29.4.10

«VERSOS A UMA CABRINHA QUE EU TIVE»

Com seu focinho húmido
Esta cabrinha colhe
Qualquer sinal de noite
De que a erva se molhe.

Daquela flor pendente
Pra que seu passo apela
Parece que a semente
É o badalinho dela.

Sua pelerina escura
Vela-a da noite sentida;
Tem cada pêlo uma gota,
Com passos, poeira, vida.

De silêncio, silvas, fome,
Compõe nos úberes cheios
Toda a razão do seu nome
E fruto de seus passeios.

Assim já marcha grave
Como os navios entrando,
Pesada dos pensamentos
Da sua vida suave.

E enfim, no puro penedo
De seus casquinhos tocado,
Está como o ovo e a ave:
Grande segredo
Equilibrado.


Vitorino Nemésio, Eu, comovido a oeste (1940)

3 comentários:

Anónimo disse...

A cabrinha de Nemésio só é superada pela visão balsâmica da minha gata Célia a dormir ao de leve os seus 75% do dia.

Ass.: Besta Imunda

Anónimo disse...

Este poema do Nemésio,dito pelo próprio,existia há anos num disco pequeno de 33 rotações(quem se lembra?) que incluia outras magnificas peças, como os "Anjos"(São terriveis modos de Deus conosco,nós, suas possiveis transparências a fosco) o Hino ao Espírito Santo,a "Praga"(Sim,morreu,escusam de numerar a campa)etc. Fazia parte duma colecção de poesia dita pelos próprios,que contava com a Sophia,o David, o Torga (má dicção)etc. Que aconteceu a estes documentos únicos da nossa Cultura? O desinteresse e o lixo,certamente,pois a ninguem ocorreu reeditá-los. Mais lamentações,para quê?

Cardoso disse...

Bons versos, para variar. Ahahah ;)