21.3.04

MELHOR É IMPOSSÍVEL


MELVIN:
That's not true. Some of us have great stories... pretty stories that take place at lakes with boats and friends and noodle salad. Just not anybody in this car. But lots of people -- that's their story -- good times and noodle salad... and that's what makes it hard. Not that you had it bad but being that pissed that so many had it good.


-diálogo do filme As Good as It Gets (Melhor é Impossível , de James Brooks, 1997, com Jack Nicholson e Helen Hunt)

Detesto o Inverno. Esperei pacientemente por este dia "um" da nova estação. Um desastre. Não só o tempo mudou- está uma insuportável ventania- como, por razões familiares, acabei a almoçar sozinho, rodeado de anónimos domingueiros bem dispostos, devidamente equipados com as suas inefáveis criancinhas ruidosas. Como estou em fase de transladação e de arrumação de livros, levei para companhia um pequeno livrinho de Henry Miller, que estava noutro lado, de seu título O Sorriso aos Pés da Escada (Edições Asa). Entre percebes, imperial, cabrito e vinho tinto - tudo a que tinha direito...-, fui relendo o epílogo do livro. Como hoje é dia de poesia e de primavera, eu tinha pensado em não fugir ao cliché de aqui colocar poema. Porém, em dois ou três parágrafos de Miller redescobri mais poesia do que em estafadas rimas pobres para consumo fácil. Como eu, a vida e os deuses andamos de costas uns para os outros, como o mundo se insinua volátil e violento, como o "outro" já não é o que era e a entrada da primavera ainda menos, ficamos com as palavras de Miller, um escritor a que nunca nos devemos cansar de voltar. Melhor é impossível.

A alegria é como um rio: corre incessantemente. Parece-me ser esta a mensagem que o palhaço procura transmitir-nos: deveríamos participar no fluxo e movimento contínuos, não pararmos para reflectir, comparar, analisar, dominar, mas continuarmos a fluir, sempre e sempre como a música. Tal é o dom da renúncia, que o palhaço realiza simbolicamente. A nós compete-nos torná-lo real.
Em nenhuma época da história da humanidade esteve o mundo tão cheio de sofrimento e de angústia
[esta prosa é de 1948, mas podia ser de hoje...]. Contudo, aqui e além, encontramos indivíduos que não estão contaminados, manchados pela dor comum. Não são criaturas sem coração, longe disso! São indivíduos emancipados. Para eles, o mundo não é que nos parece. Vêem-no com outros olhos, dizemos que morreram para o mundo. Vivem, no momento que passa, com toda a plenitude, e a radiação que deles emana é um perpétuo hino de alegria.(...) Todas estas abençoadas almas que me fizeram companhia, testemunharam a terna realidade da sua visão. Será nosso, um dia, o seu mundo quotidiano. de facto já é nosso - simplesmente, estamos demasiado empobrecidos para lhe reivindicar a propriedade.

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