3.3.10

ARMISTÍCIO MORAL?

Li este poema de Jorge de Sena no livro ali à direita, "um violento poema de Lisboa", como o designa Sena em carta a Sophia, de 1971. Passaram quase quarenta anos. Há liberdade hoje? Há, mas como acentuou há pouco o José Adelino Maltez na SICN, sem ética (não a da estúpida comissão parlamentar) a liberdade é pó. Chamou-lhe, bela expressão, armistício moral. Porém, isto, quarenta anos depois, persiste mais ou menos isto. E não é só, ou sobretudo, de política que falo. É liberdade esta coisa tagarela tomada por Portugal? É possível algum armistício moral que brote do puro esterco em que tudo se conformou?


Que esperar daqui? O que esta gente
não espera porque espera sem esperar?
0 que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam ?
Emigram-se uns para as Europas
e voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.


Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros lampos
espanejando as caudas com que se ataviam.


Que Portugal se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal
— mas com que há-de pagar-se quem se agacha e
[mente?


Chatins engravatados, pelenguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem as pernas — e como cães sem faro
os pilhas poetas se versejam trúfias.


Velhos e novos, moribundos mortos
se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais singelo pulo.


Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.


(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende).

1 comentário:

radical livre disse...

considerada a frase do a(s)no
«tenho (vaga) ideia que existe liberdade de expressão»
vitor ramalho