"Visa ele [o conceito de despenalização] a supressão total da infracção, nas suas duas componentes, a hipótese e a sanção, ou limita-se apenas a esta última, deixando permanecer o carácter ilícito do comportamento mas sem lhe ligar qualquer sanção penal, na linha de uma tendência referida no acórdão e que contesta a racionalidade da ideia de que o crime reclama sempre uma pena (nº 9 do acórdão)? Pode igualmente questionar-se se o estádio visado pela pergunta é o de uma total e radical descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (quando realizada por opção voluntária da mulher, nas primeiras dez semanas e em estabelecimento de saúde legalmente autorizado), em termos de esta deixar, em tais condições, de constituir um facto ilícito e de ser objecto de uma censura ético-jurídica (o que parece ser inculcado pela última condição enunciada), ou se a ela apenas deixa de estar ligada uma sanção de carácter penal, sem que no entanto a ordem jurídica deixe de a considerar como censurável. A falta de nitidez e de univocidade dos sentidos possíveis da pergunta prejudica assim irremediavelmente a sua clareza."
Rui Moura Ramos, declaração de voto de vencido no Acordão do Tribunal Constitucional que aprovou a pergunta do referendo (Novembro de 2006)
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