O OURIÇO E A RAPOSA
Num maravilhoso ensaio sobre Tolstoi e Dostoievsky - mas que é bem mais do que isso... - , Isaiah Berlin recorre à fábula do ouriço e da raposa para introduzir o seu tema. Fá-lo nos termos seguintes:
There is a line among the fragments of the Greek poet Archilochus which says: 'The fox knows many things, but the hedgehog knows one big thing'. Scholars have differed about the correct interpretation of these dark words, which may mean no more than that the fox, for all his cunning, is defeated by the hedgehog's one defense. But, taken figuratively, the words can be made to yield a sense in which they mark one of the deepest differences which divide writers and thinkers, and, it may be, human beings in general. For there exists a great chasm between those, on one side, who relate everything to a single central vision, one system less or more coherent or articulate, in terms of which they understand, think and feel-a single, universal, organizing principle in terms of which alone all that they are and say has significance-and, on the other side, those who pursue many ends, often unrelated and even contradictory, connected, if at all, only in some de facto way, for some psychological or physiological cause, related by no moral or aesthetic principle; these last lead lives, perform acts, and entertain ideas that are centrifugal rather than centripetal, their thought is scattered or diffused, moving on many levels, seizing upon the essence of a vast variety of experiences and objects for what they are in themselves, without consciously or unconsciously, seeking to fit them into, or exclude them from, any one unchanging, all-embracing, sometimes self-contradictory and incomplete, at times fanatical, unitary inner vision. The first kind of intellectual and artistic personality belongs to the hedgehogs, the second to the foxes.
Em síntese, o que Berlin nos explica é que, do mundo da literatura ao do humano puro, ao do "demasiado humano", encontramos fundamentalmente dois tipos de pessoas. À primeira categoria pertencem aqueles que são movidos por orientações, princípios e objectivos permanentes que se sustentam na coerência e na constância, aos olhos dos próprios e aos olhos dos outros. Na segunda categoria estarão os que, por motivos psicológicos, fisiológicos ou de demais natureza, se comportam de forma errática, "centrífuga", difusa, e sempre em situação de grande precaridade ética, na prossecução, consciente ou inconsciente, dos seus "objectivos". Os primeiros pertenceriam à classe dos "ouriços," enquanto que os segundos seriam as "raposas". Isaiah Berlin abre o ensaio citando Arquíloco, o poeta grego: "a raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante". Lembrei-me deste texto por causa dos comentários que o lançamento do livro de Cavaco Silva anda a provocar nas habituais e conhecidas "cabecinhas comentadeiras". Quase todas conseguiram ler nas entrelinhas do livro e das apresentações feitas pelo autor, sinais de que ele "avança" e sinais de que ele "não avança". Parece que, ao fim destes anos todos, ainda não conseguiram captar a essência do homem. A última coisa de que Cavaco precisa e quer, é confundir-se com uma "raposa", espécie que grassa por aí, devastando a nossa paupérrima paisagem política. Não é por acaso que ele pergunta ao jornalista se acha que ele (Cavaco) sente saudades da "vida político-partidária". Podia ter dito "política" apenas, mas não disse. Não foi inocente nem predador inconsequente. Foi "ouriço". Ao estado a que isto chegou, começa a ser claro que só Cavaco e mais um ou outro "ouriço", facilmente identificável, é que ainda sabem "coisas muito importantes".
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