31.7.11

AS BRUXAS


O homem foi um cretino enquanto marido (de Marilyn Monroe). Mas Arthur Miller é, sem dúvida, um dos grandes dramaturgos do século XX. A sua peça As Bruxas de Salem (The Crucible, no original) estreou em Nova Iorque em 1953. A acção decorre em 1692 e tem por base documentação relativa a um julgamento de alegadas bruxas na cidade de Salém, do Estado do Massachusetts. O "ambiente" é muito nosso conhecido e demasiado contemporâneo, o da suspeita. Carlos Avilez encenou a coisa para o Teatro Experimental de Cascais. Interpretam-na membros do TEC e da Escola Profissional de Teatro de Cascais. Vale a pena lá ir. Até 7 de Agosto.

«LEVAR A ÁGUA AO MEU MOINHO»


Estive a ler alguns suplementos de jornais de sábado. Em alguns deles, deparei-me com "articulistas" demasiado preocupados com a "ideologia". Com a deles e com a que eles atribuem aos outros. Também encontrei a centésima entrevista da mesma pessoa feita a outra mesma pessoa, o dr. Mário Soares. Retive o Mário Soares de que gosto porque não leio as perguntas, normalmente mais extensas e sentenciosas que as respostas. Ora o Mário Soares de que gosto é o que confessa que, aos 88 anos, não tem problemas de tensão ou de colesterol - que inveja! -, que aprecia um bom vinho, que afirma que Sócrates «não foi muito claro nem transparente» (pena só ter reparado agora), que não é «amigo das pessoas por razões ideológicas» mas «por achar que elas têm méritos ou não têm», que sustenta que regressar ao escudo «não é o caminho» e que acha que tem «de fazer as coisas que devo fazer.» No fundo, este Soares estava há muito resumido numa entrevista concedida a Mário Mesquita, em 1984, no Diário de Notícias. «Nunca dei uma excessiva importância aos debates ideológicos e sempre condicionei muito mais a minha acção pelas relações políticas e tácticas no terreno, por forma a, pragmaticamente, levar a água ao meu moinho.» Não está mal pensado.

30.7.11

O "MEIO" E A REALIDADE


Uma grande verdade. Mas aparentemente o "povo" não se deixa comover pelos amores-ódio do "meio".

EXACTAMENTE

«O debate de ontem, no Parlamento, foi, genericamente, civilizado. Só isso, já é uma grande diferença.»

Pedro Santana Lopes

COISAS QUE TÊM DE MUDAR

As deste jaez.

NO TINTEIRO

O mais interessante da 1ª página do Expresso vem em baixo, em letras pequeninas que remetem para o suplemento Economia. «Négócios prometidos por Chávez ficaram no tinteiro», reza a coisa. Todos nos lembramos das festanças a araganças que sempre rodearam as passagens do líder venezuelano por Portugal, de Lisboa a Viana do Castelo. Ficamos assim? Se calhar ficamos.

28.7.11

A PASSO DE CARACOL


«O que na verdade se passa é que a Europa tem vivido num estado que Jean-Paul Fitoussi, no próprio dia da Cimeira, designou no Le Monde como «a paralisia da decisão». Paralisia que é acentuada pela diferença entre a crise financeira que se tem vivido, e a crise do euro que agora nos ameaça: é que enquanto o motor da primeira foi a cupidez, o da segunda é a virtude pública que se impôs com a visão austeritária da Europa e dos seus problemas. Com esta visão, consolidou-se a ideia absconsa que no futuro só há despesas e dívidas, não há receitas. O que, naturalmente, só pode levar ao aumento das taxas de juro e ao aperto do garrote sobre os devedores. É assim, explica J.-P Fitoussi, «que a especulação se revela auto-realizadora, produzindo as condições de insolvabilidade: alta das taxas de juro e, portanto, do serviço da dívida, aritmeticamente compensada por uma redução das despesas e um aumento dos impostos.» A especulação, acrescenta, não podia desejar melhor que esta política de impotência que, a pretexto das responsabilidades nacionais, tem gerado uma verdadeira irresponsabilidade europeia. É por isso bom perceber que, se finalmente nos afastámos um pouco desta irresponsabilidade com a última Cimeira Europeia, isso se fez todavia a passo de caracol.»

M. M. Carrilho, Contingências

O DIREITO À IMBECILIDADE

Há muito tempo - anos mesmo - que anunciei num post que este blogue praticava a aprovação, ou não, prévia dos comentários. E, para casos desesperados, tenho mesmo chegado a recomendar a abertura de blogues para se aliviarem em vez de virem lavar as vísceras para os blogues dos outros. De acordo com o Blogger, são apenas três (3) passos. Ou seja, nada mudou relativamente à "política" editorial do blogue onde o autor escreve o que lhe apetece, quando lhe apetece e como lhe apetece. Recentemente a patrulha anónima tem estado particularmente activa. Não faz mal. Como Karl Kraus, sei que existem imbecis superficiais e imbecis profundos. A patrulha pode, porém, ficar descansada. Não discrimino ninguém.

27.7.11

COMPENSAR A FINITUDE


«Siempre me ha dado pena la gente que no lee, y no ya porque sean más incultos, que sin duda lo son; o porque estén más indefensos y sean menos libres, que también, sino, sobre todo, porque viven muchísimo menos. La gran tragedia de los seres humanos es haber venido al mundo llenos de ansias de vivir y estar condenados a una existencia efímera. Las vidas son siempre mucho más pequeñas que nuestros sueños; incluso la vida del hombre o la mujer más grandes es infinitamente más estrecha que sus deseos. La vida nos aprieta en las axilas, como un traje mal hecho. Por eso necesitamos leer, e ir al teatro o al cine. Necessitamos vivirnos a lo ancho en otras existencias, para compensar la finitud. Y no hay vida virtual más poderosa ni más hipnotizante que la que nos ofrece la literatura.»

Rosa Montero, citada por The Cat Scats

LER OS OUTROS

ET POURTANT

26.7.11

MÉRITOS

Pedro Santana Lopes, na tvi24, e a propósito das anunciadas alterações no modelo de gestão da CGD, sugeriu (porventura bem) que funcionários das próprias instituições possam aceder às respectivas administrações. Existe, aliás, um precedente relativamente conhecido e recente. Armando Vara chegou lá.

O SR. ALFREDO

Teresa Caeiro nunca foi propriamente louvada neste blogue. Por escolha dos seus pares, Caeiro é vice-presidente da Assembleia da República. E, para além disso, é uma senhora. Tudo visto e ponderado, estou à vontade para me (a) questionar sobre a sua pachorra para partilhar o ecrã de televisão com Alfredo Barroso. Para aturar o sr. Alfredo - e à sua patética sobranceria- como Teresa, adequadamente, o tratou.

CLARO E SIMPLES

Leio nos jornais online a primeira intervenção pública de fundo do ministro da Saúde, Paulo Macedo. E aprecio ler qualquer coisa completamente distinta da forma algo profética, ineficaz e demasiado retórica com que tem sido abordado o problema do SNS nos últimos anos. Em primeiro lugar, e porque é preciso «preservar o Serviço Nacional de Saúde», «temos o desafio de estancar e sarar uma dívida actual de cerca de três mil milhões de euros e um défice orçamental de 2010 que se aproxima dos 450 milhões» porque «termos contas sustentáveis na Saúde para garantir o futuro do SNS» é «o principal compromisso que o Governo assume com os portugueses.» Dito de outra forma: «pretende-se que os cidadãos possam usufruir de todas as potencialidades do Sistema de Saúde, indo além do SNS, de maneira que a resposta possa sempre existir e seja a mais adequada às necessidades dos cidadãos.» É esse o caminho a seguir «atentos ao percurso mas indiferentes ao ruído que apenas pretenda perturbar sem contribuir de forma construtiva para as mudanças que inexoravelmente vamos implementar.» Em segundo lugar, haver «disponibilização mensal de informação de gestão sobre o desempenho das Instituições (hospitais, centros de saúde e serviços)» para «construir políticas mais realistas, mais rigorosas, mas menos demagógicas e menos despesistas» é um dado a guardar. Finalmente, «o Ministro da Saúde assume-se como Ministro do Sistema de Saúde e não apenas do SNS. Há excelentes unidades de saúde públicas, em Portugal e excelentes unidades privadas. Vamos, sem quaisquer preconceitos, aproveitar o melhor de cada experiência e colocá-la ao serviço do todo.» Parece-me claro e simples.

25.7.11

FRUGALIDADE E QUALIDADE

Na sequência do post anterior, esta parece ser uma proposta sensata.

SEM TERGIVERSAÇÕES OU PAUSAS

«Vítor Gaspar foi particularmente contundente ao sublinhar que menores encargos de juros e mais tempo para pagar o empréstimo europeu não podem servir de pretextos para que Portugal retire do pé do acelerador das reformas acordadas com a troika. Bem pelo contrário. “Nas actuais circunstâncias seria irresponsável pensar que se pode abrandar o ritmo de aplicação do programa”. A declaração europeia de que continuará a apoiar também Portugal (a par da Irlanda) “vem reforçar ainda mais a exigência de cumprimento do nosso programa de ajustamento económico e financeiro”.»

in Jornal de Negócios

10807

O assassino norueguês tinha 10807 portugueses na mira para abater. Traidores, dizia a criatura. Curioso número. Por que não 10806 ou 10808? É assustador pensar que na Europa há pessoas, como este monstrinho, com obsessões a este nível de precisão mitómana. O mundo está perigoso, como dizia o outro.

24.7.11

MARIA LÚCIA LEPECKI (1940-2011)


A última vez que vi Maria Lúcia Lepecki foi numa apresentação do terceiro volume da biografia política de Cunhal da autoria de José Pacheco Pereira. Aconteceu em 2005, na FNAC do Colombo. Mas, muito antes disso, "conhecia" a professora brasileira de um livrinho original acerca de Eça, "Eça na ambiguidade". Era, literalmente, uma amante da nossa literatura. «Eu sempre achei que o acordo ortográfico não é preciso: um brasileiro lê perfeitamente a ortografia portuguesa e um português lê perfeitamente a ortografia brasileira.» Concordo consigo, Maria Lúcia. Até sempre.

INSCRIÇÃO



Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar


Sophia de Mello Breyner Andresen

CORNELL MACNEIL (1922-2011)



Cornell MacNeil fazia parte de um raríssimo naipe de barítonos norte-americanos que honraram o teatro lírico mundial, com a sua voz e as suas capacidades histriónicas, como Leonard Warren e Robert Merrill. Sherrill Milnes é o "sobrevivente".

ADVERSÁRIOS E INIMIGOS


Os militantes do PS escolheram António José Seguro para seu líder e, consequentemente, para líder da oposição. O desprezo silencioso - típico de quem é incapaz de uma atitude crítica livre que não ressuma exclusivamente do rancor ou do servilismo - com que a sua vitória foi recebida pelas hostes afectas ao seu antecessor (com a óbvia excepção de Assis) é revelador da "densidade" democrática que os caracteriza. Seguro encontrará fora do partido muitos adversários a começar pelo autor deste blogue. Mas não terá tantos inimigos como dentro de casa.

«SEM CONVICÇÃO NA LIBERDADE NÃO VAMOS LÁ»

Aqui. Também aqui.

NUCCI, VERDI



Verdi, Luisa Miller. Dimitra Theodossiou e Leo Nucci.

23.7.11

CALMA DE MORTE


Os países do norte da Europa têm a fama (e algum proveito) de serem calmos. Por isso é-lhes díficil entender que o inimigo possa ser um dos seus. A "calma" com que foram eliminados Olaf Palme, a ministra dos negócios estrangeiros sueca ou um líder partidário holandês, por exemplo, destoa dos lugares-comuns sobre a "normalidade". Há pouco, o correspondente da RTP falava do homicida norueguês como uma "pessoa normal", aparentemente em contraponto a que seria expectável que o ataque viesse do terrorismo islâmico. A Europa dos nacionalismos doentios nunca faleceu. Da mesma forma que o cosmopolitismo - coisa distinta da demagogia "multicultural" - custa a entrar em muitas cabeças aparentemente perfeitas, "normais" e "calmas". Há "calmas" que são de morte.

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS, NÃO PODEMOS IGNORAR


Por circunstâncias diversas, o jornalismo (e os jornalistas), face às desventuras ocorrentes na pátria de Sua Majestade britânica, tomou conta da impropriamente chamada silly season. Costumo dizer que, como com tudo e todos na vida, tenho respeito pela profissão mas não me consumo em temores reverenciais perante ela. Também não sou adepto de "teorias da conspiração" que envolvem invariavelmente jornalistas ou ex-jornalistas a não ser, como no affair Murdoch, que fique provado o contrário. Todavia, existe manifestamente uma crise (a juntar à económica) a grassar os meios tradicionais de comunicação social. E os problemas do mercado - tão cheio de incerteza quanto de imprudência (gosto destes termos do ministro das finanças) - só agravam a questão. O que muitas vezes uma manchete espelha é mais a consequência disto do que uma "notícia" em si. Um conhecido comentador televisivo ficou, aliás, famoso quando, numa outra encarnação, era tido por "criador" de "factos políticos"numa altura em que a concorrência e a penúria estavam longe de ser o que agora são. Aprendi com um professor de direito que a vida é sempre mais rica do que a imaginação. Eis um dado a ter em conta pelo jornalismo para os dias de imprevisibilidade que vivemos. António Guerreiro, jornalista do suplemento Actual do Expresso, lembrou-se de Karl Kraus por causa de Murdoch e da política inglesa contemporânea - de Thatcher a Blair, de Brown a Cameron. Kraus, o polemista de Die Fackel, apodava o jornalismo de "magia negra" («os jornais têm mais ou menos a mesma relação com a vida que a cartomante com a metafísica») e desconfiava profundamente da opinião pública, o equivalente ao senso comum que Nabokov explicava como o cruzamento de um cavalo com um elefante. As referidas concorrência e penúria, porém, "mataram" a polémica ou colocaram-na (sobretudo a falsa) aos serviço delas. Desapareceu, em suma, uma certa noção de liberdade de espírito culto que caracterizava os tempos também diferentemente difíceis que Kraus viveu e descreveu. Dizia ele que «a missão da imprensa consiste em propagar o entendimento e, simultaneamente, em destruir a receptividade do entendimento.» Não lhe demos, mais de um século depois, motivos para ter razão.

QUANDO OS ESPIÕES ERAM ADULTOS


«A editora D. Quixote acaba precisamente de reeditar A Toupeira, um livro que tem Smiley como protagonista e a denúncia de um agente duplo ao serviço dos soviéticos como fio condutor. A trama é bem esgalhada mas o que logo sobressai é o retrato das personagens, a começar pela do espião britânico na reforma. Verdadeiro anti-herói, fisicamente decadente, introspectivo e com um casamento falhado (a forma como lida com a infidelidade da mulher é um magnífico traço do seu carácter), Smiley conduz paulatinamente a investigação, toda ela assente em episódios do passado que a memória de agentes lançados ao ostracismo vai desenterrando. História adulta com a Guerra-fria em fundo, A Toupeira recusa qualquer visão maniqueísta do mundo, sobretudo, qualquer visão maniqueísta dos homens. O suspense domina mas o que assombra é a inteligência de le Carré, capaz de nos envolver num enredo de espiões nostálgicos e simultaneamente implacáveis. Além disso, o que pode ser mais romanesco do que a descodificação de um duplo?»

Ana Cristina Leonardo, Meditação na Pastelaria

22.7.11

SEM EFEITOS ESPECIAIS OU OCULTAÇÕES

«O estilo do ministro das Finanças não me parece só “estilo”. Parece-me ser a postura normal, genuína, de um homem que está empenhado naquilo que está a fazer, sem subordinar o que tem a dizer aos efeitos especiais de fogo-de-vista e ocultação que nos dominaram nos últimos anos.»

J. Pacheco Pereira, Abrupto

DA TRADIÇÃO


Continuo a ler o livrinho de Cintra Torres. Quando fala da RTP dos idos do PREC, é pena não ter feito qualquer referência ao então Major Ramalho Eanes - que lhe presidiu - e que, seguramente, muito teria para contar sobre o que foi aquela «escola de convivência democrática» ao Lumiar. Mas, de lá para cá, muita coisa mudou. A primeira parte do trabalho explica isso, em geral, no mundo. Por exemplo, a televisão e os seus "actores tradicionais" - recrutados aos mais diversos sectores de actividade: da astrologia à pecuária, da política à academia, da comunicação social escrita à bola, etc., etc. - foram "obrigados" a conviver com uma «nova distribuição do poder» que decorre do «reforço da sociedade civil» e de «uma cidadania activa para a obtenção do bem comum geralmente à margem dos poderes estabelecidos» o que provoca, inevitavelmente, uma «alteração do equilíbrio dos poderes». De facto, não poder existir uma "escola" (e, de preferência, de um só catedrático com sebenta única) do pensamento único é uma chatice. E haver independência crítica não "tradicional" também.

Adenda: No plano poético e ensaístico, existe um belo escrito de T. S. Eliot sobre a "tradição e o talento inidvidual", de 1919. Com cautela, pode ler-se para outros registos. «And the poet cannot reach this impersonality without surrendering himself wholly to the work to be done. And he is not likely to know what is to be done unless he lives in what is not merely the present, but the present moment of the past, unless he is conscious, not of what is dead, but of what is already living.»

"DE MANEIRA RIGOROSA"

LUCIAN FREUD (1922-2011)

21.7.11

UM DIA DE «VISÃO CLARA»?


«Hoje é dia de stress test para os líderes europeus. Depois de um ano e meio a meter a cabeça na areia, a estratégia de avestruz da União Europeia conduziu-nos à beira do colapso. Se logo no início se tivesse, com rapidez e com um mínimo de solidariedade, resolvido o problema da dívida grega - de uma economia que não vale senão 2% do PIB europeu, é bom lembrá-lo -, teríamos sido poupados ao calvário por que a Europa tem passado, assim como ao momento extremamente difícil que agora se vive. Infelizmente, foi preciso esperar pelo toque de alarme italiano que - com uma dívida que é 120% do PIB, quatro vezes maior que o Fundo Europeu de Estabilização Financeira - tornou finalmente plausível, para a Alemanha e para os seus aliados, a iminência de uma catástrofe em dominó de toda a Zona Euro, com consequências que na verdade ninguém consegue antecipar. A. Merkel parece abalada no seu dogmatismo, mas resistirá: o ralhete de H. Kohl e as críticas no interior do seu próprio partido juntaram-se agora aos pífios resultados deste ano de catatónica teimosia. Pena é que, pelo que até este momento se sabe, ainda não se tenha conseguido consensualizar qualquer alternativa sólida ao diktat alemão. Esperemos, contudo, que seja um dia de "visão clara", como pediu Jacques Delors no apelo feito há dias. Ou seja, que o Conselho Europeu, evitando o default da Grécia, assuma que a União não é um casino, e que, portanto, os investidores e os especuladores, quando arriscam, tanto podem ganhar como perder. Acabando a garantia de que quando ganham é tudo deles - e é!... -, mas quando perdem é o contribuinte que tem que os compensar das perdas. E que se caminhe rapidamente para a efectiva regulação dos bancos e dos mercados financeiros, ao mesmo tempo que se definem timings realistas que permitam cumprir o imperativo do equilíbrio das contas públicas sem inviabilizar o crescimento e condenar o emprego.»

M. M. Carrilho, DN

20.7.11

A CAPITAL


Enquanto lisboeta militante, concordo com Pedro Santana Lopes quando, a propósito de uma nova configuração das freguesias de Lisboa (as anteriores 53 configuradas em 24) aprovada pela CML, afirma que «o sentido do trabalho é positivo e o propósito é louvável» independentemente de posições partidárias específicas. Não fazia o menor sentido, por exemplo, uma mesma avenida de Lisboa "passar" por umas quatro ou cinco freguesias. As coisas são o que são. Mas também são o que têm de ser.

"CONCEITO DE QUALIDADE"


Estava a ler ao almoço o livrinho de Eduardo Cintra Torres, A Televisão e o Serviço Público. Deparei-me com uma frase. «O conceito de qualidade, em relação à TV, cria um bloqueio intelectual aos autores e comentadores das elites cultas, que tendem a confundir qualidade com o (seu) gosto.» Por exemplo, ainda não vi nenhum comentador "das elites cultas" (se calhar por distracção minha, porque não vivo agarrado ao ecrã, e alguém poderá ter intervalado o "financês" - a lingua franca em vigor - com o tema) "comentar" o chamado affair Murdoch e o que ele revela de instintualmente repugnante em qualquer parte do mundo, civilizado ou não. Mas não devemos interferir no conceito de qualidade (mesmo quando ele é "impreciso") de cada um.

COLMATAR BARBARIDADES

«Já toda a gente sabia que a preparação dos alunos do básico e do secundário nas disciplinas de Português e Matemática é absolutamente calamitosa. Ao longo dos anos, as advertências e os alertas a esse respeito têm vindo de todos os lados. Com mais ou menos impressionismo ou maior ou menor rigor estatístico, todas as observações, análises e estudos, nacionais ou internacionais, convergem na mesma conclusão. A estupidez dos programas adoptados, a permissividade, a indiferença das famílias, a incompetência dos políticos, são alguns dos vários factores que se vieram acumulando por mal dos pecados deste país, falido em tudo, a começar pelo sistema de ensino. A falta de preparação de muitos docentes também se explica pelo facto de serem produtos desse mesmo sistema. Desde há décadas que as idiotias pedagógicas se articularam a uma concepção do aluno como "bom selvagem" e ancoraram na consagração da lei do menor esforço como regra de conduta escolar e condição de aproveitamento. Muita gente (entre outros, Maria Filomena Mónica, Maria de Fátima Bonifácio, Helena Matos ou Nuno Crato) se tem pronunciado sobre estes aspectos. A língua portuguesa foi assassinada na escola. Parece que, no coração do Ministério da Educação, certas estruturas superiores ou intermédias têm tido mais poder do que o próprio titular da pasta e conseguem impor as suas concepções, a sua vontade programática ou a sua tremenda propensão para a inércia e para a inépcia. No que toca ao português, os alunos desabituaram-se de tirar significados, não sabem consultar capazmente um dicionário, não se habituaram a ler autores significativos e muito menos a gostar deles. Não conseguem interpretar em condições um qualquer texto literário e exprimem-se cada vez com mais problemas e deficiências no tocante à extensão e propriedade do léxico, à articulação sintáctica, ao respeito de regras gramaticais elementares, à correcção da ortografia e até da pronúncia de muitos vocábulos. Tanto quanto sei, na área das matemáticas e da simples aritmética, passam-se coisas que, mutatis mutandis, acabam por ser de sinal muito semelhante.»

Vasco Graça Moura, DN

AINDA


Não?

AS BENEVOLENTES

«Em Portugal não se morre na política.»

Duarte Lino, O Cachimbo de Magritte

OPUS ARTIFICEM PROBAT

«A palavra de ordem deve ser o trabalho.»

António Ribeiro Ferreira, i

19.7.11

AULAS DE POESIA


Duas.

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO NOVO CARÁCTER NACIONAL PORTUGUÊS


Salvo erro, em meados do século passado, o etnólogo Jorge Dias, através da antiga Junta de Investigações do Ultramar - que o meu tio "implantou" e dirigiu em Cabo Verde -, publicou um livro com "estudos sobre o carácter nacional português". Persistem, naturalmente, actuais. Mas eis que a taróloga Maya nos revela um novo e admirável "carácter português" para o século XXI. Esta entrevista é, sem dúvida, uma pièce de résistance na matéria. Vou passar a ler religiosamente as suas previsões.

AULA DE LITERATURA


«Não, o Nabokov não queria – na realidade – dormir com a Lolita.»

18.7.11

O NÓ


É, na realidade, o maior problema da gravata.

MANDELA


Parece lugar-comum falar-se no aniversário do antigo presidente sul-africano. Será. O que decerto está longe de ser lugar-comum é a vida incomum da criatura. Vinte e sete anos de cadeia por causa de um preconceito burgesso e de uma intolerância sem nome e, depois, a chefia de uma nação devidamente revista por si mesma em liberdade. Clint Eastwood quis homenageá-lo mas saiu-lhe um filme sem o rasgo habitual. A melhor homenagem, no entanto, é o próprio homem Mandela, um raro exemplo de ser humano. Não há tecto para uma altura daquelas.

OUTRAS FORMAS DE VER

Na blogosfera não há pensamento único.

TUDO O QUE É MAU

Isto ou isto.

17.7.11

DA LITERATICE PAROQUIAL


«vhm [valter hugo mãe] foi ao camarote de Elza Soares em Paraty com uma câmara de filmar nas costas, para — sejamos sérios! — registo dum momento promocional da sua própria pessoa diante duma artista puríssima, duma brasileira extraordinária. Tremendo equívoco: se se sentiu tocado por ela só teria de falar-lhe ou escrever-lhe da maneira mais anónima possível e não fazer dessa aproximação um trunfo pessoal. Não foi capaz de lhe dizer nada que não fosse banal. E quando ela lhe falou de Florbela Espanca, vhm não teve uma frase ou a expressão duma surpresa digna desse momento, pois tudo o que ali se jogava era ele, ele, ele e ele. Petit homme e nada mais.»

Vasco M. Rosa, Corta-Fitas

DOMINGO, MAIER, WAGNER


O IMBRÓGLIO


O tema "Murdoch/jornalistas/ editores ex-futuros assessores governamentais/escutas, etc, etc." tem aparecido invariavelmente relegado para as vinte ou trinta e algumas páginas dos nossos jornais. Nas televisões, só os ligados ao "meio" conseguem decifrar a coisa também com tendência a emergir muito para o meio/fim da escala noticiosa. Todavia, o assunto é mais sério do que parece como se constata pelas demissões em cadeia no emporio Murdoch e pelos embaraços políticos causados na oposição e no governo britânicos. Como é que se pode explicar ao "povo" do qual emanam os governos que, afinal, estes temem menos o seu julgamento democrático do que a contingência fáctica imposta por uma actividade económica tão ferozmente competitiva como qualquer outra que é hoje a comunicação social? Chistopher Hitchens coloca o "imbróglio" no ponto devido. «The comparative fallout of the scandal on Britain's two main political parties is probably fairly even. Successive Labour governments maintained much the longer and warmer relationship with Murdoch, while Conservative Party leader David Cameron did employ a former News of the World editor who is implicated in the phone-hacking scandal in a senior government media position (and Cameron has, aside from professional politics, himself pursued no career except that of a PR man for TV companies). The most neglected aspect of the entire imbroglio is this.»

EURO: MAL ME QUER, BEM ME QUER, MAL ME QUER, BEM ME QUER...

Leio, num rodapé de um telejornal - muitos dos que perpetram nesses rodapés ainda vão a tempo, imagino, de frequentar as "novas oportunidades" na classe de língua portuguesa - que o Bloco de Esquerda "apoia" a ideia do Presidente da República em baixar a "fortaleza" do euro. Um euro mais fraco ajudaria à competitividade de países periféricos como o nosso: parece que foi mais ou menos isto que o Presidente verbalizou em périplo minhoto. Por regra, desconfio de aplausos do Bloco do dr. Louçã. E, numa altura em que o Presidente dos EUA anda a braços com as suas maravilhosas agências de rating e com as respectivas contradições internas, será este o tempo para enfraquecer politicamente (porque é disso que se trata) o euro e, por tabela, a Europa já de si deficitária em lideranças fortes como acabou de recordar Helmut Kohl?

16.7.11

NEM ESCRAVOS NEM MONOGÂMICOS


Belíssimo, o novo cabeçalho do blogue da Ana Cristina Leonardo. E a Ana, presumo, é da "escola" onde as palavras possuem "um" poder. «Somos histórias colectivas, livros colectivos. Não somos escravos nem monogâmicos nos nossos gostos ou experiências.» (Michael Ondaatje)

AO MENOS COM ALGUMA DIGNIDADE

«Há quem tenha esperança de que o colapso do "news of the World" anuncie o princípio do fim do império Murdoch, que inclui ainda editoras, estúdios, cabo, satélite e Internet. É uma esperança prematura. O que está à beira do fim são os jornais. Mas ao menos que morram com alguma dignidade.»

Pedro Mexia, Expresso

AINDA O 14 DE JULHO



Parece que a Marselhesa é muito popular entre nós. Depois desta versão e desta, e porque acho a da Mireille Mathieu - na noite da vitória de Sarkozy - demasiado insossa, ofereço aos leitores a interpretação do meridional Roberto Alagna. A força da música, revista por Berlioz, e da letra é indisputável. No fundo, como dizia Borges, podemos sempre tentar ler a Imitação de Cristo como se tivesse sido escrito por Céline. Ler e ouvir tudo assim, aliás.

15.7.11

OUTRA COISA

Como lisboeta, confesso que também me questiono. Mas não se dará o caso de a pessoa em questão já estar a pensar noutra coisa?

FOR A CHANGE



Que tal ler umas coisas do Gore Vidal?

OS OLHOS DE YOURCENAR


Há muitos anos li, em livre de poche, o livrinho de entrevistas de Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos agora (se calhar já havia uma antes) em tradução portuguesa. Retive que ali se distinguia perfeitamente a paixão do amor, sobretudo a "cantilena francesa do amor". Vinte e muitos anos depois a coisa entende-se melhor. É da vida.

TENHAM FÉ

Os resultados dos exames do 12º ano, sobretudo em língua portuguesa, são decepcionantes. Não saber o que é e para que serve um complemento directo, por exemplo, suscita as maiores reservas sobre a literacia das futuras gerações (que são já as actuais). Todavia, devia reconfortar esses "estudantes" pensarem que, nos idos de 70 e tal, aquando dos exames ad hoc às universidades, alguém que acabou no pequeno estrelato da redonda literatice nacional, chumbou precisamente na prova de português e, consequentemente, ficou à porta da Faculdade de Letras de Lisboa. Mas tal nunca o impediu de andar por aí a distribuir a sua "graça" literata. Tenham, pois, fé.

VOCÊ NA TV

«A presença enorme de comentadores partidários na TV deriva em parte da debilidade da sociedade civil e da opinião pública. Não se criaram alternativas fortes no comentário, como noutros países. Além dos políticos encartados, os comentadores costumam vir de três áreas. Primeiro, os especialistas, como os de economia, que têm ocupado os canais desde que a crise se aproximou da catástrofe; na maioria, têm inculcado evidências que não eram vividas (o país é deficitário, etc.), mas também os pontos de vista do sistema financeiro português. Alguns defendiam a opção deficitária do anterior governo, só tendo mudado à última hora. Apesar disso, continuam a perorar nos ecrãs como grandes sábios desse mundo para iniciados que supostamente é a economia. Segundo, os jornalistas. Deveria haver mais jornalistas especializados no comentário, mantendo uma razoável independência, que lhes permita acrescentar perspectivas de entendimento da realidade pelos espectadores. Infelizmente, a televisão tem poucos jornalistas comentadores com credibilidade, insistindo em alguns que parecem demasiado dependentes de opiniões de partidos ou lobbies. Ora, para isso já existem os comentadores militantes e alguns dos especialistas em economia. Terceiro, os académicos. A sua profissão é dominar instrumentos de análise para depois se debruçarem sobre a realidade, distanciando-se dela, o que os coloca numa posição de vantagem para revelar o invisível às pessoas sem essa formação. Acontece que alguns dos nossos académicos comentadores, em especial os agora chamados politólogos, têm receio de se comprometer com opiniões, o que torna as suas intervenções em grande medida inúteis. Os académicos, no seu trabalho académicos, devem manter essa distância, mas no espaço público mediático espera-se que exprimam opiniões. Outros banalizam a sua presença, banalizando também o que dizem. Há excepções, mas raramente as televisões os destacam. Preferem os que se enquadram no sistema de opinião hegemónica acima descrito.»

Eduardo Cintra Torres, Público

COMPENSA

Pacheco Pereira, na sicn, revelou-se "bem impressionado" com a intervenção do Ministro das Finanças. É, de facto, difícil ser autêntico e manter a famosa grace under pressure. Mas, no fim, compensa.

14.7.11

IDEM



Também gosto desta versão da Marsellaise do Plácido Domingo. É assaz patriótica, um sentimento que nos conviria cultivar um pouco mais. O patriotismo saudável, não patrioteiro, de que falava o Prof. Mota Pinto. E Sena.

LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE



Dia nacional da França. Com todas as deficiências, actuais e pretéritas, uma grande nação. Sei que muitos leitores não gostam. Mas o triplo propósito é, ainda hoje, um grande desígnio sempre por cumprir. No clip, Jessye Norman canta o hino francês perante a multidão que, há 22 anos, comemorava o bicentenário da Revolução. Era, então, outra a Europa.

A CULTURA DA ABJECÇÃO

«Não são apenas os aparentes actos criminosos do império Murdoch que são graves, também são graves os seus métodos «legítimos». Murdoch criou uma cultura do lixo. Lixo estético, ético, jornalístico e humano. Acabou com a cultura da «deferência», mas também tornou normal a cultura da abjecção.»

Pedro Mexia, Lei Seca

É PRECISO DAR TEMPO AO TEMPO


Estive a ler atentamente artigos de opinião de socialistas que respeito. Concordamos em que é preciso responder politicamente, na Europa, ao que se está a passar, sem tagarelice ou a varrer tudo para debaixo do tapete "financês" em que toda a gente, agora, sentou alegre ou melancolicamente o rabo - são os males da tentação "tudológica"! E acompanho César das Neves, no Destak (um jornal dado à borla ao "povo" que anda nas ruas e que não está particularmente interessado em visões oraculares) quando pergunta e responde: «Permito-me apenas uma perguntinha: quem ganharia com a derrocada do euro e da UE? Uma coisa dessas criaria um terramoto financeiro muito mais grave que a falência do Lehman Brothers. Os bancos teriam perdas enormes e os mercados volatilidade explosiva. Além do campo financeiro, a queda afectaria a produção de toda a economia europeia, provocando uma brutal recessão que, dado o nível de integração mundial, se espalharia pelo planeta. Só um arqui-terrorista ou um super-vilão de cinema, interessado na miséria global, poderia querer provocar uma coisa dessas. Sem ofender tão eminentes analistas, parece-me que a outra explicação, a da dívida irresponsável e dos credores com medo compreensível de perder os seus empréstimos, é bastante mais plausível.» Quanto ao resto, recomendo-lhes a famosa frase de Mitterrand para não ser acusado de me louvar em algum perigoso "reaccionário". É preciso dar tempo ao tempo.

UMA QUESTÃO DE CONFIANÇA

«Seja qual for a escolha para a liderança do partido "rosa", as respostas apontam para uma maior confiança em Pedro Passos Coelho, o actual primeiro-ministro, do PSD, para estar à frente dos destinos do País. Nesta análise, Coelho conquista 58,5% contra 18,9% de Seguro, ao passo que alarga a margem para 60,1% relativamente ao avanço de 16,3% conseguido por Assis.»

in Jornal de Negócios

CARTA A PESSOA


«V. não foi um mistificador, nem foi contraditório. Foi complexo, da pior das complexidades - a sensação do vácuo dentro e fora, V. não foi um poeta do Nada, mas, pelo contrário, poeta do excessivamente tudo, do excessivamente virtual, de toda a consciência trágica de probabilidade, que a crença no Destino não exclui. (...) Não creio, portanto, que a morte o tenha prejudicado, meu Amigo: V. não diria mais do que disse; V. tinha dito sempre a mesma coisa - maravilhosamente, de quantas maneiras possíveis. Veja, no entanto, as «Malhas que o Império tece». Porque V., à parte o seu caso único na história das literaturas, para ser algo do Super-Camões que anunciara, não precisava de ter publicado uma espécie de Lusíadas, e de deixar as Líricas dispersas por revistas, ou amontoadas num baú, entregues às mãos do acaso e da amizade... As suas obras estão sendo publicadas. O grande público decorará o seu nome; muitas pessoas o lerão; algumas o hão-de entender e amar. Outras desconfiarão de V. Outras, ainda, lamentarão secretamente aquela complexidade, de que já falamos, e que não pode servir de garantia a profecias ou realidades, para uso do «gado vestido dos currais dos Deuses». Será tido como mistificador. Será tido como contraditório. Mas V., meu Amigo, já o sabia... E aquele sorriso vago, que flutua aquém dos seus retratos, para quem será, não é verdade?
Creia na imensa admiração e no imenso respeito do
Jorge de Sena (1944)»

13.7.11

TUDO O QUE É MAU

LEITURAS


Aprende-se sempre qualquer coisa com o Dr. Johnson. Decerto mais do que com o "financês" que tomou conta da opinião visível.

CARRERAS, FALLA


12.7.11

PÍNDARO


Para desenjoar da hubris financeira, recomenda-se a leitura das odes de Píndaro, na tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. «Um grande risco não arrasta um homem cobarde.»

TUDO O QUE É MAU

Coisas como estas.

NEM TUDO É MAU


11.7.11

BARROSO, NORONHA E O EURO

Das poucas coisas que terei em comum com o presidente da Comissão Europeia, o apreço pela obra de Noronha da Costa é uma delas. A outra é concordar com a ideia que seria trágico para Portugal sair do euro. Mas primeiro é preciso a Europa certificar-se que o euro não "sai" dela.

EXACTAMENTE

«A Europa, apesar de todos os problemas que atravessa, não é o centro do mundo.»

PREVENIR A IMPREVISIBILIDADE

Este artigo no Financial Times citado por Vasco Campilho. Não sei se algumas pessoas já deram por isso mas estamos numa fase do debate europeu (e financeiro geral) que não vem nos manuais - pouco dados, por natureza, a ela -, a imprevisibilidade, um dos cenários mais previsíveis nos dias que correm.

10.7.11

INOCÊNCIA E POSSIBILIDADE



Um amigo, o Gustavo, que nos tempos livres é árbitro de basquetebol - trabalha muito com desportistas deficientes - enviou-me esta curta-metragem de Ricardo de Sousa. Ia colocar como título do post a palavra grandeza mas tropecei na Obra Poética de Sophia, aqui ao lado. E o título acaba furtado a um poema seu, de 1943, Inocência e Possibilidade. «As imagens eram próximas/como coladas sobre os olhos/o que nos dava um rosto justo e liso;/os gestos circulavam sem choque nem ruído/as estrelas eram maduras como frutos/e os homens eram bons sem dar por isso»

KLEIBER, BEETHOVEN



Sinfonia nº 7, 2º andamento. Puro génio.

«NÃO CUIDAMOS DE MIUDEZAS»*


«O Público de hoje dedica página e meia aos 80 anos da Hemeroteca Municipal (na meia página do lado Marilyn Monroe nua, com duas toalhas-flores tapando os seios, é uma companhia para lá de idealizada de qualquer artigo!) e aos seus problemas: edifício inadequado, horário curto, excesso de incorporações, e outros. Apesar da boa vontade do director, Álvaro Matos, a qualidade dos serviços não é nem metade do que ali fica escrito. É assunto que conheço bem: dos últimos 7 anos, 2-3 devo tê-los passado lá... E parece-me incrível que só a Rubem de Carvalho, do PC, aliás autarca desde há duas ou três décadas e nunca o vi ou li antes opor-se à «barbaridade» que agora o indigna, tenha sido pedida opinião, como se as coisas da cultura fossem um exclusivo desse sector político ou dessa cor partidária. Há muito que defendo que a Hemeroteca deve ser mudada para um edifício novo, pensado por arquitectos muito especializados em bibliotecas, com depósitos climatizados, boas salas de leitura, elevadores de carga, Wifire, tudo isso pago ou quase pago pela venda do Palácio dos Condes de Tomar, onde se encontra, para hotel de charme, sede institucional, etc. Apenas o imobilismo da CML explica a situação actual. Lá, negócios só mesmo os maiores... hotéis, condomínios, loteamentos. O resto, que espere — e desespere!»

*Por Vasco M. Rosa, Corta-Fitas

HARDLY

Para quem não dá demasiada importância ao "meio" - a célebre maioria silenciosa de que falava o outro - o fim de um jornal, mesmo tablóide e inglês, é irrelevante. Quando acabou o "nosso" 24 Horas, e apesar de não consumir o género, não apreciei. Não gosto de ver fechar um jornal. Mas o caso do News of the World é, tipicamente, um case study. Sobretudo depois ter merecido intervenções públicas embaraçadas de dirigentes políticos ao nível de um chefe do governo de Sua Majestade. Procurei, procurei, procurei mas só na prosa do poeta e cronista Manuel António Pina encontrei uma "chave" verosímil para este "soneto" pouco british. «Ao contrário do que pode julgar quem só vê o lado de cá das câmaras de TV e dos jornais, não somos todos, jornais e jornalistas, bons rapazes. Como no Reino Unido, também entre nós a concorrência, a cultura dominante do dinheiro e da competição sem regras, juntamente com a precariedade e vulnerabilidade profissionais em que se exerce hoje o jornalismo, constituem (já o tenho dito outras vezes) um caldo de cultura propício à delinquência deontológica. A condescendência corporativa e a inoperância da auto-regulação fazem o resto. Talvez seja injusto, mas suspeito que, se estalasse entre nós um escândalo como o do NoW, dificilmente faria manchete nos outros jornais.» Hardly, em inglês.

9.7.11

KLEIBER, CARMEN



Plácido Domingo, Elena Obraztsova, Yuri Mazurok. Wiener Staatsoper. 1978

NÃO É BOM ACABAR COM ISSO?

«Há filhos de directores-gerais que vão para a escola com motorista do Estado. E a questão simples é: não é bom acabar com isso?»

Ferreira Fernandes, DN

INTIMAÇÕES DE MORTALIDADE

São todas no Expresso. A ordem das citações é arbitrária e seguem a chamada "antiga ortografia", a única que conheço e pratico.


«Foi uma lufada de ar fresco ouvir o ministro das finanças polaco, Jacek Rostowski, dizer no Parlamento Europeu que a crise das dívidas soberanas é a mais perigosa crise da história da União Europeia e que se não a resolvermos teremos não só uma crise da zona euro mas de toda a Europa e talvez até uma crise da economia mundial.»
José Cutileiro

«O que se pode fazer? É simples: que a política tome, outra vez, conta da economia. É assim que deve ser e não o inverso.»
Miguel Sousa Tavares

«Não estou com os olhos postos no passado.»
António José Seguro

«Sou muito pessimista. Com praticamente tudo. Mas não paraliso. Parto para a acção com pessimismo, embora sem baixar os braços. Luto sempre.»
Maria José Morgado

«Sou temperamental. E é bom. Com a idade vem a consciência de que temos de passar a habituar-nos a estar mais sozinhos. A vida vai estragando as relações todas. Todas. E, com o avanço da idade, temos de nos habituar à condição de ficarmos mais sós. Admito que tenho mau feitio e que sou desconfiado, muito desconfiado. Na amizade tive muitas desilusões.»
Pedro Santana Lopes

«Reivindicar a "Kultur", contra a "Zivilisation", como o faz Thomas Mann nas suas "Considerações de Um Impolítico", significa defender a unidade, a forma, o estilo, o gosto, aquilo a que na época se chamava ainda "organização espiritual", contra o domínio da civilização material. Seja como for, suspeitar da cultura e manter algumas reservas em relação às promessas progressistas da civilização deveria ser uma questão de método e de exigência crítica.»
António Guerreiro

8.7.11

«INSIDE JOB»



Não vi mas Pedro Santana Lopes recomenda que se veja.

LER OS OUTROS

Este artigo de opinião do embaixador de Portugal em França, Francisco Seixas da Costa, publicado em Les Echos.

DIOGO

Soube, pelo rádio do carro, que faleceu subitamente, em Londres, o Diogo Vasconcelos. O Diogo veio ter comigo, um dia, na rua, em plena campanha para a eleição de Cavaco Silva em 2005/2006. Era um homem da era digital e acompanhava, lá da velha Albion, o que aqui se dizia e fazia. Competente, discreto, afável, "encontrávamo-nos" frequentemente - sem nos encontrarmos - nestas coisas tão improváveis como os blogues e as redes sociais. Não havia distâncias. A última vez foi na recandidatura recente do Chefe de Estado com quem colaborava como consultor. Afinal, improvável é mesmo a vida. O Diogo Vasconcelos era um patriota como há poucos. Deus o guarde.

7.7.11

A FORMA CONTEMPORÂNEA DO ÊXTASE


«A lentidão, que na verdade foi sempre uma condição sine qua non da civilização, tem vindo a ser cada vez mais substituída por uma apologia estonteada da velocidade, que se tornou, como escreveu M.Kundera, na forma contemporânea do êxtase, apesar de muitas vezes mais não ser do que um atalho para o regresso à selva. Institui-se deste modo uma tirania do imediato que, como vimos no caso Strauss-Kahn, se acompanha de um incentivo à excitação cada vez mais alucinada que atravessa todo o sistema de comunicação – imprensa, televisões, blogosfera, redes sociais, etc. –, transformando cada cidadão num espectador histérico, preso a narrativas que o hipnotizam e manipulam sem fim nem contraponto.(...) Dominique Strauss-Kahn é uma notável personalidade do nosso tempo. Economista, político, autor de trabalhos de referência entre os quais se destaca o livro «La Flamme et la Cendre» (um dos mais lúcidos diagnósticos sobre os desafios que o socialismo enfrenta na era da globalização), ele é um daqueles homens que toda a gente passa o tempo a dizer que “fazem falta”. Homem de visão, o seu trabalho à frente do FMI é unanimemente saudado pelas reformas que conseguiu introduzir (as únicas de relevo, nos últimos tempos, numa organização internacional) e pelo papel decisivo que desempenhou na crise grega e nos dramas do euro desde fins de 2009. Era o mais forte candidato às eleições presidenciais francesas de 2012. Tudo isto foi subitamente interrompido por uma justiça que o exibiu algemado e, depois, enviou para uma prisão de alta segurança, criando um acontecimento que foi o mais noticiado e comentado no mundo, desde o 11 de Setembro. Cedendo assim, sem quaisquer indícios sérios, à onda de vitimização que, sob os mais diversos pretextos, atravessa as tão frustradas sociedades actuais, bem como ao crescente ressentimento populista contra todas as formas de poder, de conhecimento ou de celebridade que a acompanham, numa voragem de espectacularidade que despreza todos os valores e ignora a mais elementar prudência. Com as consequências que se sabe, mas nem sempre se vêem...»
M. M. Carrilho, Contingências

«NADA ME FALTARÁ»


«Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções. Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos. Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou - mesmo quando faltava tudo. (...) Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé. (...) Como o Senhor é meu pastor, nada me faltará.»

6.7.11

MAIS POLÍTICA, 2

UMA REFLEXÃO SÉRIA


Do Luís Naves. «Em 1929, a crise foi dura e prolongou-se por uma década, mas havia sistemas alternativos, o comunismo e o fascismo, cujo desafio forçou os poderes financeiros a agirem de forma racional (arriscavam-se a perder tudo). Desta vez, a crise está a arrastar-se furtivamente, em espasmos de pânico, não havendo desafios ideológicos no horizonte. E este é um problema, pois à falta de alternativa, o capitalismo ainda parece invencível, sem o ser de todo.»

5.7.11

MAIS POLÍTICA

A Europa precisa olhar politicamente para a Europa (Santana Lopes, Carrilho na tvi24). O "mehr Licht" do outro é agora, adequadamente, "mais política".

PAOLO EM MADRID



Tivemos divergências e concordâncias quando passámos pelo São Carlos ao mesmo tempo. Paolo Pinamonti, no entanto, foi o seu melhor director artístico da última década. O Teatro da Zarzuela de Madrid está de parabéns. O Paolo também.

Clip: Victoria de Los Angeles, El Niño Judio

A "SAÍDA"


"Portugal tem saída" é o título do último livro de Mário Soares (um intuitivo nato) no qual colabora a jornalista Teresa de Sousa. Mas a melhor "saída" foi esta: «A minha amiga Teresa de Sousa sempre foi uma apreciadora do Blair, mas sempre o achei um vigarista. Só pensa em ganhar dinheiro.»

4.7.11

HAJA RESPEITO

«Querem criminalizar o piropo. Se bem entendi: ”comentários não solicitados por parte de absolutos estranhos sobre o meu [dela] aspecto e o meu [dela] potencial sexual” devem ser crime. Estou inteiramente de acordo, desde que tenha efeitos retroactivos: das cantigas de amigo à lírica camoniana, tudo para tribunal. Os autores jazem mortos e talvez enterrados? não faz mal, encarcerem-se as obras. Preservemos o direito de Leonor ir descalça para a fonte sem com isso servir de tema para motes e dichotes, tipo tão linda que o mundo espanta, ou comentários sobre a sua cinta de fina escarlata e o sainho de chamelote. Já chega. Acabemos de vez com esta pouca vergonha, embora alguns cam(i)onistas possam assegurar que Leonor “estava mesmo a pedi-las“. Deixem-nas em paz, formosas e não seguras. Haja respeito.»

João José Cardoso, Aventar

THE STATES, UNITED


«On July 4, 1826, Jefferson died. For posterity he wanted to be known as the author "of the Declaration of American Independence, the statute of Virginia for religious freedom, and father of the University of Virginia." A few hours later, the dying John Adams said, "Thomas Jefferson still lives." But Jefferson had already departed. John Adams had his epitaph ready; it was to the point: "Here lies John Adams, who took upon himself the responsability of the peace with France in the year 1800"."Let us now praise famous men and our fathers that begat us", as the New England hymn of my youth, based on Ecclesiacticus, most pointedly instructed us.»

Gore Vidal, Inventing a Nation

3.7.11

MAIS LIVROS


Em complemento à derradeira destas respostas (já relativamente desactualizada), acrescento dois livros. O Gerente da Noite, de John Le Carré, e o da foto, De la guerre en philosophie, de Bernard-Henri Lévy. «De la vanité du dialogue en philosophie; de l'utilité d'avoir des ennemis quand on entend rompre avec la dictature de l'Opinion; contre l'illusion des consensus dans la pensée; qu'il faut, plus que jamais, parier sur l'existence de la vérité en ces temps de nihilisme quasi achevé; pourquoi un philosophe d'aujourd'hui ne peut être, somme toute, qu'un guerrier: tels sont quelques-uns des thèmes de ce manuel pour âges obscurs.» Uma resposta, porém, permanece infelizmente inalterada. Ainda me falta ler Os Amores no Campo, de Sarah Beirão.

RIR DA INSANIDADE DO MUNDO


Na transição do fim do curso de Direito para a tropa, através da orientação amiga do João Amaral, passei pelo Semanário de Victor Cunha Rego. No livro ali à direita dedico-lhe algumas páginas porque o Victor representava, em certo sentido, a antítese da literatice jornalística. Tinha, adequadamente, mundo. Nas vésperas da sua morte, em Novembro de 1999, Vasco Pulido Valente resumiu-o. «Foi para mim, desde o princípio, um espírito misterioso: a primeira qualidade do bom professor. Vinha do Brasil, da Sérvia, da Itália, do Pólo Norte. Tinha entrado em extraordinárias aventuras: no assalto ao Santa Maria, no Drill (Directório Ibérico de Libertação) e numa escola de guerrilhas na Jugoslávia. Conhecia toda a gente e vira quase tudo (...). Como ele próprio se descreve, um céptico e um militante: incapaz de aceitar a iniquidade ou de "cair no precipício de uma ideia" (...). O Victor ri - muito seriamente - da insanidade do mundo: e nós rimos - muito seriamente - com ele (...). O genuíno Victor é no fundo, sem pose ou presunção, aquela indefinível experiência que nos falta e a melancolia irónica de quem não acredita na perfeição terrestre (...), um raríssimo português que se esforçou por nos libertar do paroquialismo, da ignorância e do medo.»

2.7.11

À LA UNE

Strauss-Kahn de volta "à la une".

É BONITO

Tudo certinho e afinadinho.

"GUTS"


Morreu, há cinquenta anos, o escritor norte-americano Ernest Hemingway. Aconteceu bem cedo na casa de Ketchum, no Idaho, a 2 de Julho de 1961. Hemingway deixou a mulher a dormir, desceu as escadas e, na sala, enfiou a caçadeira na boca. Genial contista, as suas short stories constituem verdadeiras pequenas obras primas literárias, um exercício de permanente virtuosismo em qualquer época ou língua. Dorothy Parker perguntou-lhe, a propósito de uma expressão utilizada por ele numa carta a Scott Fitzgerald, datada de Abril de 1926, «exactly what do you mean by '"guts"? Hemingway respondeu: «I mean grace under pressure.» Em O Velho e o Mar, "grace under pressure" foi parafraseado assim, na tradução de Jorge de Sena: «o homem não foi feito para a derrota», «um homem pode ser destruído mas não derrotado.» É preciso guts, de facto.

AFORISMO


Quanto mais estranhos, mais íntimos.

1.7.11

HÁ MAIS MARÉS QUE MARINHEIROS

IL MIGLIOR FABRO


After the torchlight red on sweaty faces
After the frosty silence in the gardens
After the agony in stony places
The shouting and the crying
Prison and place and reverberation
Of thunder of spring over distant mountains
He who was living is now dead
We who were living are now dying
With a little patience

T.S.Eliot. The Waste Land



T.S.Eliot vinha do banco (o Lloyds se não me engano) e escrevia. A mulher não ajudava. Ezra Pound sim, ajudou-o através da editora Faber onde o "fez" editor. Valeu-lhe o reconhecimento público de Eliot na dedicatória de The Waste Land: il miglior fabbro. A expressão de Dante aplica-se adequadamente a ambos. Poeta maior e ensaísta maior ainda - nunca foi um comediante das letras nem uma mediocridade cintilante -, Eliot resumia a "função" da poesia à imagem do pedaço de carne que se atira ao cão, para o entreter, enquanto o larápio assalta a casa. De um lado está a poesia, noutro o larápio e, pelo meio, o cão. O poetastrismo não cabe nesta imagem: não é poesia, não é larápio, não é cão. É nada. Honra, pois, ao miglior fabro.