Há dias, a propósito de uma entrevista de Aznavour na RTP, lembrei-me que hoje se vai sentir a falta do Eduardo Prado Coelho. Quem , melhor do que ele, poderia descrever uma entrada «nesse lugar mítico de Saint-Germain que é o café Les Deux Magots e, depois de passar a demorada porta giratória», voltar-se para a esquerda e dirigir-se «até à mesa do fundo, não a da janela, espera, mas a outra ao lado, debaixo do enorme espelho empalidecido pelos muitos rostos que nele desapareceram um dia?» Quem, melhor do que ele, observaria «debaixo do espelho, uma fotografia onde se vê o espelho em que neste momento me vejo, e à frente dele, com um livro aberto sobre a mesa, absorta na leitura, está ela, está o retrato de Simone du Beauvoir?» E, quem, assim ao sentar-se «nesta mesa, exactamente a mesma», estará «exactamente naquele lugar onde estava, e continuará a estar a Beauvoir, numa tarde de inverno há sessenta anos», quando «os gestos encaixam uns nos outros.?» Não, eu que tanto amo Paris não sei falar dela porque das tantas vezes que lá fui ela ainda não me conseguiu "falar" como eu desejo que ela me fale. Como numa canção escrita por Aznavour, há tanto tempo como no tempo estático da minha vida, «il faudra bien que je retrouve ma raison/mon insouciance, et mes élans de joie/que je parte à jamais pour échapper à toi.» Ou noutra, à espera que a porta do café, do Le Palace, rode de novo: «viens, découvrons, toi et moi, les plaisirs démodés/mon coeur contre ton coeur, malgré les rythmes fous/je veux sentir mon corps par ton corps/épousé/dansons, joue contre joue/dansons, joue contre joue/viens, noyés dans la cohue, mais dissociés du bruit/comme si sur la terre il n'y avait que nous/plissant les yeux mi-clos jusqu'au bout de la nuit.» Aznavour, no silêncio obsceno e gigantesco do Pavilhão Atlântico, vem falar-me de um tempo «que les moins de vingt ans/ne peuvent pas connaître», de um tempo em que «nous étions quelques-uns/qui attendions la gloire» porque «on était jeunes, on était fous.» O Eduardo escreveria: «o que quer dizer que estas palavras estão certas como um tempo que foi e é para sempre a beleza de ter sido.» O que, dito por Aznavour, na rouquidão desse tempo que foi e que passa pela sua voz, pela minha vida, «ça ne veut plus rien dire du tout.»
1 comentário:
Magnifico. Nada a corrigir,como às vezes... Mas porque é que V. que escreve por vezes trechos excelentes e aparentemente com abertura de espirito (não comparemos a Beauvoir com o gen. Leandro...)depois toma posições tão redutoras num facciosismo apoiante de golpes autoritários,e treta semelhante. Como dizia o Poeta,"a alma humana é um abismo"...
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