Na crónica de hoje no Público (sem ligação), Vasco Pulido Valente vem chamar a atenção para a questão da "liberdade" vs. "respeitinho" na nossa história política contemporânea, a propósito da "indignação" que terá suscitado a "postura" de Mário Soares no recente debate com Cavaco Silva. Pulido Valente acha, aliás com inteira razão, que somos em demasia um país vergado aos "salamaleques" e aos "srs. drs." e que, no essencial, lidamos mal com a liberdade. Disse-se sempre, e com alguma sustentação, que Soares possui uma visão "dessacralizada" do poder. É verdade, mas é apenas uma parte da verdade. Soares, conforme lhe dá jeito, tanto pode comportar-se como um déspota monarco-republicano, iluminado por Jaurès ou Afonso Costa, ou como um político "moderno" e democrata, "afectivo" e de "proximidade", como agora se diz. Soares até podia ter feito o pino diante de Cavaco que ninguém levaria a mal. Como bem lembrou Miguel Sousa Tavares no Independente, Soares "é o único que se permite cuspir para o lenço em público ou mastigar pastilhas". Acontece que, como deve saber Pulido Valente, não é do "respeitinho" ou da "liberdade" que se tratou naquele debate. Soares precisava de diminuir a todo o custo Cavaco Silva, fosse com "boa" ou com "má" educação. E de dar a entender que o simples facto de Cavaco ser candidato à presidência da República já constituia, em si mesmo, um acto, para ele, incompreensível. Pulido Valente, que tanto critica a concepção "proprietária" e jacobina que Soares tem da democracia, no fundo, entende que ele deve continuar a comportar-se como o "dono" mimado dessa mesma democracia. Mesmo quando lança insinuações pequeninas sobre o comportamento de Cavaco nos Conselhos Europeus, tipo "eu sei mas não digo", mais adequadas a quem toma conta de condomínios fechados do que próprias de quem já foi chefe de Estado. Eu sou contra o "respeitinho" hipócrita e a favor, em quaisquer circunstâncias, da liberdade. Mas nem eu, nem Pulido Valente, somos candidatos à presidência da República.
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