6.3.04

A MONTANHA E O RATO

O Independente revelou nomes e fotos de 120 e tal pessoas que a investigação do "Processo Casa Pia" entendeu "mostrar" às testemunhas, eventuais vítimas de abusos sexuais, para efeitos de identificação de arguidos. Um dos incluídos no "álbum", Narana Coissoró, lembrou que ali estavam muitos nomes e fotos das "elites" nacionais, fossem de que área fossem, com a estranha excepção do sector das duas magistraturas e da polícia de investigação criminal. Tem razão. Já que aparentemente houve tanto cuidado em juntar o maior número possível de "figuras públicas" de diversas áreas, por que não foram colocadas fotos de mais sectores institucionais ou outros? A resposta parece-me relativamente simples. O procedimento, de per si, não é errado. É uma técnica de investigação como qualquer outra. Porém, neste caso, e logo desde o início, criou-se e deixou-se alastrar pela opinião pública a ideia de que por trás do crime estavam os "poderosos" e, sendo "poderosos", convinha que estivessem "em rede". Num País relativamente miserável como o nosso, "poderosas" são as figuras e os rostos que as televisões, as revistas e os jornais mostram. As magistraturas sempre olharam para isto com um misto de inveja e de ressentimento. Gostavam de "lá" estar e de "não" estar ao mesmo tempo. Ao consentir na orientação da investigação neste sentido, viram aqui mais uma oportunidade para "limpar" um "sistema" que intimamente desprezam. No meio disto tudo, porém, existem seguramente vítimas de um crime concreto. E não sabemos se os criminosos, os verdadeiros, vão ter o seu castigo ou se os inocentes vão ser absolvidos. O que sabemos é que a legítima indignação de muitos se confundiu demasiadas vezes com a demagogia barata e sensacionalista de alguns. Prestações como as do Sr. Namora, por exemplo, que começou no Expresso e acabou no jornal O Crime, dizem bem da sua extraordinária credibilidade e da "serenidade" com que tem "apoiado" a investigação. Tudo visto e ponderado, estou certo de que a justiça "justa" jamais poderá ser aquela que se apoia, ingenua ou convictamente, no "triunfo do recalcado". Ou, como disse Mário Soares, que também faz parte do "álbum", oxalá a "montanha" não acabe "a parir um rato".

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