«Ao contrário dos meus críticos, a mim me interessa profundamente o que virá a seguir à insurreição quase geral do Norte de África e a eles lhes basta contemplar a inegável beleza (moral) da revolta. Jean Daniel, um jornalista que foi durante meio século o mentor da esquerda francesa, escreveu: “O importante no Egipto e na Tunísia é que tenha acontecido, não o seu futuro”. E um comentador português, falando salvo o erro da Líbia, palavra menos palavra, repetiu Daniel: mesmo que tudo acabe numa república islâmica (ou seja, num Estado teocrático), decretou ele, valeu a pena! O meu “catastrofismo”, o meu pessimismo, a minha malevolência, estão num único ponto. Insisti, como insisti em 1991, depois do colapso da URSS, que o levantamento popular não levaria com certeza à democracia, como hoje a entendemos no Ocidente. E não fiz mal em insistir porque, desde Obama ao jornalismo de ocasião, toda a gente esperava, ou até garantia, que de Trípoli à Praça Tahrir iam sair, resplandecentes, novas democracias. Gostava de prevenir, para pôr ponto final no caso, que prever um acontecimento ou uma situação não significa (excepto para mentes excepcionalmente estreitas) que se deseje esse acontecimento ou essa situação. Não significa mais do tentar compreender o que se passa e de não criar falsas expectativas. Desde a Antiguidade que existiram tiranias e, fatalmente, uma luta constante contra elas. Mas regimes democráticos não existiram antes do século XVIII (existiu, de resto, um único: o americano). A resistência à opressão não produz necessariamente a liberdade. É isto muito difícil de perceber?»
Vasco Pulido Valente, Público
5 comentários:
Os "comentadeiros" ficam agarrados aos seus uísques e Le Nouvel Observateur, enquanto os outros ficam entregues a aiatolás e quejandos. Durante umas horas, brincam ao "25 d'Abril" à distância e isso é sempre melhor que fazer casinhas de Lego.
É triste que VPV tenha sentido necessidade de escrever um texto tão óbvio como o de hoje. Duplamente triste, até: por ser preciso reafirmar o óbvio e por ser inútil (quem não quer «perceber», nunca perceberá).
Puro bom-senso - e muita, muita "bagagem".
Uma excepção, no imenso atrevimento da ignorãncia que nos rodeia.
A democracia é um mito.
A Ocidente, devíamos antes falar em oligarquias com mais ou menos qualidade e com mais, ou menos, liberdade.
O caso português é exemplo vivo do que fala VPV: uma "coisa" que aqueles que vivem há 35 anos encostados ao poder tentam vender ao povo como sendo uma democracia e que serve apenas para nos assaltarem.
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