«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
31.10.09
NO MEIO DE NÓS
«Basta imaginar a carreira típica de um corrupto. Começou por se inscrever num partido (no PS ou no PSD, evidentemente). Ou tinha influência, própria ou da família, ou conseguiu arranjar um "protector" (um empresário, um advogado, alguém com prestígio ou com dinheiro) para se promover a presidente da concelhia ou a qualquer cargo de importância. Daí passou para a administração central, para a Câmara do sítio ou, com muita sorte, para uma empresa pública. Com o tempo chegou a uma situação em que podia "pagar" os "favores" que até ali recebera e fazer novos "favores", em que já participava como sócio. Entretanto conhecia mais gente e alargava pouco a pouco os seus "negócios". Se punha o pé fora da legalidade, punha com cuidado, bem protegido por amigos de confiança e pretextos plausíveis. Um dia, por fidelidade ao chefe, "trabalho" no partido (financiamento directo ou indirecto) e recomendação de interesses "nacionais", foi chamado ao governo: a secretário de Estado, normalmente. No governo, proibiu ou permitiu conforme lhe convinha ou lhe mandavam e convenceu outro secretário de Estado ou mesmo um ministro mais "versado" ou "ingénuo" a colaborar na sua "obra". Torcendo uma regra aqui, explorando uma ambiguidade ali, a sua reputação cresceu. Não precisava agora de se mexer. Era, como se diz no calão da tribo, um "facilitador". A iniciativa privada gostava dele, o "sector público" gostava dele, o alto funcionalismo (a quem, de quando em quando, dava uma gorjeta) gostava dele. Ninguém lhe tocava. O corrupto ascendia à respeitabilidade. E anda, por aí, no meio de nós.»
Vasco Pulido Valente, Público
A ἐποχή OU O TORNOZELO DE RONALDO
A esta hora o país deve estar em «epoché» (ἐποχή) por causa de uma coisa em Braga. Depois haverá abundante derrame no qual até espíritos normalmente lúcidos participam. Aquiles tinha um calcanhar que o condenou. Ronaldo, em compensação, tem um tornozelo que o prestigia. E Braga (este género de Braga é, aliás, todos os dias) é o sonho de qualquer Sócrates, o nosso calcanhar de Aquiles.
A ACOMPANHAR
Na justiça governamental, para além do vetusto Martins, está José Magalhães - um homem que costuma encontrar Pacheco Pereira no Chiado à procura de livros em dias de desfiles do PS - e um tal Correia que foi qualquer coisa na Ordem dos Advogados. Ou que gostava de ter sido, o que vai dar no mesmo. Resta saber de que "correia de transmissão" da referida Ordem Correia provém. E por que é que foi escolhido secretário de Estado. Ao contrário do que por aí circula, não deve ter tido nada a ver com Manuel Alegre, a estátua do comendador de Sócrates. O tagarela Marinho e Pinto ainda não disse nada. O comentador Rogério Alves também não. E Júdice, o mais assumido "socrático" deles todos, muito menos. A acompanhar.
POBRE EQUATORIANO
Miguel Sousa Tavares e uma catrefada de "politólogos" e "comentadores" operaram, nas semanas que antecederam as legislativas, uma espécie de suspensão do juízo sempre num sentido favorável a Sócrates. Hoje, no Expresso, o mesmo Tavares atira-se ao eleitorado que votou no PS (e no qual ele se deve incluir) e ao governo do referido Sócrates. Segundo o equatoriano comentador, o referido Sócrates rendeu-se ao sistema com este governo minoritário, ficou refém de todos e de nada e, como se isto não bastasse, varreu os seus melhores ministros - os "reformistas" - para dar lugar a meia dúzia de políticos toscos e outros tantos funcionários. Tavares, é escusado dizer, presumia que o referido Sócrates, na versão absolutista, era um genuíno reformador e um admirável governante apesar das magras "reformas". E que, agora, nesta versão do inferno, tudo irá borregar como se não estivesse a borregar desde que o Afonso bateu na mãe. Pobre equatoriano.
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O REFERENCIAL
Aguiar-Branco, o tal do hífen, não se mete nesta coisa de sucessões porque se considera (não se riam) um "referencial de estabilidade" por presidir (vejam lá) ao grupo parlamentar. Não é só na sucata do sr. Godinho que há sucata. A porcaria de que falava Ernani Lopes, ontem, também é isto.
LIVROS, ESCRITORES OU APENAS AQUILO?
«Os autores oitocentistas e novecentistas não usavam verbos nos títulos dos romances. Stendhal, Balzac, Flaubert, Zola? Zero. Dickens, Hardy, Conrad? Zero. Goethe, Thomas Mann? Nada. Dostoievski, Tolstoi? Idem. Nenhum em Eça. Em Camilo, há dois ou três entre dezenas: Onde Está a Felicidade? e O Que Fazem Mulheres. Mas Camilo está sempre perdoado. Aquilino tropeçou três vezes: no lamentável título Andam Faunos pelos Bosques, coisa do início da carreira, lá mais para a frente no aceitável O Homem Que Matou o Diabo e na excelente excepção à regra, no final da carreira, Quando os Lobos Uivam. Agustina? Zero. José Cardoso Pires, Carlos de Oliveira, Vergílio Ferreira, José Saramago? Zero. E os amaldiçoados Ferreira de Castro, Gaspar Simões, Alves Redol e Fernando Namora? Zero. Sim, Dinis Machado escreveu O Que Diz Molero, mas quando a forma verbal se segue a uma conjunção subordinativa "que" ou "quando" o verbo aceita-se melhor. Miguel Sousa Tavares escreveu qualquer coisa com David Crockett que dá vontade de deixar morrer a personagem sem mesmo começar a leitura. A minha desconfiança em Por Quem os Sinos Dobram, de Hemingway, vem de longe, mesmo sabendo que o filme tem Gary Cooper e Ingrid Bergman. Ainda menos gosto, à excepção da cena inicial, do filme E Tudo o Vento Levou, um épico de plástico americano. A tradução portuguesa tem mais "verbo" que o original Gone with the Wind. Que títulos com verbos são próprios de certa literatura não é um preconceito meu. Um título com verbo promete xarope. Consultei na Wikipédia os 145 títulos da espanhola Corín Tellado editados em 1972 e 1973 (sim, em apenas dois anos). Desses, 105 têm um verbo no título (72%). Em Barbara Cartland a percentagem é menor, mas facilmente encontrei dezenas. Contudo, até agora nunca tinha visto um título com dois verbos, ainda por cima com ponto de interrogação. Ia morrendo ao ler o título do novo António Lobo Antunes: Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar? Eu não sei que cavalos, nem nunca saberei.»
Eduardo Cintra Torres, Público
Eduardo Cintra Torres, Público
JOGO DE LINGUAGEM - 4
«Mas logo ali no inicio de um post qualquer aparece a frase "o último Mia Couto". Oh pá, que lufada de ar viril me encheu os pulmões! Qualquer frase que obedeça ao esquema geral "o último [autor dos PALOP às escolha]" vibra-me com o sistema de uma maneira bastante reconfortante do ponto de vista da satisfatória pressecussão da vida.»
a causa foi modificada
a causa foi modificada
A EVOLUÇÃO DA BARBA
Há sempre, no Medeiros Ferreira, uma encantadora desmesura insular. Com a mesma tranquilidade com que defendeu a terceira candidatura presidencial de Soares, agora dispõe-se argumentar a favor da de Francisco Assis. É a vantagem de o conhecer, ao Medeiros, há trinta anos quando, justamente, eu ainda me preparava para ter barba.
TOPO DE GAMA
Uma das coisas que revela a nossa periferia física e mental é, por exemplo, a obsessão por carros "topo de gama". Do tráfico de influências ao marido corno que não está para se maçar e que dota a esposa com um para pastar as amigas e as crianças, toda a gente quer um "topo de gama", um carro em forma de jipe ou um jipe em forma de carro. No mais recente "caso" apelidado de "face oculta" parece que uns "altos quadros" que, afinal, são trolhas básicos reclamaram logo uns "topo de gama" para propiciarem fretes. O "topo de gama" também explica por que não vamos nunca a lado algum.
30.10.09
PAPOSECOS
Um jovem amigo que ainda não distingue um escritor de um paposeco, esteve numa fila de paposecos que apreciam a ideia de que há escritores para sacar uns autógrafos ao «maior escritor castelhano de expressão portuguesa» claramente descortinado pelo Bruno: «ignorante e ronceiro, interpreta agora o «Génesis» ao pé da letra, como se estivesse a ler um panfleto do Lidl ou do Pingo Doce.»
O MESMO
O pequeno Torquemada de Tomar, Relvas, verbera os seus companheiros de partido que desejam Marcelo. Diz que são sempre os mesmos. E ele e o seu candidato profissional são o quê?
GRANDES VOZES
Donizetti, Elisir d'amore. Renata Scotto, Carlo Bergonzi. Met. 1967.
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SUCATA
Isto é tudo tão mau, tão incessantemente mau, que até o regime se confunde com sucata e sucata com o regime.
ERRO E DADO
Há um equívoco - porventura generoso e generalizado - no sentido de afirmar que os partidos devem debater ideias. Se, por exemplo, o PSD tem três ou quatro candidatos à liderança, presume-se que isso "enriquece" porque proporciona o tal debate de ideias. Erro. Nenhum partido teve tempo ou propósito de debater ideias. Nunca. Tudo lhes aconteceu muito cedo e, como na frase da Duras, muito cedo na vida deles era tarde de mais. O facto de o PSD ter um "profissional em candidaturas" como P. Coelho a espalhar brasas - a única "ideia" dele (e aqui estou a torcer o conceito) esgota-se nessa palonça ambição de presidir - quer dizer isso mesmo. De Sá Carneiro a Ferreira Leite, a nenhum líder se pediu jamais uma ideia, aliás, como no PS. Soares foi tudo e o seu oposto, encostado a essa tábua rasa que é o "socialismo democrático" ou a social-democracia. Só lhe saiu a sorte grande (o PREC) e a terminação (a Europa). Pediu-se-lhes, a todos, sempre e só poder. Haver Sócrates - que começou na televisão, esse lugar privilegiado da derrota do pensamento - é o único dado. E a possibilidade de haver Marcelo, também.
DA PROVA
«Não seria muito mais importante sabermos o que pensam os novos ministros, quando é suposto pensarem?», pergunta um imenso perguntador com intermitências de optimismo. Não é. A prova que não é está neles mesmos ali onde estão ministros. Podia, como num jogo de cadeiras, trocar todos de lugar e o efeito era o mesmo. O mundo não muda um atómo por causa deles, logo é irrelevante saber, naqueles que a têm, o que lhes vai na cabeça.
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JOGO DE LINGUAGEM - 2
«A visita ao Senhor Palomar produziu o meu contacto com uma capa do Ípsilon, em que se informa que o Valter Hugo Mãe (ao que tudo indica, um escritor) é, e passo a citar - como sabem eu nunca invento nada -, "um homem que está a morrer da escrita". Desde o "morreste-me" do José Luis Peixoto que não vomitava tanto. Mais: prometo não ler a entrevista por forma a fundamentar o meu volvo. Era só o que faltava.»
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JOGO DE LINGUAGEM
Isto chegou a um ponto tal que dois comentadores televisivos (percebo isso no jornal da meia-noite do canal onde eles comentam) - um preside à maior câmara do país e o outro é deputado - discutiram a vacinação ou não vacinação dos órgãos de soberania. Podiam ter dado logo ali o exemplo, vacinando-se um ao outro. É isso, aliás, que fazem todas as semanas como mero jogo de linguagem.
A QUEM DIGO
«Pode dizer-se em certas circunstâncias: "Enquanto falava, tive a sensação de que o dizia a ti." Mas eu não diria isto, se estivesse a falar contigo.»
Wittgenstein, Investigações Filosóficas
29.10.09
UM POLÍTICO DECENTE
A política portuguesa tem pouca gente decente. Paulo Rangel - que deu ao PSD uma vitória eleitoral e que o tentou prestigiar enquanto líder parlamentar - é uma delas. Honrou o compromisso com o eleitorado que votou nele nas europeias contrariamente ao que sucedeu com uns quantos sacripantas que trocaram, sem hesitar, lugares eleitos por lugares escolhidos pelo chefe para eles. Descreveu na perfeição essa criatura que faz da sua obsessão com a presidência do PSD uma espécie de contrato por tempo indeterminado com gente indeterminada apesar do saco de aspirador que possui no lugar da cabeça. E reservou-se - isto digo eu que desejo essa reserva - para um tempo mais dele e dele com o país. Gosto de poucas pessoas. Gosto do Rangel.
UMA BIOGRAFIA POLÍTICA
A biografia política da foto deveria ser rapidamente traduzida para português. As sensatas declarações do seu autor - e a reacção paternalista dos nossos historiadores de serviço ao século XX e XXI, os enfatuados Rosas e Costa Pinto, que ainda nem sequer leram o livro ("com mérito e que merece todo o respeito") - acerca do seu trabalho e do objecto dele só o recomendam. «Se Salazar se transformou em presidente do Conselho foi acima de tudo porque desempenhou a missão com que foi incumbido, impondo-se aos seus rivais pela competência técnica.» Realmente incompreensível face ao critérios de "imposição" em vigor de que temos tido nos últimos dias, aliás, fartos exemplos. E, depois, há a prudência e o bom senso de Filipe Meneses, uma coisa que os nossos venerandos académicos da história contemporânea dificilmente entenderão. «É difícil um homem com 40 anos resumir, analisar e dar sentenças sobre a vida de um homem que se manteve política e intelectualmente activo até aos 79.» Chapeau.
O QUE HÁ OU O CURSO INCESSANTE DO PIOR*
Tal como Passos Coelho resume uma certa direita, esta frase resume uma certa presunção de esquerda, no fundo, coisas (Coelho e o que a frase denota) que nem sequer constituem narrativas: «as pêras marinadas em Remy Martin e pistachio estavam deliciosas.»
*Uma ideia deste cavalheiro.
CARA OU COROA
Corria o ano de 2001. O homem era deputado da mesma seita que governava então e que governa agora como se nunca tivesse deixado de governar. Tinha saído do comité Guterres empurrado por Sampaio a quem nunca perdoou. Estávamos numa sala da zona nova do parlamento e o assunto era a "fundação para a prevenção e segurança". Havia um inquérito sobre a utilização de uma quinta em Loures. Seria para o SEF? Seria para a dita "fundação"? Eu perguntava e Vara - era de Armando Vara que se tratava - respondia. Às tantas irritou-se e perguntou-me se não andava a perder tempo. Melhor faria, disse ele, ir investigar a aquisição do prédio onde acabou por se instalar a Inspecção-Geral da Administração Interna e o então GEPI (que tratava das instalações e equipamentos do MAI então dirigido por António Morais, um já então famoso professor de um estabelecimento dito de ensino superior entretanto encerrado). Vara já tinha sido politicamente responsabilizado pela criação da "fundação"- escrevi isso num relatório que o Expresso haveria de chamar à primeira página com um título que nada tinha a ver com conteúdo daquele ("inquérito responsabiliza Vara" quando, na verdade, as declarações posteriores de Morais é que "responsabilizaram" Vara num curioso exercício de "passa ao outro e não ao mesmo") - e, à minha proposta de um processo disciplinar ao então director do GEPI, Morais, os costumes disseram "arquive-se". Mas Vara lá seguiu o seu caminho. Do balcão da CGD de Vinhais a administrador da dita e do BCP. Independentemente do que penso de Vara, se me perguntassem se é verosímil um tipo destes "sujar-se" por dez mil euros, diria que não.
28.10.09
O PADRÃO ESPECIAL
NUNCA VAI
Ao comentar uma "acção de grande envergadura" sobre alegados actos de corrupção perpetrados junto da REN, o senhor conselheiro Pinto Monteiro, PGR, disse umas quantas trivialidades e rematou: "não posso ir mais além disto". Nunca vai.
QUESTÕES DE RESPEITO
O respeito pelos eleitores também se mede por coisas destas. Marcos Perestrello, o aparelhista chique do partido do governo, era há um ano vice-presidente da C.M.L, o primeiro depois de Costa. Há pouco mais de quinze dias protagonizou a candidatura do dito partido à câmara de Oeiras e foi eleito vereador. Agora é secretário de Estado da tropa ao lado do ministro S. Silva. A D. Dalila Araújo (quem?) era há um ano a governadora civil de Lisboa. Largou para ser candidata a vereadora de Costa e, como tal, foi eleita também há menos de quinze dias. É secretária de Estado de qualquer coisa. O sr. Vasco Franco, quase eterno vereador da habitação da C.M.L nos tempos de Sampaio e do Joãozinho, foi retirado ao jazigo de família para ser secretário de Estado de outra coisa qualquer. Regresso, pois, à frase inicial. Se calhar os eleitores - aqueles que votaram nisto - não merecem mais respeito do que este. Isto é, nenhum.
Adenda: Agora que o governo está completo, pode dizer-se que a Maçonaria está de parabéns. «Huzza, huzza, huzza.» (R.E.A.A)
Adenda: Agora que o governo está completo, pode dizer-se que a Maçonaria está de parabéns. «Huzza, huzza, huzza.» (R.E.A.A)
O RESUMO
O prestigiado candidato profissional à liderança do PSD, Passos Coelho, já tem direito a entrevista no programa de negócios da Sic-Notícias. Et pour cause. Coelho é muito popular em certa blogosfera (e em cabeças "esclarecidas" em negócios como, por exemplo, a de Ângelo Correia), aquela que é uma espécie de longa manus dos jornais onde os seus autores debitam. Faz todo o sentido. Esses jornais debitam o que os seus donos (e os donos deles nem sempre são os que figuram na ficha técnica) querem que eles debitem. Os blogues resumem a coisa. E Passos Coelho, um testa-de-ferro, resume-os a todos.
UMA AVENTURA
Duas escritoras de livros infantis, Isabel Alçada e Ana Magalhães, são convidadas da D. Inês Pedrosa, directora da Casa Fernando Pessoa, para falar dos "livros que andam a ler" no próximo dia 3 de Novembro. Alçada é o nom de plume da actual ministra da educação que, juntamente com a outra senhora, escreveu várias "aventuras" vendidas aos milhares na praça. Calhou bem (já sei que a sessão foi marcada antes de não-sei-quê, etc.). Alçada substituiu uma socióloga guerrilheira que, por fim, acabou abandonada às suas crenças. Alçada, no jargão da inefável Fenprof e da sub-Fenprof (a FNE), tem de rever (isto é, acabar com) a avaliação dos professores tal como ela foi concebida pelo governo anterior por sinal o mesmo. Alçada, mais do que da educação e dos meninos, releva dessa coisa esquisita e tola que é o "plano nacional de leitura". Alçada é afável e notoriamente simpática. A história que se vai contar dela passará muito mais por isso do que por uma "agenda". Até porque a melhor "agenda" para a educação agora é não haver "agenda" alguma ou encará-la simplesmente como mais uma aventura. Promete maravilhas.
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27.10.09
A CULTURA COMO CORRELAÇÃO INTER-RELACIONAL DE ALAVANCAS, DE SENTIDOS LATOS E INTRÍNSECOS
Já percebi que está a ser formado na net uma espécie de rancho folclórico - de anónimos, claro - de apoio a Gabriela Canavilhas, a nova ministra da cultura. Não os quero desiludir. Um amigo enviou-me umas "reflexões sobre conceitos culturais" que a senhora divulgou nos Açores. Confesso que não consegui ler tudo. A prosa, aceitável para o actual ensino secundário, não "reflecte" sobre a cultura. Denota apenas o que vai na cabeça da autora acerca do tema. Nada que a recomende para um cargo que, antes de mais, é político. Aliás, o último que percebeu isto foi Carrilho. E o que é que vai na cabeça de Canavilhas acerca do termo "cultura" (as "reflexões" mais preciosas seguem a negro)? Por exemplo, «no sentido intrínseco, cultura são as manifestações civilizacionais que constroem o acervo estrutural do pensamento, que se reflectem na consolidação de uma sociedade esclarecida e que são a alavanca para o desenvolvimento da sensibilidade, do saber e do conhecimento, condições estas indispensáveis para o avanço das mentalidades e, por consequência, para o avanço para uma sociedade melhor sendo a cultura a preservação e a criação de valores.» Aliás, «a conotação cultura/saber remonta a desde que o homem assumiu a sua dimensão intelectual e reconheceu no conhecimento a alavanca do desenvolvimento civilizacional» porque, «quanto à associação cultura/sociedade, esta é produto das modernas antropologia e sociologia, nascidas em finais do século XIX e que sedimentam a abrangência da concepção de cultura ao espectro sociológico.» Extraordinárias alavancas. Para Canavilhas, «em qualquer delas porém, é inequívoca a sua transversalidade, a sua correlação inter-relacional e o sentido universal do conceito - aquele que define o homem na sua forma de estar no mundo e em tudo o que transporta com ele, de geração em geração.» A nossa ministra também possui, por assim dizer, uma "visão historicista" da coisa. Senão vejamos. «A natureza do objecto de arte e de culto é a sua permanência e durabilidade – a sua imortalidade advém da sua revisitação permanente ao longo dos tempos e do reconhecimento que lhes é dado da sua função de alicerces para novas criações. Afinal, em última análise, são os próprios destinatários que se encarregam de o determinar. nos tempos de hoje, a “alta cultura” (assim chamada por ter tido origem nas classes então dominantes – o clero, a nobreza, a aristocracia, os intelectuais), por oposição à denominada “baixa cultura”, oriunda do povo com transmissão oral, são ambas património cultural intrínseco reconhecível e indissociável, e sabemos bem quanto ambas devem uma à outra, porque se alimentaram reciprocamente através dos séculos.» É aqui que, segundo a ministra, entram as "interrogações". Ora reparem. «Quando tudo está incluído na mesma categoria como cultura – dos clássicos intemporais (eruditos ou tradicionais) ao rock e pop-rock mediáticos e ao cançonetismo popular, passando pelas orquestras ligeiras e cantores em play-back, do folclore para turistas às recriações históricas de rua, das expressões genuínas das nossas tradições aos desfiles etnográfico-turístico-religiosos de entretenimento colectivo, dos festivais de verão dedicados à juventude e das práticas recreativas amadoras às iniciativas profissionais institucionais - sempre com a comunicação social generalista a incluir tudo no mesmo pacote nos seus espaços culturais - , como fazer distinguir junto dos cidadãos o que é relevante para a percepção de uma estratégia de desenvolvimento cultural? E mais importante ainda, como fazer passar a mensagem aos destinatários de que nem tudo são “bens meritórios”, logo, subvencionáveis pelo erário público? E o derradeiro desafio: neste quadro, como explicar aos agentes culturais no sentido lato estas diferenças?» E como explicar à ministra da cultura o que é a cultura?
QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO
«Il presupposto fondamentale sul quale riposa la comprensione teologica della Bibbia è l’unità della Scrittura, ed a tale presupposto corrisponde come cammino metodologico l’analogia della fede, cioè la comprensione dei singoli testi a partire dall’insieme. Il testo conciliare aggiunge un’ulteriore indicazione metodologica. Essendo la Scrittura una cosa sola a partire dall’unico popolo di Dio, che ne è stato il portatore attraverso la storia, conseguentemente leggere la Scrittura come un’unità significa leggerla a partire dal Popolo di Dio, dalla Chiesa come dal suo luogo vitale e ritenere la fede della Chiesa come la vera chiave d’interpretazione. Se l’esegesi vuole essere anche teologia, deve riconoscere che la fede della Chiesa è quella forma di “sim-patia” senza la quale la Bibbia resta un libro sigillato: la Tradizione non chiude l’accesso alla Scrittura, ma piuttosto lo apre; d’altro canto, spetta alla Chiesa, nei suoi organismi istituzionali, la parola decisiva nell’interpretazione della Scrittura. È alla Chiesa, infatti, che è affidato l’ufficio di interpretare autenticamente la parola di Dio scritta e trasmessa, esercitando la sua autorità nel nome di Gesù Cristo.»
Papa Bento XVI, Roma, 26 de Outubro de 2009
Papa Bento XVI, Roma, 26 de Outubro de 2009
SOLENIDADES
«No meio de tanta competência e de tanta gente séria e cheia de solenidades, acontece que o sítio já tem mais de 510 mil desempregados, um valor que nunca tinha sido atingido desde o 25 de Abril. Uma façanha que não enche de vergonha nenhum dos senhores e das senhoras que hoje vão começar a fingir que governam o sítio. É maçador estragar tanta festa e tanta excitação de tanta gente de bem com tanta desgraça. O que faz falta é mesmo distrair a malta. E para isso tudo serve. Estúpidos, saramagos e outros que tais.»
António Ribeiro Ferreira, CM
26.10.09
A PERDA
Para não ser só política, estas almas vão "debater" o amor e a paixão vistos pelo lado masculino. Gabo-lhes a paciência. Ambos - o amor e a paixão - têm sido os responsáveis pelos maiores e mais sublimes desastres pessoais. Por muita literatura, por não menos literatice e por milhares de livros não lidos. Por muito crime e por muito castigo. Não se pode viver sem amar ou sem uma paixão? Já tive mais certezas sobretudo porque se perde muito tempo, muita paciência, muito amor e muita paixão nisso. E pessoas. Sobretudo pessoas.
A MINISTRA DO MEIO
De acordo com o poeta-politólogo da tendência oficial, Eduardo Pitta. Se a senhora nova directora chegou ao lugar do Lapa como o Lapa chegou lá no longínquo ano de 1998, para quê os derrames habituais dos habituais como isto fosse tudo na base de donos? A D. Canavilhas - cuja vaidade anda a ser evidenciada à náusea por tudo quanto é sítio - só tem uma de duas hipóteses. Ou lança chamas ou lança charme. Com um rosto daqueles, dá-me ideia que já optou até porque continuará a não haver dinheiro.
DO FINGIMENTO
Que me recorde, apenas o discurso de Eanes na posse do primeiro Cavaco minoritário - com Soares de saída - serviu para bater no ceguinho, na circunstância, Soares. Depois disso só aquela originalidade protagonizada por Sampaio na posse de Lopes - tipo governo sujeito à especial vigilância da então Sua Excelência - mereceu nota. De resto, as posses servem para juramentos retóricos de fidelidades mútuas. Eu finjo que garanto a estabilidade e tu finges que governas. Está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira.
25.10.09
OS "ESTUDOS"
Este post de Medeiros Ferreira e este de Tiago Ramalho pretendem desculpar Saramago e a sua incomensurável vaidade. Não justificam, contrariamente ao que julgam, a sua estupidez. Não notei em nenhum momento do texto de Pulido Valente* o preconceito ou o ressentimento que sempre revelam as palavras autocomplacentes do escritor. Muito menos um "pedacinho de lixo" como, sem sequer se preocupar em tentar perceber o que VPV escreveu, Ramalho sugeriu. Há muito que Saramago é pacificamente aceite pelas elites do regime - que não se confundem com a noção de elite desaparecida entre nós - como uma delas. Nem que seja a título de mero paternalismo que é uma das formas muito particulares de as nossas "elites" se referirem umas às outras. Ou de temor reverencial pelo Nobel o que denuncia o seu endémico provincianismo. Há mérito literário (valha isto o que valer) naquilo que é a entidade "Saramago-livros"? Há. Em apenas algum "Saramago-livros"? Sem dúvida. O argumento dos "estudos" vale aqui alguma coisa a não ser como tentativa de uma pífia demonstração do princípio da caridade? Não vale.
*«O problema com o furor que provocaram os comentários de Saramago sobre a Bíblia (mais precisamente sobre o Antigo Testamento) é que não devia ter existido furor algum. Saramago não disse mais do que se dizia nas folhas anticlericais do século XIX ou nas tabernas republicanas no tempo de Afonso Costa. São ideias de trolha ou de tipógrafo semianalfabeto, zangado com os padres por razões de política e de inveja. Já não vêm a propósito. Claro que Saramago tem 80 e tal anos, coisa que não costuma acompanhar uma cabeça clara, e que, ainda por cima, não estudou o que devia estudar, muito provavelmente contra a vontade dele. Mas, se há desculpa para Saramago, não há desculpa para o país, que se resolveu escandalizar inutilmente com meia dúzia de patetices. Claro que Saramago ganhou o Prémio Nobel, como vários "camaradas" que não valiam nada, e vendeu milhões de livros, como muita gente acéfala e feliz que não sabia, ou sabe, distinguir a mão esquerda da mão direita. E claro que o saloiice portuguesa delirou com a façanha. Só que daí não se segue que seja obrigatório levar a criatura a sério. Não assiste a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião sobre a Bíblia ou sobre qualquer outro assunto, excepto sobre os produtos que ele fabrica, à maneira latino-americana, de acordo com o tradição epigonal indígena. Depois do que fez no PREC, Saramago está mesmo entre as pessoas que nenhum indivíduo inteligente em princípio ouve. O regime de liberdade, aliás relativa, em que vivemos permite ao primeiro transeunte evacuar o espírito de toda a espécie de tralha. É um privilégio que devemos intransigentemente defender. O Estado autoriza Saramago a contribuir para o dislate nacional, mas não encomendou a ninguém? principalmente a dignatários da Igreja como o bispo do Porto - a tarefa de honrar o dislate com a sua preocupação e a sua crítica. Nem por caridade cristã. D. Manuel Clemente conhece com certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um medíocre e a impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de nascença e de educação. O que, finalmente, espanta neste ridículo episódio não é Saramago, de quem - suponho - não se esperava melhor. É a extraordinária importância que lhe deram criaturas com bom senso e a escolaridade obrigatória.»
COMENTO PARA O POVO
Na sua crónica de ontem no Público sobre televisões, Eduardo Cintra Torres dedicava uma coluna a Marcelo a minguar na RTP. Marcelo, mais "animal" de televisão do que os Gato, foi aos Gato apenas para dizer três coisas. A primeira, é que não está disposto a entrar no concurso de tascas que vai ser a sucessão de Ferreira Leite. A segunda, que a RTP o trata como quer, encolhendo-o, esticando-o, mudando-lhe o horário quando e como bem lhe apetece. Marcelo, segundo o próprio, faz um programa quase confidencial. E, finalmente, em jeito de concatenação das outras duas, o poder está naquilo que ele faz melhor (televisão) e não noutra coisa qualquer. O que, tudo junto, quer dizer que Marcelo usará a televisão (provavelmente outra) para continuar a fazer política e que continuar a fazer política, em "marcelês", pode ser transformar o tal concurso de tascas num restaurante em que ele seja chef de cuisine. Uma coisa é certa. Ao pé dele, aquele batalhão de comentadores tagarelas - que enchem os canais a todas as horas a botar trivialidades e conveniências - é redundante e nulo.
K. DE NARCISO
O sr. Narciso, antigo soba de Matosinhos, diz-se agora alvo de um processo kafkiano aberto pela sua seita originária. Lá em cima a coisa é dirigida por um tal Sampaio que, no fundo, é tão bom e tão soba como Narciso. A desgraça de Narciso foi ter caído em desgraça como nos folhetins chineses ou do velho Kremlin. De resto, toda a sua medíocre vida política - a dele e de milhares de Narcisos espalhados pelos partidos - nunca foi mais do que um processo kafkiano cujo guião ele terá escrito e protagonizado. Até à chegada desse momento fatal em que apareceu outro Narciso mais Narciso do que ele. O que, num partido albanês, dá jeito. E assim sucessivamente.
O FREI E O ESTALINISTA
O inevitável e inimitável frei Bento Domingues, no seu artiguinho semanal, defende, a propósito de Saramago, um "confronto na afabilidade" e cita um autor para defender o estafado diálogo entre crentes e não-crentes. O nosso frei é um multiculturalista que usa, por acaso, uma veste sacerdotal. Saramago é um falso multicuralista escondido, sem ser por acaso, numas vestes estalinistas. Quer dialogar com isto?
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TRAIÇÕES E RENDIÇÕES
«Parece que, a troco de algumas concessões, o Presidente da República Checa, Vaclav Klaus, está finalmente - e presumo que muito contrariadamente - disposto a ratificar o Tratado de Lisboa. Até agora o homem tem resistido a uma eurofilia irritada, que não o percebe e que do fundo do coração o despreza. É um liberal impenitente e um discípulo confesso de Milton Friedman. Considera o aquecimento global um "mito", o "ambientalismo" uma "religião" e Al Gore um "apóstolo da arrogância". Detesta a esquerda e, particularmente, intelectuais de esquerda. Odeia o sentimentalismo de Havel. E, reeleito em 2007 pelo Parlamento, não depende da desaprovação popular. Mas, sobretudo, é um checo de Praga, coisa que a "Europa" ainda não conseguiu compreender. Ser um checo de Praga chega, e sobra, para desconfiar da "Europa". Em 1938, a Checoslováquia era a única democracia a leste da Alemanha. E era também a única potência militar capaz de opor a Hitler um obstáculo plausível. A Checoslováquia estava também aliada à França e à URSS. Mas foi - não há outra palavra - traída pela França e pela Inglaterra, que, em Munique, a entregaram, sem sequer a consultar, à Alemanha nazi. Como, a seguir à guerra, a entregaram a Estaline. A República Checa deve ao Ocidente 50 anos de ditadura. Não admira que lhe custe um pouco acreditar na íntima bondade de uma "Europa", em que precisamente a França e a Alemanha põem e dispõem. Vaclav Klaus explora, e representa, esse sentimento histórico? Com certeza que sim. Só que ele existe. Pior ainda, em 1945, a República Checa expulsou quase dois milhões de alemães do seu território. E teme, naturalmente, que, tarde ou cedo, as vítimas queiram recuperar o que perderam (ou parte do que perderam), à sombra de uma "Europa" supranacional. Os checos viveram até ao fim da I Guerra sob domínio austríaco, desde 1939 sob a ocupação do Reich e, pelo menos, desde 1948 sob o império soviético. É racional que recusem hoje qualquer espécie de ameaça, por remota que seja, à sua independência e liberdade. Vaclav Klaus pensa que Bruxelas (com ou sem o Tratado de Lisboa) acabará pouco a pouco por liquidar a democracia (que já não anda florescente) a favor de uma "pós-democracia" burocrática e autoritária e de um "europeísmo vazio". Talvez não se engane muito. A ameaça é real.»
Vasco Pulido Valente, Público
Vasco Pulido Valente, Público
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24.10.09
A PALAVRA E O PALAVRÃO
Na noite das autárquicas, em Lisboa, Ruben de Carvalho apareceu umas horas antes do edil Costa a congratular-se pela derrota da "direita". Produziu uma ataque gratuito e retroactivo à dita "direita" e a Santana Lopes, em particular, como nunca fez durante toda a campanha. Por instantes deixou de ser o Ruben civilizado e cosmopolita que não me desagradava para dar lugar a um Saramago de categoria idêntica à do original. Isto é, nenhuma. Agora, com o acordo celebrado entre o PC de Lisboa e o edil Costa para a gestão das freguesias e da assembleia municipal, tudo fica claro. No meio aparece essa patareca Simonetta que, parece, vai ser a presidenta da dita assembleia onde o PC fica com dois secretários da mesa (o que esta gentinha se torce por merdas destas). Simonetta é aquela extraordinária funcionária pública que carrega, aposentada, a cruz do Instituto Camões. Foi leal a vários amos, da direita à esquerda, e vê agora consagrada a sua carreira artística com esta sinecura política. Ora, que se dê por isso, a única tendência que se conhece à senhora é o contorcionismo. Ajuda para presidir a coisas esotéricas como assembleias municipais - onde, apesar de tudo, se deve exigir um módico de percepção política - mas não chega. Logo, o PC passa a mandar na assembleia municipal de Lisboa na qual terá a palavra e Simonetta o palavrão.
UMA FRASE DE GARRETT
Em Dezembro de 1909 ocorreu o 1º Congresso das Juventudes Católicas. O Centro Académico de Democracia Cristã (CADC) já estava criado mas foi esse impulso federador que o estabilizou. A ditadura iniciada em 1910 viria, em breve, a colocar um termo às actividades do Centro, encerrando-o, depois do competente assalto às respectivas instalações. Todavia, o Centro prosseguiu a sua actividade de outra maneira, através do "semanário dos estudantes católicos de Coimbra", O Imparcial", onde, com apenas vinte e poucos anos, António de Oliveira Salazar e Manuel Gonçalves Cerejeira escreviam. Noutro Dezembro, de 1912, o CADC reabriu com cerca de cem sócios. A 8 de Dezembro é Salazar quem profere a conferência de reabertura. Levou vinte anos a começar a colocá-la em prática. Os resto da história é dispensável para o caso. O CADC recebeu-me e ao Pedro Mexia para falarmos do regime. O Pedro defendeu o parlamentarismo e eu defendi o presidencialismo. O Pedro é filo-monárquico e eu sou republicano. O Pedro gosta de consensos. Eu aprecio rupturas. Debate participado do qual destaco a lúcida intervenção de um antigo constituinte e presidente da AR, Barbosa de Melo, que chamou a atenção para uma opinião pública cada vez mais acrítica e manipulada pelos "comentadores" e "politólogos". Sugeri ao prof. João Caetano, o presidente do CADC, que promovesse uma qualquer comemoração do centenário do 1º Congresso. Porquê? Porque a peripécia política que enche jornais, televisões e blogues não só não chega como distorce, maça e embota a inteligência.«Portugal tem hoje com certeza a sua república mas apenas julga ser uma democracia. A nossa acção individual é esta - vasta, grandiosa, mas precisa, urgente. Portugal necessita de uma reforma profunda, não duvideis disso. A frase de Garrett é mais verdadeira hoje do que no seu tempo: - «a sociedade já não é o que foi, não pode tornar a ser o que era, mas muito menos ainda pode ser o que é.» Isto é Salazar, em 1912, a citar o das Viagens. Não têm ambos razão?
ESPARTA E ATENAS
Directamente de Florença, o Pedro Lomba discorre sobre o Colégio Militar, Esparta e Atenas. Ele prefere Atenas e eu, aparentemente, Esparta e sargentões sul-americanos. Ele abomina as virtudes militares e eu aprecio-as. Depois estamos de acordo. «Há um código de disciplina e ética do Colégio Militar de que as instituições fortes precisam.» Um código que exclui, pela natureza das coisas, o exercício bronco da crueldade (a crueldade é sempre bronca) sobre quem quer que seja. Sucede que o homem, mesmo sem o saber, é mais hobbesiano que rousseauniano apesar da vasta "companhia das esquerdas" e de literatura vária a acompanhar. A vida fora dos muros do Colégio Militar também não prepara ninguém para a crueldade. Mas ela existe. Como existia em Esparta e em Atenas. Gosto das duas.
UMA ÍDOLO
Venho de comboio - parece o Torga, cruzes canhoto... - de Coimbra e leio que Gabriela Canavilhas (uma ministra da cultura que só entra em funções segunda-feira mas que não tem parado de tagarelar contrariamente ao uso que deu ao piano) se definiu como «enérgica, intuitiva, lutadora e uma mulher de causas»(sic no i em papel) como se estivesse nos Ídolos. O seu antecessor também foi mais ou menos definido assim num célebre artigo da D. Câncio e viu-se como acabou mal tinha começado. Veio-me instantaneamente à memória uma fala de Jack Nicholson em As good as it gets, o meu filme fetiche. "Just what the world needs. Another actress."
23.10.09
LEYAM-ME
Julgo que o "assunto Saramago" pode - e deve - encerrar-se com as seguintes proposições. «Escrevo livros para os vender. Até os vendo bem já que o Nobel, o dr. Sampaio, o então bonzinho Guterres - que belo candidato daria com um aval idêntico àqueles que tenho andado a distribuir por tantos socialistas! - e as baboseiras com que insulto/engano/ponho na algibeira os tipos da direita ajudam. E dou graças a Deus - esse mesmo que tem feito tantos intervalos nas suas medonhas realizações para promover os únicos bens terrenos que são os meus livros e a Pilar - por haver Leya, Mário Crespo e o Balsemão, dois daqueles que cá cantam na algibeira. Lê-me e verás como tenho razão, leitor imbecil que andas enganado há mais de dois milénios.»
Foto: Cartoon de Carlos Jarnac publicado no semanário Sol.
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22.10.09
O BEDEL
Há um tipo no novo governo cuja essência da sua biografia política resume-se a ter levantado um oportuno dedo para falar diante da veneranda figura do Chefe de Estado, o Almirante Thomaz, em Coimbra. Todavia, há quem o veja como um "sacrificado". Não será antes um bedel que nunca conseguiu ver-se livre do velho fardo de "comandante de bandeira"?
SITUACIONISMOS
E o Delgado, a ténia Delgado que parece que andou na escola com o governo todo? Já tinha andado, nos mesmíssimos termos, com o de Santana Lopes. Nesta matéria, meu caro, RTP ou Sic-Notícias vão dar ao mesmo.
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EVIDÊNCIAS
Uma espécie rara de inteligência política social-democrata chamada "comandante" Azevedo Soares está a ser entrevistado por essa não menor inteligência jornalística que é Mário Crespo. Em cinco segundos, pronunciou o termo "evidência" três vezes. É por causa de "evidências" como este magnífico comandante que o PSD está como está. Só falta mesmo esse supra-Sócrates que é o jovem Passos, o elo "bloco central de interesses" que, a ficar, seria o décimo sétimo ministro do original. Pobre PSD.
COMEÇA BEM
O dr. Assis - uma reprise que vai substituir o dr. Martins na chefia da banda parlamentar do partido do governo - aplaudiu o executivo anunciado pela extraordinária razão de conter mais mulheres. Começa bem.
PASSO EM FRENTE
21.10.09
DEPOIS DA VIRTUDE
Há uns anos, num semanário entretanto desaparecido chamado O Jornal, Pedro Ayres Magalhães - dos Madredeus, dos Heróis do Mar e autor de muitas e boas letras dos respectivos repertórios - na sua qualidade de ex-aluno do Colégio Militar "revelou" que era trivial a prática de relações sexuais (aparentemente voluntárias) entre alunos "do seu tempo". Na altura isto criou um pequeno tumulto. Como se Magalhães tivesse dito uma grave mentira ou como se essas situações afectassem uma qualquer "moral" militar e tivessem alterado o curso dito normal da natureza. Agora, ex-alunos foram acusados pelo Ministério Público por maus tratos perpetrados recentemente a gente nova. Não agressões sexuais mas porrada mesmo. O Colégio Militar era uma instituição prestigiada que fatalmente acompanhou a "dieta da correcção" imposta às forças armadas pelo regime. Nas televisões, os alunos são descritos como "meninos" sujeitos às piores sevícias. Ora quem opta pelo Colégio Militar - mesmo no estado a que tudo chegou - tem a obrigação de saber ao que vai. Nada disto, porém, justifica a violência imbecil comum, aliás, a muitas "praxes" civis universitárias que até já mortos produziram. Nenhuma escola, de ensino secundário ou superior, é hoje suposto dar à luz virtuosos - no sentido clássico do termo - ou induzir noções básicas de disciplina, rigor ou, no limite, de ética. Muito menos homens.
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O NOME DA COISA
Evidentemente que não subscrevo tudo o que o Carlos Vidal escreve. Num momento em que a blogosfera declina em inteligência - sempre frenética e afoita atrás do derradeiro arroto da paupérrima vida pública nacional e do mais tolo protagonista numa espécie de "razão prática" do que há de pior - este post é notável porque é escrito - presumo - por um comunista sem complexos por ser comunista no século XXI. Sem, mais adequadamente, cedências. Este texto, por isso, não descreve um escritor mas um bronco. É esse, julgo, o nome da coisa.
«A arte e os artistas abominam esse “mundo melhor” de que fala Saramago, um mundo sem crueldade e sem vingança, um mundo clean, liofilizado e pasteurizado, uma coisa limpa, inodora e – pasme-se, o pior de tudo – um mundo racional e humano. Este sim, seria o horror dos horrores. Este paraíso da convivialidade, relacionalidade, harmonia e humanidade. Num mundo desses eu não gostaria de viver. Esse é o mundo dos poderes existentes (mas decadentes), o mundo da economia vigente, o mundo desenhado por ricos e poderosos, ou militantes e chefes das instituições poderosas que Saramago se tem especializado recentemente em apoiar: desde os Zapateros aos mais pequeninos Antónios Costas – fique ele com esse mundo que eu quero o mundo sacrificial do humano que deseja ultrapassar ou superar a sua fraca condição (que Georges Bataille, tudo menos católico, muito bem compreendeu!); gosto, sim, e não estou a fazer teatro nietzschiano, gosto do horror divino que inspirou Michelangelo a encarquilhar-se, mais em nome da arte que de Deus (!), durante mais de três anos nos andaimes da Sistina pintando o tecto que hoje celebramos e, evidentemente, Saramago não (impossível celebrá-lo – seria hipócrita se o fizesse). Michelangelo que desmanchou literalmente a sua ossatura vivendo três anos (!!) de ventre para cima com um tecto, uma parede branca e informe, como horizonte a dois ou três palmos da sua testa. Não, não seria o mundo limpo e humano de Saramago que o inspiraria, digo eu que o toscano não passaria um único mês naquela horrível situação de vida em nome desse mundo “humano”. Ora merda para o humano mundo “humano”. Que viva pois a crueldade da espada que Cristo, em Mateus, disse vir trazer à terra (X, 34-37). De facto, Saramago sabe ainda pouco. Quase nada.»
À ATENÇÃO DO PRÓXIMO RUI PEREIRA
«Ao contrário dos relatórios de anos anteriores, o documento de 2008 [relatório de actividades]não divulga os resultados das inspecções sem pré-aviso realizadas às instalações da PSP e da GNR. Estas acções são das mais importantes da IGAI. Com elas são verificadas as condições de trabalho dos profissionais das forças de segurança, a forma como são tratados os cidadãos que a eles se dirigem. O DN contactou o inspector-geral da Administração Interna, o juiz desembargador Varges Gomes, para esclarecer estes valores e pedir um comentário aos resultados da instituição que dirige. Este, porém, não se mostrou disponível, justificando que à hora deste pedido, 17.30, por telemóvel, já tinha "terminado o dia de trabalho".» Dito de outra forma. A IGAI de Rodrigues Maximiano - criativa, sem horas de trabalho, dedicada ao serviço público de cidadania e aos direitos e deveres dos agentes - desapareceu do mapa. É hoje um ornamento na lapela do MAI que, pelos vistos, interrompe a sua missão entre as 17.30 de um dia e as 9.00 do dia seguinte. O próximo Rui Pereira deveria prestar atenção a isto. E aqueles que, no parlamento e nos partidos, andam com o credo na segurança na boca, também.
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20.10.09
MAIS UM PEQUENO EXERCÍCIO PRÁTICO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, CULTURAL E POLÍTICA
Era bom que, de uma vez para sempre, o dossiê flamingo fosse delucidado pela justiça valha esta o que valer entre nós. Quanto aos media - e porque reparei que a TVI não voltou a tocar no tema de abertura do seu jornal de segunda-feira e que a SIC o retomou - conviria dar a "notícia" completa. Não que eu seja perito em semiótica ou em filosofia da linguagem, mas duas ou três coisas retiro deste "original". É preciso ler o ponto 3. com o ponto 4. e a adenda alegadamente manuscrita. A TVI omitiu o ponto 3. no qual o autor classifica Sócrates, então ministro do ambiente, como a "essence of integrity" onde a nota "manuscrita" acrescenta "confirmed by others". Todavia, o ponto 4. - que relata sumariamente a situação governativa decorrente da demissão de Guterres - só menciona o nome do dito Sócrates que "is no longer the minister of the environment" o que, cotejado com o ponto anterior, quer dizer que o "essence of integrity" deixou de ser um obstáculo (ele "is no longer minister") a outras coisas que podem ou não ter a ver com ele. Dito assim, a "notícia" da TVI parece satisfazer-se exclusivamente com a linguagem, ou seja, com aquilo que o termo "Sócrates" denota na "notícia" associado a outros termos que podem ou não ter a ver com ele. Só que a linguagem não é um critério suficiente para analisar significados. Por isso, e até prova em contrário, este fax significa nada ou pouca coisa. A justiça, quando tiver tempo, que o interprete. É para isso que "treinam" magistrados. Para analisar prova e não linguagem.
Adenda: Para quem não estiver familiarizado com o inglês, existe uma "versão" portuguesa.
Adenda: Para quem não estiver familiarizado com o inglês, existe uma "versão" portuguesa.
OS ÍMPIOS
Pergunta Pedro Santana Lopes «quem serão». Mais um pedaço de Baudelaire embora o termo "professeur-juré" só sirva a alguns. «Le professeur-juré, espèce de tyran-mandarin, me fait toujours l'effet d'un impie qui se substitue à Dieu.»
Adenda: Um caso já longamente patológico, no campo da economia e da propaganda, é o sr. Metello, um papagaio sem ambiguidades do partido do governo. O que ele acabou de dizer no jornal da tvi sobre a "evolução" da economia e das finanças públicas é uma pura mistificação que nem ao ministro da tutela (da propaganda) lembraria.
Adenda: Um caso já longamente patológico, no campo da economia e da propaganda, é o sr. Metello, um papagaio sem ambiguidades do partido do governo. O que ele acabou de dizer no jornal da tvi sobre a "evolução" da economia e das finanças públicas é uma pura mistificação que nem ao ministro da tutela (da propaganda) lembraria.
SESSENTA E SEIS
Aguiar-Branco foi subscrito por sessenta e seis de setenta e um deputados do PSD para mandar neles. Antes de Rangel, já o senhor-hífen desejava a pasta. Deram-lha. Oxalá não se arrependam.
CIDADÃO DO OUTRO MUNDO
Excelente ideia. Por outro lado, «percebe-se que para Saramago a Bíblia é uma espécie de romance de cordel para adultos, recheado de imoralidades várias que não se compadecem com a doce inocência da infância. A ideia de que um livro sagrado, não sendo fácil de interpretar, tem uma chave de leitura que exige um conhecimento profundo da história, da geografia, da língua e do fenómeno religioso é-lhe manifestamente estranha. Saramago, como é óbvio, dispensa esse tipo de qualificações. Para falar sobre a Bíblia basta-lhe uma leiturinha pela rama, meia dúzia de frases ocas e a necessidade de criar uma conveniente polémica que o ajude a vender o livro que escrevinhou em tempo recorde.»
A VIA INGLESA
Voltou, pela mão da TVI - o "escritor" Júlio Magalhães, esse sonho de "modelo" de director de informação de um qualquer canal de televisão mundial, sugeriu entretanto que o Jornal das Sextas poderá regressar «um dia destes...» - a via inglesa do dossiê flamingo. Porque há duas vias. E aparentemente só uma avança. Começar um pseudo novo ciclo político sob suspeita é mau porque o país está num estado irrecomendável para banda desenhada. Porém, quem fez a cama da "justiça portuguesa" que se deite nela.
19.10.09
UM HOMEM AUSTERO E DECENTE
O General Ramalho Eanes esteve no programa dos Gato. Eanes aparece de vez em quando neste blogue porque, à medida que decorre incessantemente o pior - pessoas, circunstâncias, instintos -, mais a imagem desse homem austero e decente (bem diferente do "rígido" que Araújo Pereira lhe procurou colar) se me afigura exemplar. Eanes foi o primeiro presidente eleito por sufrágio universal, directo e secreto. Tinha quarenta anos. Com o poder de que então dispunha - político e militar - podia ter sido tudo e feito tudo. Fez, porém, o essencial preservando a liberdade. A de acção dele e a nossa. Soares e Sampaio foram triviais e previsíveis como, aliás, continuam a ser. De Cavaco, para já, é melhor guardar silêncio. Sobra-me Eanes. Ainda bem.
NINGUÉM VEM NA ESTRADA
Vale o que vale - há mais aqui - mas serve para demonstrar duas coisas. A ideia peregrina da "cooperação estratégica" só aproveitou a um lado que aparece hoje como o admirável "referencial da estabilidade". Precária, "calimérica" mas é a que ficou e está. Depois - e a história destes trinta e cinco anos está cheia de exemplos - a pusilanimidade não é popular apesar do "povo" ser pusilânime. Todavia, ainda não foi dita a última palavra que vem longe como Ninguém.«"Ninguém vem na estrada, é o que vejo", disse Alice. "Quem me dera ter os teus olhos", respondeu o Rei agastado. "Para conseguir ver Ninguém!"»
E DEPOIS ESQUECEMOS
Um leitor enviou o comentário seguinte a propósito de um político em funções. Podia ser sobre outra coisa, outra pessoa ou sobre estes tempos de decurso incessante do pior. «Fulano não existe! Fulano é uma ideia ridícula que se nos meteu na cabeça e como todas as ideias ridículas, para além do embaraço, fica apenas a leve memória de que houve um dia que tivemos uma ideia ridícula mas já a não conseguimos lembrar perfeitamente mas apenas por partes disléxicas... roupa, penteado, risos, coisa toda muito turva... sem sentido, e depois esquecemos.» É uma espécie da teoria da reminiscência ao contrário. Aliás, aqui é tudo ao contrário.
A NUVEM E JUNO
«É espantoso como a propaganda oficial e oficiosa conseguiu, depois das duas campanhas eleitorais, atirar para debaixo do tapete a gravíssima crise que está a atirar este sítio para as caudas das caudas da União Europeia e da OCDE. Os propagandistas do regime, verdade seja dita, conseguiram evitar que a crise volte em força à agenda política. Conseguiram evitar que se fale das milhares das PME que estão com a corda ao pescoço, com as empresas que abrem falência, com os milhares de velhos e novos pobres que andam a viver à conta da solidariedade de autarquias e organizações privadas. Nada disso interessa. Os propagandistas do regime até conseguem falar em indicadores que apontam para uma retoma económica e atiram pela janela fora as poucas vozes que andam por aí a avisar do futuro negro que irá atingir os indígenas quando a economia recuperar e as taxas de juro dispararem, atirando para a miséria milhares de famílias hipotecadas com empréstimos à habitação e ao consumo. Mas nada disto interessa.»
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OS PEQUENOS
Depois do "ciclo eleitoral", do seu resultado e dos deploráveis espectáculos do "diálogo-quem-quer-casar-com-a-carochinha" e da abertura circense do parlamento, César da Neves sintetiza brilhantemente a coisa e o resto da coisa. Vai para catorze anos que não saímos disto.
«Terminado o longo período eleitoral, salta à vista a má qualidade do discurso político. Perante a gravidade da situação e desânimo reinante, o tom geral das intervenções foi claramente incapaz. Não houve rasgo, chama. O povo está tão desiludido como estava. Qual o motivo? Que esteve ausente do esforço tribunício dos últimos meses? Não faltaram planos, propostas, projectos. Nos milhares de páginas de programas e centenas de horas de oratória é forçoso achar ideias, algumas até boas. Também não faltou sonho. Há muita emoção, paixão, fervor na vida pública nacional. Alguns são frustrados e até pesadelos, mas existem sonhos na nossa política partidária. O que desapareceu da intervenção dos nossos responsáveis é algo mais denso e determinante: visão estratégica, orientação de fundo, linha de rumo. Não se ouviu um propósito inspirador e empolgante que motivasse os portugueses. Ninguém diz o que quer e para onde vamos. O que tinham Sá Carneiro, Mário Soares e Cavaco Silva, e até Spínola, Vasco Gonçalves e Melo Antunes, desapareceu desde Guterres. Temos meios e vontade mas está omisso o destino. Em 1852, Victor Hugo escreveu um livrinho, Napoléon le Petit, comparando o imperador da época ao grande antecessor. Hoje também temos políticos pequeninos. Há 15 anos que não existe um verdadeiro objectivo nacional, uma finalidade grande que arrebate e mobilize o País. Vivemos de fins intermédios, interesses particulares, promessas próximas. Os sucessos e debates recentes centram-se em oferecer portáteis ou brincar aos comboios rápidos. A vida política não sobe acima das adições orçamentais. Como se caiu nesta triste apatia? A resposta é simples porque existe um ingrediente indispensável ao destino, a fé. Os nossos responsáveis perderam a fé que tinham nos primeiros anos da democracia. Claro que há muita fé na vida privada, mas há década e meia que anda quase ausente da vida pública. Isto não se aplica à fé religiosa. Essa há muito que não tem presença na nossa política. Por acordo tácito geral, a vida democrática é formalmente alheia aos temas espirituais. Em sistemas como o americano, italiano e tantos outros o assunto é comum. Até em França a cartada é jogada. Mas Portugal, por feridas antigas, não se atreve a falar disso. O que estiolou com os tempos foi a fé ideológica, patriótica. Os anos revolucionários incendiaram-se de fervor. Acabado o tumulto, o ideal de um Portugal europeu e progressivo guiou-nos nos tempos difíceis da adesão à Comunidade. Normalizada a situação, na estabilidade do euro e fragor da globalização, abandonaram--se os grandes propósitos. A vida pública centrou-se em finalidades imediatas, grupos instalados, razões operacionais abandonando os grandes desígnios dos tempos heróicos. O que nos ocupa e preocupa é emprego, conforto, segurança. Até temas globais, como regionalização e aborto, são conduzidos por preocupações tácticas. Os dois grandes partidos são pragmáticos, abrangentes. Gerindo conveniências, não se podem dar ao luxo de ideologias ou destinos ambiciosos. O CDS já teve várias fés e não se sabe bem a que tem hoje. O BE esconde a falta de fé criticando a infidelidade dos outros. Apenas o PCP e os pequenos ainda acreditam em algo, que mais ninguém leva a sério. O resultado é a pasmaceira agnóstica e interesseira. Não admira o pessimismo dominante. A solução disto é fácil, porque o sentido da vida está na vida, não na política. O erro foi pedirmos aos partidos que nos fornecessem a fé. O destino não está em programas, instituições, sistemas, mas na família, trabalho, comunidade. O País salva-se se deixar de procurar nos líderes aquilo que só encontra em si mesmo. Não é Portugal que se condena com a desorientação, apenas os dirigentes. Como em situações antigas de desnorte, cabe à sociedade e à economia encontrar na sua actividade quotidiana a força e as razões que faltam às elites. A fé privada tem de superar a vacuidade pública. Se acreditarmos num destino maior, Portugal avança. Depois os pequenos políticos correm atrás. »
18.10.09
O NOBEL ESCARRO
Segundo o sr. Saramago, a Bíblia é um manual de maus costumes. Sempre do lado da Besta. Mas, como em muitas circunstâncias, deve aplicar-se o princípio da caridade e fazer de conta que ele ainda é vivo.
A MESMA OUTRA
O telejornal da RTP faz cinquenta anos. Dizia o escritor-apresentador de hoje que era, então, "a preto-e-branco". Era e é. Só mudou a propaganda. E o Salazar.
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UMA PENA
Eduardo Pitta, aos poucos, vai ficando parecido com um João Marcelino que lê livros. Pedro Correia também mas percebe-se porquê. Uma pena.
DA DELIBERAÇÃO NO REGIME
«O Director de Informação da RTP terá ido cear, juntamente com António Costa e a sua equipa, quando foram celebrar a vitória em Lisboa.» Não só é possível como necessário. Ela está de volta.
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DA NULIDADE
Durão Barroso fez uma coisa boa na vida. Acabou com Deus Pinheiro, o correspondente a João Soares no partido dele. Duas vezes. Pena que Manuela e as suas musas não tivessem percebido isso a tempo. Tal como não percebem o senhor do hífen, o das "boas famílias" do Porto, que condenará à irrelevância parlamentar um partido já, por si, de momento irrelevante. Depois não se queixem quando todos se queixarem de tão pomposa e nula figura.
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