31.12.11

UM PRINCÍPIO FELIZ DE ALGUMA COISA



Do fim, «o que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa.» (Agustina Bessa-Luís, 90 anos em 2012). É esse princípio feliz de alguma coisa que aqui fica como desejo fraterno e realista dirigido a todos os Leitores.

Clip: As vozes pertencem a Marilyn Horne e Joan Sutherland e a música é de Jacques Offenbach.


O EMBLEMA DA DECADÊNCIA


Durou até ao dia 21 de Junho. Se dependesse dele e dos seus acólitos, ainda hoje durava. Parecia qualquer coisa e acabou em coisa nenhuma. Sobraram dele uns quantos devotos medíocres acolitados em diversas instâncias de poder formal e informal. Dá-se por alguns (pelo seu confrangedor exibicionismo mediático que tem tanto de estúpido como de perigoso precisamente pela estupidez que exala) e dá-se menos por outros o que não quer dizer que sejam menos perigosos que os primeiros. A manha tem tantas fórmulas (más, evidentemente) como as do diabo. Pacheco, o Pacheco que tem dias, resume-o: «à volta dele o desastre absoluto», «mestre da propaganda, mestre no voluntarismo despesista, mestre no dolo, mestre na arrogância autoritária», «o seu nome tornou-se um insulto, cujo pathos ele renova com convicção e zelo, como nas declarações sobre a "gestão da dívida".» E Pulido Valente também: «o que admira neste homem é ele ter chegado a chefe de um grande partido e a primeiro-ministro. Tudo o resto se explica: a ignorância, a irresponsabilidade, o autoritarismo e a noção de que a política era uma forma de teatro. Mesmo assim, ganhou a confiança de gente que devia saber mais e os portugueses só correram com ele no último momento. Irá com certeza ficar como o emblema da decadência do regime.»

À ATENÇÃO DE UM RESIDENTE NA SIMPÁTICA VILA DA MARMELEIRA

«Criou-se, com o actual governo, a ideia de que ele teria um "défice de comunicação", explicando mal as políticas, etc. Não acho nada. Estamos é habituados a centrais de propaganda e governos que só pensam em enganar o povo. O actual governo é, nesta matéria, fiel à sua matriz liberal: apresenta as políticas e faz pouca propaganda delas, deixando a sociedade conflituar à sua vontade com ou contra as medidas. Ainda bem que há conflitos, ainda bem que há notícias deles, ainda bem que o governo tem deixado a sociedade dialogar sobre eles. A isto se chama democracia e liberdade. Esperemos que assim continue.»

Eduardo Cintra Torres, CM

VIDA NOVA

«De facto, Portugal começou a mudar. O poder e a sociedade estão cada vez mais conscientes de que os tempos do aventureirismo socialista são irrepetíveis, aliás, porque escasseia o dinheiro para sustentar as ilusões e alimentar as clientelas.»

Rui Costa Pinto, i

O TEMPO E OS FACTOS

O Diário de Notícias dá lastro a uma falácia que "indignou" duas ou três almas socialistas aparentemente não familiarizadas com o "memorando" que o seu partido assinou, em nome de Portugal, quando era governo em Maio. Sucede que não existe nenhum "novo acordo com a troika" que tenha retirado "mais poder aos sindicatos". Nada mudou nesta matéria entre Maio e o dia de hoje ou de amanhã. As "diferenças" sugeridas no artigo do jornal decorrem do "espírito" do "memorando", ou seja, já lá estavam. Vêm do tempo em que o PS negociou o acordo. O tempo, agora, passa muito depressa. Mas não convém que passe tão depressa que acabe por "passar" despercebido.

«NÃO FALARIAM DE ENSINO DURANTE UMA DÉCADA»

«Por que é que os milhões gastos na Educação mais avançada do mundo, com toda a panóplia de computadores e quadros interactivos, não fizeram o PIB crescer na última década? e 2 - Por que é que a distribuição maciça de diplomas o enorme aumento dos níveis de qualificação alcançado durante o Governo de Sócrates, e que maravilharam milhares de portugueses, não fizeram a economia avançar um cêntimo?»

David Levy, Lisboa ~Tel Aviv

30.12.11

RENOVAÇÃO DA LÍNGUA DE PAU

Um "desejo" para o novo ano das televisões portuguesas consiste em que elas nos poupem a uma legião de comentadores onde todos dizem mais ou menos a mesma coisa, as mesmas banalidades, jornalistas ou não jornalistas. Ao menos renovem a língua de pau.

O mãe


Há fenómenos do Entroncamento literato que emigram. Mas nunca chegam verdadeiramente a sair.

A SUPREMA INTELIGÊNCIA

29.12.11

UM DESTINO PORTUGUÊS


«É pena que Freud não nos tenha conhecido: teria descoberto, ao menos, no campo da pura vontade de aparecer, um povo em que se exemplifica o sublime triunfo do princípio do prazer sobre o princípio da realidade.»

Eduardo Lourenço (revisitado 33 anos depois em O Labirinto da Saudade)

28.12.11

DA VIDA DA LÍNGUA


Ontem à noite estive a ler algumas entradas do Dicionário de Camões coordenado pelo professor Aguiar e Silva. Belíssimo volume. Belíssimas entradas. O pior é o português acordográfico em que estão redigidas. Parece que "é a vida", como dizia o outro. Péssima (nova) vida.

"EU É QUE SOU O PRESIDENTE DA JUNTA"



27.12.11

CAMINHOS E MÃO DE FERRO

Aparentemente a CP está cativa de mais de vinte sindicatos. O dos maquinistas decretou nova greve para dia 1 de Janeiro. Porquê? Porque quer que a administração renuncie ao exercício do seu poder disciplinar, tão legítimo como o exercício do direito à greve. Desta vez não é dinheiro (mais) ou regalias (ainda mais). Não. É uma pura "afirmação" pífia de força cujos principais prejudicados são os utentes. E duplamente. Desde logo, porque aqueles que precisam de recorrer ao transporte ferroviário (e os mandarins sindicais sabem perfeitamente que não são os abastados) ficam diminuídos na sua capacidade de circulação. Depois, porque são também os impostos destes clientes que financiam a empresa e estes devaneios irresponsáveis. Dá ideia que esta gente pretende, deliberadamente, acabar com a CP. Isto já não é um mero caso de caminhos de ferro. É um caso, ou não, de mão de ferro.

AO CONTRÁRIO


Desconferenciar. Um "conceito" interessante agora que não há cão nem gato que não se pele por tagarelar.

A QUEDA

Santana Lopes pergunta bem. Mas a pergunta deve ser dirigida ao "verdadeiro" presidente da CML, o arquitecto Salgado.

26.12.11

O MITO DAS "BOAS NOTÍCIAS"

Algumas pessoas, algumas delas genuinamente boas pessoas, reclamam por "boas notícias". Mas algumas dessas pessoas, genuinamente boas pessoas (recordo que o extremo da "bonzice" foi atingido por Guterres, a verdadeira personificação da "boa pessoa"), foram das que mais contribuíram nos derradeiros anos para que não haja agora grande margem para "boas notícias". Por isso, a melhor notícia é a autenticidade mesmo quando dói. Uma "boa notícia" mentirosa ou artificial, no fim, acaba sempre por doer muito mais.

DA LEALDADE


Por acaso vi ontem, entre seis ou sete, Nos Idos de Março, de e com George Clooney. E concordo com Lauro António. «Em “The Ides of March”, tal como em Shakespeare, o que impera é a traição: foi a 15 de Março do calendário romano que Júlio César foi apunhalado por Brutus. Traição que agora não se expressa por um apunhalamento sangrento, mas por algo mais subtil, possivelmente mais letal, e sem deixar marcas visíveis: a deslealdade, o volte face, o truque de baixa política que aniquila uma carreira. Resta saber quem é mais esperto e mais veloz no contra-ataque, quem possui as melhores armas e quem melhor as utiliza. Em “Nos Idos de Março” há vítimas, mas estas são apenas os votantes que aclamam os seus ídolos sem se aperceberem dos seus pés de barro. Nesta campanha, como em qualquer outra rival, de democratas ou republicanos, o que vemos é ausência de valores. Ou como se diz, no final do filme, de integridade e de dignidade.»

25.12.11

ABSOLVIÇÃO




Na canal ARTE, Amadeus, de Milos Forman. No fim do filme, F. Murray Abraham (Salieri) "absolve" todas as mediocridades do mundo, vendo-se a ele próprio, louco, como padroeiro dessas mediocridades. Não foi bem assim na "história" de Salieri com Mozart. Todavia numa coisa Murray Abraham tinha razão. Até para fracassar é preciso ter talento. E Salieri tinha.

O CAPITAL INVISÍVEL


«Na nossa vida colectiva a degradação dos laços de confiança ao longo dos anos teve graves consequências na qualidade da nossa democracia, no nosso desempenho económico e na nossa solidariedade comunitária. A confiança é um activo público, é um capital invisível, é um bem comum, determinante para o desenvolvimento social, para a coesão e para a equidade. São os laços de confiança que formam a rede que nos segura a todos numa mesma sociedade.»

Pedro Passos Coelho, 25.12.11

A LUZ QUE BRILHA NAS TREVAS

«No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus; e o Verbo era Deus. No princípio ele estava com Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada se fez de tudo o que foi feito. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas e as trevas não conseguiram dominá-la. Surgiu um homem enviado por Deus; o seu nome era João. Ele veio para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele. Ele não era a luz, mais veio para dar testemunho da luz: daquele que era a luz de verdade e que, vindo ao mundo, ilumina todo o ser humano. O Verbo estava no mundo — e o mundo foi feito por meio dele — mas o mundo não quis conhecê-lo. Veio para o que era seu e os seus não o acolheram. Mas a todos que o receberam deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus, isto é, aos que acreditam em seu nome pois estes não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do varão, mas de Deus mesmo. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória, glória que recebe do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade. Dele João dá testemunho, clamando: «Este é aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim passou à minha frente porque ele existia antes de mim». Da sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. Pois por meio de Moisés foi dada a Lei mas a graça e a verdade chegaram-nos através de Jesus Cristo. A Deus ninguém jamais viu. Mas o Unigénito de Deus, que está na intimidade do Pai, ele nos deu a conhecer.» (João 1,1-18)


24.12.11

«I HOPE AGAINST ALL HOPE»


O sujeito a que aludo no post anterior, o dr. Pacheco, brinda os leitores do Público em papel com um artigo apocalíptico em torno do Natal e do país. Ia a meio - porque aqueles artigos são verdadeiras "torrentes de ideias" - e pensei que algures o autor nos ia convidar a preferir a morte a tal sorte. Não falhei por muito: «Matar-se. Emigrar. Desistir. Resistir.» Depois de o ler, senti-me por segundos como um Marcelo Rebelo de Sousa a distribuir optimismo e leitões da Bairrada pelas "vítimas" do artigo do dr. Pacheco. Nem no meu pior pessimismo (que é vasto e duradouro) conseguiria ir tão longe e tão fundo. O dr. Pacheco encarnou no planeta Melancholia de Lars von Trier. Mas em mau, muito mau, muito "pau de marmeleiro". Como rezam as Escrituras, procuro guardar, nas minhas imperfeições e enormes defeitos, a Fé. Oxalá Pacheco pudesse ser iluminado por ela e, um dia, dizer como o Papa João Paulo II - «I hope against all hope».

Foto: Giotto

23.12.11

O NOVO LADO BOM DA FORÇA


Os "socratistas", afinal, são do chamado lado bom da força. As coisas que estamos sempre a aprender com o nosso inefável dr. Pacheco.

O QUE FALTOU


«O que nos trouxe aqui não foi um erro, nem uma criatura. Foi, desde o princípio, uma incapacidade atávica de tratarmos de nós com um módico de inteligência e razão; e sobretudo como uma sociedade coesa com fins comuns.»

Vasco Pulido Valente, Público

DE COMO AJUDAR A DAR CABO DA CP


«Um sindicato de maquinistas de comboios, em prepotente manifestação de abuso de poder, mais uma vez decidiu fazer greve num período sadicamente escolhido para maximizar o prejuízo de quem, no final, lhes vem pagando o salário. Nomeadamente com impostos. Uma violência fomentada por pequenos ditadores de ocasião a quem se vai permitindo praticar todos os abusos. Da lei e das pessoas. Os grandes ditadores fazem-se desta massa.»

Pinho Cardão

22.12.11

FACTOS E FANTASMAS

Estou-me nas tintas para "comentários". Prefiro factos. Ora os factos (não promessas) mostram que no processo "edp" houve clareza, cumprimento de prazos e da lei e rigor técnico sem concessões ao porventura tomado como "correcto". O país demonstrou que não está refém da crise europeia e que concebe conceitos estratégicos alternativos simultaneamente em consonância com a sua história e com a contingência. Financeiramente, Portugal "encaixa" € 2.693 e, a final, entre este valor, a compra de acções e o refinanciamento da empresa pode arrecadar cerca de oito mil milhões de euros. Depois, tratou-se da proposta mais elevada (superior em 156 milhões de euros em relação à segunda melhor proposta, a alemã) e do melhor projecto industrial para o investimento na Europa e no continente americano já que a E.ON "centrava-se" na Península Ibérica. Está todavia garantida a "identidade do património" através da manutenção da sede em Portugal e da preservação dos actuais negócios. Finalmente, e porque há regulação, não há aumento de tarifas junto dos consumidores. As coisas são o que são. O que elas não são é fantasmas que pululam em certas cabeças tagarelas.

21.12.11

ADESÃO À REALIDADE

O primeiro-ministro pediu adesão à realidade por parte dos que, na opinião pública e na opinião que se publica, andam entretidos com jogos florais. Todavia é difícil que adiram à realidade aqueles (e são muitos) que reduzem tudo a estúpidos exercícios semióticos que o país tipicamente ignora e despreza. Mesmo que, no limite, a Europa desabasse sobre as suas cabeças, eles prefeririam sempre o tricot doméstico, nulo e inconsequente, que não muda um átomo a vida das pessoas. Mas para isso era preciso que tivessem uma cabeça onde entrasse ou caísse qualquer coisa.

TENTAR PERCEBER

ANTES DE TUDO O MAIS

Finalmente parece que se começa a perceber que é preciso poupar e que o natal nada tem a ver com quatro dígitos numa máquina. Porque «a fé é, antes de tudo o mais, Jesus Cristo nascido na palha de uma pobre gruta. Não pode, por isso, deixar de ser a inspiradora de um radicalismo evangélico que obriga o homem a ir ao fundo das coisas e a não se resignar perante as injustiças, por mais que a mansidão lhe tenha sido ensinada.» (Victor Cunha Rego)

20.12.11

"EMIGRATE"

Disse ela.

EVOLUÇÃO


Começámos o ano a encanar a perna à rã. Terminamos o ano com rigor e competência para recorrer aos termos usados por M. M. Carrilho - perfeitamente insuspeito - em relação ao ministro das finanças.

19.12.11

NETREBKO



Há menos de quinze dias no Scala de Milão.

VOTOS LÚCIDOS

A REALIDADE ATERRA EM ESPANHA


Ainda esta semana, Rajoy, aqui mesmo ao lado, vai começar a escarafunchar o que fica do "modernismo" zapateiro. Não deve encontrar nada de bom salvo o resultado da língua de pau do referido "modernismo": um desemprego medido ao milhão, uma despesa pública desenfreada, uma grandeza económica ameaçada. Merece todo o apoio. O sucesso dele, em certa medida, também é nosso.

APRENDIZES DE KIM


Morreu o verdadeiro "Querido Líder". O pior é que, em pequeninas e pequeninos, há muitos por cá a fazer de aprendizes dele. E em coisinhas muito pequeninas como elas e eles.

18.12.11

INCERTEZA


É o título deste artigo do António Barreto. A pensar em 2012. E assim sucessivamente.

«RIR DE NÓS MESMOS E DOS OUTROS»



«The only thing I can recommend at this stage is a sense of humor, an ability to see things in their ridiculous and absurd dimensions, to laugh at others and at ourselves, a sense of irony regarding everything that calls out for parody in this world. In other words, I can only recommend perspective and distance. Awareness of all the most dangerous kinds of vanity, both in others and in ourselves. A good mind. A modest certainty about the meaning of things. Gratitude for the gift of life and the courage to take responsability for it. Vigilance of spirit

Vaclav Havel, em 1999 (citado pela Lourdes Féria)

A CULTURA DOS "AGENTES CULTURAIS"

VITORIOSOS OU MORTOS


Há precisamente 50 anos, o "pacifista" Nehru invadia Portugal através de Goa. Este post notável do Miguel Castelo-Branco recorda o episódio pelo lado não politicamente correcto dele. De facto, a perda de Goa foi vista quase como uma inevitabilidade e a crónica pusilanimidade das organizações internacionais encarregou-se do resto. Salazar fez o que lhe competia. Num telegrama amplamente citado (contra ele, como não podia deixar de ser) que dirigiu ao Governador Geral, o presidente do Conselho era inequívoco: «não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos.» O que se passou a seguir é conhecido. Ninguém, de Lisboa à Índia, saiu bem da coisa. Houve, porém, uma excepção, o 2º Tenente Oliveira e Carmo que, com apenas 25 anos e sem hesitações, explicou aos seus subordinados: «fazemos parte da defesa de Diu e da Pátria e vamos cumprir até ao último homem e última bala se possível». Como escreve o Miguel, «os militares, mais que os paisanos, compreendem ou devem compreender o que significa o sacrifício derradeiro que lhes exige a carreira que voluntariamente abraçaram. Oliveira e Carmo compreendeu-o. Sacrificou-se pela honra e foi militar. Os outros, aqueles que pensaram quando não deviam pensar, que não cumpriram quando deviam cumprir, que partiram as espadas quando as deviam empunhar, que deitaram ao chão a bandeira quando a deviam levantar bem alto; esses, não foram militares. Há quem pense, erradamente, que os actos inúteis devem ser evitados. Errado, o acto inútil pode assumir transcendente significado. No caso de Goa, a Índia portou-se miseravelmente, Oliveira e Carmo cumpriu e não vacilou, como não vacilaram os goeses portugueses que deixaram tudo para serem dignos da sua condição de cidadãos - que reclamam direitos, mas têm deveres - e os outros, aqueles que se renderam à lógica, os pragmáticos que racionalizam, os homens dos afectos e da lágrima sentimentalóide, esses perderam. É tudo.»

17.12.11

(IN)GRATIDÃO

Em entrevista a um jornal, Luís Figo afirma-se "desiludido" com Sócrates, a criatura com quem tomou o pequeno-almoço mais famoso de 2009, e pretende mandar o país à fava. Alfredo Barroso veio a público "denunciar" a ingratidão do tio que apenas o refere uma vez no seu último e, pelos vistos, impreciso livro depois de uma vida inteira dedicada à egrégia figura. A ele, Soares preferiu os serviçais mais à mão que, pelos vistos, nem sequer souberam dar conta do recado. E entregou a apresentação da coisa a dois rapazinhos muito apreciados no que resta do "meio socrático". Tudo somado, dá para confirmar que a política é a actividade "humana" mais próxima do amor. Não se deve esperar gratidão de ninguém.

16.12.11

"LISBOA FELIZ"

A noite em que António Guterres fugiu do pântano.

PRÉMIO LAURENTINO

«Já houve de tudo na atribuição do Prémio Pessoa inventado pelo Expresso: amiguismo, snobismo, intriguismo, oportunismo, e algumas distinções adequadas. O prémio hoje atribuído a Eduardo Lourenço, no ano em que a Gulbenkian está a publicar a obra completa do grande ensaísta, redime muitos pecados cometidos em Seteais.» É verdade, Medeiros. "Pecados" em que o premiado também terá participado já que fez parte do júri do dito prémio durante uns bons aninhos. All in all, ainda é dos poucos que pensa.

COISAS VERDADEIRAMENTE IMPORTANTES

UM SOARES MENOS FIXE


Visto por José António Barreiros. E que até se esquece do dedicado sobrinho.

15.12.11

COISAS BOAS


Para os "malrauxianos" como eu, este dicionário. «Il s’agit d’un homme dont l’existence fut gouvernée par l’art et l’action, et qui n’a cessé de revêtir des masques, de ruminer sa méditation ininterrompue et de mélanger habilement la fiction au réel pour en faire sa propre tambouille métaphysique.»

PARECE

Que o deputado Santos está em boa companhia.

AO CUIDADO DO DEPUTADO PEDRO NUNO SANTOS

«A dívida instalou-se na cultura ocidental, e de um modo cada vez mais constante e avassalador, desde que se privilegiou de um modo absoluto a relação com o futuro, concebendo-o como um horizonte que acolhe e compatibiliza todas as promessas e expectativas, por mais contraditórias ou inviáveis que fossem. Foi isso que, antes de todos, percebeu Nietzsche, o mais visionário dos filósofos do século XIX. Foi no segundo ensaio do seu livro A Genealogia da Moral, de 1887, que ele perspicazmente sugeriu que a sociedade não resulta da troca económica (como pensaram A. Smith ou K. Marx), nem assenta na troca simbólica (como viriam a defender as perspectivas antropológica ou psicanalítica), mas que ela se organiza a partir do crédito. Ou mais precisamente, da relação credor-devedor. A grande intuição de Nietzsche foi a de que é a assimetria entre o crédito concedido e a dívida assumida que, desde os seus primórdios, está no fundamento de toda a vida social, antes mesmo da produção e do trabalho. Destacando a proximidade, em alemão, entre o conceito de dívidas (Schulden) e a noção de culpa (Schuld), Nietzsche defende que a chave da organização da sociedade se encontra na sua capacidade para fabricar homens capazes de prometer, e nos seus múltiplos mecanismos para obrigar a honrar as promessas feitas. Teria sido esta a origem da memória, que seria o lugar do mais remoto aparecimento da consciência individual, e nomeadamente dos sentimentos de medo, de má consciência ou de culpabilidade.»

M. M. Carrilho

14.12.11

13.12.11

A LÍNGUA É MUDA

Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.

Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.

Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando m'era mister tant' outr' ajuda,
de que me valerei, se alma não val?

Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.

Sá de Miranda

12.12.11

O OUTRO DOMINIQUE

ERA UMA VEZ NO ALGARVE

Ignoro quem seja Renato Teixeira. Mas imagino que os caríssimos Carlos Vidal (menos, dado o comentário tipo "suv's civis vencerão» que lá deixou), Nuno Ramos de Almeida, Tiago Mota Saraiva ou Manuel Gusmão, entre outros, não estarão "solidários" com a sugestão do sr. Teixeira no sentido de o "povo em armas" fazer "justiça com as suas próprias mãos", num misto de western pimba com assalto kitsch ao Palácio de Inverno.

LEMBRAM-SE

Da epifania dos carrinhos eléctricos? O futuro ia ser brilhante, não ia?

E SE...


A procissão não chegar a sair do adro?

RAZÕES PARA NUNCA O ESQUECER

«Não passou pela preocupação de José Sócrates que toda a dívida tem de ser paga – ela e os juros associados –, que dívida em cima de dívida gera dívida insustentável e que chega um dia em que quem nos empresta dinheiro tem medo de não receber o que emprestou e, nessa altura, corta-nos o crédito ou passa a emprestar-nos em condições incomportáveis. Daí à bancarrota, vai um passo curto. O passo que representa um sinal exterior de irresponsabilidade. Foi o que sucedeu sob a liderança de José Sócrates. Agora ele saiu e está pessoalmente bem, mas cá continuamos nós, colectivamente mal e a pagar a factura das suas leviandades. Foi este homem que nos governou durante seis anos. Dando sinais errados e perigosos para as famílias, as empresas e o país. Por isso, a poupança diminuiu, a produção não aumentou, a produtividade baixou, o défice de competitividade agravou-se e pagamos agora, com língua de palmo, as fantasias da ilusão e da facilidade. Até agora este homem tinha pensado e agido desta forma. Agora, confessou-o mesmo e ainda por cima sem mostrar ponta de arrependimento. Mais uma razão para nunca o esquecer. O homem e as consequências do seu pensamento. Especialmente quando ele quiser regressar.»

Luís Marques Mendes, CM

11.12.11

O DR. SERRA




Morreu o dr. José Manuel Serra Formigal, ilustre advogado da nossa praça, que foi director do Teatro Nacional de São Carlos na década de 80. Também o foi no Trindade e fundou a Companhia Portuguesa de Ópera estupidamente extinta a troco de nada. Eu costumo dizer que o dr. Serra foi o derradeiro director a sério do São Carlos (Paolo Pinamonti foi sobretudo um director artístico). Antes dele, só o célebre dr. José de Figueiredo que reportava directamente a Salazar. Nesses saudosos anos oitenta, Formigal trouxe a Portugal alguns dos melhores intérpretes mundiais do canto lírico (como Paes, Freitas Branco e o dito Figueiredo antes dele) que cantavam no São Carlos e no Coliseu. Depois o São Carlos "modernizou-se", chegou a "fundação" (o maior desastre da sua história contemporânea) e começou a comprar produções por atacado. O tempo das grandes vedetas tinha passado definitivamente e, agora, é raro encontrarmos por cá grandes nomes da ópera dos nossos dias. As produções são qualitativamente desiguais e o público a mesma coisa, a tender para o musicalmente indiferente e sem pingo de gosto . Era a altura em que se aguentava de pé récitas inteiras, em que havia pateadas e onde, numa greve, o próprio Formigal "dirigia" o coro ou abria e fechava o pano de cena. Tinha vinte e poucos anos e via tudo, desde os ensaios gerais às récitas todas. A última vez que o encontrei, muito abatido mas ainda com aquele olhar vivo, irónico e penetrante que o caracterizava, foi na Gulbenkian onde foi assistir a uma das transmissões directas de ópera a partir de Nova Iorque. Espero que o São Carlos saiba homenagear oportunamente um dos seus maiores amigos de sempre e alguém a quem muito deve. O dr. Serra fazia parte da minha paisagem. Era um senhor num mundo em que os da sua espécie rareiam enquanto os chicos-espertos avançam. Até sempre, dr. Serra.

Clip: Alfredo Kraus - e Mirella Freni - em Faust, de Gounod. Em Fevereiro de 1982, Serra Formigal trouxe Kraus ao São Carlos para protagonizar esta ópera. As outras récitas ficaram a cargo do nosso Carlos Jorge. Já desapareceram os três. Uma tristeza.

MANDATO SOCIAL

Somos tão poucos mas vale a pena construir cidades.
Denunciar a tinta
gasta em discursos.
Os mitos criam-se de baixo para cima.
As plantas enraízam
e só depois recortam o céu
ou são colhidas para efeitos vários.
O boletim metereológico diz que vai chover,
mas nunca se sabe se vem um ciclone,
e então salve-nos Deus
se não soubermos prever
os alicerces,
o boato dito pelo telefone,
o sonho, esse mesmo, em que se morre
de estupidez, o coração a bater
como de cavalo que ganhou a corrida
e é levado pelo dono
ao parque do hipódromo.
Basta de balancé
entre o que é, o que virá, o que não é.
Basta de poetas com as mãos cruzadas
e de operários a cair de sono.
Basta de velhotes impotentes
a fornicar sabedoria antiga.
O mandato social é desobriga
como na Páscoa a comunhão dos homens.
Somos poucos mas vale a pena construir cidades
e morrer de pé.


Ruy Cinatti, Archeologia ad Usum Animae

QUE VENHAM DA INTELIGÊNCIA

Praticamente deixei de ver televisão doméstica em casa. Prefiro canais como o Mezzo, o ARTE, os franceses e os que passam 24 horas de filmes ou outras tantas de séries. De "notícias", estou razoavelmente apetrechado. E de comentadores - praticamente os mesmos há anos seja lá qual for o canal onde debitam -, estou farto de chuva no molhado e de cretinice às postas. Por isso, e embora não tivesse assistido, parece que a aparição de Viriato Soromenho-Marques num programa da sicn foi uma espécie de bálsamo (opinião transmitida por vizinho amigo em cujas opiniões sobre o audiovisual confio). As televisões precisam de mais "Viriatos" e de menos frequentadores de lugares-comuns, independentemente de virem das esquerdas, das direitas ou do raio que os parta. Basta que venham da inteligência.

...


O meu editor, o Manuel S. Fonseca, o Pedro Norton e o outras pessoas de bom gosto vão abrir um blogue que se vai chamar Escrever é Triste. Mas mais triste do que escrever, é escrever para tristes. Força, e como diz Karl Kraus citado pelo Manuel, o diabo é um opti­mista se acre­dita que pode pio­rar as pessoas.

10.12.11

COISAS BOAS



Charles Gounod, Faust. Directamente da Metropolitan Opera House em Nova Iorque. Gulbenkian, às 18 horas.

CIMEIRAS "DECISIVAS"


«Por um lado, a "Europa" desde o princípio nunca se distinguiu pelo seu particular amor à democracia e, tirando a Inglaterra, nunca os seus membros se incomodaram excessivamente com esse detestável pormenor que atrasava e embaraçava o seu luminoso caminho para a utopia. E, por outro lado, na altura de um novo alargamento, a Alemanha, a França e os seus comparsas compreendem perfeitamente que os tempos são pouco propícios a qualquer espécie de igualdade. Uma concessão aqui, uma concessão ali e uma dose homeopática de disciplina chegam por enquanto para aguentar o barco. E, se não chegarem, sobra sempre o salvífico recurso a uma Cimeira: decisiva, claro.»

Vasco Pulido Valente, Público

9.12.11

LATITUDES


Ouço o tonitruante dr. Jardim, num evento de bola regional, afirmar só querer saber dos madeirenses e de mais ninguém de "outras latitudes". Francamente, dr. Jardim. Então já imaginou se, de repente, deixassem de aterrar aviões no Funchal, idos de "outras latitudes", designadamente de Lisboa, carregados de gente disposta a gastar algum aí nem que fosse para contemplar bovinamente os seus quase 3 milhões de euros de luzinhas e de fogo de artifício? Valerá a pena?

É O QUE HÁ


No início da década de 90, por causa do tratado de Maastricht, recordo-me de ter fornecido uma sessão de "formação interna" na Inspecção Geral de Finanças (onde trabalhava na altura) precisamente sobre as "novidades" do tratado que mudava a União. Tinha-me proposto estudar a coisa e expliquei-me o melhor que pude. Foi há cerca de vinte anos, com powerpoint e tudo. O "acordo intergovernamental" que saiu de madrugada das actuais cabeças que mandam na Europa (não de todas, especialmente a inglesa que não deverá aquecer a sua cadeira por muito mais tempo) é um ersatz, revisto, corrigido e pouco aumentado, de Maastricht. O FEEF continua a não passar de uma toponímia sem grande conteúdo. E, como de costume, o novo "horizonte" é Junho de 2012, aparentemente sem revisão do tratado de Lisboa, com uns de um lado e outros do outro o que certamente contribuirá para "fortalecer" o euro. Entretanto a Croácia passou a integrar esta balbúrdia que era algo que também estava a fazer muita falta à Europa. Depois não se queixem. É o que há.

8.12.11

MESMO QUE O TÉDIO DE UM MUNDO FELIZ VOS PERSIGA


Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Jorge de Sena, Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya

O REGRESSO DE ZORRO

A não perder, no Telejornal da RTP. E assim sucessivamente.

CONTRA OS MATERIALISTAS GROSSEIROS



Uma das raras coisas de jeito que li nos jornais dos últimos dias, foi uma entrevista ao cineasta Lars von Trier a propósito do seu filme Melancholia (os sublimes primeiros minutos fazem lembrar os "acordes" das primeiras linhas de As Benevolentes, de Littell). Diz ele que o politicamente correcto está a dar cabo do mundo. Tem razão. Antes dele, e sem nada aparentemente que os una em matéria de "ideias", Camille Paglia, já tinha dito o mesmo por outras palavras. «É preciso varrer toda esta droga pós-modernista e estruturalista que não produziu nada a não ser postos académicos, promoções e salários de sucesso e a ideia de que gente que balbucia trivialidades esquerdistas é de esquerda quando não passam de "materialistas grosseiros."» Pacheco, Luíz, era mais "directo" em terreno doméstico dos anos 60 mas não menos realista sobre estes "materialistas grosseiros" que acabaram por tomar conta de tudo (gente sistémica e videirinha à vez nas esquerdas e nas direitas por esse mundo fora) quando escrevia que «sabendo-lhes das vidas e lendo-lhes os dislates, ficamos a saber que são tanto da esquerda (ou da direita, acrescento eu) como a merda.» Mas que dão cabo do dito mundo, dão.

É SIMPLES

Naquela boa "linha de pensamento" de que pagar dívidas é coisa para criancinhas, o PS, na versão Guterres/Cravinho, inventou uma coisa chamada "scuts", umas auto-estradas ditas sem custo para os utilizadores. Na tradução para o mundo real, as "scuts" queriam dizer com custos para os utilizadores e para os não utilizadores e as referidas "crianças" (os contribuintes) acabavam por pagar cerca de 700 a 800 milhões de euros/ano, andassem ou deixassem de andar nelas. Hoje, as derradeiras quatro "scuts" deixaram de o ser. Também não haverá "tolerância de ponto" no natal e no fim do ano e as "pontes" tenderão a acabar. É simples. Quem não tem dinheiro não tem vícios.

ESTIMULANTE E PREOCUPANTE

Este artigo de M.M. Carrilho no Diário de Notícias. «Basta ter presente, para se avaliar o grau de autismo que hoje atinge a nomenclatura europeia, o simples facto de nenhuma das decisões das duas últimas cimeiras (de 21 de Julho e de 26 de Outubro) ter sido objecto da mais elementar concretização. E o famoso FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira), criado para fazer face à crise, continua a ser em grande parte uma hermética fantasia, apesar dos anúncios que lhe atribuem milhares de milhões, tendo-se chegado a garantir habilitá-lo, em Outubro, com um bilião de euros. A situação é tal que, na reunião da semana passada, os ministros das finanças da Zona Euro acabaram por decidir recorrer, se for preciso, ao FMI, a que o dinheiro seria emprestado pelo... BCE!.. Os responsáveis europeus têm passado ao lado do essencial, Ignorando, por um lado, que se trata de uma crise sistémica e civilizacional decorrente da globalização e do fim do paradigma do ilimitado: de recursos, de consumo, de crédito, etc. E, por outro lado, que a crise europeia só se avolumou até ao ponto que hoje conhecemos devido ao seu modelo de governação, com níveis de indecisão, de incapacidade e de impotência nunca vistos, que acabaram por fragilizar ainda mais os débeis alicerces do euro.» Who cares?

GENTE FELIZ SEM LÁGRIMAS


Na capa de uma revista cor de rosa (ou deveria, antes, dizer cor de melaço?), um dos títulos informa que Manuela Moura Guedes gastou 1600 euros numas botas. Apesar da "notícia" não ter a menor relevância cósmica, é sempre reconfortante constatar que ainda se pode ser feliz com coisas pequeninas como um par de botas.

7.12.11

O COMENDADOR E A EUROPA


Na abertura da temporada de ópera do alla Scala, o encenador escolheu colocar o Comendador - regressado da morte para resgatar a honra das vítimas de Don Giovanni e levá-lo consigo - no camarote presidencial, frente ao palco, entre o Presidente da República italiana e o chefe do governo, Mario Monti. Em vésperas de um conselho europeu que todos tomam por decisivo, a "imagem" não podia ser mais adequada. A Europa tem de escolher a razão ou as trevas. Caso contrário, mais dia menos dia, a Estátua regressa e leva-nos a todos.

COISAS BOAS


Don Giovanni, de Mozart, em directo do Teatro alla Scala de Milão, a partir das 19.15 no canal ARTE. Peter Mattei, Kwangchul Youn, Anna Netrebko, Giuseppe Filianoti, Barbara Frittoli, Bryn Terfel, Anna Prohaska, Štefan Kocán. Daniel Barenboim dirige.

Adenda: Esta sugestão de Vítor Dias também é uma coisa boa.

UMA TRAGICOMÉDIA


«Para pequenos países como Portugal e Espanha, pagar a dívida é uma ideia de criança. As dívidas dos Estados são por definição eternas. As dívidas gerem-se. Foi assim que eu estudei.» Como diria Shakespeare, eis o mais recente herói da esquerda moderna portuguesa (e ícone de seis anos de PS no poder), qual Iago com o pé em cima do peito de Otello. Na "realidade", Portugal faz de Otello na iluminada cabeça da criatura. Seria cómico se não fosse trágico.

A NÓDOA NO MELHOR PANO


Vasco Graça Moura sobre o Dicionário de Camões, ali anunciado à direita. «Para quem gosta de Camões, esta edição é uma festa. Mas no melhor pano cai nódoa. Numa entrevista recente, Aguiar e Silva deplorou amargamente que a editora tivesse resolvido aplicar a ignomínia do Acordo Ortográfico a esta edição, por razões comerciais de venda no mercado brasileiro. Os Fados encarregaram-se de vingar a língua portuguesa: há casos em que as monstruosidades ortográficas alternam com as formas normais (p. ex., a p. 6, "receção" e "recepção" a duas linhas de distância, havendo "recepção" também a p. 847, "facto", a p. 602, "concepção" a p. 754, embora "conceção" desfigure o título do belo artigo de Martim de Albuquerque sobre a concepção do poder político em Luís de Camões. Mas Némesis é implacável: o verbete do brasileiro Gilberto Mendonça Teles tem o título, a encabeçar a série de páginas 754-770, de "Recepção de Camões na literatura brasileira": afinal, no Brasil, o lexema "recepção" escreve-se com p. Só as luminárias... "compatas" que andam por aí à solta, desenfreadas na senda dos crimes contra a língua, é que não tiveram a "perceção" disso! Deste modo, a almejada uniformização com vista ao mercado de além Atlântico só vai servir para nos cobrir de ridículo naquelas paragens... Nem Camões, nem Aguiar e Silva, nem os seus colaboradores mereciam uma coisa dessas»

6.12.11

A CIFRA DAS NOVIDADES LIXO


«O número de novos títulos publicados cada ano é uma barbaridade. Não sei exactamente o que se passa em termos de negócio. Mas a febre crónica que vive o sector, a cifra das novidades lixo continua a ser insensata para não dizer escandalosa. Será que aquela tralha se vende?»

Lourdes Féria, With Bubbles

OS ASSOCIADOS

Em que planeta viverão estes associados?

O HOMEM, NATURALMENTE


«Só lutamos bem por causas que nós próprios modelamos e com as quais nos queimamos ao identificarmo-nos com elas.» Pois é. O mesmo Michaux também nos ensina que «sempre que a gente esquece o que são os homens, caímos na facilidade de lhes querer bem.» Ou, na versão "dura" de Marguerite Duras, o erro no plano de Deus é apenas um. O homem, naturalmente.

5.12.11

OS CAMINHOS TORTUOSOS DA SENHORA

Há quem suponha que esta semana é "crucial" para a Europa e para o euro. E se der a travadinha à sra. Merkel e, lá para quarta-feira, ela decidir aparecer para "esvaziar" o conselho europeu dos dias 8 e 9? Assim como assim, não tem feito outra coisa das últimas vezes.

SERVIÇO PÚBLICO



Regressa logo, às 22.20, no canal Fox. Everybody lies.

4.12.11

EM DEFINITIVO



«Convém perceber que os fins de Sá Carneiro eram dois. Primeiro, levar a direita (o PPD e o CDS) ao poder e, segundo, acabar com a tutela militar a que Portugal estava submetido. Talvez seja inútil explicar que se o poder ficasse indeterminadamente nas mãos da esquerda que se opusera à ditadura, e só nas dela, não tardaria que se criasse a ideia de que não assistia ao PSD e ao CDS qualquer legitimidade para governar e o regime democrático ficava à partida liquidado. As maiorias de 1979 e de 1980 e a genérica moderação da AD (que se absteve de perseguir fosse quem fosse e respeitou meticulosamente a lei) legitimaram a direita em definitivo.»

Vasco Pulido Valente

PANÓPTICO

Terminei este post com a certeza de que não seria a última vez que o Eduardo Cintra Torres aparecia reproduzido neste blogue. Hoje congratulo-me com o seu regresso à crítica televisiva no Correio da Manhã que, espero, mantenha o saudável propósito ali enunciado: «os independentes, ao contrário dos lambe-botas, dos intolerantes e dos medrosos, são imprevisíveis e têm tendência a querer dizer a verdade, mesmo que sofram as consequências disso.» Do artigo de estreia, pela oportunidade, extraio a reflexão sobre a TDT (televisão digital terrestre) já que me parece não haver muito "pensamento" em torno do tema como se de uma coisa exclusivamente técnica se tratasse. «A implantação da TDT serve a PT, a sua Meo e os outros operadores de cabo. Julgaram os generalistas que beneficiariam de a TDT só ter os seus quatro canais, mas enganaram-se, porque oito em dez lares nas zonas já sem TV analógico optaram por assinar cabo, pelo que diminuirá ainda mais a audiência dos generalistas. Falta saber quantos pobres ficarão sem analógico, cabo e TDT.»

3.12.11

O DINHEIRO NÃO APARECE SEMPRE


O mandarinato autárquico não diz nada sobre isto?

JOSÉ MENSURADO, UM HOMEM DA TELEVISÃO PORTUGUESA


Aos 80 anos, desapareceu José Mensurado, antigo jornalista da RTP. Foi ele quem descreveu para os telespectadores portuguesas a chegada do homem (dois, se bem me lembro) à Lua. Fez muita coisa na e pela televisão pública que serviu com distinção e discrição. Hoje em dia é praticamente ao contrário. Servem-se dela e até fazem gáudio nisso.

UMA SOCIEDADE DECAPITADA

«Qualquer pessoa, seja qual for a sua origem, que se distinga é imediatamente sabotada. Os portugueses gostam de tudo o que é igualitarismo, o mais básico possível. O Fernando Lemos, que é um grande intelectual que vive exilado no Brasil há 40 ou 50 anos, ele, que agora fala meio brasileiro, diz: “Cara, em Portugal é terrível, porque cada vez que uma pessoa cresce mais um bocadinho corta-se-lhe a cabeça.”

E como é isso que se combate?
Não sei, infelizmente não há, nestas coisas, um batalhão para a moralidade pública… Olhe, é um caso parecido com o do investimento e a propriedade. Em Portugal há uma opinião firme contrária à propriedade, contrária à empresa privada, contrária ao investimento. Qualquer português que eu conheça gosta imenso da sua propriedade, e odeia e detesta a propriedade dos outros. Isto não dá condições de investimento, de desenvolvimento.

Isso vem-nos de onde?
É uma grande mistura. Portugal nunca teve uma tradição nem liberal, nem individualista. Talvez o facto de estar, por um lado, muito ligado à Igreja católica, por outro muito dependente do poder central, do Estado monárquico ou do Estado republicano, tenha criado esta dependência. Faz-me lembrar os tempos da China de Mao Tse Tung: havia 600 milhões de chineses vestidos da mesma maneira, a mesma túnica, o mesmo chapéu, aquilo era horrível, horrível, era o retrato do totalitarismo. A própria palavra empresário é mal vista, a tal ponto que agora não se diz empresário, diz-se empreendedor, o que eu acho absolutamente ridículo. O empresário desenhou-se no tempo de Karl Marx, é um dos agentes mais revolucionários da história, que junta os factores de produção – capital, terra, máquinas, imóveis, comércio –, e organiza tudo isso.»

António Barreto, i

CELA VA DE SOI



«Ando estupefacto a ler a biografia de Luiz Pacheco que João Pedro George (JPG) escreveu, aptamente chamada Puta que os Pariu!, publicada pelas Edições tinta-da-china, que mantêm, com cada livro que fazem, o entusiasmo com que viram nascer o primeiro. Ainda não acabei de lê-lo - estou a doseá-lo, por saber que vai acabar -, mas já tenho necessidade de o agradecer. Não é só pelo prazer que me está a dar, embora só isso bastasse. E basta. Mas é também pela prova que faz, de ser afinal possível - em Portugal, pela mão de portugueses -, com muito trabalho, distância e imaginação empáticas e inteligentes, escrever biografias literárias de escritores dos nossos tempos, que morreram durante as nossas vidas. A biografia de Luiz Pacheco que JPG não só escreveu como compilou e comprovou alcança o interesse e o rigor das boas biografias britânicas e americanas. Desmente, num só livro, o lugar-comum (quase sempre verdadeiro) que nós, os europeus ditos continentais pelos ingleses, não somos capazes de escrever biografias bem documentadas, que não sejam uma mera acumulação de impressões. Conheci mal Luiz Pacheco. Mas, pelo que conheci, reconheço-o no retrato, mais fundamentado e compreendido do que numa pintura ou numa fotografia. É bem amado. O livro é grande, como era o sujeito. Mas não é nem um elogio nem uma desmistificação. JPG pesquisou e encontrou um escritor e uma pessoa fascinantemente boa e má, às vezes ao mesmo tempo. Parabéns.»

Miguel Esteves Cardoso

2.12.11

A DOUTA IGNORÂNCIA*

Como que a título de ilustração disto, isto. O leitor Alves Pimenta explica. «O peralvilho (...), não contente com as provas de falta de senso em que diariamente abunda no parlamento e nas televisões, teve hoje a ousadia de se meter com o governador do Banco de Portugal, ao pé de quem não passa de um pigmeu. Recebeu a resposta que merecia a sua demonstração de ignorância e má-fé. No entanto, como vergonha é coisa que desconhece, ainda exigiu do governador que lhe pedisse desculpa - o que serviu ao Telejornal da RTP de remate para a notícia. Só visto.» Ainda bem que não vi.

*com a devida vénia.

O OXÍMORO SOCIALISTA


«A sra. Thatcher (e Ronald Reagan) fechou ou privatizou a indústria e os serviços, que não serviam para mais do que manter a ilusão do pleno emprego e (tirando o Serviço Nacional de Saúde) diminuiu drasticamente o funcionalismo público, tanto central como local. Ao contrário do que por aí se diz, estas medidas garantiram ainda uma parte substantiva do "Estado social". Sucede que os partidos socialistas ficaram sem um papel próprio. Ou resistiam à retracção do "Estado social" e ressuscitavam a ineficiência económica de 1970-1980; ou o sustentavam com a dívida externa ou interna. Escolheram a dívida e morreram dela.»

Vasco Pulido Valente, Público