30.6.08

DO DESPEITO


O sr. Pinto da Costa foi ilibado por um tribunal de instrução criminal num "caso" edificantemente conhecido por "da fruta". O Ministério Público da dra. Maria José Morgado quer recorrer. E porquê? No fundamental, porque a "equipa" da dra. Morgado acreditou num livro que até o PGR confessou que tinha "mandado ler". Quando isto começou, escrevi aqui que "usar o ressentimento e um desastre da vida pessoal como canais privilegiados de uma investigação, é, no mínimo, desagradável." Repito (e detesto a bola) : só num país pindérico como o nosso é que é possível constituir uma trama judicial em torno do despeito.

A SÍNDROME DO DEDINHO APONTADO

Não me parece que Cavaco Silva tivesse comprometido a independência entre o Estado e a Igreja por, após uma audiência com o Papa Ratzinger, ter-se declarado católico praticante. Anteriores chefes da Igreja católica receberam presidentes da República portuguesa que sempre exibiram, com imensa alegria, a sua condição de socialistas, laicos e republicanos sendo certo que nem o país nem o Papa se mostraram incomodados com essa exibição, nem Portugal se tornou mais vaidoso e próspero por os saber agnósticos ou do Sporting. Não vale a pena estender o manto diáfano do jacobinismo ao laicismo do Estado e, muito menos, cobrir o presidente com as suas vetustas vestes inquisitoriais e moralistas, limitando-lhe o direito a proclamar o que sempre foi sem quaisquer outras intenções.

GABRIELE D' ANNUNZIO



Por causa do sol, vítima da "inconveniência" humana, só chego à praia depois das seis da tarde para tomar banho até às oito. Às nove da noite de sábado, o dito sol ainda marcava a linha do horizonte envolta em neblina num areal finalmente deserto. Pierre Assouline dá notícia de uma edição bilingue (francês e italiano) de poesia de Gabriele d' Annunzio, Poemas de Amor e de Glória. D' Annunzio? «Héroïque mais aussi mégalomane, mondain, fanfaron, excentrique, scandaleux et nationaliste tenu pour pré-fasciste ; mais même ceux qui l’avaient réduit à son dandysme durent reconnaître qu’il était plus proche de Byron que de Wilde, bien qu’il se soit acharné à faire de sa vie une oeuvre d’art.» Foi isso que d' Annunzio prodigalizou: soube fazer da sua vida uma obra de arte. Certamente um belo livro para ler nesses breves instantes vistos a partir de um areal deserto e que precedem a noite e a solidão.

«Comme scorrea la calda sabbia lieve/ per entro il cavo della mano in ozio,/ il cor senti che il giorno era piu breve./ E un’ansia repentina il cor m’assalse/ per l’appressar dell’umido equinozio/ che offusca l’oro delle piagge salse./ Alla sabbia del Tempo urna la mano/ era, clessidra il cor mio palpitante,/ l’ombra crescente di ogni stelo vano/ quasi ombra d’ago in tacito quadrante».

(La Sabbia del Tempo)

29.6.08

SÓCRATES FOI-SE EMBORA SEM TER OUVIDO OS TIROS


Alguém disparou para cima de um pavilhão no Algarve onde Sócrates perorou meia hora antes para os seus camaradas do PS de Portimão. A jantarada continuou, imperturbável, sem dar pelos "impactos". Ao Tomás Vasques - cujo talento para ficcionista posso testemunhar através do seu "O General de todas as Estrelas foi-se Embora sem Ter Bebido um Trago de Havana Club", das Edições ASA - deu-lhe para a "teoria da conspiração" ou, para emprestar algum "realismo" à coisa, para o "terrorismo". Se alguém quisesse atacar o primeiro-ministro dificilmente se ia por a dar tiros para o telhado de um pavilhão meia hora depois da "vítima" ter saído. Há demasiado armamento espalhado pelas mãos erradas e que a "autoridade", que Sócrates representa, não consegue "recolher". Esta é a questão fundamental. O resto é com a investigação criminal e não com a ficção política.

DA DIGNIDADE

«Nelson Mandela tresanda a respeitabilidade e possui aqueles traços de fineza aristocrática, segurança e equilibrio que só os homens superiores conseguem preservar. »

Miguel Castelo-Branco, in Combustões

OS NEOCON


Segundo o Público, «a organização da marcha [gay pride "à portuguesa" que costuma juntar umas centenas de "activistas" e de compagnons de route "correctos" em concorrência com os "arraiais populares"] não se fez sem alguma controvérsia. A adesão ao desfile do recente grupo Poliamor - que defende o direito a formas diversificadas de relacionamento, incluindo as não monogâmicas, desde que assentes no respeito e na sinceridade - não foi bem acolhida por todos, revelando algum conservadorismo de um movimento que combate a discriminação.» Quem diria. Esta maricagem associativa mistura pseudo-intelectuais "chiques" com o "Lumpen" dos subúrbios. Ao pretender institucionalizar, impor e "folclorizar" relações que não possuem a menor relevância social ou cósmica, como são as que ocorrem entre "samesexers" ou outras quaisquer, emerge apenas como uma ridícula caricatura. E é, afinal, um produto neocon. Con de parvos, naturalmente.

UMA HUMANIDADE CADA VEZ MAIS UNIDIMENSIONAL


«O desporto condiciona hoje em todo o planeta o imaginário dos povos, impondo-lhes um conjunto uniforme de representações a partir das quais eles concebem quase toda a sua existência. Como diz um dos mais finos intérpretes deste fenómeno, Robert Redeker, é no desporto que se concentram em mais alto grau os factores de uma tal uniformização: consumo desenfreado, fetichismo das marcas, pressão publicitária, culto dos ídolos, submissão aos média, sloganização da linguagem, histerização das multidões, fanatismo da performance. E aqui, nesta convergência, começa mesmo talvez uma nova era, em que o desporto se torna no catalizador de uma humanidade cada vez mais unidimensional – a do homo sportivus

OS MENINOS DE OURO


A jornalista da Antena 1, Eduarda Maio, escreveu a "biografia autorizada" do secretário-geral do PS e primeiro-ministro, intitulada Sócrates, o Menino de Ouro do PS (Esfera dos Livros). Quem consegue arrancar uma "biografia" a este homem sem qualidades de maior - ou seja, Sócrates é apenas mais um dirigente mediano na política do século XXI cheia de dirigentes medianos espalhados por todo o mundo -, merece, só por isso, aplauso. Se me der na telha - e se alguém me oferecer - lerei o livro com a maior atenção e darei aqui conta dele. Para já, apenas registo que a obra já propiciou um "momento centrão" a seguir com interesse. Apresentam a obra os drs. Vitorino, do PS, e Dias Loureiro, do PSD. Este último, para variar, não apareceu no congresso do partido nem foi visto ou ouvido a apoiar alguém. Politicamente é uma eminência cinzenta que Cavaco colocou no Conselho de Estado. De resto, é um puro homem de negócios. Amigo íntimo de Jorge Coelho - outro ex-membro do CE e outro grande homem de negócios -, Loureiro de certeza que não participa nesta "charla" por gostar de ler. Num momento de afirmação de uma liderança "nova" no seu partido, Dias Loureiro estaria a tomar por parvos aqueles que vissem nesta apresentação conjunta um gesto inocente. Como aqui tem sido repetido à exaustão, o regime tem manhas que a razão desconhece. Apresentar uma biografia de Sócrates não é um acto de cultura. É uma atitude política reveladora. De quê? De que o regime sobrevive fora do púlpito dos congressos e dos jantares com entusiasmos partidários ensaiados. À falta de uma elite digna desse nome, existem homenzinhos que, ao longo deste trinta e tal anos, foram tratando da vida dos partidos a que aderiram e, por essa via, tratando da vida deles. O que Vitorino e Loureiro celebram em conjunto (menos do que Sócrates, naturalmente, que a prazo deixará de contar) é essa cumplicidade "regimental" que os une. Muito depois de Sócrates ou Ferreira Leite desaparecerem de cena, eles continuarão por aí, com estes ou outros nomes. Porque são eles os verdadeiros meninos de ouro do regime. Ao pé deles, Sócrates é um mero menino de coro.

28.6.08

O MATA-MATA

Se bem me lembro, e certamente por mera coincidência, Vale e Azevedo só foi demandado pela PJ, à saida de um restaurante, quando já não era presidente do Benfica. Enquanto dirigiu o sublime clube desportivo - há quem lhe chame mesmo uma "nação" - Vale nunca foi incomodado. Scolari, que até há quinze dias atrás era um herói nacional, estava, afinal, a ser investigado por alegada prática de crime fiscal. Todavia, só agora foi divulgado. Em Portugal, o "mata-mata" já fazia escola antes do brasileiro malcriado aterrar na Portela. É para que veja.

JESSYE NORMAN




Fora de horas - é uma da manhã - a RTP2 passa um documentário com a cantora Jessye Norman. A entrevista, em inglês e em alemão, é absolutamente notável. No vídeo, Norman canta o Liebestod de Tristan und Isolde, de Wagner, no Festival de Salzburgo de 1987, com a Orquestra Filarmónica de Berlim dirigida por Herbert von Karajan.

27.6.08

A AMAZONA


O ser na fotografia, que ainda recentemente viu renovada a sua comissão de serviço, produziu a seguinte pérola a propósito dos chamados "exames nacionais" do secundário, esses extraordinários testemunhos do nosso "progresso tecnológico": «Os alunos têm direito a ter sucesso.Talvez fosse útil excluir dos correctores aqueles professores que têm repetidamente classificações distantes da média. O que louva o trabalho do professor é o sucesso dos alunos.» Jdanov não diria melhor. Por que é que as feministas não convidaram este homem para o seu congresso para ela lhes mostrar como se faz? Uso homem e ela indistintamente porque o ser lembra-me o poema do Cesariny:

«A MULHER, QUE É UM HOMEM, SOUBE SEMPRE GUARDAR AS DISTÂNCIAS E NUNCA PRETENDEU SUBSTITUIR-SE À VIDA SISTEMATIZANDO PUERILIDADES, COMO FILOSOFIA, AVIAÇÃO, CIÊNCIA, MÚSICA (SINFÓNICA), GUERRAS, ETC, ALGUNS PEDANTES QUE SE TOMAM POR LIBERTADORES DIZEM-NA "ESCRAVA DO HOMEM" E ELA RI ÀS ESCÂNCARAS, COM A SUA CONA, QUE É UM HOMEM. DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS, ANTES DA ROBOTSTÂNICA GREGA, OS ÚNICOS HOMENS-HOMENS QUE APARECERAM FORAM OS HOMENS-MEDICINA, OS HOMENS-XAMAS (HOMOSSEXUAIS ARQUIMULHERES). ESSES E AS AMAZONAS (SUPER-MULHERES-HOMENS). MAS UNS E OUTRAS ERAM DEMAIS. E DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS QUE PENÉLOPE ESPERA O REGRESSO DE ULISSES. MAS O REGRESSO DE ULISSES É O HOMEM QUE É UMA MULHER E A MULHER QUE É UMA MULHER QUE É UM HOMEM.»

DO OUVIDO


Ouço Karajan a dirigir a Carmen. E ocorre-me que nunca gostei de jazz. É aquele género de música que serve apenas para inalar mas que não dá para engolir.

SÓ ELE


Sócrates não desautorizou aquele alto funcionário de Bruxelas que ocupa o cargo de ministro da agricultura. Não. Sócrates, ao anunciar que vai reunir-se com a CAP e "liderar" as negociações com o que resta da agricultura em Portugal, apenas está a "ajudar" o referido funcionário. Não é a primeira vez - nem será a última - que o primeiro-ministro "chama a si" os dossiês que alguns membros do governo embrulham ou agravam. Por exemplo, na cultura, com Pires de Lima, Sócrates fez a vez da ministra e "secou-lhe" o mandato com Berardo e a Casa da Música. De tal forma que o sucessor, o brilhante Pinto Ribeiro, ficou a gerir uma casa-fantasma onde não se passa nada. Com Mário Lino, e embora não dispense a sua presença, é a mesma coisa. Há sempre uma "adenda" de Sócrates às investidas contraditórias do ministro. Por isso, uma dia destes, reparei nas prestigiadas olheiras do pretty boy. E nas rugas. Sim, nas rugas. Sócrates finalmente atingiu aquele patamar que sugere "credibilidade": olheiras cavadas e rugas. Porque, cada vez mais, o governo é ele e ele é o governo. Só ele.

26.6.08

RANGEL


Paulo Rangel é o novo chefe do PSD na AR. Fora o dr. Feyo, do CDS, as restantes "lideranças parlamentares" são todas de fugir. Por exemplo, não se percebe por que é que o partido maioritário mantém Alberto Martins - pomposo, irrelevante e subserviente ao governo - em vez de optar por uma criatura mais "solta". Não sou adepto do nosso "sistema" dito semi-parlamentar porque, de uma maneira geral, os habitantes da "casa da democracia" não me merecem grande respeito nem me inspiram a menor confiança. Tal como o "sistema" está concebido, o deputado é, na realidade, um anónimo. Por mais afastado que esteja da "nação", como está, o deputado representa-a em abstracto e nunca o lugarejo por que foi eleito. Os "cabeças de lista" deslizam irresponsavelmente pelos distritos consoante os interesses da seita que lá os deposita quinze dias antes do voto. Não sei de onde brotou Rangel nem me interessa. Sei, todavia, que é adequado para o efeito. E isso é uma raridade que o PSD fez bem em não desperdiçar.

O BARRACÃO

Enquanto almoçava, via ao longe, na televisão do restaurante, as imagens de um barracão. O barracão estava atafulhado de papéis e de secretárias separadas por uns quantos biombos. As câmaras aproximaram-se dos biombos e podia ler-se "tribunal do trabalho", "ministério público", etc. Aí percebi que se tratava de um tribunal. Era em Portugal, na Feira, no ano da graça de 2008, em pleno "progresso" e em pleno "choque tecnológico" promovidos pela "esquerda moderna". O barracão fora pedido emprestado aos bombeiros porque o edifício original, com pouco mais de quinze anos, ameaçava ruir. Foi nos balneários dos bombeiros que, soube-se depois, juízes se esconderam para fugir às agressões das famílias de uns arguidos quaisquer. Não é virgem a situação de violência perpetrada em plena audiência. O que é menos comum, partindo do princípio que isto não é a Somália, é administrar a justiça num barracão. Todavia, se reflectirmos um pouco mais, talvez a imagem não seja, de todo, desproporcionada. A maturidade de uma democracia, como ensinam os "especialistas", mede-se pelo seu sistema de justiça. E o "sistema" reflecte o estado de um regime no fátuo da sua miséria. É, afinal, como estamos de democracia. Enfiados no barracão.

O RETRATO DE UMA SENHORA


Como se o tempo não tivesse passado, decorre em Lisboa um "congresso feminista". Promove-o uma organização apelidada de "união de mulheres alternativa e resposta". O cortejo de aderentes é notável e é ornamentado por alguns homens como Alexandre Quintanilha. Penso disto o mesmo que penso da ILGA ou de um grupo de forcados. Isto é, mal. Os méritos de um ser humano, e de um ser humano cidadão, em particular, não devem continuar a depender de uma classificação na base do sexo. Nenhuma mulher corre hoje o risco de chegar a uma qualquer universidade, por exemplo, e perguntarem-lhe se não estará equivocada. Um imbecil será sempre um imbecil independentemente de ser homem, mulher ou hermafrodita. O associativismo sexista, para além de elitista, destina-se supostamente a discutir e a impor "especialidades". Não imagino nenhuma mulher da Quinta do Cabrinha ou da Cova da Moura a ser "convidada" a apresentar uma comunicação ao congresso. As participantes - e os participantes - viveram sempre a "humilhação", nas suas cabecinhas pequeno-burguesas, como um fenómeno puramente intelectual. Nunca sujaram as mãos. Porque a história e as "situações" o não permitiam, as bandeiras fizeram o sentido do seu tempo. Agora não fazem sentido algum. "Academizar" o tema - é para isso que existem os "estudos de género" - vulgarizou-se. O lema da "delegada" francesa, arrancado à pré-história do feminismo, é o edificante "ni putes, ni submisses". Sem dúvida, o retrato de uma senhora.

25.6.08

ENCENAÇÕES


Num artigo no Público, Luís Miguel Cintra - um misto de Amélia Rey Colaço com Robles Monteiro do regime - saiu em defesa do Gilberto Madaíl da Cinemateca Nacional, o nosso eterno Bénard contra a deputada do PS, Isabel Pires de Lima. O argumentário? O que, de certeza, não utilizou contra aquela no pouco tempo em que foi ministra. Bénard é um "gigante" que está director-geral há dezassete anos e Pires de Lima (e os portuenses, por extensão) não passa de uma pirosa que quer ver os "clássicos" exibidos no Porto. Cintra, cujo umbigo é demasiado para o país que o sustenta através do ministério da Cultura, amesquinha Pires de Lima para defender o enorme Bénard. A antiga ministra da Cultura foi aqui zurzida por muitos motivos, incluindo o que suscitou o artigo nervoso de Cintra: ter cedido à chantagem do milieu para manter Bénard como director-geral, para além de todos os limites legais impostos à correspondente comissão de serviço, tornando-o em mais um "indispensável" com "licença especial". Quem serve o milieu sem perceber que o ministério da Cultura "faz" (ou devia fazer) política e não proselitismo, mais tarde ou mais cedo morre às mãos do milieu. Pires de Lima vai pagar a factura durante muito tempo. Esta gente, quando morde, não larga. É bem feito.

«O CAMINHO PARA O FECHO DE PORTAS»

«Perdemos todas as corridas. Perdemos a corrida para a Europa, a corrida para a industrialização, a corrida para a emergência de uma sociedade civil não artificial - porque a que por aí existe se vai parecendo cada vez mais com uma indecente barganha de dinheiros, favores e isenções - a corrida para a justiça, para saúde e para a educação. Ficou só o Bloco Central mais os futebóis, essa religião civil que vai lentamente tomando conta dos afectos, dos restos de lucidez e de bom-senso inerentes à espécie humana. Outros fogos surgiram, aqui e ali, como foguetório de entretenimento em momentos em que o comatoso recobrava o espírito. Coisas importantíssimas como os crucifixos nas escolas, as interrupções da gravidez, as drogas duras e moles, as regionalizações, as coincenerações e outras magnas tarefas do razonamento filosófico deixaram de lado coisas insignificantes como a reforma do Estado e da tributação, a reforma da educação, a formação do civismo e a discussão dos futuríveis. Estamos em coma há 10.000 dias. E aí se perfilam mais 10.000. É assim que estamos a calcetar, com paciência de coollie, o caminho para o fecho de portas.»

MISÉRIA E FARSA

O "choque tecnológico", afinal, é isto. Miséria. Entretanto, cantando e rindo, o governo lá vai "vender" o seu código laboral aos senhores da "concertação social", normalmente um pequeno grupo de idiotas úteis que fingem que são levados a sério por um governo que finge que os leva a sério. Farsa. Miséria e farsa. É o melhor retrato do regime.

A CULPA É DELE?


A SIC entrevistou "em directo" o dr. Vale e Azevedo, consultor financeiro em Londres, com a mesma tranquilidade com que passa telenovelas da Globo ou o dr. Balsemão a jogar golfe. Também "passou" os senhores ministro da Justiça e procurador-geral da República a falar de intendência por cá. Quem não soubesse de quem se tratava, podia julgar que Vale e Azevedo era o PGR, ou o próprio ministro da Justiça, e que os outros dois se limitavam a prodigalizar opiniões como meros "comentadores". O dr. Vale, como lhe compete e informou, não tenciona pagar nenhum bilhete de regresso nem abdicar dos carros, casas e iates que tem, em bom, há mais de vinte anos. O "directo" do dr. Vale e Azevedo valeu seguramente por cinquenta colóquios e cem perorações inúteis sobre a justiça portuguesa porque a revelou. Não se viu nos seus olhos nem ressumou da sua boca qualquer sinal de impotência. Pelo contrário, os dois responsáveis pela justiça em Portugal - um político e o outro pela investigação - é que pareciam dois incrédulos amadores postos em sentido pela luxuosa "vítima". A culpa é dele?

24.6.08

CÃO COMO NÓS?


Nunca percebi as contas da vida de um cão. Sei que o meu tem onze medidos pelos da nossa vida. Está inequivocamente velho. Como é pesado, coxeia embora arrebite e corra à vista de "colega" que lhe interesse. Custa-lhe subir as escadas e deita-se com facilidade na rua a descansar. Sei que vou morrer. E não apenas sei isso como sei que tudo e todos à minha volta também vão. Talvez por isso aprecie filosofia, essa silenciosa companheira que, ao mesmo tempo que incomoda a estupidez (Nietzsche), nos "prepara" (nunca "prepara") para nos vermos livres dos estúpidos para sempre. O cão, aparentemente, está dispensado a estas evidências. Ocorrem-me palavras de Fernanda Botelho. «Tudo à minha volta assume um cariz gerôntico. Estou a viver como uma espécie em vias de rápida extinção (...) Que torturada morte é esta ainda estúpida vida?»

SARMENTO PERONISTA

O TGV é um colossal embuste. Mesmo a Espanha já anunciou que não há linha até Badajoz. Dito isto, e porque a obsessão com o vitesse não é uma tolice exclusiva de Sócrates e Lino, não vejo - até pelo princípio da não consignação orçamental e por causa da gestão dos fundos comunitários - como é que se substituem linhas e comboios pela caridadezinha "social" recomendada pelo regressado Morais Sarmento. Este "peronismo" básico é um mau começo para as hostes de Ferreira Leite. E a senhora não tem manifestamente vocação para Eva Perón.

DIZER ALGUMA COISA

«Alguns escritores escrevem directamente e dizem: Escrevo cinco páginas por dia, o que parece aberrante. Não escrevem, apenas redigem um texto qualquer. Eu escrevo uma frase. Simplesmente, reviro-a vinte vezes para conseguir dizer alguma coisa.» (Michel Mitrani, Conversas com Albert Cossery, Antígona) Cossery vai ao osso da questão. Perde-se demasiado tempo a ler "um texto qualquer" que se toma por um "grande livro" ou por um "ensaio indispensável". Apesar de tantos palavrosos espojados nos escaparates, nos jornais, nas revistas, nas televisões e nas universidades, é cada vez mais difícil, entre nós, encontrar quem, verdadeiramente, consiga "dizer alguma coisa" .

ALBERT COSSERY (1913-2008)


Em apenas cinco anos, este blogue já conta com demasiados obituários. Isto quer dizer que, à semelhança dos que desaparecem, também nós, para usar uma expressão de Gore Vidal, nos encaminhamos graciosamente para a porta chamada "saída". Como as coisas andam, a ideia acaba por não ser completamente má. Albert Cossery, nascido no Egipto, "enfiou-se" em Paris há sessenta anos onde morreu, no domingo, com noventa e cinco. Literariamente era um nómada embora o homem se deslocasse por entre pouco mais do que uma rua durante todos estes anos. Não vivia para a vida videirinha e revelava o seu desprezo por isso na lentidão do ofício traduzida em "apenas" oito livros publicados. Como bom escritor, era um imenso observador das pessoas e dos seus acasos, no essencial, infelizes. «Lui qui fut l’ami de Henry Miller et de Lawrence Durrell, de Camus et de Queneau, de Jean Genet et d’Alberto Giacometti, on le voyait tous les jours s’attabler et se fixer pour de longues heures tel une momie élégante au Bonaparte, aux Deux-Magots, au Flore, sur l’autre rive du boulevard chez Lipp ou dans des cafés moins connus de la place, observant en seigneur nonchalant la course folle des gens, écoutant leurs conversations, médisant avec talent et causticité sur la faune alentour, cinglant mais non sans tendresse, et répondant par des sourires, des clins d’yeux et de longs silences, une opération d’un cancer de la gorge ne permettant pas à ses sons d’être audibles.» Citado aqui por Pierre Assouline, Cossery disse que escrevia para que quem o lesse não fosse trabalhar no dia seguinte. Em sua homenagem, eu que "sonhei" ser tão livre como ele e que acabei prisioneiro da insensibilidade, sentei-me no café a contemplar o vazio, meu e alheio, e a pensar neste homem que nunca desejou «ter um belo carro ou qualquer outra coisa» a não ser ter sido apenas ele mesmo.

23.6.08

UM SÍMBOLO


Vale e Azevedo, segundo a imprensa, vive luxuosamente em Londres. Desloca-se num Bentley com motorista e habita uma "mansão" de quinze milhões de euros. Vale e Azevedo é um acto falhado da justiça portuguesa. Foi exibido como praticamente o único troféu de jeito da caça à corrupção naquilo que passa por ser a "alta esfera" dos negócios e da fashion people entre nós. Pedro Caldeira, o corretor que foi apanhado nos EUA, ao pé deste é um menino de coro cujos "conhecimentos" lhe foram, também, da maior utilidade. Vale e Azevedo é, assim, apresentado como um herói e não como um vilão. Nas suas mediáticas idas a tribunal era saudado como um redentor dos esfomeados sócios do clube que dirigiu e não como um trafulha. Estas reportagens do seu "exílio" dourado não servem para outra coisa senão para suscitar no leitor - que "pega no batente" às seis da manhã, que não tem tempo para lavar os dentes, que dissolve uma bica e um queque num quiosque imundo da Amadora e que ofereceu um "kit" do Benfica ao filho mais novo - a banal inveja. Vale e Azevedo é aquilo que muito bom português apreciaria ser. A razão do seu "sucesso" é directamente proporcional à miséria instintual do país. No meio de tantos espertos, ele é o espertalhão que os outros espertos não conseguem ser. E isso deslumbra e enraivece, enraivece e deslumbra. "Ele é dos nossos", pensará o tal leitor entre dois arrotos. A diferença é que é Vale quem continua, como fazia nos debates da bola na televisão, a recomendar aos admiradores e à justiça que bebam um copo de água e que respirem fundo. Vale e Azevedo é, na verdade, um símbolo. Representa a derrota da justiça e o triunfo de um certo arrivismo chique que a democracia fez prosperar. Uma, aliás, não vai sem o outro. Ninguém tem por que se queixar.

22.6.08

É FÁCIL DIZER BEM MAL



O António Valdemar, no suplemento "cultural" do Expresso, escreve sobre o livro da foto. Vergílio Ferreira era uma verdadeira "língua de prata" ainda por cima talentosa e ferozmente independente. Deu-me muito gozo, em pleno curso de direito, ler os dois primeiros e fresquinhos Conta-Corrente, emprestados pela minha saudosa professora de inglês do liceu. Nessa altura, algumas das "personagens" visadas ainda me eram estranhas. Este Diário Inédito (Bertrand Editora) data de quase quarenta anos antes da saída da Conta-Corrente. A "catilinária" do Valdemar, contra o que ela pretende, é um convite subreptício a ir já comprar o livro. Por duas razões. Valdemar acha que V. Ferreira, ao dar conta do "ambiente" cultural e literário que contribuiu para a sua formação, entre 44 e 49, também devia ter derramado sobre a "angústia" anti-fascista e anti-salazarista que perpassava - ou que deveria obrigatoriamente perpassar - pelos "intelectuais" da época. «Graves omissões» ou passagens de «gato sobre brasas», eis como Valdemar qualifica tamanha desvergonha, digamos assim, não traduzida em letra de forma pelo autor de Aparição. O perfeito intelectual anti-fascista, segundo Valdemar, tinha forçosamente de escrever, por exemplo, sobre a «constituição e expansão do MUD» ou a maravilhosa «candidatura de Norton de Matos». Ou seja, este Diário Inédito poupa-nos, pelos vistos, aos lugares-comuns que conhecemos - e que V. Ferreira conhecia porque nunca foi suspeito de "colaboracionismo" - acerca da vulgata neo-realista inspirada pelo fim da guerra em tantos intelectuais "orgânicos" que andaram anos a fio a prometer-nos o "futuro" e o "progresso". Depois, e ainda segundo o crítico, Ferreira comete o sacrilégio de «investir» contra Régio e de «arrasar» Torga, dois monumentos à chatice literária nacional. Quem define Torga como «mixórdia de pederneira, bruteza e casebres da Beira ou Trás-os-Montes» faz mais pela história da literatura portuguesa que dezenas de babugens "correctas" que constam dos manuais tradicionais. O António, desde que promoveu a transladação do "mestre" Aquilino para o Panteão Nacional, tomou as dores de uma "escola de pensamento" dedicada a revolver as ossadas de alguns ex-campeões nacionais em maçada literária e em anti-fascismo "orgânico". Alterna, nesta meritória tarefa, com o dr. Soares quando este não está virado para os seus novos amigos latino-americanos. Por isso, e só por isso, devolvo-lhe a bola preta que destinou ao livro de Vergílio Ferreira. No hard feelings.

O REGIME CONTINUA


A blogosfera está agora bem representada na direcção do PSD. Lá se sentam Sofia Galvão e Paulo Marcelo. Quanto ao "conquistar a confiança do país" avançado pela dra. Manuela no seu discurso final de Guimarães, menos "cortante" que o primeiro, dá perfeitamente para uma de duas coisas. Liderar meritoriamente a oposição ou, a bem da nação, ser vice-primeiro-ministro de Sócrates. O regime continua.

Adenda: Ler este post do Pedro Correia que sintetiza bem a coisa. Não esquecer, do jazigo de família e para além de Machete, o "nº 1" do conselho nacional em nome da líder, António Capucho, uma "herança" do "bloco central" político de 83/85 que, no congresso da Figueira da Foz, hesitou até ao fim entre João Salgueiro (pelo "bloco") e Cavaco (contra o "bloco"). Esta gente tem um medo de ser de direita que até mete dó. Não é por acaso que sobrevivem e são "respeitáveis". Numa fundação, numa câmara, num governo, não interessa. Sobrevivem.

MALEDICÊNCIA


Sócrates fala em maledicência a propósito de oposição. Na voz deste insigne dirigente do absolutismo democrático em vigor, deixar as SCUT para depois das eleições, é maledicência. Não ter dinheiro para a intendência das universidades e para a investigação científica, é maledicência. Não ter mais postos de trabalho (eram 150 mil...) mas mais desemprego, é maledicência. Não ter economia, mas fantasia e especulação, é maledicência. Não exercer a autoridade do Estado oportunamente mas apenas por oportunismo, é maledicência. Em suma, Sócrates redescobriu no registo dengoso de Guterres, o bonzinho, a justificação para tudo o que o espera daqui para diante. Numa coisa tem razão. A melhor oposição é a realidade, algo a que ele é indemne porque só está atento à semântica. E isto sou só eu a falar. Como irreprimível maledicente.

21.6.08

MANUELA E OS SEUS


No congresso do PSD - que nem aos militantes presentes em Guimarães interessa - falou o "jovem" Passos Coelho. Imediatamente se sinalizou o "sucessor" de Ferreira Leite. Julgo que se enganam. O verdadeiro sucessor de Ferreira Leite é Rui Rio. É a segunda vez que aceita ser vice-presidente do partido. A primeira, foi com Santana Lopes, o cadáver em férias deste congresso. Rio, livre do Porto, é inevitável, mais tarde ou mais cedo, à frente da coisa. Quanto às escolhas da dra. Manuela, trata-se do jazigo de família retocado pela velha "novidade" Borges e por um talentoso Paulo Mota Pinto. Paulo Rangel depende do voto do grupo parlamentar e não propriamente da vontade da líder ou do congresso. É o melhor que saiu dali.

OS FILHOS DE MARIA DE LURDES RODRIGUES


Há dias disse aqui que Maria de Lurdes Rodrigues andava desaparecida em combate. Afinal, a ministra da Educação estava enredada nos "exames nacionais" e de "aferição" do ensino secundário. Pelo que se viu esta semana, mais valia ter estado quieta e calada. A escola democrática não prepara ninguém para o difícil, para a complexidade ou para a vida. A escola permite que milhares de imbecis analfabetos acedam ao ensino superior onde dificilmente conseguem escrever frases com nexo, quanto mais entender uma. A escola priva os meninos e as meninas à "dor do pensamento" enquanto o "plano tecnológico" atribui computadores e telemóveis em substituição dos neurónios. A escola facilita porque, ao facilitar, alegra as estatísticas que são a obsessão "moderna" de qualquer "política" optimista. Os "exames" que Lurdes Rodrigues veio defender em nome de umas estatísticas intelectualmente desonestas são uma vergonha. A escola esconde um embuste em nome da ânsia matemática em "apresentar serviço". A regressão na exigência corresponde à venda de gato por lebre. O governo, afinal, não pretende "qualificar" ninguém. Quer apenas sossego, acefalia, felicidade e uns belos números para apresentar em powerpoint. Como escreve a Maria Filomena Mónica em Os filhos de Rousseau, este «introduziu a ideia de que a criança era um botão de rosa» que «competiria» ao professor «estrumar». O ministério da Educação segue, como forma de propaganda, esta edificante "doutrina" que anula qualquer pretensão do "saber". Transforma alegremente os "botões de rosa" de Rousseau - que são o radioso "futuro" da pátria - em verdadeiras estrumeiras intelectuais.

O TRIO ODEMIRA

O ex-pai da pátria e reputado democrata Mário Soares é adepto do referendo "musculado" ao tratado de Lisboa, isto é, que se obrigue a Irlanda a repetir o referendo até que dê "sim", não lhe ocorrendo que teria sido preferível fazê-lo em todos os "27" por forma a evitar "o impasse elitista". Sócrates, por seu lado, está convencido que é um "político europeu habituado a dificuldades" e quer, a partir do tratado, "refazer" a sua pobre biografia. Finalmente, Barroso, com ar de marechal do "exército popular", advertiu contra os perigos dos "slogans populistas" contra Bruxelas. É uma espécie de "trio odemira" do regime para dar vida a um calhamaço que até o bolachudo primeiro-ministro irlandês confessou nunca ter lido na vida.

A MESSE

O congresso do PSD, visto pela televisão, é uma sala vazia sempre à espera que termine uma refeição ou que comece a próxima.

A PRIMEIRA COISA BOA

O horrível Júdice, amuado com António Costa, deixou o negócio da "frente ribeirinha" de Lisboa no meio de rasgados elogios a Sócrates e ao governo. Nunca se sabe, pensará ele, o que é que o futuro lhe reserva. É, no entanto, a primeira coisa boa que acontece no irrelevante mandato do presidente da CML.

20.6.08

SEM CONVERSAS MARICAS


Salvo um ou outro recurso ao inevitável "calão" partidário, Manuela Ferreira Leite estreou-se no congresso de Guimarães com um discurso como já não se ouvia desde 1985. Isto é, sem conversas maricas.

SUMÁRIO DA PATRANHA

«O Tratado de Lisboa é uma versão da Constituição Europeia, que não ousa dizer o seu nome. Foi feito disfarçadamente para parecer tão complicado que não lembra o original. Está cheio de truques e de subterfúgios. No ano passado só houve um fio condutor na preparação do novo tratado, e esse fio condutor foi usar todos os artifícios inclusive o dolo, a pressão, a chantagem, para evitar que o Tratado fosse a votos em qualquer sítio na Europa. Sobrava a arcaica Irlanda que ainda tinha a obrigação referendária na sua Constituição. Mas não devia haver problema, como se atreveria esse povo de beatos, freiras, proto-nazis, bêbados, brigões, e comedores de batata, a por em causa o projecto iluminista do nosso tempo, a Europa? Se tivessem lido Joyce, Yeats ou J. M. Synge saberiam que eles não são de fiar.Agora querem-nos expulsar da Europa, querem tornar um fardo para o governo irlandês o voto democrático dos seus concidadãos e dizem-lhe com arrogância: consertem lá o brinquedo senão vamos brincar para outro lado. Em Portugal também isto foi dito, sem sequer o temor de perceber que esta violência verbal ressabiada ter sido apenas dirigida a um pequeno país e nunca ter sido usada para, por exemplo, a França que votou um sonoro “não” à refulgente Constituição. Quando do “não” na Holanda e na França ninguém disse aos dois países para não empecilharem a Europa e saírem pela porta da rua da União.»

DA INFLUÊNCIA


A propósito de Victor Wengorovious, Medeiros Ferreira escreve: «Nunca o vi dissimular, induzir em erro, colocar os fins ao serviço dos meios, intrigar entre pessoas. O porquê dessa renúncia a cargos, ou a manter-se um «influente» na sociedade portuguesa continua a ser um mistério.» Com o devido respeito pela memória de um e pela amizade pelo outro, não existe nenhum "mistério". Como é que alguém, "sem dissimular, induzir em erro, colocar os fins ao serviço dos meios, intrigar entre pessoas", podia aspirar sequer a "manter-se um «influente» na sociedade portuguesa?"

19.6.08

A "DOUTRINA"


Pacheco Pereira "não conta" mudar a sua condição de militante de base. Aceita-se com dificuldade mas percebe-se. A dra. Manuela pode sair de Guimarães com uma trupe embaraçante. E Pacheco não é propriamente dado a embaraços. A "doutrina" não segue o circuito fastidioso da carne assada ou dos "consensos alargados". Estes é que a devem seguir.

RIENZI, ABERTURA






Homenagem a um rapaz chamado (injustamente) Schweinsteiger.

CONTINGÊNCIAS

É o título do blogue de um socialista livre, polémico e ironista no sentido que Richard Rorty fornece para o termo:

«Uso o termo "ironista" para designar o tipo de pessoa que encara frontalmente a contingência das suas próprias crenças e dos seus próprios desejos mais centrais - alguém suficientemente historicista e nominalista para ter abandonado a ideia de que essas crenças de desejos centrais estão relacionados com algo situado para além do tempo e do acaso. Os ironistas liberais são pessoas que incluem entre esses desejos infundáveis a sua esperança de que o sofrimento venha a diminuir e de que a humilhação causada a seres humanos por outros seres humanos possa terminar.»

AGUIAR-BRANCO, COM HÍFEN


Consta que o dr. Aguiar-Branco, com hífen, "ameaçou" abandonar o PSD se não for ele o escolhido para dirigente parlamentar da banda. Uma pessoa destas, com hífen, não pode admitir que alguém que o supera política e intelectualmente, como Paulo Rangel, e a quem calhou ter sido secretário de Estado da criatura, possa ocupar o cargo. É caso para dizer: porta da rua, serventia da casa.

AS VACAS SAGRADAS


«Nem Gordon Brown leva em conta o resultado do referendo irlandês.» O sr. Brown, um manifesto trambolho político escolhido por Blair para não ofuscar a sua "memória", é o quê? Mais uma vaca sagrada?

A DEBILIDADE DE CARÁCTER


O PS aprova, no Parlamento, uma "comissão" qualquer para a "prevenção da corrupção". Depois de ter removido o herói Cravinho para Londres, o PS aparece agora a tapar o sol com a peneira habitual de uma "comissão". A retórica do combate à corrupção é a melhor maneira de não fazer nada. Sobretudo quando a noção de corrupção é atomística e equívoca. Num Estado e numa sociedade civil pouco mais do que latino-americanas, a corrupção começa logo nos bancos da escola. O "copianço" é corrupção. O favorecimento dos conhecidos e o desprezo pelos anónimos nas mesmas circunstâncias dos conhecidos é corrupção. O não cumprimento de prazos e a não satisfação de pretensões legítimas por causa da exibição gratuita de poder é corrupção. Andar com os amigos ao colo do favor é corrupção. Em suma, e eu até nem gosto de futebol, a corrupção não está toda concentrada no esférico. Em trinta anos de democracia construíram-se fortunas e estabilizaram-se hábitos no Estado e na sociedade civil que são meras consequências de debilidades de carácter. A debilidade de carácter é a fonte da corrupção. Podem criar mil comissões que jamais conseguirão eliminar uma verruga entranhada. Não se pode remar contra a natureza das coisas, já dizia o escorpião à tartaruga.

O INSUBSTITUÍVEL

Pinto Ribeiro apareceu ontem para zurzir em Pires de Lima. A "produção fictícia" que ocupa a pasta da cultura emergiu apenas porque alguém lhe soprou que era necessário defender o ex libris Bénard da Costa contra uma deputada do partido da maioria. O "salazarinho" da Cinemateca pode realmente muito. Tanto que até obriga Pinto Ribeiro a mostrar que existe. País tão cheio de insubstituíveis como os cemitérios.

«ALLES WAS IST, ENDET»


«Wie alles war - weiß ich; wie alles wird, wie alles sein wird, seh' ich auch, - der ew'gen Welt Ur-Wala, Erda, mahnt deinen Mut. Drei der Töchter, ur-erschaff'ne, gebar mein Schoß; was ich sehe, sagen dir nächtlich die Nornen. Doch höchste Gefahr führt mich heut' selbst zu dir her. Höre! Höre! Höre! Alles was ist, endet. Ein düst'rer Tag dämmert den Göttern: dir rat' ich, meide den Ring!»

(Richard Wagner, Das Rheingold)

18.6.08

UM SOARES LATINO-AMERICANO


A RTP, certamente imbuída daquele extraordinário espírito de "serviço público" que a caracteriza, estreia um programa - mais um - do dr. Soares intitulado "Conversas de Mário Soares". Soares escolheu começar com o grande democrata Hugo Chávez, o seu querido amigo venezuelano, por quem nutre uma genuína admiração sobretudo depois de ele lhe ter dado uma réplica da espada de Bolívar. Portugal, graças a estas mútuas atenções, está transformado no "ponta-de-lança" de Chávez na Europa. É caso para perguntar se, entre a Irlanda e nós, quem é que representará melhor o "espírito europeu" e a "paixão inútil" pela condição humana. Na dúvida, dispenso este Soares latino-americano e prefiro recordar, com saudades, o europeu.

A DIREITA CENTRAL


Este artigo do Francisco Almeida Leite lança o anátema do "bloco central" à cabeça de Manuela Ferreira Leite. É previsível que, ao lado dela, depois de Guimarães e com a excepção de Santana Lopes, apareçam muitos dos que constituíram a "nova esperança" dos anos oitenta. Recordo que, para além de "rampa de lançamento" de Cavaco, na Figueira, a "nova esperança" representava a alergia interna ao "bloco central" então no governo. Por exemplo, o que pensará o comentador de futebol Marcelo Rebelo de Sousa (que fez parte da "nova esperança") dos "consensos alargados" da dra. Manuela, a "social" dra. Manuela, nas palavras do referido comentador que acumula o futebol com a política e a literatura infantil? É que falar em "consensos alargados" significa que Sócrates continua a mandar e que o PSD não disputa precisamente esse mando. Pelo contrário, até pode, a bem da nação, dar uma ajudinha. Quem é que falou em direita?

NÃO SEI MUITO BEM O QUE QUERO NEM PARA ONDE VOU

«As lideranças da direita continuam a fazer política como se a actual "crise" não fosse mais do que uma dificuldade temporária, feita à medida para as oposições se habilitarem à herança de S. Bento. Por isso, discutem se lhes convém ir pela "esquerda" ou pela "direita", serem mais "liberais" ou mais "sociais", na suposição de que essas coisas devem ser vistas como simples alavancas eleitorais, dispensando qualquer convicção. É esta leviandade justificada? Os portugueses estão a passar pelo mais prolongado período de divergência em relação à Europa desde a década de 1930. A Europa ameaça reencontrar os dilemas da inflação da década de 1970, com os decorrentes conflitos. Portugal, como os outros países europeus, precisa de orientações definidas com clareza e convicção. As nossas direitas não parece terem dado por nada. E arriscam-se a que os portugueses dêem por isso.»

Rui Ramos, in Público (nota: suponho que o articulista esteja longe de ser um neo-salazarista)

Nota, recorrendo a R. Aron:«[Parece-me] tão evidente a imprevisibilidade do futuro como a impossibilidade de manter o statu quo.»

A BELA E O MONSTRO

Em artigo no Público, Bénard da Costa apelida Isabel Pires de Lima de "ruim defunta". "Meta-se com gente do seu tamanho e haja respeitinho por quem não tem nem idade, nem percurso profissional, nem posição social para gastar mais cera com tão ruim defunta", escreve esta verdadeira figura de cera apascentada pelo "centrão". "Porque eu sou e ela foi", conclui delicadamente. Tudo a propósito de um pólo da Cinemateca Nacional (que Bénard dirige como um senhor feudal) no Porto, com conivências várias. Pires de Lima prova, afinal, do fel que, juntamente com todos os que a antecederam, ajudou a fermentar. Bénard "é" porque o regime, de Belém a São Bento, consente que ele seja. Existe um inexplicável temor reverencial pela criatura que lhe permite, ao arrepio do mais elementar bom senso, perpetuar-se e exigir, literalmente, "respeitinho". Inventaram-no e alimentaram-no. Agora aguentem-no.

O PROZAC DE BRUXELAS


Este cínico - a depressão encarnada - recomenda que a Europa tome uns ansiolíticos e prossiga com a sua gloriosa "reforma institucional". E também recomenda "solidariedade" com a Irlanda como se estivesse a falar de um país do terceiro-mundo. São pessoas como esta "honra nacional", forjada no "livrinho vermelho", que todos os dias "afundam" um bocadinho mais a Europa. Ele e o "directório" anónimo de responsabilidade ilimitada a quem ele obedece. Andam a brincar às escondidas com a democracia. Ainda se tramam.

17.6.08

CASADOS DE FRESCO


Depois de uma decisão judicial, a Califórnia governada pelo "exterminador implacável" passou a autorizar casamentos entre samesexers. Logo no primeiro dia teve lugar uma verdadeira correria para perpetrar a referida contratação, marcada, segundo as "agências", pela comovente união entre duas velhinhas de oitenta anos, uma da quais compareceu na sessão de cadeira de rodas. A decadência da instituição mede-se por estas frivolidades. Pelo andar da carruagem, o vetusto contrato mudará das mãos maioritárias para as outras. Samesexers parecem manifestar mais interesse nele do que um homem e uma mulher. Não lhes basta a tutela jurídica da relação sem a forma de um contrato concebido para entes de sexo distinto. E porquê? É preciso mostrar ao mundo o casamento como um espectáculo diferente do habitual, como uma "conquista" social e cultural e, a avaliar pelas contas feitas hoje na Califórnia, comercial. Haverá coisa mais foleira e trivial do que esta?

24 HORAS NA VIDA DE UMA MULHER

José Medeiros Ferreira esteve a ler Ferreira Leite. É a prova viva de que há homens que, apesar das aparências, não pensam em futebol 24 horas por dia.

SE NA HOLANDA...


«A majority of the Dutch is against the Treaty of Lisbon, according to a poll by Maurice de Hond. But the Netherlands is going ahead with its ratification. If the Netherlands were to hold a referendum now on the new EU treaty, 54 percent would vote against it, De Hond reported. He polled the views of the Dutch after the Irish rejected the treaty last week. A majority (56 percent) wants the Netherlands to also hold a referendum on the Treaty of Lisbon. It is an adaptation of the European Constitution, on which a referendum was held in the Netherlands in 2005 - which rejected it by 62 to 38 percent.»


DA CEDÊNCIA


O dirigente da CGTP, Carvalho da Silva, acusou o governo de "ceder". Não de ceder à imensa "vanguarda" representada pela sua central sindical, mas antes ceder aos "pequenos grupos", a "interesses" difusos como se viu, acha Carvalho, no affair dos camionistas. Sempre pensei que a CGTP - ao contrário da UGT que é, no essencial, uma secção do PS e do PSD - vivia para obrigar os governos a "ceder". Ora Carvalho da Silva aparentemente não admite "cedências" porque um governo dito socialista não pode "ceder" à sua fronteira direita ou a corporações de origem duvidosa, isto é, não acarinhadas pela CGTP e pelo PC. Criou-se em torno dos camionistas o mito do "lock-out" como se as pequenas e médias empresas de camionagem - algumas delas constituídas apenas por um camião - "ameaçassem" o regime. Carvalho da Silva, ilustre membro do regime, também não gostou de se sentir "ameaçado". Como ensina o Aron, a esquerda continua a ser atravessada por esta "luta duvidosa" em que a linguagem esconde o pensamento e em que os "valores" podem ser traídos se outros mais altos se levantarem. Onde se ergue a CGTP, mais nada nem ninguém pode erguer-se. Cedência só há uma, à da central do dr. Carvalho e mais nenhuma.

16.6.08

ALGUMA COISA

«A âncora da vantagem percebida de Ferreira Leite sobre Menezes encontra-se na confrontação com Sócrates quanto à avaliação de quem tem "melhores condições para ser primeiro-ministro": em Outubro de 2007 Menezes ficava a 24 pontos atrás de Sócrates, enquanto que a desvantagem de Ferreira Leite face a Sócrates se traduz em 5% (30% vs 35%), coincidindo praticamente com as intenções de voto nos partidos que dirigem», diz o organizador da sondagem do Correio da Manhã. Isto é, após a fuga de Barroso e o interregno de Santana, a direita tem, finalmente, um candidato a primeiro-ministro reconhecível pelo país. Já é alguma coisa.

HOLZWEGE

Para os MNE's da UE, os irlandeses não são pessoas adultas e, muito menos, "normais". Há, pois, que "ajudá-los". Sarkozy até já se "ofereceu" para ir à Irlanda presumivelmente para fazer de explicador ou de pedopsiquiatra. A Europa viveu bem até agora sem o tratado de Lisboa ou uma "constituição". Passar atestados de retardados mentais aos irlandeses é que, de certeza, não conduz a lado algum. Para isso chegam aqueles que foram "poupados" pelo "iluminismo" reunido no Mosteiro dos Jerónimos a pronunciar-se através do voto directo, universal e secreto sobre o tratado. A nomenclatura insiste nos obscuros "caminhos de floresta". Bom proveito.

TENTAR PERCEBER


Aqui está um belo exemplo de como na cabeça mais liberal pode jazer um planificador. Não, Eduardo, a Irlanda não tem de ir à sua "vidinha" para sossego da contabilidade do europeísmo anónimo bruxelense alimentado por meia dúzia de mediocridades eleitas ditas "democráticas". A Irlanda foi o único país da UE que "ouviu" o povo sobre o futuro de uma Europa a que ela pertence com um direito igualzinho ao nosso. Tinha de votar "sim" por que carga de água? Para não estragar a fotografia dos desossados políticos que dirigem a Europa? A tranquilidade bovina garantida pela ratificação parlamentar é, de facto, preferível à chatice do "povo". Todavia é com o "povo" - e não contra ele ou, em vez dele, através de fórmulas mais ou menos exóticas ou "isolacionistas" defendidas por Sarkozy - que a Europa avança. «A razão mais invocada pelos eleitores do "não" foi, de longe, o facto de "não saberem no que estavam a votar", e não qualquer outra razão estranha ao que estava em jogo no referendo.» Irritantes irlandeses que exigem coisas. Leia todo o artiguinho do Pedro Magalhães "sobre o referendo irlandês", no Público, de onde veio esta citação. Ainda bem que V. conhece o que os outros aprovaram por si. Sorte a sua.

O CASO PINHO

Manuel Pinho, a forma ministerial da economia, é outro caso. Eduardo Prado Coelho surpreendeu-o fotógrafo logo em 2005. Parece enfadado com tanto "investimento" e com tanto anúncio de anúncio de "investimento" reanunciado. Sente-se, digo eu, mais à vontade na cultura, área praticamente desertificada desde que ele trata da economia. Já o José Ribeiro da Fonte me dizia, há muitos anos, que onde nós não estivermos, outros estarão por nós. Pinho está. E com "investimento", pelos vistos, seguro. Como escreve o Augusto:


«Na sua edição de hoje, pág. 27, o jornal “Público” dá notícia de que “O ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, revelou sábado que o projecto arquitectónico do novo Museu Nacional dos Coches, a construir na zona de Belém, em Lisboa, está concluído e vai ser apresentado publicamente em Julho. ‘Vai ser uma obra arquitectónica marcante’, comentou o ministro durante uma visita ao Algarve [ao ALLgarve?]. Questionado pela agência Lusa sobre a data do arranque da construção do museu, projectado pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, Manuel Pinho afirmou que as obras deverão começar até ao final do ano. ‘Já vi a maqueta final e gostei muito’, comentou, elogiando a qualidade do trabalho do arquitecto que em 2006 recebeu o mais importante galardão mundial da arquitectura, o prémio Pritzker.” Essa é uma das tarefas concretas da Sociedade Frente do Tejo, presidida por um convertido ao socratismo e ex-mandatário da candidatura municipal de António Costa, José Miguel Júdice, embora, em abono da verdade, para o quadro ser completo, não falta também a orientação de António Mega Ferreira, que passou directamente de director de campanha da candidatura de Mário Soares para Presidente do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém, em que aliás, ao longo deste ano tem seguido uma político auto-comemorativa do 10 º aniversário da EXPO-98, não hesitando sequer em reescrever história para ir forjando a sua própria narrativa. «Somos um país muito merdoso!”, afirmava o ano passado Júdice. “Quem governa tem de se encher de paciência, tem às vezes de ter vergonha de quem está a governar. Mas tem de aguentar. Porque ninguém é obrigado a governar. Quem foi para lá foi porque quis”.. As palavras fiquem com quem as prefere, já que “vergonha” certamente é algo de que Júdice não sente falta.»

O CASO LINO

O eng. Lino é um caso. Não é possível antipatizar completamente com o homem, muito menos tomá-lo absolutamente a sério. Já se percebeu que tem poder embora não se perceba exactamente porquê. Por muito menos, outros foram afastados na maior discrição. Pelo contrário, Mário Lino, o homem que veio das águas para o betão, não só fica como "doutrina". Lurdes Rodrigues, por exemplo, nunca mais foi avistada. Desapareceu em combate. Lino, não. É braço direito e esquerdo do seu primeiro-ministro, um anacoreta em forma de pontes e de acordos com camionistas. E "doutrina", dizia eu. «O País tem plena consciência das dificuldades resultantes da situação herdada do Governo anterior, assim como do aumento do preço do petróleo», eis como Lino sintetiza o seu "pensamento" numa entrevista. Três anos depois de ser membro do governo, Lino fala como se não fosse nada com ele. Tudo subsiste à conta dos parcos meses de Santana e das circunstâncias "externas". Afinal, Lino tem estado apenas a fazer figura de corpo presente. Nem sequer temos a certeza se ele tem tido "consciência" do que é que o tem ocupado nos últimos três anos. O país, assegura, tem. Oxalá tenha.

15.6.08

DE VOLTA


Ao seu blogue.

COBARDIAS

MANUELA NAPOLEÓNICA


No editorial do Público escreve-se que «o que Manuela Ferreira Leite mostrou nos dias do bloqueio é a sua vocação para a frieza, a contenção e o calculismo.» O editorialista nem sequer tem dúvidas. «Muito mais do que um gesto táctico, o silêncio de Manuela Ferreira Leite nos dias duros do bloqueio dos camionistas foi um silêncio cínico.» Pacheco Pereira, aliás, que faz as despesas do "pensamento manuelino", produziu um longo artigo sobre "os camionistas", no mesmo jornal, onde "esclarece" o não-discurso da líder sem nunca dela falar. A coisa, porém, parece-me bem mais simples. Ferreira Leite, ao contemplar a triste figura de Sócrates, limitou-se a seguir o bom ensinamento de Napoleão: «se vires o teu inimigo a cometer um erro, nunca o interrompas.»

A GRANDE ILUSÃO


Na feira do livro, por menos de dois euros, adquiri O Ópio dos Intelectuais, de Raymond Aron, numa tradução da Coimbra Editora. Escrito em 1955, esta é uma segunda edição com um prefácio de Aron posterior ao "Maio de 68". Podia parecer datado por entretanto se terem sumido a URSS e os partidos "satélites" de que agora apenas sobram duas ou três agremiações entre as quais o nosso PC de rua. Ou ainda por, na altura, o maoísmo exercer uma "atracção fatal" junto dos intelectuais e a "esquerda" e a "direita" possuírem um sentido que nunca, verdadeiramente, deixaram de possuir. Aron escreve sobre os mitos que separam uma e outra e sobre a perpétua "alienação dos intelectuais". Como em todos os livros de Aron, por este perpassa a ironia e a não ilusão de um grande intelectual do século XX sobre os seus pares. Aron fala, no livro, em "sentido único" como nós hoje, por exemplo, a propósito da Europa dirigida pelos órfãos da tralha intelectual da esquerda europeia (incluo o centro-esquerda e os mais à direita porque, no fundamental, bebem do mesmo cálice), podemos falar de "pensamento único" insultando, com esta simplificação e de uma penada, todo o cânone ocidental. «O "sentido único" conduz, em política, à grande ilusão e o monoideísmo provoca desastres.» Tão actual agora como há cinquenta anos.

O «INCIDENTE»



Sarkozy, por quem este blogue tem um módico de consideração política, apelidou de "incidente" o "não" irlandês. Como se estivesse a falar de uma mulher sua, o presidente francês afirmou que a Europa não pode entrar em crise por causa do referido "incidente". Esta sobranceria vesga deu o mote para começarem a pensar em "obrigar" a Irlanda a repetir o referendo, presumivelmente até que o povo lhes dê o "sim". O dr. Barroso e o seu maoísmo congénito estão a fazer escola junto dos mandarins europeus. Em vez de "democratizarem" a Europa, estes efémeros dirigentes afastam-se cada vez mais dos respectivos cidadãos. O fundamental é que ninguém lhes estrague a Torre de Babel em que transformaram o "ideal" europeu e na qual apreciam masturbar-se. A menos que estejam, afinal, preocupados com a carreira política do colega português que forneceu a montra para o espectáculo. Ainda acabam todos esmagados debaixo do precioso articulado. Literalmente.

14.6.08

TER OU NÃO TER MUNDO

PAÍS REAL

O FIM DA RESIGNAÇÃO


Cavaco tem sido um homem com sorte. Mostra-nos, nas peregrinações a que chama "roteiros", um "país de sucesso". Quer, na sua ingenuidade profunda, que sigamos esse país. Até ao momento, tem evitado qualquer outro país e o governo, como lhe compete, foge de lhe revelar o verdadeiro. Por isso ficou consolado com o "regresso da ordem pública e da legalidade". Sabe que se trata apenas de um pro forma e que a realidade - que ele tão bem descreveu no discurso com que apresentou a sua candidatura presidencial - vai acabar por bater-lhe à porta. O presidente é, de facto, um homem com sorte. Se der na gana de alguém do "país que não conhece o sucesso" passar a limpo o referido discurso e, modestamente, pedir a Cavaco que o leve a peito, que vai fazer o presidente? É que parece que a resignação está a chegar ao fim. E não foi isso mesmo que nos pediu, que não nos resignemos?

UMA CARREIRA

13.6.08

O PESSOA DELES

Desde que o Francisco deixou a Casa Fernando Pessoa nunca mais lá pus os pés. Tinha lido que a sua sucessora, a "escritora" Pedrosa, e o presidente da CML iam inaugurar uma estátua dedicada ao poeta no Largo São Carlos. Não sei se foram ou não. Não me interessa nem tão-pouco à memória de Pessoa. Já me incomoda terem patrocinado este disparate insultuoso. O Pedro resume a coisa. Não é preciso dizer mais nada.

DEMOCRATAS POR ENCOMENDA



A cara de ovo estrelado do dr. Barroso a tentar, juntamente com a nomenclatura europeia, "dar a volta" ao resultado do referendo irlandês é interessante a duplo título. Os democratas que pastoreiam as nações europeias só suportam a democracia quando ela os apoia. Caso contrário, amuam. Mesmo amuados, porém, pretendem prosseguir a sua alucinação privativa como se nada se tivesse passado. Barroso incitou à continuação das ratificações parlamentares, mas o presidente checo - cujo país ia proceder à ratificação - já anunciou que o tratado de Lisboa finou-se. As prosas retorcidas dos "correspondentes" televisivos metem nojo. E até a dra. Manuela escolheu a ocasião para partilhar a língua de pau com Sócrates. Enfim, é na mão destes democratas por encomenda que estamos. Começam a cansar.

A PAZ DOS SEPULCROS

Aqui há uns meses, o governo, alguma imprensa, o PS e a blogosfera do optimismo antropológico disseram cobras e lagartos de um documento da SEDES que previa desassossego social para breve. Mário Lino e os empertigados da ANTRAM empurraram, com as respectivas barrigas, o "problema" dos últimos dias mais lá para diante. As televisões mostraram-os, graves, a assinar "acordos" como se a "paz" estivesse de regresso. Está, de facto. Mas é a paz dos sepulcros do Dom Carlos, de Schiller. Esperem para ver.

CENTO E VINTE ANOS



Teria para aí uns quinze, dezasseis anos quando "descobri" Fernando Pessoa. Chegou-me nas fotocópias distribuídas pela professora de português onde constava o nome de Alberto Caeiro. O mais "humano" dos heterónimos, o "mestre" dos olhos azuis, escondia o resto. Aos poucos, Pessoa avançava pela sua própria voz e, sobretudo, pela do febril e heterodoxo "engenheiro de máquinas", Álvaro de Campos. Li-o num livrinho da Ática, de capa amarela, organizado por David Mourão-Ferreira, O Rosto e as Máscaras. Bernardo Soares viria muito mais tarde. A emergência de Pessoa equivale a um murro no estômago. Não é possível, a não ser por analfabetismo funcional, ficar indiferente ao mínimo verso do homem. Escrevo "homem" com esforço, apesar de sabermos que andou por Lisboa, que teve um emprego modesto, que privou com "amigos". Na realidade, Pessoa, como tal, pouco existiu, pelo menos naquele sentido frívolo que costumamos associar ao termo "viver". Mais cedo do que qualquer um de nós, no dia do seu nascimento que hoje se comemora, já Pessoa caminhava para o fim. "Viveu" sempre e só nesse lugar de abismo que era a letra dos seus versos, como um Wotan desapossado de amor e de liberdade, simultaneamente o mais humano dos deuses e o Deus mais cruel dos homens. Já fui mais "pessoano" do que sou hoje. E já fui mais tudo do que sou hoje. Tive o privilégio de falar uma tarde inteira, na sua casa na Calçada das Necessidades, com João Gaspar Simões por ocasião dos cinquenta anos da morte do poeta. Varri os livros de Jacinto Prado Coelho, Lind, Eduardo Lourenço, Saraiva, Lopes e Casais Monteiro. Muitas vezes pego na pequena edição da Aguilar e escolho ao acaso um verso. "Todo o cais é uma saudade de pedra", por exemplo. «Muitos homens tiveram saudades e viram cais, mas temos razões para chamar momento raro a esse em que uma consciência de poeta arrancou do mundo das palavras portuguesas esta espécie de inscrição de estela imortal, que depois dele todos temos guardado em algum sítio, todos, os que viajaram e os que só na alma viajam», escreveu Lourenço em 1952. «Pessoa limitou-se a sentir e a pensar o existente, bem ou mal não interessa, e a compreender que uma consciência está sempre aquém e além de todas as coisas, jamais coincidente com a existência delas. E mesmo com a existência em geral. Fê-lo como nunca ninguém o tinha feito. Nem Antero. Mas com isso o extraordinário poeta do "lado ausente de todas as coisas" não "serviu" ninguém. Serviu a sua inviolável solidão e pediu aos outros que cercassem a deles de altos mutos. Não cremos (Pessoa é muito complexo) que a sua poesia seja alheia a outros gestos igualmente últimos do homem: o apelo da fraternidade, da esperança, do amor. Se assim for, significa que é limitado e nada mais. Há homens (houve sempre e pessoalmente desejamos que a sua raça estéril e altiva nunca mais acabe) que não são capazes de olhar até ao fim o espectáculo do mundo e da história tendo aí a palavra "esperança". Homens do Inferno, se acreditarmos em Dante. Fernando Pessoa talvez tivesse sido um deles. E porque não devia sê-lo?» Pessoa é o nosso maior cometa trágico, o rei-astro morto da nossa falsa e desesperançada Baviera.

PORREIRO, PÁ



O pretty boy associou a sua magnífica carreira política - não tem outra - ao tratado de Lisboa. O pretty boy, o dr. Barroso e demais dirigentes de uma Europa artificial e burocrática, justificadora de correrias permanentes e frívolas a Bruxelas, acabaram enterrados na sua teimosia arrogante. Bastou o voto de um dos povos europeus para renascer a esperança de uma Europa fundada naquilo que é a sua história e o seu fundamento: o conflito criador contra os consensos das salas cinzentas, a diversidade dos povos contra a unificação desnaturada por cima, o respeito pela liberdade da opinião pública em vez dos clichés do jornalismo oficioso estilo D. Teresa de Sousa e demais correspondentes televisivos lambe-botas. A Irlanda merece um pouco de Píndaro: «dá-lhe, de concidadãos/ e estranhos, o respeito e agrado./Pois ele segue direito/ por caminhos à insolência hostis,/de seus nobres maiores/ o pensar escorreito claramente praticando.» Porreiro, pá.

Nota: Por cá, a coisa esconde-se nas televisões atrás das "grandes vitórias" do Porto e do Benfica junto da UEFA. Com a RTP sempre na frente da mediocridade servil da propaganda. Pobre país eternamente periférico que nem na Europa merece estar.

UMA BOA NOTÍCIA


Outra coisa importante que aprendemos ontem com Sócrates é que, apesar do absolutismo democrático, ele não controla nem prevê. Três anos depois, e mais do que o Estado, Sócrates declarou-se publicamente vulnerável. Mesmo assim, só daqui a oito dias é que a dra. Ferreira Leite aparece. E aparece porque existe uma coisa chamada congresso do PSD senão provavelmente só a víamos em 2009. Em suma, o regime está vulnerável. É uma boa notícia.

OS SÓCIOS DA GALP


«Nós temos de andar de carro», diz uma gorda na televisão. É com gente desta que a GALP conta. Mais cêntimos, por favor.

12.6.08

A MESA DE NEGOCIAÇÕES


Pela boca de Sócrates, no Parlamento, ficámos a saber o que é um governo "responsável" que manda num "Estado vulnerável". Segundo ele, é o governo que "negoceia", o que está "quase" a mostrar o que é a "autoridade" e que "sentiu" a vulnerabilidade do Estado. Ora acontece que, até ao momento, cada vez que o governo "negoceia" e "quase" que mostra a sua "autoridade", a outra parte ganha. Tudo. Como o governo, nos termos da constituição, é o máximo representante da administração pública, isto é, do Estado, vulnerável ou não, o Estado perde. Quando o Estado perde, das duas uma: ou corta na despesa ou aumenta a receita. O governo "responsável" da "esquerda moderna" é, pois, aquele que coloca sempre o contribuinte, de cócoras, a servir de mesa de negociações.

VIVER HABITUALMENTE


Os camionistas e os pequenos e médios empresários da camionagem meteram a viola no saco. A GALP aumentou em um cêntimo a gasolina. Bruxelas obriga a aumentar as portagens nas pontes de Lisboa. O sr. Scolari só fica até ao fim do mês e, se soubesse o que sabe hoje, nem ficava. A dra. Manuela nunca mais foi vista. Sócrates vai, à tarde, vangloriar-se do país de vitelos e de "sócios da selecção" que dirige. Salazar chamaria a isto viver habitualmente.

O EXEMPLO

O "camarada" Zapatero meteu vinte e cinco mil polícias na rua por causa dos respectivos camionistas. Na Espanha, dá-se e leva-se com facilidade. Foi sempre assim. Todavia, há muito que Zapatero perdeu a batalha da economia. Tem a inflação a berrar e a produtividade nas lonas. A coisa é mais profunda do que os camiões parados fazem supor. E, sobretudo, não tem eleições pela frente. É fácil o expediente. Perdido por cem, perdido por vinte e cinco mil. Não se aconselha, por isso, o exemplo.

VOCÊ E A TV

Os "jornalistas" que as televisões mandaram para as filas de espera por combustível, perguntaram indistintamente aos incautos como é que estavam ali em vez de assistirem ao jogo da selecção. Como se fosse uma obrigação nacional assistir a tal coisa. Em que barraca é que estes "jornalistas" tiraram os cursos?

Nota: A galáxia SIC passou o dia - a esta hora, cerca das 24h 30, ainda está - a lançar o pânico junto dos espectadores. Tudo, nas boquinhas dos jornalistas do dr. Balsemão, se agiganta. Quem aterrar de repente em Portugal pode pensar que se está a viver uma Bastilha no Carregado. Temos pena, mas não está.

11.6.08

DO CONTRA


Este simpático "colega", dedicado a aniversários, lembrou-se do nosso. Parafraseando o Doutor Salazar, em Braga, por ocasião dos quarenta anos da Revolução de Maio, «eis um belo momento para pôr ponto» nos cinco anos «que levo feitos de amargurado" blogue. E continuava. «Só não me permito a mim próprio nem o gesto nem o propósito, porque, no estado de desvairo em que se encontra o mundo, tal acto seria tido como seguro sinal de alteração da política seguida» por aqui. A do contra.