24.4.10

UM ACTO DE JUSTIÇA POÉTICA


«Era em Praga, num dia de sol e o dr. Cavaco, ainda primeiro-ministro, estava sentado num muro da cidade velha. Muito bem-disposto, resolveu dar uma espécie de conferência de imprensa improvisada. A certa altura, um jornalista perguntou se a República Checa podia entrar na União Europeia dentro de seis meses, como tinha anunciado. E o dr. Cavaco respondeu, com o seu sorriso condescendente e petulante de "bom aluno", que não podia. Essas coisas, explicou ele, em grosso, eram muito mais complicadas do que, na sua inocência, os checos julgavam. Mas, naturalmente, iam aprender. Agora o dr. Cavaco voltou a Praga e o Presidente Vaclav Klaus manifestou em público o seu espanto pela serenidade com que Portugal vivia na sombra de um défice tão assustador. Portugal, segundo Klaus, devia andar "nervoso". Este comentário, manifestamente pouco diplomático, foi um acto de justiça poética. Quando administrou a sua lição àquela pobre gente, saída do comunismo e, ainda por cima, eslava, o dr. Cavaco não sabia nada sobre a República Checa. Não sabia que a Boémia era o centro industrial do Império Austro-Húngaro. Não sabia que tanto Hitler como a URSS o haviam cuidadosamente conservado e alargado. E não sabia (porque não olhou para um mapa) que geograficamente a República Checa ocupava uma posição privilegiada na Europa. Hoje, para perpétuo vexame do dr. Cavaco, o Skoda passou a ser um carro vulgar em Portugal, o Presidente Klaus exibe um défice trivial e uma balança de pagamentos positiva; e o nosso Professor vigia, inerme, de Belém, um país periclitante, à beira da falência. Moral da história? Por um lado, que não é muito boa ideia perorar sobre o que não se percebe. E, por outro, que o "desenvolvimento" cavaquista partiu desde o princípio de premissas falsas. Portugal chegou ao "25 de Abril" sem uma verdadeira "revolução industrial" e sem um verdadeira "revolução burguesa". O liberalismo, político ou económico, nunca passou de uma ideologia minoritária, estranha a uma sociedade, no fundo, camponesa e a uma classe média, dependente de um Estado hipertrofiado e centralizador. Esperar que o dinheiro da "Europa", a política do betão, o ensino de massa e as privatizações conseguissem o milagre de a "modernizar" não passou de uma ilusão e de um erro. Quando se raspa o "novo português", que o dr. Cavaco tanto contribuiu para fazer, o que fica é o português indigente e finório, à procura de um bom "negócio". O défice e a dívida, que nos perseguem desde o século XIX, não reapareceram por acaso.»

Vasco Pulido Valente, Público

12 comentários:

Anónimo disse...

O teste do algodão (História) não engana. E ao fim de trinta anos de protagonismo político Cavaco continua o mesmo. O JG que vote nele. Prefiro ficar em casa a ver a maré subir. Ou descer.

Unknown disse...

"O défice e a dívida que nos perseguem desde o sec.XIX..."

Com uma interrupção "políticamente incorrecta", lá entre os anos 30 e início dos 70 do sec. passado - os anos ominosos do "fássismo" , na pronúncia das alimárias que , por esta altura , zurram a sua ignorância ainda mais alto que habitualmente.

fado alexandrino. disse...

O senhor Doutor Valente quando passa de trivial para o profundo estampa-se sempre.
A Skoda pertence ao Volkswagen Group é tão checa como os pasteis de Belém são italianos.

Anónimo disse...

Além do prazer de ler VPV, meditar sobre a falta que faz aos políticos saberem história. E poucos são aqueles em Portugal que não se detecta às primeiras palavras um profundo desconhecimento.

Anónimo disse...

A Skoda pertence ao Volkswagen Group é tão checa como os pasteis de Belém são italianos»
Ou como a produção da VW/Palmela é portuguesa.
Merecida resposta que o PR português não deu ao Checo:
Pois é, está para aí com essa piada, mas o seu país comprou apenas 100 blindados Pandur à Austria, armados em miseráveis.
Incapazes de fazer como Portugal: 260 novos blindados, por 365 milhões de euros (o valor de um submarino).
JB

Søren Kierkegaard disse...

o senhor Valente lá mete na ordem o provinciano professor de York mas também não perdia em alargar a amplitude da sua obsessão com o século dezanove, veria que desde a nossa fundação e alegada "reconquista" não nos excedemos nem método nem em tenacidade nem em programa nem em persistência no que concerne ao assuntos da terra do negócio e outras coisas prosaicas ... estamos agora onde sempre estivemos .... mesmo pós "descobertas"

Anónimo disse...

Muito claro, até a vergonha, ou falta de coragem, de pôr Salazar fora deste buraco. Se Cavaco não pode fazer mais nada para evitar esta bagunça, ele ou outro que vanha atrás dele, então repense-se a despesa inútil para manter um órgão que não é mais que um cenário.

cristina ribeiro disse...

Quando li isto no Público...bem, nem sei dizer o que senti ao saber desta " lição ". Cá se fazem, cá se pagam?

Anónimo disse...

Não tenho dúvidas acerca da capacidade técnica de Cavaco, como economista. Também nunca tive dúvidas acerca da sua seriedade pessoal - veja-se o tristonho e paupérrimo casal Cavaco-Silva, sobretudo, insisto, a Sr.ª... (se bem que já podiam ter demolido a marquise que nunca deviam ter construído e que nunca devia ter sido licenciada pela CML - também juízes e provedores têm marquises...que vergonha!). O que sempre foi uma evidência foi a sua ignorância acerca de quase tudo o que fosse para além da contabilidade. Como mérito, posso todavia referir que cumpriu o seu tempo de Guerra Colonial - mas sempre com a inevitável cavaca atrás - o que, desde Eanes, O GENERAL, não acontecia a um presidente !(outra vergonha nacional, mas o que se podia esperar do incapaz soares e do cobarde sampaio?). Ignorante, inculto, desconhecedor da História e fazendo-se assim cercar de alguns idiotas - como 1º e agora como PR - tudo o que VPV descreve e resume era inevitável. Lamento.

Ass.: Besta Imunda

Nuno Castelo-Branco disse...

Esta gente desconhece a importância que a Boémia tinha dentro do infelizmente desaparecido Império Austríaco: era o coração industrial e um centro cultural importantíssimo. Deu a Viena grandes ministros e dirigentes militares, políticos, nomes da cultura. A Boémia forneceu as armas com as quais o Império se bateu em 1914-18 contra sérvios, italianos, russos e italianos em várias frentes e simultaneamente. Quando ocupou o território em 1938-39, Hitler apoderou-se da poderosa indústria e do excelente equipamento militar blindado com o qual fez a Blitzkrieg em França.
Esta gente não sabe o que diz. É tonta, burra e arrogante. Klaus fez MUITO BEM em dizer aquilo que quase todos pensamos. Vão-se TODOS embora, porque o país sobreviverá!

Anónimo disse...

Nah em França a maioria dos tanques eram alemães, diga-se bastante inferiores aos franceses em blindagem, mas com mais mobilidade devido a melhor doutrina . Ficaram com alguns tanques checos que por breves momentos foi o que a Alemanha teve de melhor no início da guerra mas nunca em número suficiente. Ao contrário a artilharia da Skoda-incluíndo aquela que a Skoda vendeu aos países que a Alemanha conquisto como por exemplo o Reino da Jugoslávia - equipou o exército alemão.
Lá por 1942/43 metade das peças de artilharia do exército alemão eram capturadas na maioria Skoda(Checas,Jugoslavas, Polacas) ou Schneider(Francesas).


lucklucky

Nuno Castelo-Branco disse...

Não fora "alguns tanques" checos. Veja os números e verifique a importante percentagem dos produtos saídos das fábricas Skoda. Aliás, a produção de uma boa parte do equipamento, continuou a ser facultada pelas fábricas da Boémia-Morávia, bem até ao fim da guerra.