6.5.11

INVENTAR PARA DESMENTIR


«O discurso de Sócrates na terça-feira sobre o acordo com o triunvirato BCE-FEEF- FMI teve um carácter absolutamente singular na história da comunicação política portuguesa, porventura mundial e até histórica. Desde os discursos políticos de Péricles e o último do verdadeiro Sócrates, na versão de Platão, nunca antes um dirigente nacional, a quem coube anunciar um acordo que moldará a vida colectiva nos anos seguintes, teve a cobardia política de esconder o que realmente o documento estabelece e a ousadia de inventar o que o documento não diz.
A retórica do primeiro-ministro foi delirante: o acordo não prevê a revisão constitucional, o fim da escola pública, não prevê crocodilos a voar nem terramotos às segundas, quartas e sextas. O acordo não prevê nada disso. Nos manuais de retórica, procurei, entre as figuras de estilo registadas pelos peritos da linguagem desde Roma Antiga, uma que se assemelhasse a este ilusionismo, como lhe chamou Helena Matos (PÚBLICO, 05.05). Não encontrei. Há figuras de estilo em que se nega uma coisa para afirmar outra, mas nenhum autor, desde há mais de dois milénios, parece ter previsto esta velhacaria política de omitir a realidade concreta (má), substiuindo-a por invenções concretas (boas).
Ao pé deste recurso discursivo, espelho de uma governação limitada ao “luzes-câmaras-acção!” e o país que se dane, o resto do que aconteceu na terça-feira não passou de detalhes, mas vale a pena registar.
- Sócrates chamou “conferência de imprensa” à declaração sem direito a perguntas.
- Semanas depois de desaparecido da vida pública, como um ministro de Stalin ou Brejnev, Teixeira dos Santos marcou inusitada presença espectral atrás do líder.
- O governo agendou a declaração para as 20h30, coincidindo com o intervalo do habitual “serviço público” da bola na RTP1, mas atrasou para as 20h40, dificultando à RTP1 ouvir a oposição em directo, o que esta preferiu não fazer, mesmo quando Catroga já estava no ar na TVI e na SIC às 20h47. A RTP1 deu anúncios e voltou ao futebol, que recomeçou às 20h50.
- A Central de Propaganda é tão boa a criar imagens como a proibi-las: impediu aos repórteres de imagem fotografar a declaração; só houve as imagens oficiais da TV e dum fotógrafo do governo. A preocupação de Sócrates em controlar ao máximo a visão de si que sai nos media motivou este acto de censura, por receio da liberdade do olhar dos repórteres fotográficos, que sempre ultrapassa a rigidez das câmaras de TV.
O objectivo desta operação de desinformação visou enganar os cidadãos mais ingénuos, que não acompanham as manobras políticas e propagandísticas em detalhe ou que são crédulos em relação aos governantes. A acção foi planeada ao pormenor. Durante semanas, a Central de Propaganda, e até o próprio Sócrates, conseguiram endrominar alguma imprensa, passando-lhe falsas medidas, que nunca estiveram previstas, para assustar os portugueses. “Houve desinformação gritante nos últimos dias, com exagero claro de medidas de austeridade”, escreveu Pedro Santos Guerreiro no Jornal de Negócios (05.05). Beneficiário único da desinformação: o Governo. Que desinformação perversa, esta de inventar mentiras para que o primeiro-ministro as possa depois desmentir.
Os media que serviram de mensageiros das falsas medidas de austeridade deveriam pedir desculpa aos seus leitores ou espectadores. Os proprietários e os jornalistas destes media deviam perguntar a si mesmos se as baixas vendas de jornais não estarão relacionadas com uma persistente subserviência à mentira e à amplificação da propaganda do poder. Como escrevia Pedro Guerreiro, ou se está ao serviço de fontes mentirosas ou ao serviço dos leitores.»
Eduardo Cintra Torres, Público

8 comentários:

Anónimo disse...

Isto que ECT escreve e descreve está muito bem analizado e 'descoberto'; foi possível acompanhar a para-e-passo toda esta mascarada, digna de Goebbels e da sua sinistra "máquina". Para pessoas dotadas de cérebro em funcionamento e alfabetizadas, tudo isto foi e é perceptível. Mas nota-se no ar, e as "sondagens" são disso apenas um terrível sinal, que a populaça-eleitoral - imbecilizada por seis anos e meio de sabotagem socratista informatizada e televisionada - está cheia de medo e que quer negar a todo o custo a realidade; preferindo despedaçar os cornos contra ela (que é inamovível e indeformável...) do que dar a oportunidade a uma equipa nova que não provocou a desgraça, que não roubou nos últimos anos, que previu parte do que se veio a verificar e que, de um modo geral, tem vindo a falar em reformas e políticas a que agora os nossos prestamistas-mestres-e-senhores nos vão obrigar. Dar de novo a vitória ao PS e a sócrates nas urnas é como confiar o celeiro ao pirómano, é como dar o lugar de educador-de-infância ao pedófilo, é como confiar a catequização de meninas louras à rameira mais desbragada e infectada, é como recrutar candidamente o assaltante para vigiar o banco, é como deixar o magarefe praticar neurocirurgia, é como pedir à Motta-Engil que conserte delicados relógios barrocos e que esmalte finos mostradores com números em 'letra romana'. O eleitorado estúpido só pode estar indeciso ou querer pinto-de-sousa por julgar que pode viver eternamente a "ouvir falar de crise e de bancarrota" e não sofrer com elas. Oligofrénicos que, depois de terem andado estes anos a guardar o seu ilegítimo pratinho de sopa, nem para os seus filhos ou netos são bons - preferindo defecar no seu futuro.

Ass.: Besta Imunda

João Sousa disse...

Foi uma confusão de preposições feita pelos assessores do Querido Líder ou pelos jornalistas: o objectivo não era ser uma conferência DE imprensa mas sim ser uma conferência À imprensa.

Se não há, pela inovação da sua forma, uma figura de estilo na qual se possam encaixar as performances do nosso Estupendo Líder, Eduardo Cintra Torres tem um bom remédio: nomeie uma nova. Proponho até uma denominação: socratismo.

A desinformação como estratégia comunicacional não é um fenómeno de há um par de semanas. Desde o início do Estado Socrático que esta tem sido usada com um desígnio óbvio: eliminar, junto da dita opinião pública (na verdade, desde sempre pouco opinativa), a credibilidade do jornalismo enquanto meio de escrutínio do Poder. Num mercado com o povo pouco interessado nestas chatices de Estado e Política - já na bola... - e incapaz, pela sua reduzida dimensão, de sustentar por si a independência financeira dos jornais, estes limitam-se a seguir ordeiramente para a chacina, engolindo as pratadas de mistelas já em puré que lhes são postas na mesa pelas assessorias.

E discordo - numa questão de pormenor, é certo - do ilustre Besta Imunda. Não creio que a populaça eleitoral esteja "imbecilizada por seis anos e meio de sabotagem socratista informatizada e televisionada". A populaça eleitoral não está imbecilizada - a populaça É imbecil.

Anónimo disse...

Continuem a perder tempo com "análises" á propaganda,ou como lhe queiram chamar,do "engº." e do PS - tudo "by the book" e sobejamente conhecido de quem se dedica a estase outras lides em tudo semelhantes - e não tomem atenção á criatura.
Todas estas análises e interpretações,curiosamente só ao fim de 6 anos da mesma coisa é que estes "analistas" acordaram,revela que só agora e por força das circunstâncias (encher mais umas páginas de jornal,ou ganhar mais uns minutos de antena entre confrades "eruditos")é que se dedicaram a ler (os que não são completos analfabetos),ou ir á net pesquisar o que são estas operações (por acaso está uma a desenvolver-se nos USA,neste momento).Depois,masturbam-se em TV's,jornais etc.,onde vão mostrar que já sabem muito,muitas palavras,conceitos e teorias novas!(mais velhas que o Matusalém)
Quando derem por ele,já está novamente instalado em S.Bento e,depois já é tarde.

Carlos Medina Ribeiro disse...

A ideia de «inventar para depois desmentir» já é velha, e está até no cerne da velha anedota do Chico, que era considerado um «especialista na difícil arte de dar notícias más»:

Um dia, pediram-lhe que fosse informar um amigo que o pai tinha morrido num incêndio. Ele aceitou a incumbência e, chegando-se ao pé do infeliz, desfechou-lhe:

- Olha, pá, houve uma grande desgraça! Vê lá tu que houve um fogo na tua terra, e morreu toda a gente!

E ainda o outro tentava digerir a notícia quando Chico, rindo, lhe deu uma grande palmada amigável nas costas:

- Anima-te, homem! Eu estava a brincar! Quem lá morreu foi só o teu pai!

Anónimo disse...

Acabei de ver a declaração ao país do presidente Cavaco. Também ele andou desaparecido todo este tempo de troika, mas mais vale tarde que nunca, finalmente falou. E o que disse? Nada. Apenas banalidades. Com um PM e um PR assim, vou ali e venho já.

José Domingos disse...

Os moços de recados( jornalistas), cá do burgo, n-ao sabem o que é vergonha ou humildade. Servem qualquer amo.

Cáustico disse...

Os portugueses, (36%), que dizem que vão votar no socialismo de merda ou são todos analfabetos ou têm os cornos enfiados na estrumeira do Rato e não os conseguem tirar.

Anónimo disse...

Vi este comentário e acho que este Anónimo, se não fosse ignorante, seria ingrato; fico-me pela primeira hipótese. Comecei a escrever sobre a realidade do socratinismo em 2005. E esse cobarde Anónimo?
Diz ele: "Todas estas análises e interpretações,curiosamente só ao fim de 6 anos da mesma coisa é que estes "analistas" acordaram,revela que só agora e por força das circunstâncias (encher mais umas páginas de jornal,ou ganhar mais uns minutos de antena entre confrades "eruditos")é que se dedicaram a ler (os que não são completos analfabetos),ou ir á net pesquisar o que são estas operações (por acaso está uma a desenvolver-se nos USA,neste momento).Depois,masturbam-se em TV's,jornais etc.,onde vão mostrar que já sabem muito,muitas palavras,conceitos e teorias novas!(mais velhas que o Matusalém)".

ECT