23.7.11

QUANDO OS ESPIÕES ERAM ADULTOS


«A editora D. Quixote acaba precisamente de reeditar A Toupeira, um livro que tem Smiley como protagonista e a denúncia de um agente duplo ao serviço dos soviéticos como fio condutor. A trama é bem esgalhada mas o que logo sobressai é o retrato das personagens, a começar pela do espião britânico na reforma. Verdadeiro anti-herói, fisicamente decadente, introspectivo e com um casamento falhado (a forma como lida com a infidelidade da mulher é um magnífico traço do seu carácter), Smiley conduz paulatinamente a investigação, toda ela assente em episódios do passado que a memória de agentes lançados ao ostracismo vai desenterrando. História adulta com a Guerra-fria em fundo, A Toupeira recusa qualquer visão maniqueísta do mundo, sobretudo, qualquer visão maniqueísta dos homens. O suspense domina mas o que assombra é a inteligência de le Carré, capaz de nos envolver num enredo de espiões nostálgicos e simultaneamente implacáveis. Além disso, o que pode ser mais romanesco do que a descodificação de um duplo?»

Ana Cristina Leonardo, Meditação na Pastelaria

4 comentários:

Anónimo disse...

Quando os espiões eram adultos não se davam atentados à bomba ou a tiro nos respectivos solos dos dois blocos, laboriosamente tramados pelo outro lado... A paranóia da guerra nuclear e da mútua aniquilação eram o pano de fundo do medo - medo do triunfo ou do fim de um modelo de sociedade, conforme a barricada. Desconfianças do fim da II Guerra e anteriores, rancores, medos, competições. Existiam confrontos secretos fronteiriços e, sobretudo, sobrevoos clandestinos que Eisenhower ordenava - com as consequências conhecidas. De resto, os dois blocos mandavam outros (países, povos) travar essa luta por eles no campo de batalha e morrer se necessário. Preservava-se assim vida caucasiana e alguma consciência aplacada. No fundo, etnicamente, EUA e URSS eram 'louros', brancos, europeus, 'cristãos' - e não civilizações totalmente estranhas uma à outra. Os motivos eram económicos, políticos, sociológicos, ideológicos. Mais do que ódio era a outra face - o medo - que imperava; mantinha-se assim um mínimo de decência e de regras. Com a entrada em cena de Ulrika ou (planeada) das Brigadas Vermelhas e o descontrolo do Setembro Negro atingiu-se, de facto, o sangue e a carne dos 'cidadãos'.
Nos tempos que correm tanto a 'jihad' como a 'globalização' ou até a 'privatização' das lutas ao cidadão alarve, levam à execução - a tiros de pistola - de garotos que acampam numa ilha nórdica, ao fim-de-semana. Não sei como Le Carré escreveria sobre isto.

Ass.: Besta Imunda

Ana Cristina Leonardo disse...

Quando os espiões eram adultos

pensei exactamente isso, enquanto lia o livro
(e obrigada pelo link)

JSP disse...

Ana Cristima,
Perdoe-me o atrevimento - e a sugestão : "The Honourable Schoolboy" e "Smiley`s People".
Fica com a trilogia completa - e uma melancólia e extraordinária narrativa sobre uma geração educada para a grandeza de um Império entretanto desaparecido.
Restaram-lhe as "sobras", magnânimamente consentidas pelos "primos"...

Anónimo disse...

Já agora aconselho "Um espião perfeito" ou como se constrói ou se desconstói um espião.
CD