Num texto com alguns anos, Eduardo Prado Coelho falava do ensaísmo de Eduardo Lourenço com a imagem feliz de "um rio luminoso". Numas férias remotas e solitárias, passadas no Vimeiro, li, entre outros, o Poesia e Metafísica de Lourenço (numa bonita edição da Sá da Costa, agora reeditada pela Gradiva). Reunia ensaios sobre Camões, Antero de Quental e Fernando Pessoa. Esta leitura fez-me "andar para trás" e chegar ao Pessoa Revisitado (Moraes, primeiro, e Gradiva, agora), o "livro" que Lourenço dedicou inteiro à sua muito particular visão do poeta da "Hora Absurda". O que não falta, graças a Deus, na bibliografia de Eduardo Lourenço, é o dedicado estudo pessoano. Aplicou-se como poucos dos leitores atentos e perturbados (sim, porque o verdadeiro "leitor" de Pessoa tem forçosamente de sair perturbado dessa experiência ou então não percebeu nada do que leu) desse obscuro empregado de escritório e jamais parou de o pensar, dando testemunho disso em escritos dispersos e suscitados pelas mais variadas motivações. O Lugar do Anjo - ensaios pessoanos (Gradiva, 2004) é o último avatar dessa perturbação sublime. Tal como o homem/poeta sobre quem escreve, Eduardo Lourenço escolhe minuciosamente cada palavra com um talento arrepiante e por vezes cruel, já que é da mais radical ausência de toda a literatura portuguesa que fala. Em vez de um "homem", Pessoa nunca fez mais do que nos devolver o fantasma de si mesmo ou, nas palavras de E. Lourenço, o mero "esplendor do nada". Por isso este livro é simultaneamente terrível e comovente, como, aliás, toda a ensaística do autor de Heterodoxia o é. Recomenda-se para o Natal. Deve servir-se frio, como Fernando Pessoa se serviu sempre de nós.
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