1. É a palavra que escolho para caracterizar o ano que hoje termina. E termina sob o signo do inelutável. A natureza, tão enxovalhada, a "terra", tão maltratada, mostraram ao "humano" quem manda. Fizeram-no da pior maneira possível, ceifando mais de cem mil vidas. É-me praticamente impossível pensar que, neste mesmo mundo, milhões de "humanos" vão celebrar a passagem do ano entre festas e festanças, como se nada tivesse ocorrido. Esta alarvidade frívola, perante o sofrimento de outros tantos milhões, encerra da pior maneira 2004.
2. Entre nós, a palavra correcta para 2004 continua a ser desolação. Tento lembrar-me de qualquer coisa de bom ou de positivo que tivesse contribuído para a minha auto-estima- um conceito tão virtualmente desbravado durante o ano - e só consigo encontrar decepções e privações. A afastarmo-nos cada vez mais do padrão mais aceitável da mediania europeia, enchemos o peito de orgulho com a organização de um campeonato de futebol que, como tantas outras glórias no passado, nos escapou no último instante. Tirando o betão representado na dezena de estádios novos, o que é que sobrou em consistência, "progresso" e "economia" para o país? Que me lembre, só mesmo a gravata piroso-nacionalista do então primeiro-ministro exibida em alguns jogos.
3. Por falar nele, estranho que alguns o escolham com a "figura do ano". Será porque Durão Barroso ainda é "do melhor" que temos para nos representar briosamente lá fora, descontando o queijo da Serra e o vinho? Muitos "institucionais" bufaram "orgulho" e "honra" com a ida da criatura para Bruxelas. Só a circunstância de ter largado a meio o compromisso que assumiu com o país, basta para eu o considerar o pior político do ano. Trocou uma responsabilidade nacional por uma vaidade em terceira ou quarta mão na qual verdadeiramente só se representa a si próprio e à burocracia branca da Comissão a que preside.
4. Com a sua leviana partida permitiu que o caos se instalasse, com a complacência de um PR demasiado infeliz no seu pior ano de mandato. Já há muito tempo que não batíamos tão no fundo. Desde os "poderosos" aos "vencidos da vida", ninguém pôde ficar indiferente a tanto desmando. O pequeno parceiro ri-se em silêncio disto. O que começou por ser uma maioria de secretaria, acaba num bizarro acordo para a recolha dos despojos depois de Fevereiro. Daqui a uns dias, quando a corda começar a esticar, veremos o que sobra. Por enquanto eles fingem que governam sobre praticamente nada. A "quinta das celebridades" fica registada como a melhor representação metafórica destes últimos meses insanes do ano da desgraça de 2004. Ámen.
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