Magro, de olhos azuis, carão moreno
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
SONETO II
Lá quando em mim perder a humanidade
mais um daqueles, que não fazem falta,
verbi-gratia - o teólogo, o peralta,
algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
que engrole sub-venites em voz alta;
pingados gatarrões, gente de malta,
eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
sepulcro me cavar em ermo outeiro,
lavre-me este epitáfio mão piedosa:
"Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
passou vida folgada, e milagrosa:
comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro."
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
21.12.05
BOCAGE 1765-1805
Passam duzentos anos sobre a morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Para o lembrar, dois sonetos "autobiográficos", o primeiro mais conhecido, e o segundo, uma escolha de Natália Correia na sua Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.
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