2.11.09

DIZER COISAS


Acordo para o cansaço da manhã
com o cheiro das primeiras vozes
e os motores acesos da casa que principia.
De novo. Sempre principia. Setas
que segregam luz doente, esfarelam
por dentro de quem não queria
acordar nunca, esquecido na rasura
dos lençóis, o empurrão da voraz claridade

Cada próspera cidade tem no seu meio
uma cidade de subnutrição, crianças mortas,
desalojados, desemprego. E em cada cidade
das mais podres há, num aro de metralhadoras,
uma cidade de tecnologia, rara
costura, sobre finança, e medo.

(...)

Olhamo-nos e deixamos de nos reconhecer.
Às vezes penso que me sinto muito velho,
a caminho de ficar endoidecido.
Um desses homens de fronteira,
fechado na empena do mundo
com todo o esquecimento da vida
a esfaqueá-lo por detrás.
Um desses a quem apenas falta
que despachos governamentais lhes mijem na cama.


Com isto, vê lá, queria seduzir-te,
leitor, que nunca saberei quem és.


Joaquim Manuel Magalhães

3 comentários:

Anónimo disse...

Leio muitos 'Blogs'.
Conheço alguns de temáticas variadas.
Mas só há um, que admiro: Este.
É um prazer ler o que aqui se escreve e comenta.
Obrigado, João.

Anónimo disse...

Faz bem à alma falar com quem jamais se conhecerá...
Objectivo atingido...sediziu-me.
Concordando ou não, é sempre um prazer ler este blog.
Bem haja.

aisongamonga disse...

O reconhecimento de um trabalho bem feito, a boa música e a boa leitura limpam-me e alimentam-me a alma.
Hoje fiquei saciado.
Obrigado.