18.12.04

NATÉRCIA FREIRE (1919-2004)



REGRESSO

Quem é? Quem vem?
A porta não estacou
e todos pela mesa olham pasmados.
Só eu animo a voz:
— Olhem quem vem! Reparem quem voltou!
Rolam silêncios fundos e pesados.

Imóvel no meu barco de luar,
os meus olhos venceram as ramadas.
Música longa... Um sino a palpitar.
Calçadas e calçadas...

Presépios com pastores de palmo e meio.
Velas que são faróis... Cresceu a bruma.
Deitem-me assim, num jeito de menina,
e envolvam-me de espuma.

— Olhem quem vem! Reparem quem voltou,
que tem os braços que eu gritei além!

— Vou com ele, não volto, minha Mãe!

Vou com ele nos uivos da tormenta,
com ele vou pregada na paixão.
Medo de quê? Oceanos azulados...
Medo de quê? Neblinas e canções...
— Dentro do Espaço adoçam-se pecados
e morrem solidões.

Sem braços me tomou na posse enorme.
Roçou-me os lábios, simples sem ter boca.
Ele é quem diz: — Sossega, dorme, dorme...
E nunca mais me toca!

As tardes, mesmo ao longo dos casais,
cegos: falas de gestos a ninguém...

Quem é? Quem vem?
Para sempre me tomou ...

— Vou com ele, não volto, minha Mãe!

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