PEQUENOS EQUÍVOCOS COM IMPORTÂNCIA
Primeiro. Durão Barroso decidiu comemorar os dois anos de governo de coligação, mandando os seus ministros pelo País em inúteis peregrinações junto dos fiéis. O eco das respectivas perorações chegou aos jornais no momento mediaticamente menos oportuno. Ninguém deu por nada. E nada de especial se perdeu. A conversa oscilou entre a habitual retórica da "retoma" semi-invisível e do crescimento económico anão, e a desvalorização das eleições europeias. Numa sugestiva imagem televisiva do jantar de "aniversário" no Porto, a que presidiu D. Barroso, via-se este ladeado pelo Sr. Marco António, o promissor cacique do PSD/Porto e, numa das mesas, o Sr. Ferreira Torres, do PP e do "direito à indignidade". Dois anos depois, o País dá evidências de que está precocemente farto das "companhias" escolhidas pelo primeiro-ministro. Do governo à maioria, da "rapaziada" dos lugares aos "papagaios" do regime, está criado um clima em que nos perguntamos como foi possível, em tão pouco tempo, gerar tantos "anti-corpos" no lugar onde, brevemente, reinou a esperança. Comemorar, pois, o quê ?
Segundo. Como uma ou duas desgraças nunca chegam sós, o grande amigo de D. Barroso, o Sr. Aznar, saiu vexado de oito anos de poder razoavelmente bem exercido. Acontece que o "povo" não aprecia ser enganado, sobretudo quando está profundamente ferido. A remoção do PP "pela direita baixa" e a emergência do PSOE do discreto Zapatero representam um dado importante no momento por que passa a Europa. Dividida entre a "tentação atlântica" e o reforço do seu "núcleo duro", a Europa "tagarela" e impotente, viu entrar- lhe portas adentro, da maneira mais espectacular e trágica, o terrorismo assassino. As bravatas musculadas do "quarteto açoreano" começam a revelar-se no seu impotente esplendor. Aznar foi só a "primeira vítima". As grotescas manobras mal amanhadas e apressadas de "reforço da segurança" interna e as "garantias" juradas de que "não há problemas", não valem rigorosamente nada perante o atomismo dos ataques terroristas e a nossa impotente vulnerabilidade. Há um ano, quando tudo começou no Iraque, houve quem avisasse que, quais criadores de abelhas, os "salvadores da democracia iraquiana" podiam estar a lançar um autêntico vespeiro assassino sobre o mundo. No "nosso" mundo, felizmente, existem eleições livres e, mesmo que tardiamente, tudo se pode remediar. Por enquanto, resta-nos esperar que a nossa quase total irrelevância possa ser a "salvação".
Terceiro. Eu leio e normalmente gosto das crónicas que Clara Ferreira Alves escreve na revista Única do Expresso, sob a designação de A Pluma Caprichosa. Li igualmente com imenso agrado o primeiro livro que as colige, com o mesmo título. Sucede que na última crónica, Clara decidiu exprimir, em "letra de forma", a sua repulsa por Cavaco Silva. A graça, a elevação, a fina ironia, o traço impressivo, a frase oportuna e "culta" que Clara costuma emprestar aos seus textos, varreram-se por completo desta pequena abjecção. Entre outras pérolas, Clara antevê o "futuro" nas pessoas de Santana Lopes e de Paulo Portas, e personifica em Cavaco o putativo regresso a um medonho e indesejável passado. Eu percebo por que é assim. Não foi a Clara Ferreira Alves, sagaz cronista e amante de livros, quem escreveu o panfleto. Foi uma outra Clara, a que dirige a Casa Fernando Pessoa e que, como tal, é "empregada" de Santana Lopes, quem quis "agradar" ao "chefe". Apesar do gesto ser humanamente compreensível, por que não seguiu, Clara, nesta matéria, o conselho de Wittgenstein?
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