centenário da república ao 25 de Abril. Na realidade, 1910 e 1974 inauguraram dois regimes de partidos, o primeiro uma ditadura de um, sem votos, o segundo uma ditadura de vários, com votinhos. Dizem-nos que, sem eles, não existe democracia. Concordo. Por isso é que, com estes directórios partidários herdados do pior da república do centenário, isto é uma mera fachada de democracia. Não há nada para comemorar.

Adenda: Grande discurso desmistificador do rapaz do hífen, o Aguiar-Branco. Finalmente. Segue-se o Joãozinho Soares que é sempre um bom momento para um tipo se lavar.

O REGIME DA "LIBERDADE BASTANTE" OU O PAÍS FALIDO DO RESPEITINHO ETERNO


«Nenhuma verdadeira revolução trouxe a ninguém nada de bom. A revolução francesa atrasou o desenvolvimento industrial do país, criou 70 anos de instabilidade política e, com Napoleão, pilhou e arrasou a Europa inteira. A revolução russa conseguiu parar a evolução do império para uma sociedade burguesa e semicivilizada, fez morrer dezenas de milhões de pessoas na guerra civil, nas purgas e nos "campos de trabalho" e acabou por instalar uma das tiranias mais violentas da história. E mesmo no nosso pequeno Portugal a revolução republicana, que hoje discretamente se comemora, trouxe uma república intolerante e terrorista, que, pela sua desordem e fraqueza, introduziu a longa ditadura de Salazar. A outra face do equívoco é a de que o "25 de Abril" não passou de um pronunciamento militar, que o Partido Comunista e alguns loucos desirmanados tentaram transformar numa revolução. Se o programa do MFA se limitasse, como devia, a dois fins legítimos - descolonizar e, assim que possível, convocar eleições -, Portugal provavelmente não teria passado pela irresponsável aventura do PREC, que desfigurou o Estado e paralisou a economia. Com a revisão constitucional de 1989, 14 anos depois, voltámos pouco a pouco a uma certa espécie de "normalidade", insegura e precária. Mas nem por isso nos livramos dos velhos vícios da ditadura e do PREC. A regularidade e o realismo, que as circunstâncias gritantemente pediam, degeneraram na improvisação e no conflito. De qualquer maneira, agora existe um Estado providência (imperfeito, evidentemente) e, quer queiram quer não, existe liberdade bastante.»


Vasco Pulido Valente, Público

OUTRO "SÍMBOLO"

Daquilo a que chegou o "25 de Abril".

FOGUETÓRIO

Ouço ao longe foguetes. Deve ser por causa do "25" (passam quinze minutos da meia-noite) ou do benfica que é a mesma coisa que o "25" para milhões de indígenas. Trinta e seis anos disto, de foguetório, e não aprenderam nada. Deus lhes pague que não tenho troco.

24.4.10

"DIAS DA MÚSICA"?



Decorre no CCB uma daquelas pavorosas jornadas dos "dias da música" que atraem multidões musicalmente iletradas como, dantes, a feira popular as atraía para comboios-fantasma e rodas. O CCB há muito que se tornou num sítio pouco interessante à excepção de um bar, daquele bar lá em cima, pequeno e acolhedor, com vista para o Tejo. De equipamento cultural, o CCB passou a armazém quase exclusivo das coisinhas do comendador Berardo e a uma espécie de monte alentejano do dr. Mega e respectivos acólitos. De resto, alberga apresentações oficiais e oficiosas e pouco mais. "Os dias da música" constituem uma pessegada non stop, sem o menor prestígio, supostamente destinada a "incutir" nas massas que por lá se passeiam algum gosto musical. Não se "educa" um gosto musical no meio de um turbilhão maciço. Requer tempo e, pasme-se, silêncio. O dr. Mega, que é tão ilustrado, devia saber isto de cor. Mas o videirismo fala sempre mais alto. Como as criancinhas a berrar pelos corredores com simulacros de Bach a soar ao fundo.

Clip: Gustav Mahler, Final da Sinfonia nº 2, "Ressurreição". LPO. Leonard Bernstein

UMA MODIFICAÇÃO

Nas causas, uma boa modificação, entre peixe congelado e esparregado. O pior mesmo é a bola e os pés. Os dos futebolistas. Sim, é preciso tratar dessas unhas.

VERMELHOS, AZUIS, VERDES, CASTANHOS, AMARELOS ET AL.


Esta gente que vai à bola é muito fina.

UM "SÍMBOLO"

Daquilo a que chegou o "25 de Abril".

KUNG NO SEU LABIRINTO


Hans Kung é um discutível teólogo contemporâneo. Mas Kung há muito que olha para a Igreja como uma associação de prosélitos e de beneméritos na qual deviam coexistir "tendências", preferentemente não reaccionárias (as vezes que Kung usa o termo nesta carta são reveladoras), que a ajudassem a ser mais "sociedade civil" - tal como ela nos é vendida e vivida diariamente com os sucessos pessoais e públicos que se conhecem - e não a Igreja milenar cuja existência e sobrevivência depende justamente da firmeza e da intransigência em relação ao "tempo que passa". A Igreja de Ratzinger parte do pressuposto que, de facto, o tempo e o homem passam e que não compete a ela seguir a moda ou, in extremis, juntar-se-lhe para não perder o delicado pezinho na história. Kung porventura não se importaria que um novo concílio - que recomenda - terminasse com um concerto de lady Gaga ou de Amy Winehouse algures numa mesquita. Ratzinger aconselhou os fiéis e os ministros da Igreja, muito cedo, ao hábito de viver em minoria. Kung, pelo contrário, parece desejar que a Igreja - e o catolicismo - seja tão popular como o Inter de Milão, o iPod ou a Oprah para sobreviver. Ao apresentar-se "mais papista que que o Papa" por se imaginar "mais deste mundo", Kung não está a ajudar a Igreja com os seus conciliábulos privados. Limita-se a acender o facho que vai à frente da multidão dos inimigos da Igreja e daquilo que eles representam. No fundo, Kung não quer outra Igreja. Quer outra coisa.

UM ACTO DE JUSTIÇA POÉTICA


«Era em Praga, num dia de sol e o dr. Cavaco, ainda primeiro-ministro, estava sentado num muro da cidade velha. Muito bem-disposto, resolveu dar uma espécie de conferência de imprensa improvisada. A certa altura, um jornalista perguntou se a República Checa podia entrar na União Europeia dentro de seis meses, como tinha anunciado. E o dr. Cavaco respondeu, com o seu sorriso condescendente e petulante de "bom aluno", que não podia. Essas coisas, explicou ele, em grosso, eram muito mais complicadas do que, na sua inocência, os checos julgavam. Mas, naturalmente, iam aprender. Agora o dr. Cavaco voltou a Praga e o Presidente Vaclav Klaus manifestou em público o seu espanto pela serenidade com que Portugal vivia na sombra de um défice tão assustador. Portugal, segundo Klaus, devia andar "nervoso". Este comentário, manifestamente pouco diplomático, foi um acto de justiça poética. Quando administrou a sua lição àquela pobre gente, saída do comunismo e, ainda por cima, eslava, o dr. Cavaco não sabia nada sobre a República Checa. Não sabia que a Boémia era o centro industrial do Império Austro-Húngaro. Não sabia que tanto Hitler como a URSS o haviam cuidadosamente conservado e alargado. E não sabia (porque não olhou para um mapa) que geograficamente a República Checa ocupava uma posição privilegiada na Europa. Hoje, para perpétuo vexame do dr. Cavaco, o Skoda passou a ser um carro vulgar em Portugal, o Presidente Klaus exibe um défice trivial e uma balança de pagamentos positiva; e o nosso Professor vigia, inerme, de Belém, um país periclitante, à beira da falência. Moral da história? Por um lado, que não é muito boa ideia perorar sobre o que não se percebe. E, por outro, que o "desenvolvimento" cavaquista partiu desde o princípio de premissas falsas. Portugal chegou ao "25 de Abril" sem uma verdadeira "revolução industrial" e sem um verdadeira "revolução burguesa". O liberalismo, político ou económico, nunca passou de uma ideologia minoritária, estranha a uma sociedade, no fundo, camponesa e a uma classe média, dependente de um Estado hipertrofiado e centralizador. Esperar que o dinheiro da "Europa", a política do betão, o ensino de massa e as privatizações conseguissem o milagre de a "modernizar" não passou de uma ilusão e de um erro. Quando se raspa o "novo português", que o dr. Cavaco tanto contribuiu para fazer, o que fica é o português indigente e finório, à procura de um bom "negócio". O défice e a dívida, que nos perseguem desde o século XIX, não reapareceram por acaso.»

Vasco Pulido Valente, Público

UM POEMA

Au réveil tu me dis:- Je vais sur la terrasse:
C’est toujours imprévue la folie qui te prend.
Me méfiant de toi je vois ce qui se passe,
Et la queue du soleil t’encule heureusement.

Vitorino Nemésio, Caderno de Caligraphia e outros poemas a Marga.

23.4.10

UM REGIME DE PAPEL


Se Cavaco se recandidatar, votarei naturalmente nele. E reservo-me, até por isso, o direito a não lhe lamber os pés. Dito isto, a "esquerdofilização" folclórica do Palácio de Belém à conta dos trinta e seis anos deste regime equivocado, era desnecessária. "Deolinda"? "Projectar Abril"? "Cravos de papel"? Senhor Presidente: deixe essas figuras para o bardo Alegre cuja cabeça está parada, vai para mais de cinquenta anos, na Rua da Sofia. Seja igual a si próprio. Rigoroso, austero e pragmático. O país precisa dessa austeridade ética para conviver saudavelmente com a sua liberdade. De papel, já basta o regime.

UMA PINHA CRAVADA NA GARGANTA DA EUROPA


Este senhor está com cara de quem se prepara para defecar uma pinha.

«CABEÇA PARA BAIXO, RABINHO PARA O AR»


Dantes era por carta. Agora o mail electrónico torma tudo mais fácil o que nem sempre quer dizer melhor. Um amigo que, para felicidade dele, está bem longe e que vai lendo o que por aqui fica - e deste que, para vitalício azar dele, ficou -, remeteu-me prosa que, descontada a parte pessoal, merece ser post. E o "pessoal" da parte serve para nós e para quem lá vem mencionado já que não rasuro nomes a não ser que o "pessoal" da coisa seja mesmo pessoal e não um "pessoal" que decorre do notoriamente público. Quem ler, por exemplo, a correspondência editada de Jorge de Sena com os seus contemporâneos, perceberá o que quero dizer.

(...) Vou lendo o Portugal dos Pequeninos e acompanhando as tuas hortaliças. Como não estar atento a um país tão catita como o nosso, que paga ao fémur da Medeiros as suas estiradas até Paris e ao papa-figos da PT para bater punhetas ao capadócio que nos governa, esse que assina casas que parecem enchovias (...), para não falar da canzoada da oposição, do louro Coelho (porra, mas quantos Coelhos há nesse país?), dos pistoleiros do PP... Também vou lendo o Massagista Pitta, o nosso glande clítico litelálio, para me informar e por graça, e o Peixe-Cão Viegas... É tudo malta que não pode ser levada a sério, é para levar na desportiva, cantarolando e rindo: «todos os patinhos sabem bem nadar, cabeça para baixo, rabinho para o ar». Porque enrabados por enrabados, pelo menos que seja achincalhando.»
Adenda: Filipe, não seja piegas. O mal da nossa chamada literatura (e actividades comerciais adjacentes, prolongáveis em jornais, revistas, rádios e televisões) é este excesso de lamechice autocomplacente. Lá por sermos amigos deste ou daquela - mesmo até por isso - não devemos tratá-los como atrasados mentais ou criancinhas desprotegidas da sorte. A ironia e a polémica nunca fizeram mal a ninguém. Pelo contrário, à conta da "bondade", aceitamos sempre qualquer dedo enfiado onde menos se devia esperar acomodá-lo. É tempo de passarmos a ferro estes preconceitos respeitosos, atentos e veneradores e de evitar viajar em circuito fechado. Senão temos de ir buscar ao baú o poeminha da Natália Correia, destinado aos venerandos do tribunal plenário que lhe proibiram a Antologia, e relembrar que a poesia (leia-se, a blogosfera) é para comer.

POSTAL PARA O 25 DE ABRIL



«A nossa "esquerda" intelectual sistémica, que se indigna com a censura a um romance de Saramago ou a um quadro de Herman José sobre a Rainha Santa, cala-se perante a censura [na RTP2] a filmes de realizadores consagrados como Mozos e Fernando Lopes, este com 45 anos de carreira e que contribuiu, como responsável da RTP2, para o carácter do canal à sombra do qual esta direcção agora vive. É de uma ironia trágica que a RTP2 tenha censurado o documentário em que a fadista Aldina Duarte, instada a dizer a palavra da sua eleição, escolheu de imediato esta: liberdade.»

Eduardo Cintra Torres, Público

22.4.10

DA CERTEZA DOS CEMITÉRIOS


Outros que vivem no éter são os três monos da "quadratura do círculo", dois dos quais, o Xavier e o Pacheco, respeito. Costa nem em Lisboa conta. Mas a Xavier deu-lhe para defender (é a vida dele, coitado) os extraordinários gestores portugueses - os seus salários, prémios e gestão, a única coisa que é retórica na maioria deles - como se o país não pudesse passar sem os seus extraordinários contributos para o futuro da nação. Porém, apesar de excelentes segundo o dr. Xavier, persistem em não conseguir salvar a pátria. O dr. Pacheco, em geral, e na qualidade de especialista em oraculares comissões de inquérito e em vulcões, também comunga desta indispensabilidade nem que seja para maçar o eng. Sócrates que aprecia dar-se bem com Deus e com o diabo. Ora os cemitérios estão cheios de pessoas extraordinárias que nem uma terminação na lotaria ganharam. De salvadores indispensáveis e de luxo, nem se fala. A "quadratura" é um programa elitista destinado a "ilustrar" o pobre espectador acerca das maleitas dele (mais as do dr. Pacheco, para ser franco) para quem "gestores" são uns vagos "eles" que também acabarão nos ditos cemitérios. E só disso podemos ter a certeza. Da certeza dos cemitérios.

PERDOA-ME ET. AL.


O tal boy do PS que estava na PT, o sr. Soares, foi à comissão parlamentar do vetusto dr. Mota Amaral dizer que não dizia nada. Todavia, antes de dizer que não dizia nada, o sr. Soares aproveitou a solenidade do acto (e a estatuária partidária presente) para um patético "perdoa-me" público dirigido ao chefe e seu querido líder. A coisa caiu bem junto dos espanadores do costume e do sr. Rodrigues dos Açores que, no hemiciclo, vergastou delicadamente o seu camarada Cravinho a propósito da corrupção, atirando-lhe à cara (na ausência do visado como é adequado à fraca estatura caracterológica do insular indivíduo) a "dourada reforma". Algo está profundamente podre no reino socialista quando aquele jovem servidor emite sinais de retractação "à chinesa" e este Rodrigues existe tanto quanto mais vazio se revela. Ou então é mesmo assim.

EM NOME DE NADA

A proposta de revisão constitucional de Passos Coelho - um "número" que foi apresentado como se fosse tirar o pai da forca - é meramente panfletária. Não se toca no sistema político (como se este prestasse e não devesse ser mudado no sentido da constituição francesa, com cinquenta robustos anos de prática, a maior parte dos quais "aproveitados" pelos catorze do insuspeito Mitterrand que a havia baptizado de "golpe de estado permanente") mas alega-se que é preciso "liberalizar" e libertar a sociedade do "opressivo" Estado. Esta fatalidade epistemológica, vazia, do saloio "liberalismo" doméstico presume que não vivemos em Portugal. Mas infelizmente vivemos. Passos Coelho deve, por consequência, deixar que a realidade entre tranquilamente na sua cabeça e não impedir que isso aconteça em nome de nada.

FALAR VERDADE ACERCA DE UM FRACASSO


A diferença entre Eanes e os dois socialistas que lhe sucederam reside numa coisa. Falar verdade não politiqueira. Um fracasso é um fracasso que é um fracasso. As coisas são como são.

UM ESCRIBA NO PORTUGALÓRIO

O velho comunista B-B - quase, fosse ele, de facto, romancista, um neo-neo-realeiro muito esforçado - deu recentemente numa das mais virtuosas reciclagens operadas pelo PS e pelo regime. São actos de gratidão que ficam sempre bem a qualquer um. A câmara de Joãozinho Soares providenciou a espaço físico que, muito justamente, alberga o por vezes talentoso cronista e polemista. E a divina providência da política, onde o antigo sectarismo não descola deles mesmo quando eles de lá se imaginam afastados, faz o resto. O presidente checo é um vigoroso anti-comunista e um político "entomatado" e isso incomoda, desde Cavaco a B-B que, por sua vez, se incomoda sobretudo com o último por quem nutre vesgo ódio. B-B não entende (não lhe convém entender) que Klaus verberou mais uma língua de pau que vigora na Europa dos falsos consensos do que o Portugalório insignificante cuja merceria atrapalha e envergonha qualquer um. Parece que B-B queria que Cavaco desatasse numa bravata inconsequente e quixotesca contra Klaus para que isto não parecesse tão rídiculo e insignificante como na realidade é. No fundo, B-B transmuda a verrina que fazia as pequenas bolsas douradas de alguma da sua escrita na facilidade agradecida a um regime que, afinal, fez de Portugal o Portugalório que, ele sim, nos envergonha tão cá dentro como lá por fora e que Cavaco - porque é para isso que lhe pagam - defendeu, embaraçado, como pôde.

UM SOCIALISTA SEM AS MÁS ILUSÕES



«Tal como na vida existe muitas vezes uma ilusão biográfica, que consiste em olhar para o que nos acontece como se fizesse parte de uma história cujo fim já se conhece, também na política existe uma ilusão comemorativa, que leva a celebrar os acontecimentos como se, quando eles ocorreram, já se soubesse que destino os aguardava. E, contudo, nada é mais falso. A estas ilusões há que - como Sartre aconselhava - opor a força da contingência na história e da liberdade na vida. Ninguém é dono do sentido dos acontecimentos, ele está sempre em aberto e sujeito às relações de força que, conforme as circunstâncias da mais diversa natureza, ora valorizam um aspecto ora outro: o "espírito" do 25 de Abril de 1974, que se celebra no próximo domingo, é este ano certamente muito diferente do que foi em 1975, em 1986 ou em 2004, por exemplo. Por isso, talvez seja preferível olhar para alguns factores que mudaram completamente o estado do mundo e da pátria desde então. Olhemos para três deles, escolhidos pelo seu significado e pelas suas consequências. Em primeiro lugar, para o desaparecimento das polarizações ideológicas tradicionais. Depois, para a substituição do sentimento de progresso pelo de declínio, com base numa matriz de desconfiança que se generalizou nas sociedades ocidentais. Por fim, para a transformação estrutural da própria política, que tem hoje pouco que ver com aquilo que a caracterizava há trinta ou quarenta anos. Quanto ao desaparecimento das polarizações ideológicas, ele não significa apenas, como se costuma dizer, o fim da oposição capitalismo/ /comunismo, que se associa à queda do Muro de Berlim. Ela significa bem mais do que isso, uma vez que o que o que aconteceu foi que as ideologias deixaram de ser "visões do mundo" capazes de estruturar as sociedades, de motivar as comunidades, de federar os cidadãos ou de alimentar as suas convicções. E, no seu lugar, instalaram-se o indivíduo, o consumo e os media, que se constituíram no quadro de referências nucleares da contemporaneidade. É isto que explica que nenhuma verdadeira alternativa ao capitalismo tenha entretanto surgido no horizonte, nem mesmo quando o capitalismo se aproximou da catástrofe com a avassaladora crise que eclodiu em 2008. É que, como diz Aristóteles, é preciso opor para pensar: sem polarizações que estruturem o pensamento e a acção, o fatalismo e a resignação impõem-se quase inevitavelmente. Sintomático disso é o facto de governos de todo o mundo, fosse qual fosse a sua natureza política, terem reagido do mesmo modo à crise: injecções de fundos públicos para salvar os bancos, planos de relançamento para sustentar a actividade económica e medidas sociais para atenuar os seus efeitos. Como observou Pierre-Antoine Delhommais no Le Monde, "no Japão, em Espanha, na Alemanha, em França, em Itália, na Suécia, trabalhistas, conservadores, liberais, comunistas, sociais-liberais, Bush, Obama, Sarkozy, Merkel, Brown, Zapatero, Strauss-Kahn, Putin, Hu Jintao, todos adoptaram respostas de política económica à crise rigorosamente idênticas." (22.03.2010) O segundo factor emerge naturalmente desta situação. Pressente-se que as elites se e nos enganam, o que leva a que as expectativas de progresso vão sendo soterradas por uma desconfiança que cresce constantemente no meio da desorientação geral. Tudo nos antípodas do optimismo de 1974, consolidando - e é o terceiro factor - uma imensa transformação da política que, por sua vez, se alimenta de várias razões. Entre elas, destaca-se a globalização, que transferiu o poder para uma escala que escapa às políticas nacionais, reduzidas a uma inesperada impotência. Destaca-se também o "distributivismo" orçamental, que se deixou apanhar nas teias de uma cidadania cada vez mais consumista e na tenaz das exigências de curto prazo, que alimentam a "servidão voluntária" do nosso tempo. E destaca-se ainda o voluntarismo sem noção da história ou da complexidade da sociedade, que se ilude pensando que a política tudo comanda e que é tudo uma questão de determinação.»


Manuel Maria Carrilho, DN

21.4.10

UMA MANCHA

Estando com um penedo fronte a fronte,
Que eu pelo rosto angélico apertava
Não fiquei homem não, mas mudo e quedo,
E junto dum penedo outro penedo."

Os Lusíadas, Canto V


Aquela deputada-actriz ou actriz-deputada que se senta significativamente na "comissão de ética", a D. Inês de Medeiros, com um parecer de um consultor jurídico da AR (quem?) e com um despacho favorável do dr. Gama nele aposto, vai ter as suas viagens semanais Paris-Lisboa (em executiva?) pagas pela dita AR, mais as ajudas de custo, com a alegação de que a menina, coitadinha, vive em Paris onde já residia quando o PS a convidou para ornamentar as listas. Exemplares, como sempre, os nossos representantes políticos. E depois não querem que o sr. Asdrúbal e respectiva prole - o homem-médio contribuinte que paga isto tudo e que contribui para o famoso crédito mal parado - não vá a Cancun a prestações que fica a dever ao banco. Gama andava relativamente bem mas, de repente, lembrou-se da seita a que pertence (e que fundou) e à qual, como um pequeno adesivo de caixa de prontos-socorros, se associou, em versão independente e politicamente nula, a referida proto actriz. Uma mancha no seu mumificador currículo presidencial parlamentar.

Adenda: Informa um leitor (via JN) que a dita actriz fazia parte de um "mostruário" de alegados famosos que podiam ser úteis a uma empresa (a PT) e a um partido (o PS) em campanhas publicitárias. Para além dela, o "estudo" incluia Figo, a menina Patrocínio e Mourinho, aparentemente o único que demonstrou algum tino. Isto tudo foi revelado pelo sr. Penedos júnior ao parlamento a quem o camarada não-sei-quê Soares, da PT, encomendou a "parte" jurídica da coisa. Que asco que esta gentinha latino-americana do mais rasca que há desperta.

Adenda2: A coisa não podia deixar de ter o dedo do extraordinário Lello que, na sua condição de presidente do conselho de administração da A. R., possui "voto de qualidade". Devia ser a esta "qualidade" que o preclaro Sampaio se referia. Isto é pior que os "irmãos Metralha" porque tem uma "capa" institucional para esconder a falta de vergonha.

SAMPAIO E A "QUALIDADE"


Um tipo acorda, normalmente mal disposto, liga o rádio e sai-lhe o dr. Sampaio em defesa da "qualidade" da democracia contra os "interesses corporativos". É coisa para dar cabo do dia até a um surdo. O único ex-presidente que não sofre de incontinência verbal é Ramalho Eanes. Os outros dois socialistas - que "apanharam" isto em velocidade de cruzeiro - julgam-se génios nacionais postos nos cornos da lua e, volta não volta, aí os temos com as suas vacuidades pseudo-subtis como se os dez anos que cada um presidiu a isto não tivessem chegado. Infelizmente o que os trinta e seis anos de regime produziram em matéria de elites são lugares-comuns ambulantes como estes. Uma vaga corda internacional que lhes deram permite que se exibam recorrentemente como os oráculos da Amadora para a política nacional. Ora se não há "qualidade" nesta porcaria - e se, pelo contrário há mais porcaria do que qualidade seja do que for - também a gente como Sampaio tal se deve. Bem como a prosperidade dos "interesses corporativos" que tem várias encarnações tais como o "filhismo", o "primismo" ou o "aparelhismo", tudo fruta podre do mesmo cesto. Por isso, dr. Sampaio, vá maçar outros que por aqui estamos relativamente cheios do vazio complacente que V. Exa. tão eloquentemente encarna.

20.4.10

GUTERRES


O bonzinho Guterres vai ser reconduzido como alto comissário da ONU para os refugiados. Foi-nos fatal como chefe de governo, sobretudo a partir do segundo mandato e por Sócrates. Mas, olhando ao actual estado da arte, até eu tenho saudades dele. Daria um civilizado PR num regime como o nosso, lamentavelmente não presidencialista e demasiado iletrado.

RIDÍCULOS


Conforme disse aqui, com certo tipo de gente só a espada serve e não a paz. É o caso desta palhaçada provocadora. A "cobertura" que está a ser dada a estes engraçadinhos diz bem do estado amoral (nem sequer, de tão estúpido, chega a ser imoral o que seria o menos) em que vivemos. Ridículos.

UM DESASTRE ANUNCIADO

As "confiantes" declarações do Presidente sobre a nossa economia e o seu glorioso futuro, nacional e internacional, só têm uma interpretação possível. Cavaco ficou associado, como primeiro-ministro, a um bom desempenho. Dele e do país. Teme agora, como chefe de Estado presumivelmente reeleito, vir a presidir a um desastre anunciado.

COMO NÃO DEVEMOS SER


O inconfundível prof. Lopes da ERC foi à patética "comissão de ética" afirmar que "não se pode dizer que a liberdade de expressão esteja em risco". Já se percebeu que o desfile de "personalidades" perante a dita comissão e a outra, a de inquérito ao "negócio tvi-pt", vai recordar-nos, em mau, os saudosos programas de folclore português desse grande poeta que foi Pedro Homem de Mello. Por uma vez concordo com Sócrates - distância daquela gente toda e por escrito. O prof. Lopes é, aliás, a prova viva do que afirmou. A circulação de tantos como ele - tão sábios e seguros da respectiva "ciência" mas que acabam por vetar o jornalista a ou b para o entrevistar - é um bálsamo para a liberdade de expressão. Para, justamente, termos uma boa noção de como não devemos ser.

Adenda: Este pormenor da pastilha elástica também contribui para o "prestígio". Um qualquer porque é uma palavra cara às gentes do regime como o que lá a colocou. Lembra pormenor idêntico, só que passado, se a memória não me trai, numa varanda. O filme era O Último Tango em Paris, de Bertolucci, e o Lino da varanda era Marlon Brando. Pelo caminho da coisa, a "comissão" ainda chega à parte da manteiga.

A COMÉDIA DOS ATEUS

«O Papa não é um "líder religioso qualquer", como tem sido amplamente referido. Pretender equipar a visita de Bento XVI à visita de qualquer outro líder religioso (hindu ou muçulmano, como já vi defender) é não compreender a realidade portuguesa e desconhecer totalmente a sua história. Há uma ligação entre o País (e o ocidente, em geral) e a Igreja que um Estado laico deve saber reconhecer. Um Estado laico não é sinónimo de um Estado anti-religioso, incapaz de compreender a dimensão pública da fé. E a crer nalgumas coisas que por aí têm sido escritas, dá ideia de que o Papa, não lhe sendo retirado o direito de viajar pelo mundo, devia ter, pelo menos, a decência de o fazer clandestinamente. De forma a não importunar ninguém. Porque o problema é que este Papa, em particular, importuna.»

OUTRA COMÉDIA

Por falar em comédia, o que se passou no Funchal, no domingo, entre Alberto João Jardim e José Sócrates dá razão àquela frase muito batida. A história, privada ou pública, acontece primeiro como tragédia e depois como comédia.

A COMÉDIA QUE NÃO É DE DEUS


«The materialistic and selfish quality of contemporary life is not inherent in the human condition. Much of what appears “natural” today dates from the 1980s: the obsession with wealth creation, the cult of privatization and the private sector, the growing disparities of rich and poor. And above all, the rhetoric that accompanies these: uncritical admiration for unfettered markets, disdain for the public sector, the delusion of endless growth. We cannot go on living like this. The little crash of 2008 was a reminder that unregulated capitalism is its own worst enemy: sooner or later it must fall prey to its own excesses and turn again to the state for rescue. But if we do no more than pick up the pieces and carry on as before, we can look forward to greater upheavals in years to come. (...) Poverty is an abstraction, even for the poor. But the symptoms of collective impoverishment are all about us. Broken highways, bankrupt cities, collapsing bridges, failed schools, the unemployed, the underpaid, and the uninsured: all suggest a collective failure of will. These shortcomings are so endemic that we no longer know how to talk about what is wrong, much less set about repairing it.»


Tony Judt: Ill Fares the Land, Penguin , 2010.

UMA ABSTRACÇÃO PROSTITUÍDA A SAPATOS


Não gosto, a não ser a título de tentativa de compreensão desse enorme «descampado de almas» que era Fernando Pessoa (o termo é de Jorge de Sena, o tal que tem andado comigo ultimamente), do livro Mensagem. Apetece-me gozar com aquilo tudo como, suspeito, o próprio Pessoa gozou. Era para se chamar Portugal. Todavia, o "velho amigo Da Cunha Dias" fez notar ao autor «que o nome da nossa Pátria estava hoje prostituído a sapatos, como a hotéis a sua maior Dinastia» e Pessoa acabou por considerar Mensagem "mais certo" e um "título concreto" por oposição a "esse título abstracto", Portugal, a tal coisa prostituída a sapatos como a hotéis. A coisa que está e é.

19.4.10

LELLICA CABEÇA


Entre dois "House" passo num dos cem canais da RTP, a RTN, onde perora o sr. Lello do PS. Reparo que está em processo de alívio da coloração artificial da toponímia capilar. É pena que idêntico processo não sirva para "limpar" o conteúdo da lelllica cabeça pressupondo, claro, que há lá algum.

O MINISTRO QUE LIA JORNAIS ET. AL.

Uma das coisas "interessantes" que a comissão de inquérito parlamentar - dirigida pelo puríssimo Mota Amaral com o Rodrigues dos Açores que "sabe" que o governo é inocente e que terá como relator um tal Semedo que também já "sabe" as conclusões - apurou foi que o fatal Mário Lino, o do "jamais" em francês, lê jornais. De resto, é como se diz aqui: «nós, que estamos a assistir a esta miséria de longe, ficámos com a certeza que a Comissão de Inquérito vai ser tão útil quanto a Comissão de Ética.»

«QUE FAREI EU COM ESTA ESPADA?»