14.10.06

A "CORAGEM"


O meu amigo Eduardo - isto cada vez mais parece um "clube de poetas mortos" - interpela-me por causa da "manif". Como ele sabe ler melhor do que eu, tenho a certeza que percebeu perfeitamente o que eu quis dizer. Comovo-me tanto com "manifs" como ele e já frequentei algumas. A última em que, por mera curiosidade, me "deixei ficar" no meio da multidão a fim de "tentar perceber", foi a do partido do sr. Le Pen, em Paris, no dia 1 de Maio de 2oo2. Na Praça da Ópera, depois de desfile, ofereceu "uma seca" de três horas intermináveis aos respectivos crentes. Seguramente não havia menos manifestantes do que na quinta-feira passada em Lisboa, e veja lá o que vale o sr. Le Pen. A questão é outra e aí, sim, talvez haja uma divergência. Tal como o governo, o Eduardo imagina que se está a "reformar" a administração pública e, por consequência, a reduzir "interesses". Não está, nem uma coisa, nem a outra, e eu já não tenho idade para me comover com a "coragem" de ninguém. O governo, todo, recebeu ordens para "cortar" e, desde o mais insignificante dirigente até aos ministros de Estado, é só isso que eles sabem fazer: cortar, não necessariamente com método ou a direito. Repare que até vai ser criada mais uma "estrutura de missão" (nome giro, não é?) ou mesmo uma "empresa pública estatal, EPE, para "gerir" a famosa mobilidade sobre a qual ninguém tem uma única ideia concreta. Só a tal "coragem" semântica que eu não sei o que é. Como escrevia há dias o Rui Ramos, insuspeito "direitista", se não houvesse funcionalismo, o governo inventava-o para poder justificar os "objectivos" e a sua sublime "coragem" contra os "interesses" (pessoas que recebem entre 400 e 700 euros em salários ou pensões têm imensos "interesses", não é verdade?). Porém, na campanha eleitoral, não detectei a mesma "coragem" em explicar, por a mais b, o que se ia fazer. Só depois, quando o bonzo Constâncio deu o mote, é que apareceu a "coragem". Como escreve Vasco Pulido Valente no Público de sábado, sem link:
"Quanto a Sócrates, claro, aproveitou a ocasião para o auto-elogio da regra, em que se expandiu sobre a sua vontade, o seu ânimo e a sua coragem. Portugal, ele sabe, gosta de quem manda. Ainda por cima, parece que também se convenceu que lhe deram por maioria absoluta um mandato para fazer exactamente o que fez. De facto, não lhe deram esse particular mandato, porque ele nunca o pediu e, se o tivesse pedido, não era agora com certeza primeiro-ministro. Mas não vale a pena contrariar o culto desta fulgurante personalidade. Vale a pena falar da ilusão que a sustenta. A propósito da manifestação, Sócrates criticou a gente "para quem tudo ficaria melhor, se tudo ficasse na mesma". Não lhe ocorreu, obviamente, a outra possibilidade: que nada ficasse na mesma e tudo ficasse pior."

Conversados?

2 comentários:

M Isabel G disse...

João, leu o artigo da Ana Henriques hoje no Público (lisboa) sobre a esplanada do D MAria II, aquele disparate pegado?
"Um visitante do Portugal dos Pequeninos deixou ali um post em que critica a inexistência de livro de reclamações no estabelecimento, ao mesmo tempo que deixa algumas questões: "Será que aquilo não terá licença camarária? Aquilo não era monumento nacional, como o D. Afonso Henriques?"

Anónimo disse...

Caro JG, o seu argumento de que o Governo só "corta" faz-me lembrar os clamores do PS de Ferro Rodrigues contra os "cortes cegos" de M. Ferreira Leite. Imaginava-o em melhores companhias...