Rui Ramos recordava ontem, no Expresso, Alexandre Herculano. Nasceu há duzentos anos. Agora que não há ninguém que não seja "liberal", Herculano - que o foi literal e visceralmente -, fosse ele vivo, ia fartar-se rir com os seus "descendentes", esta pobre elite caseira e videirinha que vagueia pelos partidos, pelos jornais, pelos blogues e pelas corporações do regime, sempre a cascar no Estado, mas sempre dele mamadora enquanto falsa e tosca "sociedade civil". Provavelmente esta "elite" não verá nele mais do que um pacóvio, um escritor "datado" e ilegível, um chato. E Herculano porventura olharia para ela, com desprezo e ironia, recomendando que «os pontapés ou arrochadas são sempre eficazes e salutares.» O alegado "poder espiritual" que exerceria sobre a nação, como sugeria Teófilo Braga, não serviu de nada nem a um nem à outra. Não se pode exercer poderes dessa natureza sobre broncos crónicos. Oliveira Martins percebeu-o perfeitamente. «E quando, ele que observara impenitente o velho Portugal, abandonado ao lodo utilitário os seus coevos, via também a mocidade mediocremente respeitosa por essa religião do Indivíduo que era a sua; quando via as tendências centralistas e socialistas - confessas ou inconscientes - dominarem nos governos e oposições, nos partidos conservadores e nos revolucionários, ele chorava, outro Isaías, sobre as ruínas do templo abatido, sem reconhecer que as pedras desse edifício derrubado já começavam a formar um novo monumento.» O "monumento" é esta miséria instintual e material e esta pequena burguesia de espírito a que chegámos por via de duas ditaduras e de um regime pseudo-democrático fundado há trinta e seis anos.«Isto dá vontade de morrer», murmurou Herculano, em Vale de Lobos, antes do fim. Nunca teve tanta razão.
4 comentários:
O todo o momento se pode constatar que o autor deste blogue está a viver no país errado.
Eu acho, a todo o instante, que Portugal está tão actual hoje como há duzentos anos: Eça, Ramalho, Martins, Junqueiro e etc. são tão contemporâneos hoje como o eram na sua contemporaneidade. A pacovice continua, a mediocridade, o país de conselheiros Acácios, o provincianismo, o reducionismo de ideias...
Herculano é um dos homens, entre os vários que sabemos quem foram, para quem Portugal não teve, não tem e, presumo, por tudo aquilo que se vê, não terá dimensão para a sua grandeza.
Quantos, como ele, se afastaram de tudo isto, conscientes do impossível?
"O que é que mais detesta?
-Entre os homens o hipócrita e nos animais o réptil: são viscosos.
Quais os caracteres históricos que mais abomina?
- Os tiranos. Creio porém, que detesto um pouco mais os falsos amigos do povo.
Os seus heróis na vida real ou na História?
- Eu não gosto de heróis.
Algumas respostas de Herculano ao questionário de Proust.
Já agora, questiona-te acerca do porquê da ausência regimenteira no Centenário de Herculano. Que maçada, este ano de 2010 só lhes tem dado dissabores. Vem aí o Papa, é o Herculano..., enfim, só chatices !
É que o Herculano não lhes convém mesmo nada.
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