No meio do lixo tóxico que é a nossa "vida pública", passou despercebida a trasladação dos restos mortais de Jorge de Sena para Portugal. Duvido que, se fosse vivo, concordasse com o fútil exercício. A sua altivez amarga não se daria bem com piedades póstumas. Eduardo Lourenço falou, certeiro, do "regresso do indesejado". Anos a fio, no "antigo" como no "novo" regime - com a excepção de Ramalho Eanes -, trataram-no sempre como um intruso, como um estranho ao cânone oficial e ao "amiguismo" circular. Hoje quando olho para aquilo a que apelidam de "literatura portuguesa" - uma categoria pífia onde cabe tudo, desde o "romance" encomendado a jornalistas da moda a meninos e meninas dados a tremuras cerebrais lá onde nem sequer existe uma cabeça - percebo melhor por que é que um homem da dimensão de Sena teve de ir embora daqui para ser Jorge de Sena. Porque aqui matam as pessoas em vida para, depois de mortas, as exibir como troféus nacionais. Sena "acompanhou" a minha adolescência e a minha juventude. Como ensaísta, como camonista, como poeta, como romancista, como contista. Em suma, como um Homem. A melhor homenagem que se deve fazer a seres raros como Sena é lê-los e deixá-los entregues à luminosa eternidade a que sempre pertenceram. Como escreveu um dia, «Esta é a ditosa pátria minha amada. Não./Nem minha amada, porque é só madrasta./ Nem pátria minha, porque eu não mereço/a pouca sorte de nascido nela./ Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta/ quanto esse arroto de passadas glórias.» Requiescat in pace.
9 comentários:
Um poeta que merece ser lido e escutado...um poeta maior, numa sociedade cada vez menos poética, confundindo a poesia com asfixia...
Se ser é assim, então tudo mais é nada...
Ab,
Nuno Miguel Henriques
www.nunomiguelhenriques.com
João Gonçalves, tanta admiração (justificadíssima, entendamo-nos) poderia, talvez, ter sido ilustrada por coisa melhor saída da caneta do Sena, caramba.
Como sempre, os meus cumprimentos.
Ainda bem que reparou. Jorge de Sena não é para estes filhos da mãe.
Não esmoreça. Casque pela decência de ser Português e pela decência de Portugal. Não transija com trafulhas.Independentemente das diferenças de postura política, continue. E seja transversal. A sua voz pode ser desagradável, mas é um cidadão, é isso que gosto em si.
Nao pôde ser mais certeiro JG.
Sena era realmente GRANDE de mais para uma País tão "pequeno" como o nosso.
Em memória da também sua Califórnia, só apetece dizer : Well Done Jorge !
Portugal tem vocação para cangalheiro. Fazemos funerais lindos...o ministro da cultura, então, estava excitadíssimo com o sucesso de mais uma manifestação cultural...
O Sena era tambem um videirinho.Os seus panegiristas deviam lembrar-se de quando o Sena recusou participar num abaixo-assinado(em finais de 1953)dirigido ao Presidente da República,contra a censura,para poder abichar uma viagem oficial à India.Pois é.
...No meio do lixo tóxico que é a nossa "vida pública", passou despercebida a trasladação dos restos mortais de Jorge de Sena...
Nem a todos, Dr. Santana Lopes,nem a todos.
E já agora...
O que diria hoje Jorge de Sena em relação ao lixo tóxico que é o "nosso" panorama político, do qual o senhor faz parte?...
Um abraço e não se zangue, não tenho nada contra si, pessoalmente, acho-o até um homem simpático e charmoso. Já em relação às suas posições políticas, é mais do mesmo!...
Como é óbvio, o comentário não era para si. Peço desculpa.
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