29.2.08

«MAL-ESTAR DIFUSO»

«Alexandre Herculano, o maior "intelectual" do liberalismo, que passara pelo exílio e combatera no cerco do Porto, deixou, já em agonia, um último juízo sobre a Pátria: "Isto dá vontade de morrer." D. Carlos, que foi de facto o último rei e o último reformador da Monarquia, achava Portugal uma "piolheira" e os portugueses, fatalmente, uma "choldra". Os republicanos não estimavam nem o país, nem a República e acabaram, quase sem excepção, "desiludidos". Basta ler uma dúzia de páginas dos Discursos para constatar o infinito desprezo que Salazar tinha por nós. Do PREC ficou o absurdo cadáver do PC. E esta democracia anda agora a chorar abjectamente o seu fracasso. Verdade que a famosa frase de Herculano é apócrifa (inventada por Bulhão Pato) e que D. Carlos só em privado se alargava sobre o seu reino. De qualquer maneira, não há dúvida de que Portugal sempre gostou muito pouco de si próprio.Com uma certa razão, convém admitir. Desde o princípio do século XVIII que Portugal quis ser "como a Europa" e até hoje infelizmente não conseguiu. A cada revolução, a cada guerra civil, a cada regime, o indígena prestável, alfabeto e "modernizante" supunha que chegara "o dia". E "o dia" invariavelmente não chegava. A sociedade ia, como é óbvio, mudando: devagar, com dificuldade, aos sacões. Só que a distância que nos separava da Europa não diminuía. Os modelos não faltavam: ou modelo universal da França (até à República); ou os mais modestos modelos de países pequenos como a Bélgica no século XIX e a Suécia a seguir. O português copiava com devoção o que via "lá fora". Mas não saía da sua inferioridade e do seu atraso. No meio desta persistente desgraça, Portugal julgou três vezes que se aproximava da Europa: durante os primeiros tempos da "Regeneração", durante o "fontismo" e durante o "cavaquismo". Ao todo, trinta e tal anos de uma ordem política "civilizada" e de um crescimento económico razoável. Mesmo assim, os fundamentos destes raríssimos milagres não eram sólidos. Nos três casos (embora com um ligeiro atraso), uma crise financeira pôs fim à festa e voltou a velha angústia nacional, a que por aí se convencionou chamar "mal-estar difuso". O "mal-estar difuso" é simplesmente o regresso à realidade. Portugal não tem meios para o Estado-providência e a espécie de vida que os portugueses reclamam. E, como não tem, toda a gente se agita e ninguém faz nada com sentido. Esta fase também é conhecida.»

Vasco Pulido Valente, in Público

13 comentários:

Anónimo disse...

Na hora de criticar todos somos lúcidos e todos proferimos famosas frases. Construir é que é difícil, principalmente, "com esta choldra"! Quão razão tinha D. Carlos.

Aurora disse...

Vasco Pulido Valente é sem dúvida o único português com capacidade para governar este país. Vamos votar nele nas próximas eleições, quer ele queira ou não.
«Pulido Valente ao poder!

lusitânea disse...

Pela primeira vez em séculos portugal está reduzido(isto se o Alberto João não der o grito de ipiranga)à sua insignificância territorial e miséria de recursos nele contidos.
Pois os "doutos" pais deste regime que passaram a vida a morder nas canelas do "antigo", com anos e anos de "oposição" afinal, como parece ser o caso do Sr Menezes,não tinham "solução" nenhuma na manga.E só agravaram estrategicamente o problema.Primeiro com a ajuda "solidária e internacionalista" como "encerraram" o capítulo anterior da nossa história e depois, quando já não havia necessidade de "administradores", mas sim de operários qualificados, decidiram extinguir o ensino técnico em Portugal.Uma visão larga não tenho dúvidas...eu é que ainda não consegui entender...
Se no tempo da outra senhora a coisa não dava para grandes "cortes" vejam lá o milagre que este actual regime consegue providenciar: o da multiplicação dos "cargos", coisa a que se dedica boa parte que quer ser "algo"...
Claro que por agora vai haver uma folgazinha com a vinda das massas do QREN... mas a malta jovem que se prepare para o "depois" ou para a eventualidade da Europa UNIDA se esgotar... aí, a festa vai ser rija...

Anónimo disse...

«(...)Portugal não tem meios para o Estado-providência e a espécie de vida que os portugueses reclamam. E, como não tem, toda a gente se agita e ninguém faz nada com sentido. Esta fase também é conhecida».

Já agora, o que é que costuma vir a seguir ? Eu imagino, eu imagino ...

Nuno Castelo-Branco disse...

O João tem aquele "olho de águia" que num instante captura o assunto essencial, aquilo que interessa e é polémico. Esta transcrição da crónica de O Público, merece apenas um sucinto comentário.
O senhor Pulido Valente sempre nos habituou ao seu desânimo - relativamente aos outros, claro está - e a um certo "lavar de mãos" que tipifica o estreito mundo da intelectualidade em Portugal. A função daqueles que se dedicam a esta prestimosa Profissão, não será exactamente o cerrar dos ramos podres da árvore nacional? Decerto, todos concordarão. Mas não o fazem, limitam-se a traçar o diagnóstico.
A pergunta que coloco é simples. Além das suas habituais patuscadas inter pares e tertúlias de nostalgias do alheio - há sempre um Rimbaud, Victor Hugo ou Byron para acompanhar o old scotch -, nada de positivo ou construtivo sai daquelas sumidades. Nas universidades, falam para as suas roídas unhas, fabricando a massa de cérebros que por aí enchem os balcões dos centros comerciais que são a imagem de marca do cavaquismo, guterrismo, etc. Nos institutos, são bem remunerados e a produção que deveria corresponder ao privilégio, não encontra eco social. A escola primária, base de qualquer ensino eficaz, foi por eles demolida, quando era e é por todos aqueles que a frequentaram até 1974, uma referência de qualidade. No Parlamento, onde vaguearam a sua preguiça e arrogância, nada fizeram de notável, saindo enfureçidos por aquele areópago não se ter tornado numa espécie de claque embevecida e louvaminheira.
Produzam, criem e contactem as gentes! Apresentem a Alternativa que todos almejamos e há tanto esperamos! Penso sinceramente, que estes crânios poderiam fazer mais, muito mais. No entanto, tiveram uma oportunidade perdida na sua juventude: em vez de terem corroído o fim da sua adolescência privilegiada nas farras parisienses, ou em alguns excepcionais casos, em limpezas das casas de banho do seu país de eleição, bem poderiam ter visitado um Portugal que jamais conheceram ou conhecerão. Um Portugal dinâmico, vibrante de vida, de progresso. Uma ilusão, talvez, mas vivida por centenas e centenas de milhar que ainda têm a consciência do possível. Era tão simples! Deviam ter visitado Angola ou Moçambique dos anos 60 e 70. Patetas!

Nuno Castelo-Branco disse...

perdão, enfurecidos (estas coisas acontecem...) :P

Anónimo disse...

Não sou procurador nem defensor do VPV, mas ...

Uma coisa é criticar políticas que, quem opina, supõe desajustadas à presente realidade ; outra coisa é não estar de acordo com o que o alheio pensa.

Resumindo : porque é que hei-de ser 'pateta' se não penso como quem me apelida ? porque é que o meu pensamento há-de ser condicionado por alguém ? isto e aquilo não tem um nome ?

O voto de um cidadão "vale só um voto", quer seja analfabeto ou professor universitário, entendeu ?

Anónimo disse...

... e a «eurosondagem» apura uma quase maioria absoluta, em eleições supostamene realizadas agora, para o PS.
É claro que «isto dá vontade e morrer».

Nuno Castelo-Branco disse...

Peço ao João, apenas um pouco mais de tempo de antena (sem querer abusar). Não quis de forma alguma chamar pateta ao Excrente, seria ridículo e pretensioso. O que me parece, é que o Senhor Valente não tem qualquer visão ou projecto de futuro para Portugal. A verdade é que nós NÃO podemos nem devemos Querer liquidar o regime. É este regime, com todos os seus defeitos e poucas vergonhas amplamente desfiladas todos os dias, que nos deixa, apesar de tudo, estar aqui todas as noites a comentar placidamente. Existem possibilidades de mudança, temos que pensar nas soluçõs da forma mais construtiva que os for possível. Não tenho qualquer tipo de pretensão, nem sou adivinho, mas (há sempre um mas, ora bolas!) temos o dever de abrir caminhos, fazer propostas - que até aqui as tenho visto -, que, quem sabe?, poderão ser vistas, aperfeiçoadas e levadas avante por outrem. Será isto errado? O regime terá de se regenerar - cá vamos nós outra vez - por dentro. Basta de revoluções, floridas ou não. basta de expulsões, refugiados, presos, etc. Já chega. Quem 100 anos horríveis!

Anónimo disse...

A propósito de o regime dever regenerar-se «por dentro», confesso-me entre os "velhos do Restelo".
Hoje mesmo ouvi o antigo ministro das finanças do sr José do governo, o Prof. Campos e Cunha, interrogar-se com ironia, com fina ironia, acerca dos "altos e baixos" do déficit público ... oxalá não venhamos a ter mais uma amarguíssima surpresa.

Anónimo disse...

Pela 1ª vez estou plenamente de acordo com Nuno Castelo-Branco!

Anónimo disse...

Nenhum regime se regenera por dentro.
Quando a força regeneradora é essa,surgem apenas mudanças insubstanciais,tratamento cosmético.
Mimetizam-se aos olhos do eleitor para manter previlégios e benesses de que nunca abdicarão voluntáriamente.
Essa é a natureza verdadeira dos políticos,entendidos como espécimes com tropismo pelo poder e pela fortuna.
Sempre as alterações substantivas nas sociedades ou nas suas formas de organização foram impulsionadas por pressões exogenas ao aparelho.
Trinta e quatro anos de utopias e banha da cobra são suficientes para um despertar da comunidade.

Anónimo disse...

o autor integra-se claramente no rol de "elites" que desfiou ... requisito do elitista sera mesmo desprezar o que lhes estara "abaixo" ... quanto ao EStado Providencia vai dando para alguns - elites ?? - enquanto outros vao suportando por enquanto a canga que Abril ajeitou ... mas na carroca seguem os mesmos ...