12.9.09

«TERRA DE ESCRAVOS, CU PRÓ AR OUVINDO RANGER NO NEVOEIRO A NAU DO ENCOBERTO»

Depois de lidos jornais, blogues e "comentadeiros-escritores" e "escritores-comentadeiros" que mais parecem umas arrastadeiras de hospital, nunca é de mais Jorge de Sena. Escrito nos anos sessenta com se fosse hoje.

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:

eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.

5 comentários:

Mani Pulite disse...

No dia 27.9 iremos ver se somos de facto uma terra de escravos de cu para o ar.É a melhor,ou mesmo a única,homenagem que podemos fazer ao incomparável Sena.

caozito disse...

Tal qual, como se fosse hoje.

impensado disse...

Coitado do Sena, nem depois de morto é poupado ao cativeiro!

tá bem... disse...

Ary dos Santos deve ter parido por Sena, poeticamente.

Anónimo disse...

Aquela m. de que fala o Sena tanto e representada pelo Socrates como pela MFL - nao tentem fugir com o rabinho a seringa e dizer que maus sao os outros. E necessaria uma lupa muito grande para ver a diferenca entre o PS e o PSD ou entre o Socrates e a MFL... Como se dizia em Portugal, mudam as moscas mas a m. e a mesma e isto desde ha seculos.