AGRAFE
A carestia outonal levou-nos para a beira-rio
até uma cerveja sossegada. O bar
de pequena moral e pior comércio
cobria-nos com a sombra do repouso
e da música furtiva. Os fósforos acesos,
os cigarros gastos, as mãos abandonadas
na frescura da mesa, os risos traziam
a viagem marítima do nada.
Em azinhagas perdidas eu quis um paiol.
Sem bairros partidários de betão burgesso
nem hetero-anónimos reacço-grafitadores.
Um vulcão de amigos farpados de motim.
Ao desabrigo, Pistola, nós e os outros gatos,
na bulha do silêncio, inimigos
da neurose urbana dos domingos,
do esterco costeiro dos fins de semana.
Pedras fulgentes de fogo impossível.
O voo tresandante dos anúncios ronca
na TV. A tormenta cerosa dos churrascos
acomete o saguão. Os vendedores
ruaceiros flutuam em municipais
abjecções. Nos andares, a prego e berbequim,
as famílias. A um nada chamamos
o desejo e nada resta para desejar.
A cabeça num lago de despejos, de ruínas.
Joaquim Manuel Magalhães
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