3.2.11

OS EFEITOS DA IGNORÂNCIA

Na entrevista ao Público, citada no post anterior, Manuel Maria Carrilho chama a atenção para o desastre que representa o voluntarismo cego e palonço na política. Nesta década, para não irmos mais longe, nunca tão pouca importância foi dada à normal transacção de ideias e à abertura à possibilidade de poder sempre surgir outra ideia melhor que a minha (estou a parafrasear o filósofo norte-americano Richard Rorty). Pelo contrário, o que decorreu mais persistentemente dessa omissão foi a ignorância - e os efeitos dela - a repercutir-se por muitos e bons anos na vida pública nacional. Do topo à base temos uma sociedade que nem sequer se pode considerar "aberta", pejada de inutilidades tagarelas cujo melhor espelho é a generalidade dos media com destaque natural para as televisões. O mal que a nomenclatura socrática e o seu longo cortejo de serventuários complacentes, directos e indirectos, fazem ao país só será devidamente avaliado, com seriedade (agora é impossível fazer ou levar o que quer que seja a sério), daqui a muito tempo. Quando, por exemplo, se encomendam "estudos" universitários para justificar políticas erradas (seja na educação, seja na administração interna ou outras) e a universidade produz esses "estudos" como arma de arremesso pseudo-científico da propaganda mais bronca, então está tudo errado. A mistura da obsessão do poder com os efeitos da ignorância é, como escreve Carrilho, fatal sobretudo para uma geração (entre os vinte e os trinta anos) espezinhada diariamente pela impotência e pela mais despudorada falta de vergonha do poder. Haverá, pois, maior fatalidade do que esta?

6 comentários:

Mani Pulite disse...

CASMURRO COMO UMA MULA E IGNORANTE COMO UM BABUÍNO SEM DÚVIDA.MAS SABE MUITO BEM O QUE QUER.ENRIQUECER O MAIS POSSÍVEL O MAIS DEPRESSA QUE PUDER

Cáustico disse...

Para além de pulhice política em elevado grau, Sócrates possui um dom de quem nem todos se podem ufanar: o da palavra.
E este dom,possibilitador de inúmeras carreiras proficionais:vendedor de banha de cobra, caixeiro viajante,delegado de propaganda médica, guia turístico, actor de teatro ou até de cinema (já que gosta tanto de fazer fitas), pregoeiro em agências de leilões, leitor de português em qualquer universidade estrangeira, que estivesse com a pachorra de o aturar, e muitas mais que se poderiam citar, que a serem por ele escolhidas possibilitariam ao povo português viver perfeitamente em paz. Não escolheu nenhuma delas. Preferiu a política e com isso acabou com o nosso sossego e arruinou o país.

Anónimo disse...

Parabéns Mr Caustico.
Bato as teclas para lho transmitir.
Sem mais, que isto já não tem solução.
Solução, talvez pudesse resultar de juntar gente preparada, boa e decente. Difícil.
Antevejo neste momento dois personagens deste tipo:
Manuel Maria Carrilho, no PS;
Pedro Passos Coelho, no PSD.
D'"O quinto Império":
(vistos por um jornalista francês, anos 74/75)
»nós somos púnicos, parecemo-nos com os mercenários de Amílcar e todos esses matreiros do mediterrâneo. Nós somos girinos... (49)
Em português, as palavras são um simples meio de simpatia, ou o seu contrário. As pessoas perdem assim horas em conversas inúteis, só com o fim de garantir a sua estima recíproca (95)»
JoseB

Anónimo disse...

Discordo, pois julgo que se enganou na sequência. Sócrates apareceu e continua precisamente por causa desse ecossistema.
Muita da gente que está com o PS da economia à justiça passando pelos media já está cá há muito.

lucklucky

Cáustico disse...

Já não sinto orgulho

O ser humano está dotado dum meio que lhe permite rever na sua mente tudo o que de agradável ou penoso vai acontecendo durante a sua vida vivida.
A possibilidade de se recordarem os bons momentos de alegria e mesmo os de tristeza, é todo um bem incomensurável com que fomos distinguidos.
Num livro da quarta classe da saudosa escola primária, vi, com a satisfação e a alegria própria de um menino de 10 anos, um pequeno escrito de que infelizmente só recordo a parte inicial: “Quando alguém te perguntar a tua nacionalidade, deves sentir um orgulho santo e nobre ao responder: Sou português”. Como vibrei quando o li pela primeira vez. Decorridas umas décadas e apesar dos desgastes de vária ordem que o tempo inexoravelmente provoca, a sua recordação ainda despoleta a mesma vibração mas, o que é pior, acompanhada duma furtiva lágrima que teima em mostrar-se onde não deve.
Os livros de história da época e os professores, sobretudo estes, que eram professores, muito contribuíram para o nascimento deste gosto de ser português. O nosso primeiro Rei, e que grande rei, o Infante D. Henrique, D. Duarte, que, se não tivesse morrido tão cedo, teria sido um rei de que ainda hoje se falaria com respeito e nostalgia, D. João II, outro a quem muito devemos e que tão cedo mataram, e todos aqueles homens intrépidos que em barcos tão pequenos e sem um mínimo de condições foram por esses mares fora, arrostando com tudo, mesmo com o desconhecido. Era pequenino, mas como me sentia feliz ao ouvir os relatos dos feitos dos nossos maiores. Muito jovem ainda, mas tinha orgulho de ser português.
Hoje, ao olhar para o que resta do meu país, pergunto: Que é que lhe fizeram os homens dos quatro últimos séculos? Não tiveram um mínimo de inteligência para imitar sequer, para aproveitar os bons exemplos que deram os homens do passado? Todo o homem erra, porque nunca houve, não há, nem haverá homens perfeitos. Mas que o erro sirva sempre de exemplo e leve o homem a superar-se, evitando a repetição de decisões, de medidas susceptíveis de prejudicar os seus concidadãos e o país que os viu nascer.
Não raras vezes, dou comigo a tentar encontrar, no universo do homem político português actual, quem defenda a Pátria com a bravura do nosso primeiro rei. Quem se possa comparar ao rei D. Duarte que tão sabiamente ouvia o clero, a nobreza, mas também o povo, antes de tomar decisões. Quem se iguale, em poder sonhador a um Infante D. Henrique. Quem tenha a perspicácia de um D. João II na condução dos negócios do país, mas principalmente na epopeia ultramarina.
O meu Portugal está no estado calamitoso em que o colocou a chusma de políticos de merda que só busca o enriquecimento, por mais desonesto que seja o processo que os leve aos píncaros da fortuna. A maior parte dos jovens que concluem o ensino superior fica numa situação irritante no termo dos seus cursos: não conseguem emprego compatível com os estudos que fizeram. E assim, uns, vêem-se obrigados a recorrer ao ensino para conseguirem alguns meios de subsistência, outros, mais astutos, vão para a política.
Os que preferem a política estão numa situação privilegiada. O seu campo de acção é muito vasto, proporcionando imensas possibilidades de governanço, de que usam e abusam. Para conseguirem atingir os fins que sofregamente almejam, lançam mão de todos os meios. A prática de todo o tipo de gatunagem, a corrupção, a vigarice, a aldrabice, os desvios de toda a ordem, serviram e servem para o seu enriquecimento injustificado, criminoso mesmo, e lançaram Portugal no estado em que se encontra.
Surpreende-me a passividade deste povo perante o conhecimento de todas as falcatruas em que, quotidianamente, os políticos aparecem envolvidos.
E ao ver este país agonizante, talvez já numa fase terminal, e a actividade febril dos políticos vampíricos a sugarem a última gota do seu sangue, não posso deixar de gritar: Já não é não sentir orgulho, é ter vergonha de ser português.

Isabel disse...

Quem não sente nem observa o seu povo,jamais entenderá o mal que a todos é feito, todos os dias.Junto ao El Corte Inglês, estende a mão à caridade, de noite, com o rosto parcialmente escondido por um lenço de qualidade, uma velhinha. À porta do ---* Shopping, outra velhinha, (é de propósito que omito o eufemismo "idosa", já que também de eufemismos se faz a tirania) esta rústica, aguenta com estoicismo o frio e a chuva, tentando vender uns hortícolas tão mirrados quanto ela. Se lhe tentam dar esmola, insiste em retribuir, nem que seja com um ramo de loureiro.E eu lembro o Cesário das "Contrariedades" e de "Num Bairro Moderno", lamentações de um tempo em que não existia "Estado Social". Se existe hoje, que lhe terão feito? Chegada à escola, vejo arrastar-se uma contínua que, após ter sofrido, há meses, um AVC,espera uma cirurgia. Não pode ter baixa, diz, porque a redução do salário a lançaria na miséria. Todos os dias ali arrisca a vida, entre palavrões e encontrões de alunos. No fim das aulas, mais dois alunos, dos bairros pobres, me anunciam que vão emigrar. A rapariga, com toda a família.À tarde, quase semanalmente, os professores são obrigados a assistir a conferências cujo moderador parece apenas mais um clone de Sócrates:optimismo rimando com as excelsas qualidades da Parque Escolar, que nos vai mantendo num cenário quase iraquiano, vai para dois anos. Morreu lá um operário?Ninguém o refere. Morreu só e sem assistência? Ninguém fala nisso. Só lhe deram pela falta após horas de agonia solitária? Mais um facto a esconder ou desvalorizar.Os acabamentos são um misto de serradura e plástico? Louve-se a beleza e o minimalismo das opções estéticas. Não se respira neste lugarejo em que, dia após dia, vão transformando o meu país. E eu, que nem aprecio o Neo-Realismo, vejo-me facilmente a adoptar o estilo...* Omito o nome do Shopping, não vá alguém lembrar-se de expulsar ou multar a velhinha, aliás adorável.