31.8.04

O BRONZE

Apareceu hoje no Público mais uma pérola "jurídica" ligada ao estafado processo Casa Pia, desta vez produzida por uma magistrada judicial. Uma juíza de turno da Boa Hora não resistiu a deixar a sua "marca" no prolixo processo e quis devolver à preventiva cinco dos arguidos. Entre outro argumentário, alegou que a medida "sossegará, com certeza, as eventuais vítimas deste processo e até potenciais vítimas nos meios sociais em que os arguidos se inserem, originando uma maior tranquilidade e paz social". Aos olhos da juíza Filipa Macedo isto é assim porque "os adolescentes vivem uma liberdade desmedida, passando os dias sozinhos e saindo à noite até altas horas da madrugada", o que os pode tornar "muito 'apelativos' nas suas indumentárias, pela descontracção com que actuam, pelo bronze e penteados que exibem, por indivíduos viciosos e podem ser considerados presas fáceis porque normalmente têm posses insuficientes para as solicitações da sociedade de consumo em que se integram e que os seduz". Esta extraordinária prosa, que mais parece inspirada num híbrido de Lombroso, Kavafis, Machado Pais e Carlos Castro, não convenceu, nem sequer o Ministério Público. Qualquer discípulo de Freud poderia talvez entreter-se a explicar. Eu não consigo. Num ensaio com mais de 50 anos, Eduardo Lourenço, partindo do Livro II da República de Platão, escreveu que "a justiça é apenas uma criação arbitrária da impotência ancestral e do medo dos outros". Este conceito tem, na terminologia burocrático-judiciária dos nossos dias, os seus equivalentes no "alarme social", na "tranquilidade e paz social", na "ordem pública", etc, termos estes que bastam para justificar quase tudo. Recomenda-se, por isso, parcimónia no seu uso. Porém, confesso que a parte que mais gostei no despacho da juíza, foi naturalmente a do "bronze" e dos "penteados" perseguidos avidamente por "indivíduos viciosos". É, sem dúvida, uma imagem perigosamente "apelativa".

O IMPOSSÍVEL

Em alguns blogues muito respeitáveis, tipo Causa Nossa e Abrupto, questiona-se o Comandante Supremo da Forças Armadas, vulgo Presidente da República, acerca da intervenção e triste figura da Marinha Portuguesa, a mando de Portas, no caso do "barco do aborto". Julgo que eles entendem que o referido Comandante Supremo devia "fazer qualquer coisa", isto é, podia "tomar uma posição". Pelo menos são generosos. Partem do princípio que ele existe. E pedem o impossível.

O PRINCÍPIO

Em entrevista ao Diário de Notícias, Fernando Ruas, o eterno presidente da Câmara de Viseu e da associação dos "Gauleiters" portugueses, avisou o seu querido amigo e "apoiado" Santana Lopes que eles, os "autarcas", "querem derramas sobre o IRS ou o IVA". Ou seja, querem mais dinheiro do orçamento de Estado para as suas preciosas quintinhas. Precisam naturalmente de "obra" para mostrar aos seus magnânimos eleitores. O esforço de Manuela Ferreira Leite é para espatifar aos pés de criaturas como estas? Parece que sim. E isto é apenas o princípio.

30.8.04

COMO É QUE A SENHORA AGORA SE SENTE?

...para ler no Bloguítica.Os repórteres televisivos comportam-se, perante a tragédia alheia, como abutres ignorantes a chafurdar em sangue. Assenta-lhes melhor a cobertura das festividades bárbaras de Barrancos, com entrevistas aos néscios locais, ou das florzinhas de plástico de Campo Maior que tanto inspiraram o Dr. Jorge Sampaio para mais uma sonolenta tirada sobre a justiça.

29.8.04

JORNAL DO GATO




No tempo em que a "literatura portuguesa" era viva, houve polémicas, grupos, ódios e amizades que celebravam o gozo de escrever e de publicar. A censura ajudava a selar algumas solidariedades. A semi-clandestinidade desse mundo aguçava o engenho e dividia os interesses. Dentro do grupo dito surrealista, a propósito de tudo e de nada, mas sobretudo por causa do "espólio" António Maria Lisboa, prematuramente desaparecido aos vinte e poucos anos, e da sua respectiva publicitação, particularmente por Cesariny, este e Luiz Pacheco trocaram epistolografia vária e zangaram-se. Pacheco vagueava intermitentemente pelas pensões e pelas prisões, por reiterados "atentados ao pudor", e, nos intervalos, era editor. Cesariny saía do país e voltava. A Assírio&Alvim publicou agora uma reedição do Jornal do Gato, de Cesariny. Tem por epígrafe um esclarecimento: contribuição ao saneamento do livro pacheco versus cesariny edição pirata da editorial estampa colecção direcções velhíssimas. Cesariny refere-se ao tomo de Luiz Pacheco, Pacheco versus Cesariny, folhetim de feição epistolográfica, publicado pela Editorial Estampa, colecção Novas Direcções, em 1974. Aliás, não faz grande sentido ler o primeiro sem ter por perto o segundo. O excerto de uma carta de Pacheco "a Pepe Blanco, à Estampa, Palácio do Limoeiro, Dezembro, 59" e um outro de Cesariny a Pacheco, de 66, parecem "surrealistas" aos olhos do nosso bem atestado convencionalismo epocal. Graças a um Deus que não é deles, estão ambos vivos e continuam e recomendar-se contra o convencionalismo literato que inunda as prateleiras da "literatura" em português.


Da carta de Pacheco a Pepe Blanco:

(...) Tenho notado, também que a missa (dia de Natal houve missa solene, com um coro de angelicais assassinos) não tem aqui muitos adeptos entre a rapaziada [referindo-se aos detidos no Limoeiro]. Esses gajos católicos para a missa! berravam eles. Mas um respondeu: Que se foda Deus! Vim aqui encontrar o Toninho, o mano do Zanaga, o famoso criador do negócio das listas telefónicas recolhidas de táxi. Está inteiramente familiarizado com o ambiente e já me prestou bons serviços. A vida dele é um eterno vai-vem entre o Lá Fora e o Estar Aqui Dentro. É uma cara familiar aos guardas e aos espelhos. É um tipo fixe. Contou-me ele cenas horrorosas de concupiscência e a palavra encena já a pequena sílaba que faz supor aquilo mesmo a que me quero referir. Eu ainda vira muito pouco (mas algo já me farejava de tais actividades secretas), mas ele jura e tresjura que os rabos (rabos virgens, pouco mais ou menos) são muito baratos, por exemplo: um rabo de 12 anos, loiro! 1 cigarro; um rabo de 15 a 18, "teddy-boy" do Bolero Bar, 2 tostões; e assim por diante; V. leia esta tabela ao Cesariny, para o enraivecer e mostrar-lhe que o lugar dele é aqui. Com os 5 escudos que ele costuma pagar na área da fragatas, são capazes de lhe ir encomendar um rabo lá fora, um rabo de chinês (que são os mais remexidos) ou até mesmo um rabo de polícia (que são os mais apertados). Com 5 escudos tem direito a fotografia, águas quentes ou frias, e sobremesa.(...)

Da carta de Cesariny a Pacheco:

(...)A tua verdade histórica é a merda. Diferente da minha neste ponto: é possível que a minha vida tenha dado cabo de mim, ou eu cabo de mim nela; o amor que tenho à vida fez-me sempre evitar dar cabo da vida dos outros. Não "enterrei" ninguém sempre até á última quis a vida dos outros. Tu incluído. A tua pressa em dar cabo dos outros, diz-me que vida é. E que espécie de cabo. (...) "O senhor não é palhaço, o senhor é escritor". estas linhas do Lisboa, cantei-tas várias vezes, em vários tons. Soube isso no teu texto dos Doutores, Salvação e Menino, que continua a ser para mim o texto lúcido que, em literatura, a época forneceu. Soube-o de novo, com imensa alegria, na publicação do Teodolito. Diante de um texto tal hão-de curvar-se, sem querer, todos os merdas do literário lisboeta. E, o que é mais: pela primeira vez encontrava a tua humanidade, a tua forma natural de sorrir - tens o sorriso mais bondoso, espanta-te, de quantos vi a tentar abrir lábios: sai quase sempre careta, lá diz o Lautréamont - diante das calamidades. Melhor, eras o homem que se confessava isso, homem, e em que mundo assim, de que maneira! Nada a ver com os teus papelinhos acusatórios, de boa ou má esguelha, para a vida ou para a morte dos outros. Creio que não piorei o texto publicando-o com as "emendas", ou "chaves" que tu próprio aceitaste. Acho mesmo que ficou melhor, o que decerto te ofende. Outros textos tens parido de igual, ou maior altura? Este o Luiz Pacheco que conheço, o único que de facto existe e posso amar, mesmo conservando na gaveta, como conservo, e não esquecendo, não são para esquecer, feridas abertas. Em corpo frágil.

CASUS BELLI

Certamente para provar que é o "elemento masculino" da coligação, segundo o arquitecto Saraiva, Paulo Portas, qual general empertigado no seu fatinho às riscas, mandou atestar baterias contra o "barco do aborto". Inventou que a presença da referida embarcação em águas nacionais equivalia a epidemia, um verdadeiro atentado à "saúde pública". Não autorizou que o barco frequentasse nenhum porto da nossa imaculada costa. E, pelo sim, pelo não, pôs a marinha em alerta, talvez mesmo algum submarino, a sua arma preferida. Chegou inclusivé a pensar no rastreio sanitário das pobres candidatas a uma visita ao barco. Esta vigorosa manifestação de eugenia "macha" acabou por surpreender os próprios partidos da coligação, apesar do "master's voice" Pires de Lima ter vindo de imediato aplaudir tão nobre atitude. Portas apareceu por interposto secretário de Estado do Mar, um titubeante neófito popular que proferiu umas vulgaridades jurídicas adequadas à situação e à sua cabeça. Através deste exercício palonço, o governo apenas conseguiu chamar a atenção para uma coisa que podia perfeitamente ter passado quase despercebida, transformando um episódio meramente colorido num patético casus belli.

28.8.04

AGENDA POLÍTICO-DESPORTIVA

1. O ex-atleta Sampaio foi barrado por um segurança de um príncipe saudita à entrada de uma piscina no Algarve. Este ignorante e anónimo segurança, apesar de não saber quem era Sampaio, acabou por reconhecer, de uma forma absolutamente inesperada, a verdadeira importância do putativo banhista. O banho das filhas do dito príncipe pesou mais que o Chefe de Estado português em calções.
2. Soube ontem pela voz de um amigo do Dr. Santana Lopes, que por acaso é do governo, que estão cinco ministros (cinco!) a acompanhar as movimentações do "barco do aborto". O próprio "primeiro" também, esclareceu o amigo, "coordenando". Em sociedades menos primitivas, o ridículo supostamente mata. Entre nós, é uma agenda política.
3. A dois dias do final dos Jogos Olímpicos, a prestação nacional retratou com fidelidade aquilo que representava. Um país do "quase quase", do "deixa que eu chuto" e do "deixa-estar-como-está-para-ver-como-é-que-fica", da frase de Ruben A. As modestas conquistas de dois ou três segundos e terceiros lugares são exibidas como uma batalha de Aljubarrota pela idiotice patrioteira. No entanto, não se desespere, sobretudo do futebol. E siga-se o conselho do Almada Negreiros. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades.

27.8.04

O ÚLTIMO DOS SANTANISTAS

Na mesma Visão onde Santana Lopes explicava as agruras de ter que governar 24 horas por dia ou os prazeres de um recanto bucólico nos jardins de S. Bento, "o preferido de Salazar", João Soares pedia que o comparassem a Santana através da sua "obra" em Lisboa. Ainda ninguém explicou ao Dr. Soares que esta obsessão pelo "Dr. Lopes" não o vai levar a lado nenhum. Por duas modestissimas razões. A primeira e desde logo a mais óbvia, consiste na própria natureza do cargo a que João Soares concorre. A circunstância de ter sido um razoável ou mesmo bom presidente de câmara não faz automaticamente dele um notável secretário-geral socialista e, muito menos, um bom primeiro-ministro. A segunda tem a ver com ele mesmo, João Soares. E aí ele tem alguma razão quande se compara a Santana Lopes, embora perca com o exercício. Ambos são voluntaristas, inconstantes, um pouco arrivistas e dados à bravata popularucha. Acontece que as pessoas preferem sempre o original a uma cópia requentada. E quando o original já lá está, então preferem-no a dobrar. Por tudo isto, é remota a possibilidade de os militantes, e muito menos a pátria, se entregarem nas mãos de João Soares, o último dos santanistas.

26.8.04

O FUTURO II

Há uns posts atrás, chamei a atenção para um texto de Maria de Fátima Bonifácio acerca da educação. Para além da óbvia qualidade da prosa, fi-lo por entender que é por lá que passa muita da nossa endémica miséria, a passada, a presente e a futura. Numa carta editada hoje no Público, a Eduarda Dionísio "responde" e comenta o escrito de Fátima Bonifácio. Não estou de acordo com tudo, embora goste do "tom" e de algumas observações. Nele há uma referência à "educação" dos nossos candidatos a jornalistas em que convém meditar. As vénias da praxe, pois, para o jornal e para a autora.



Li há uns dias um artigo da Fátima Bonifácio - que julgo que ainda era aluna, quando eu já era professora - que faz um diagnóstico do "estado dos alunos" que poderia a traços largos subscrever. Como ela, penso que a questão do dinheiro não é a principal, se não falarmos em que é utilizado e como... ("Mais dinheiro para a Educação?", 15/08/04). Mas sobre a evolução desse "estado" - que não é assim tão recente... - as causas apontadas e a sugestão dos "remédios" é que me parecem ser mais perigosas do que à primeira vista parecem e são aqueles que não levarão nunca a qualquer melhoria, nem transformação.
Quatro notas:
1. O habitual método de comparar o que já foi (ou se imagina que já foi) e o que é (ou se julga que é - sempre a partir da própria experiência noutra situação) não costuma levar muito longe. Mesmo quando se enunciam as diferenças óbvias entre os tempos, não se leva em conta nem as diferenças entre as populações escolares de então e de agora (e eu-dinossauro ainda admito que existem classes sociais...), nem o diferente papel que o sistema político atribui às escolas na sociedade actual (e eu-dinossauro ainda acredito que há ideologia e que a escola, agora de outro modo, é um "veículo de manutenção e reprodução social da ideologia dominante"...)
2. O "jogo" e o hipotético "prazer" na escola como causa da ignorância e do não-pensar , em oposição ao "esforço" e ao "sacrifício" necessário ao "saber" (qual saber? que saber? para fazer o quê com esse saber?) e ao "pensamento" tem barbas. O que talvez não tenha barbas é o "sacrifício do esforço do jogo obrigatório". Longa história, mais "moderna"... Sobre estas aparentes e falsas oposições remeto para um texto de Mário Dionísio (de há meio século...) chamado "Enfado ou prazer: problema central do ensino" (que o Rui Canário, prof. de Ciências da Educação, retomou há bem pouco tempo), onde evidentemente o autor não defende o "enfado" e onde o "esforço" não se opõe obviamente a "prazer"...
3. Tem-me sido difícil imaginar, ao longo de décadas de professora do ensino secundário oficial (ainda por cima no "centro" da capital...), a maioria dos meus alunos como "centro" da vida dos pais que terão deixado de ter vida própria (em tantos casos, alguma vez a tiveram ou virão a tê-la?) para "contentar" os filhos, etc..., nem qualquer "respeito" pela sua "personalidade", nem "antigamente" nem agora. A acontecer, seria um fenómeno digno de nota na nossa sociedade... As questões são provavelmente outras e bem mais graves: os novos modos de "ascensão social", de "sucesso" e de "selecção", o império do mercado, etc., etc., etc...
4. A lembrar ainda: as alterações relativamente recentes nas escolas e no sistema escolar que têm feito diminuir as "excepções" (sempre excepções) daqueles poucos (professores e alunos) que, das mais diferentes maneiras, foram lutando contra ventos e marés, em épocas muito diversas, dentro das próprias escolas. Se se observa que os alunos estão nas escolas "para passar" e que estudam "para a nota", também se deve observar que poucos professores há que não dêem aulas para "terem bons resultados"... Ou seja: para os alunos "passarem" e terem a décima necessária para entrarem na universidade... e eles serem considerados por isso "bons professores". O trabalho burocrático (em nome da "pedagogia") dos professores aumentou, o medo das leis e dos "inspectores" também (há quem os "avalie"..., a população escolar diminui, etc...), a "desobediência civil" (que sem este nome foi fruto de coisas muito interessantes noutras altura) é-lhes inimaginável, e os "CV" (reais ou fabricados, listas de "acções" frequentadas, etc. e tal) passaram a existir para isto ou para aquilo...
Julgo-me no direito de escrever estas linhas (inúteis e porventura enfadonhas), uma vez que:
1. Dou aulas de Português desde 1969. Sem destacamentos nem equiparações. Únicas interrupções no trabalho lectivo: um ano sabático (suponho que as centenas de páginas de um trabalho de comparação dos programas de Português desde a I República até aos anos 90 em todos os graus de ensino e um pouco com os programas actuais de língua materna em França e em Inglaterra deve ter ido para o lixo...); de há três anos para cá, em resultado de uma doença (mas continuo "ao serviço"). Ou seja: tenho quatro anos de experiência de escolas "marcelistas", de uns anitos de PREC e de duas décadas de "actualidade", que começou nos anos 80.
2. Fui co-autora de muitas antologias de textos de Português (para vários graus) que introduziram nas aulas autores que até então não eram "escolares" (e alguns ficaram). Fui co-autora de programas de Francês para o ensino complementar (antes do 25 de Abril e tenho a alegria de ver que o "Silence de la Mer" do Vercors ainda se passeia pelos programas...). Fui co-autora dos primeiros programas de "Iniciação ao Jornalismo" (disciplina que já foi extinta) e de livros de textos (antes de haver "manuais"). Fui "assistente pedagógica" (orientadora de estágios...) e desisti quase logo a seguir ao 25 de Abril, porque achei que havia coisas mais interessantes para fazer.
3. Deixei de dar Francês quando o Inglês passou a ser "a" língua e os queijos, os perfumes, os vinhos e os cantores da moda ficaram no centro da matéria. Deixei de dar "Iniciação ao Jornalismo", quando a disciplina mudou de rumo e passou a ser ministrada por jornalistas (que se orientavam por "manuais"). Passei há uns anos para o ensino nocturno (e fui parar depois ao recorrente por unidades "capitalizáveis"!), quando alunos "do dia" me começaram a sugerir que "ditasse apontamentos"... e outros que não sabiam ainda escrever "normalmente" (quase no fim do curso secundário) tinham 19 valores em Jornalismo... Deixei o ensino nocturno, porque foi extinto - por desnecessário - na minha escola. Recusei-me sempre a ensinar 12º ano, porque seria "com enfado" que daria aquele programa, porque nunca "prepararia bem os alunos para exame" e porque com outros professores eles teriam mais hipóteses de entrarem na universidade (o que no meu tempo se fazia com um simples 10 e com "classe social" adequada, claro...) 4. Daqui a dias terei os 36 anos de serviço na "carreira", mas não me poderei reformar, porque não tenho ainda 60 anos... Espero que não passe entretanto para 65 anos a idade mínima da reforma como medida de saneamento da economia nacional... Talvez volte ainda a dar aulas, recomeçando a "estudar" programas, que as doenças que impedem de dar aulas só são válidas por dois anos...

Eduarda Dionísio, professora do ensino secundário

VALE A PENA?

1. Lentamente talvez o Dr. Félix comece a entender o género de pessoas com quem está metido. Refiro-me a colegas seus de governo que, nada satisfeitos com as viaturas "topo de gama" que têm ao seu dispôr a expensas do OE, entendem que o Estado deve adquirir mais 50 para os gabinetes deles. Segundo percebi, o homem do Tesouro está a resistir a esta alarvidade como pode. Veremos entretanto se se aguenta até ao fim. Cada governo tem a retoma que merece. Este fica-se pela retoma de automóveis. Sempre diz bem com o seu estilo parvenu.
2. Outra "tirada" do governo apareceu pela voz do ministro adjunto de Santana Lopes, o brilhante Henrique Chaves. A propósito de uma deslocação a Braga para reunir com os "seus" secretários de Estado, ali exilados, disse que "não sentia nenhuma diferença entre reunir com eles em Lisboa ou em Braga". Ele e isto foram "notícia", palavra de honra. Terá sido a estreia da "central de informação"?
3. Finalmente o próprio primeiro-ministro também foi notícia. Ausentou-se três dias para as Ilhas Baleares, de férias. E antes deu uma entrevista à Visão. Diz que ficou a viver em São Bento para "ter mais tempo para trabalhar". Palavra de honra.
4. Volto a perguntar-lhe, preclaro leitor: a sério, ainda acredita que vale a pena?

25.8.04

É TÃO FÁCIL

Depois de Amaral Lopes ter descoberto a "apetência cultural" de Évora, há mais um secretário de Estado "deslocalizado" em êxtase. José Cesário, da administração local, em peça do Jornal de Notícias, explica uma coisa maravilhosa, para ele, e inquietante, para nós. Cesário afirma que "é tão fácil despachar em Coimbra como em Lisboa". Ele lá saberá porquê. Sediado em Coimbra, Cesário está a meio-caminho de todo o lado. Fica facilitado o "despacho" com esse precioso submundo autárquico que discretamente começa a exigir troco. Fernando Ruas, por exemplo, apoiante de primeira hora de Santana Lopes e "patrão" destas criaturas, está logo ali a um passo, em Viseu. E já "avisou" que não tolera apertos orçamentais como os que aguentou a Ferreira Leite. Convém, pois, a Bagão Félix acompanhar com atenção esta alegria "despachadeira" de José Cesário. Com gente desta, estou certo que Bagão já percebeu o que pode esperar da "sua" despesa em 2005, com eleições autárquicas em Outubro. É tão fácil...

24.8.04

PARA LER

Através do Mar Salgado, uma vez mais, cheguei a esta admirável entrevista de Jacques Derrida. Entre outras coisas, isto:

Et la responsabilité aujourd'hui est urgente : elle appelle une guerre inflexible à la doxa, à ceux qu'on appelle désormais les "intellectuels médiatiques", à ce discours général formaté par les pouvoirs médiatiques, eux-mêmes entre les mains de lobbies politico-économiques, souvent éditoriaux et académiques aussi. Toujours européens et mondiaux, bien sûr. Résistance ne signifie pas qu'on doive éviter les médias. Il faut, quand c'est possible, les développer et les aider à se diversifier, les rappeler à cette même responsabilité. Ou isto:
Si j'étais législateur, je proposerais tout simplement la disparition du mot et du concept de "mariage" dans un code civil et laïque. Le "mariage", valeur religieuse, sacrale, hétérosexuelle - avec vœu de procréation, de fidélité éternelle, etc. -, c'est une concession de l'Etat laïque à l'Eglise chrétienne - en particulier dans son monogamisme qui n'est ni juif (il ne fut imposé aux juifs par les Européens qu'au siècle dernier et ne constituait pas une obligation il y a quelques générations au Maghreb juif) ni, cela on le sait bien, musulman. En supprimant le mot et le concept de "mariage", cette équivoque ou cette hypocrisie religieuse et sacrale, qui n'a aucune place dans une constitution laïque, on les remplacerait par une "union civile" contractuelle, une sorte de pacs généralisé, amélioré, raffiné, souple et ajusté entre des partenaires de sexe ou de nombre non imposé. Quant à ceux qui veulent, au sens strict, se lier par le "mariage" - pour lequel mon respect est d'ailleurs intact -, ils pourraient le faire devant l'autorité religieuse de leur choix - il en est d'ailleurs ainsi dans d'autres pays qui acceptent de consacrer religieusement des mariages entre homosexuels. Certains pourraient s'unir selon un mode ou l'autre, certains sur les deux modes, d'autres ne s'unir ni selon la loi laïque ni selon la loi religieuse.

A COR DO GATO

A China comemorou os cem anos do nascimento de Deng Xiao Ping. Este matreiro discípulo do "Grande Timoneiro", seguia uma máxima bastante singela e assaz produtiva: não importa que o gato seja branco ou preto, desde que apanhe o rato. Os militantes do PS, na hora de escolher o seu líder, deviam meditar nisto. Há candidatos exclusivamente preocupados com a cor do gato, esquecendo-se do que realmente interessa, apanhar o rato. Aprende-se muito com estes velhinhos chineses.

23.8.04

O NAVIO FANTASMA

Vem aí um barco onde se realizam interrupções voluntárias de gravidez, vulgo abortos. Detesto pronunciar-me sobre uma questão que me é relativamente estranha. Não fui abençoado com a graça da paternidade e não me comovo com barriguinhas empinadas, especialmente quando se repetem. Irritam-me "famílias numerosas" e miúdos histéricos que me privam do direito a apreciar, descansado, uma refeição num local público. É que em matéria de "direito à vida", os anti-criancistas como eu também o têm. Dito isto, importa esclarecer que eu não sou "abortista". Estava a estudar direito, numa catolicissima instituição, quando a lei penal foi alterada no princípio dos anos 80. Modestamente, e para horror do Padre João Seabra que me imaginava já de "avental", defendi a alteração que permitiu a interrupção da gravidez nos três casos de exclusão de ilicitude então consagrados. O Paulo Portas também. Daí para cá, o Estado não mexeu uma palha para criar condições nos serviços de saúde públicos para o cumprimento da lei. Em 98, no referendo, achei que em torno do "sim" havia demasiada arrogância e alguma demagogia puramente "politiqueira" e folclórica. Votei "não". Se houvesse agora novo referendo, é provável que votasse "sim" e condeno, sem hesitações, os julgamentos hipócritas de mulheres que recorreram ao aborto. Isto não impede que abomine todas estas horrorosas "organizações", tipo "não te prives" (é de fugir, com um nome destes) e outras que tais que, ao contrário do que imaginam, cada vez que abrem a boca, dão um voto a perder para a causa. Parece que é a convite destas mini-seitas que o tal navio - "women in waves", que bonito! - aí vem. Ignoro se irão alugar lanchas para transportar as candidatas ao original "barco do aborto", ou se haverá sequer candidatas. Entretanto, e a passar-se qualquer coisa, só em "alto mar" e bem londe das águas territoriais lusas, por causa dos costumes e das leis. É evidente que esta manifestação exclusivamente voluntarista e florida, não vai aquecer nem arrefecer o problema fundamental que persistirá "em terra". Nesse sentido, e por muito que as generosas "organizações" se espremam, a embarcação-hospital não passará de mais um navio fantasma a passar ao largo do Tejo.

22.8.04

SALAZARISMO DEMOCRÁTICO

Num país "consensual" e morno como o nosso, o Expresso é o melhor retrato dessa aurea mediocritas, zelando permanentemente pela moderação dos instintos e pelos bons costumes democráticos. Basta reparar na coluna "altos e baixos" e entende-se o exercício. Para ninguém sair melindrado, há sempre o cuidado de colocar um "baixo" em "alta" na semana seguinte, e vice-versa. A parafernália de colaboradores, todos naturalmente distintos, não mete medo a uma mosca. É tudo convenientemente "centrão", rebarbativo e extremamante correcto. De vez em quando Mário Soares, Duarte Lima e Carrilho, já claramente outsiders, escapam à cor cinzenta. O Sr. Espada, por todos e em nome do sagrado nome de Popper, vela pelo "equilíbrio" geral. Em suma, o Expresso é o jornal lido pela "élites" da democracia e limita-se a reflectir aquilo que essas "élites" são. Este velho cacilheiro do jornalismo português é dirigido pelo arquitecto Saraiva, uma figura patusca que, em tempos, achou que era historiador e que agora se revela sibila. Esta semana defende uma "tese" muito interessante. Segundo ele, os "comentadores" e os "analistas" (ele não se mistura, pois claro) passam a vida a "triturar" as benditas élites, do governo às mais pequenas direcções gerais ou às lideranças dos partidos, levando-as incompreensivelmente à demissão, como vulgares marionetas. Na "visão" de Saraiva, estes "eleitos" devem conduzir a sua missão até ao fim, sem vacilar, aguentando tudo a bem da "estabilidade". O exemplo escolhido para atestar esta "boa prática" não podia ter sido melhor: Sampaio versus Souto Moura. Julgo que pouca gente levará a sério o arquitecto Saraiva, à excepção dos dois últimos citados. Esta sua tese peregrina do "respeitinho", do "juizinho" e do "bom caminho", levada ao absurdo, nunca teria permitido a Sá Carneiro fazer o que fez no partido e no país, a Mário Soares romper com Eanes e com metade do PS, a Eanes romper com ele mesmo, a Cavaco e a Marcelo mandarem o partido às urtigas, a Sampaio avançar para a CML e depois para Belém, a Guterres dar lugar a Barroso, a Pacheco Pereira renunciar à UNESCO etc, etc. Ou seja, nunca teria havido lugar a rupturas e a clarificadoras "separações de águas", afinal aquilo que é a essência da democracia. Saraiva e o seu timorato Expresso estão bem longe dos gloriosos "idos de 70". Hoje limitam-se a ser a imagem mais fiel dos seus pusilânimes leitores e do regime salazarista democrático em que vegetamos.

21.8.04

POR CAUSA DAS MANIAS

Mostraram-me uma cópia do Diário da República na qual constam algumas nomeações para o gabinete de Teresa Caeiro, a secretária de Estado das Artes e Espectáculos. Devem ser todos "azuis e amarelos" (como não são muitos, têm de "entrar" todos) e um deles, que o é dedicadamente, garante à secretaria de Estado, pelo menos, um blogue. Tudo o que seja "comunicar", para este governo, vale não vale?. Por outro lado, o "concorrente" de Teggi, o repetente Amaral Lopes, numa visita a Esposende - li no Público -, mostrou-se gratificado pela Cultura estar entregue a três cabeças, um extraordinário "sinal" de "valorização". Quando lhe derem o dinheiro, ele logo vai ver o que é que vale a "valorização". Pelo caminho, não deixou de dizer que ainda não está seguro do que o espera, ao certo, nos Bens Culturais, apesar da "apetência cultural" de Évora. O que é que ele quer dizer com isto? Será que Évora está "ávida" de uma secretaria de Estado de Bens Culturais? Será, pelo contrário, Amaral Lopes quem suspira por ir trabalhar para Évora? Não percebi, confesso. Devo ser "provinciano" (sic), o nome delicadamente dado por Lopes aos anti-patriotas que não aclamam as "deslocalizações". Uma certeza ele tem, porém: haverá sectores em que as "competências" dele e de Teresa Caeiro vão "coincidir". Espera-se, como é uso, o pior. Modestamente, sugiro ao novo trio da Ajuda a leitura do texto de Mario Vargas Llosa que se segue, retirado do El País, e cuja tradução apareceu no DNA desta semana (fraca tradução, por sinal). Por causa das "manias".

Razones contra la excepci cultural
por Mario Vargas Llosa

Dos son los argumentos principales que utilizan los defensores de la excepción
cultural, a saber:

A) Que los bienes y productos culturales son distintos a los otros bienes y productos industriales y comerciales y que por lo mismo no pueden ser librados, como estos últimos, a las fuerzas del mercado -a la ley de la oferta y la demanda-, porque, si lo son, los productos bastardos, inauténticos, chabacanos y vulgares terminan desplazando en la opinión pública (es decir, entre los consumidores) a los más valiosos y originales, a las auténticas creaciones artísticas. El resultado sería el empobrecimiento y degradación de los valores estéticos en la colectividad. Dependiendo sólo del mercado, géneros como la poesía, el teatro, la danza, etc., podrían desaparecer. Por tanto, los productos culturales requieren ser exceptuados del craso comercialismo del mercado y sometidos a un régimen especial.

B) Los productos culturales deben ser objeto de un cuidado especial por parte del Estado porque de ellos depende, de manera primordial, la identidad de un pueblo, es decir, su alma, su espíritu, aquello que lo singulariza entre los otros y constituye el denominador común entre sus ciudadanos: sus patrones estéticos, su identificación con una tradición y una manera de ser, sentir, creer, soñar, en suma el aglutinante moral, intelectual y espiritual de la sociedad. Librada al mercantilismo codicioso y amoral esta identidad cultural de la nación se vería fatalmente mancillada, deteriorada, por la invasión de productos culturales foráneos -seudoculturales, más bien-, impuestos a través de la publicidad y con toda la prepotencia de lastransnacionales, que, a la corta o a la larga, perpetrarían una verdadera colonización del país, destruyendo su identidad y reemplazándola por la del colonizador. Si un país quiere conservar su alma, y no convertirse en un zombie, debe defender su identidad preservando sus productos culturales de la competencia y de la aniquiladora globalización. No pongo en duda las buenas intenciones de los políticos que, con variantes más de forma que de fondo, esgrimen estos argumentos en favor de la excepción cultural, pero afirmo que, si los aceptamos y llevamos a su conclusión natural la lógica implícita en ellos, estamos afirmando que la cultura y la libertad son incompatibles y que la única manera de garantizar a un país una vida cultural rica, auténtica y de la que todos los ciudadanos participen, es resucitando el despotismo ilustrado y practicando la más letal de las doctrinas para la libertad de un pueblo: el nacionalismo cultural. Adviértase lo profundamente antidemocrático que es el primero de estos argumentos. Si se respeta la libertad del hombre y la mujer comunes y corrientes la cultura está perdida, porque, a la hora de elegir entre los bienes culturales, aquéllos eligen siempre la bazofia: leer El código da Vinci, de Don Brown, en vez Cervantes, e ir a ver SpiderMan en vez de La mala educación. Así, pues, como el público en general es tan poco sutil y riguroso a la hora de elegir los libros, las películas, los espectáculos, y sus gustos en materia de estética son execrables, es preciso orientarlo en la buena dirección, imponiéndole, de una manera discreta y que no parezca abusiva, la buena elección. ¿Cómo? Penalizando a los malos productos artísticos con impuestos y aranceles que los encarezcan, por ejemplo, o fijando cupos, subsidios y rentas que privilegien a las genuinas creaciones y releguen a las mediocres o nulas. ¿Y quiénes serán los encargados de llevar a cabo ese delicadísimo discrimen entre el arte integérrimo y la basura? ¿Los burócratas? ¿Los parlamentos? ¿Comisiones de artistas eximios designadas por los ministerios? El despotismo ilustrado versión siglo veintiuno, pues. El otro argumento conlleva consecuencias igualmente nefastas. La sola idea de identidad cultural de un país, de una nación, además de ser una ficción confusa, conduce inevitablemente a justificar la censura, el dirigismo cultural y la subordinación de la vida intelectual y artística a una doctrina política: el nacionalismo. La cultura de un país como Francia o como España no puede resumirse en un canon o tabla de valores y de ideas de las que todas las obras artísticas e intelectuales producidas en su seno serían expresión y sustento coherente. Por el contrario, la riqueza cultural de esos dos países está en su diversidad contradictoria, en la existencia, en ellos, de tradiciones, corrientes y creadores y pensadores reñidos entre sí, que representan visiones del mundo y del arte que se repelen la una a la otra, y en el universalismo que esas obras alcanzaron en sus momentos más altos gracias a que fueron concebidas sin el corsé de un horizonte localista o nacional y -como ocurre con el Quijote, con Baudelaire, con el Tirant lo Blanch, con Proust, con el Greco y Goya y Velázquez y La Tour, Toulouse Lautrec, Matisse, Gauguin, y tantos otros- fueron por ello mismo entronizadas como representaciones estéticas donde podían reconocerse los seres humanos de cualquier tiempo o cultura. Esas obras no hubieran sido posibles dentro de las fronteras nacionales que presupone la noción aberrante de una identidad cultural colectiva. Ni siquiera la lengua puede ser considerada un campo de concentración para la vida cultural, porque, por fortuna -y, gracias a la globalización, este proceso se irá extendiendo cada vez más- casi todas las lenguas desbordan las fronteras o varias lenguas conviven dentro de una nación, y hay entre artistas una movilidad que les permite cada vez más elegir su propia tradición y su propio país espiritual, de modo que querer convertir a una lengua en una seña de identidad cultural de un pueblo es también otro artificio ideológico. Si la misma idea de nación -un concepto decimonónimo que ha perdido estabilidad y aparece cada vez más diluido a medida que las naciones se van integrando en grandes mancomunidades- resulta en nuestros días bastante relativo, la de una cultura que expresaría la esencia, la verdad anímica, metafísica, de un país, es una superchería de índole política que, en ver-dad, tiene muy poco que ver con la verdadera cultura y sí, en cambio, con aquel "espíritu de la tribu" que, según Popper, es el gran lastre para alcanzar la modernidad. Francia y España han avanzado ya demasiado en lo relativo a la cultura democrática para que sus ciudadanos, que a veces se dejan seducir por la demagogia y el chovinismo escondidos en los espejismos de la excepción cultural, acepten lo que serían las consecuencias prácticas de semejante propuesta: una vida cultural regimentada por burócratas o artistas y escritores instrumentales, en la que todo lo extranjero sería considerado un desvalor, y todo lo nacional, el valor estético supremo. De manera que, en términos prácticos, probablemente toda la alharaca que en estos dos países rodea a la política de la excepción cultural sólo desemboque en que unos cuantos artistas reciban los subsidios que piden y, con el pretexto de proteger los bienes culturales, los burócratas perpetren más derroches que los consabidos. Poca
cosa, a fin de cuentas, si toda la excepción cultural no pasa de eso, y en ambos países se respeta la libertad, el Estado no se mete a sustituir a los consumidores a la hora de elegir los productos culturales, y éstos siguen sometidos al juego de la oferta y la demanda con las mínimas interferencias posibles. Es verdad que los productos culturales son distintos a los otros. Pero lo son porque, a diferencia de una gaseosa o una nevera, en vez de desplazar en el mercado a sus
competidores, les abren la puerta, los promueven. Una obra de teatro, un libro, un pintor que tienen éxito son la mejor propaganda para el arte dramático, la literatura y la pintura y crean unas curiosidades y apetitos -unas adiccciones- que benefician a los otros artistas y escritores. El mercado no determina la calidad, sino la popularidad de un producto, y ya sabemos que ambas cosas no siempre coinciden, aunque algunas veces sí. Lo que el mercado muestra es el estado cultural de un país, lo que el hombre y la mujer del común prefieren, y lo que rechazan, en ejercicio de un derecho que ningun gobierno democrático puede objetar ni recortar. Querer acabar con el mercado para los bienes culturales porque el público no sabe elegir es confundir el efecto con la
causa, liquidar al mensajero porque trae noticias que nos disgustan. Desde luego que sería preferible que los consumidores tuvieran a veces mejor gusto a la hora de elegir un libro, un espectáculo, una película, un concierto, y que dieran en sus vidas mayor presencia a la cultura. ¿Puede un gobierno hacer algo al respecto? Muchísimo. Es la educación, no los subsidios, lo que puede crear un público más culto. Pero no sólo los maestros enseñan a leer, a oír buena música, a discriminar entre lo que es arte y lo que es caricatura. También las familias, los medios de comunicación, el entorno social en que cada ciudadano se forma. Y, qué duda cabe, la preservación del patrimonio es una responsabilidad central del Estado. Pero, incluso en este campo, es indispensable que los gobiernos involucren a la sociedad civil, mediante políticas tributarias que estimulen el mecenazgo y la acción cultural. El mayor número, no sólo los funcionarios, debe decidir dónde canalizar los recursos públicos y privados para promover la cultura. Pero la obligación primordial de un gobierno en este ámbito es crear unas condiciones que estimulen el desarrollo y la creatividad cultural y la primera de ellas es la libertad, en el más ancho sentido de la palabra. No sólo la libertad de opinar y crear sin interferencias ni censuras, sino también abrir las puertas y ventanas para que todos los productos culturales del mundo circulen libremente, porque la cultura de verdad no es nunca nacional sino universal, y las culturas, para serlo, necesitan estar continuamente en cotejo, pugna y mestizaje con las otras culturas del mundo. Ésa es la única manera de que se renueven sin cesar. La idea de "proteger" a la cultura es ya peligrosa. Las culturas se defienden solas, no necesitan para eso a los funcionarios, por más que éstos sean cultos y bienintencionados.


20.8.04

MENOS QUE ZERO

Enquanto o país se emporcalha alegremente com os seus jogos institucionais de "matraquilhos", o barril de petróleo está a dois pontos de atingir os 50 dólares. A "retoma" dissolve-se suavemente no "ouro negro", tal como as ardilosas cassetes ardem numa conveniente fogueira. E todos nós, graças a Deus, também. Pode ser que saia alguma coisa boa desta subida ao "grau zero". Tem pelo menos a vantagem de se poder passar do "menos que zero", algo em que somos definitivamente especialistas.

19.8.04

DER FREIER ALS ICH, DER GOTT

Leb' wohl, du kühnes, herrliches Kind!
Du meines Herzens heiligster Stolz!
Leb' wohl! Leb' wohl! Leb' wohl!
Muß ich dich meiden,
und darf nicht minnig
mein Gruß dich mehr grüßen;
sollst du nun nicht mehr neben mir reiten,
noch Met beim Mahl mir reichen;
muß ich verlieren dich, die ich liebe,
du lachende Lust meines Auges:
ein bräutliches Feuer soll dir nun brennen,
wie nie einer Braut es gebrannt!
Flammende Glut umglühe den Fels;
mit zehrenden Schrecken
scheuch' es den Zagen;
der Feige fliehe Brünnhildes Fels! -
Denn einer nur freie die Braut,
der freier als ich, der Gott!

Der Augen leuchtendes Paar,
das oft ich lächelnd gekost,
wenn Kampfeslust ein Kuß dir lohnte,
wenn kindisch lallend der Helden Lob
von holden Lippen dir floß:
dieser Augen strahlendes Paar,
das oft im Sturm mir geglänzt,
wenn Hoffnungssehnen das Herz mir sengte,
nach Weltenwonne mein Wunsch verlangte
aus wild webendem Bangen:
zum letztenmal
letz' es mich heut'
mit des Lebewohles letztem Kuß!
Dem glücklichen Manne
glänze sein Stern:
dem unseligen Ew'gen
muß es scheidend sich schließen.
Denn so kehrt der Gott sich dir ab,
so küßt er die Gottheit von dir!


(Richard Wagner, Die Walküre, III Acto. Wotan despede-se da filha predilecta, a guerreira Brünnhilde, antes de a cercar por uma linha de fogo onde ela esperará, mergulhada num sono profundo, que alguém "mais livre do que o deus", Wotan, a liberte.)


A PRÓXIMA RODADA

A participação portuguesa nos Jogos Olímpicos, talvez inspirada pelo exemplo superior do "atleta" Sampaio, tem sido desastrosa. Se bem percebi, tirando um Paulinho em bicicleta, em todas as outras modalidades onde estão, os portugueses soçobram quase invariavelmente. As causas são múltiplas. Pouco tempo de preparação, excesso de confiança, amadorismo técnico ou puro azar, o certo é que estes nossos rapazes se limitam a reproduzir lá fora a nossa indelével miséria. Como é que se pode exigir um milagre a um homem de 27 anos, por exemplo, com família constituída, que é bancário e que se levanta às 6 da manhã para ir "treinar", que às 9 entra "ao serviço" e que às 6 da tarde, antes de ir para casa, ainda vai "treinar" mais um pouco ? O "mercado" fica mais satisfeito e a "economia" nacional prospera com isto ? Entre nós, em quase tudo, os sonhos continuam a morrer às mãos de outros sonhos, como escreveu Eugénio de Andrade. Só nas cabeças ocas de "políticos", "comentadores" e "empresários" de "trazer por casa" é que se alimentam "sucessos" virtuais e se antecipam venturas que nunca chegam. O resto sobrevive na frustração e na impotência, sempre à espera da próxima rodada.

SIMPLESMENTE....SAMPAIO & MOURA

...no Almocreve das Petas.

18.8.04

COR-DE-ROSA

Especialmente para lhe "cuidar da imagem", Santana Lopes contratou a "sua Sara Pina", uma tal Marta, arrancada às "relações públicas" da revista Lux. Esta moça junta-se a outras duas pequenas e, todas juntas, formam o "gabinete de comunicação" do primeiro-ministro. Lopes não resistiu e cedeu ao submundo de não-pessoas que ele adora frequentar. São sempre os mesmos e estão normalmente todos em revistas como a Lux, que se lêem intermitentemente em salas de espera. Não precisava deste "filtro", nem que fosse por uma questão de decoro da "função". Para além disso, Santana Lopes é inegavelmente "a" melhor imagem dele e do governo que comanda. Para a "divulgar", dispensava bem esta fútil despesa. Bastava-lhe ser ele próprio, o sempre "correcto", o sempre "elegante", o da vida eternamente "cor-de-rosa".

BOHEMIAN RAPSODY

Is this the real life?
Is this just fantasy?
Caught in a landslide
No escape from reality
Open your eyes
Look up to the skies and see
I'm just a poor boy, I need no sympathy
Because I'm easy come, easy go
A little high, little low
Anyway the wind blows,
doesn't really matter to me, to me
Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead
Mama, life had just begun
But now I've gone and thrown it all away
Mama, ooo
Didn't mean to make you cry
If I'm not back again this time tomorrow
Carry on, carry on, as if nothing really matters
Sends shivers down my spine
Body's aching all the time
Goodbye everybody - I've got to go
Gotta leave you all behind and face the truth
Mama, ooo - (anyway the wind blows)
I don't want to die
I sometimes wish I'd never been born at all
I see a little silhouetto of a man
Scaramouch, scaramouch
will you do the fandango
Thunderbolt and lightning - very very frightening me
Gallileo, Gallileo,
Gallileo, Gallileo,
Gallileo Figaro - magnifico
But I'm just a poor boy and nobody loves me
He's just a poor boy from a poor family
Spare him his life from this monstrosity
Easy come easy go - will you let me go
Bismillah! No - we will not let you go - let him go
Bismillah! We will not let you go - let him go
Bismillah! We will not let you go - let me go
Will not let you go - let me go (never)
Never let you go - let me go
Never let me go- ooo
No, no, no, no, no, no, no -
Oh mama mia, mama mia, mama mia
let me go Beelzebub has a devil put aside for me
for me
for me
So you think you can stone me and spit in my eye
So you think you can love me and leave me to die
Oh baby - can't do this to me baby
Just gotta get out - just gotta get right outta here
Ooh yeah, ooh yeah
Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters - nothing really matters to me
Anyway the wind blows...


(Queen)

DUPLA VÍTIMA

No Público de ontem vinha a breve história de Sara Pina, a assessora de imprensa da PGR que "pôs a boca no trombone". É licenciada em comunicação social por uma Escola da especialidade do Porto. Fez uma pós-graduação em "direito da comunicação" (em que mais poderia ser?) e ali defendeu uma "tese" cujo tema era "A deontologia dos jornalistas portugueses". Quem diria! Sara, agora com 34 anos, frequenta o curso de direito, certamente inspirada pelos quatro anos de convívio com as luminárias do Palácio Palmela. Alguém que a conhece bem, disse ao jornal que a rapariga é "expontânea, enérgica e muito dedicada ao trabalho". Como ela, há milhares de "saras pinas" espalhadas por este país, igualmente "expontâneas e enérgicas", flhas e filhos de uma geração permanentemente a despontar para o "sucesso". Abundam nas redacções dos jornais e das televisões, e pelam-se por um lugarzinho num "gabinete". Foram certamente estas "virtudes", aliadas à sempre premiada ambição, que devem ter impressionado quem a convidou para o papel de porta-voz institucional da Procuradoria. À conta de uma indesculpável indiscrição, foi atirada para a rua, com uma delicadeza de sacristia, pelo seu chefe máximo. A mesma escadaria que a levou à intimidade com os meandros processuais e, consequentemente, com o "poder", foi a mesma pela qual saiu apressadamente e sem glória. Não aprendeu nada lá dentro. À força de querer mostrar-se subtil e insinuante, acabou por ser vítima da sua própria insensatez e da duplicidade alheia. Uma dupla vítima, afinal.

17.8.04

AFORISMOS

1. Faz hoje um mês que Santana Lopes é primeiro-ministro. Só mudou o tempo.
2. Jorge Sampaio podia ter sido um político da República de Weimar, um democrata burguês, acomodado e irrealista que não reparou a tempo no abismo.
3. Os "comentadores" Pedro Mexia e João Miguel Silva são o Luís Delgado e o Bettencourt Resendes da blogosfera.
4. Pelo andar da carruagem, Santana Lopes ainda vai ser um "referencial de estabilidade".
5. João Soares diz que é melhor para derrotar Santana Lopes. Tal como este é o melhor para o derrotar a ele. Palavra de eleitor.

MUSEUS

Ainda não dei, nem julgo que ninguém tenha dado, pela "Teggi", a secretária de Estado dos Espectáculos que podia perfeitamente ter sido da Defesa. Pelo contrário, a Dra. Burstorff já manifestou uns tímidos sinais que está viva. "O problema da habitação", do deslocado Amaral Lopes "dos bens culturais", trá-lo completamente inerte, e apenas há informação disponível acerca do seu pequeno universo: ele, uma chefe de gabinete e três adjuntos, todos para "arrumar" num local "digno" em Évora, seja lá para o que for. Em suma, o ministério da Cultura está rigorosamente no mesmo ponto paralítico onde Roseta o colocou há dois anos, com uma ou outra nuance menor. Talvez por isso, a famosa "sociedade civil", num rasgo, se tenha lembrado de criar um site dedicado a museus que envergonha, se a vergonha lá morasse, a "obra web" do ministério. Está em www.museusportugal.org e, tanto quanto é possível, tem o fundamental acerca de um sector que, por motivos financeiros e outros, anda literalmente em coma, quase moribundo.

16.8.04

MUNDOS

Leio no Portugal Diário que o Senhor Presidente da República, depois de uma auspiciosa corridinha de 20 metros ao lado de Rosa Mota, na Grécia, mandou dizer ao país que "não saem diminuídas as condições de exercício do mandato do senhor procurador da República". Basta que investigue situações que "indiciam irregularidades graves" [as cassetes do Sr. Octávio] através de mais um dos seus inquéritos de sucesso. Eu já suspeitava que Sampaio não vivia no mesmo mundo em que eu vivo. Começo, porém, a ter a certeza que eu é que não vivo no mundo dele, um pequeno mundo de medos. Nem quero.

O "FUTURO"

Maria de Fátima Bonifácio escreve de vez em quando no Público. Ao contrário de muitos outros, é pena que não apareça com mais frequência. Na edição de domingo, estava lá este texto para os "papás" pensarem, se é que pensam, no que é que andam a "criar" lá em casa: Mais dinheiro para a educação? Termina assim:

Portugal é o país europeu com mais alunos com dificuldade em aguentar o alegado "stress" escolar. O esforço de estudar é demasiado duro; a concentração que se exige é esgotante... Quando chegam ao 12º ano, metade dos alunos chumba. A metade que consegue passar, chega à Universidade e não é capaz de ler um livro do princípio ao fim. Grande parte desiste dos cursos depois de se ter arrastado anos pelo bar, pelos corredores e pelas salas. Quase todos os que chegam ao fim saem da Universidade tão ignorantes como lá entraram. Continuam a não escrever português e sem conseguir interpretar um texto. Mas são os senhores doutores de que sairão os quadros do país e os futuros professores do liceu.

15.8.04

VALE A PENA?

1. Você pode confiar num director de uma polícia de investigação criminal e, por tabela, nessa polícia, quando ele confessa que falava "em tom coloquial" com "vários jornalistas", "comentando rumores" e "dando palpites" como uma vulgar alcoviteira?
2. Você acha que a acção penal e o "segredo de justiça" estão bem entregues a uma criatura que, de "comunicado" em "comunicado", vai alegremente cavando o poço onde se afunda a "credibilidade" das investigações por que é directamente responsável?
3. Por mais "racional" que se considere, ponha-se um segundo no lugar do "emotivo" Ferro Rodrigues e imagine que tinham "atirado a sua honra aos cães", e não propriamente a partir da casa da porteira: o que é que você faria?
4. Você pensa que o PS vai ganhar alguma coisa ao falar com o "atleta" Sampaio sobre o que quer que seja?
5. A sério, você ainda julga que vale a pena?

14.8.04

JURISTAS

Num artigo recente, Francisco José Viegas chamava a atenção para o domínio quase exclusivo que o "processo penal" exerce sobre a nossa sociedade. De facto, quando um dia se fizer a história do papel das incontáveis faculdades de direito no "desenvolvimento" do país, há-de chegar-se à conclusão que os "juristas", de uma maneira geral, estiveram quase sempre, e invariavelmente, na vanguarda do nosso atraso. Poucas "esferas" da vida pública escapam ao seu controlo, desde a "cabeça" dos governos à composição dos executivos e respectivos gabinetes, das direcções gerais às suas pequenas hierarquias, dos serviços "de linha" aos partidos, e por aí fora. Obter um curso e, muito especialmente, de direito é, para a mioleira de muita gente, muito mais importante do que, por exemplo, constituir "família" ou ter onde morar estavelmente. Não há funcionário que se preze, não há polícia que se esmere, não há dona-de-casa que não se esprema, todos para "tirar" o sublime curso de direito. Visto pelo lado dos "estabelecimentos de ensino", a "logística" sai barata. Daí a irresponsável reprodução do curso e de licenciados por todo o lado. Bastam umas secretárias, umas cadeiras, eventualmente um quadro e meia dúzia de recém formados, "orientados" por um "professor" (qualquer Moita Flores serve) e monta-se uma "universidade". Se a sociedade portuguesa é o que é, muito o deve aos seus gloriosos licenciados em direito, entre os quais eu me incluo. Senhores de vasta e profunda ignorância, incapazes de enxergar para além do reduzido e mesquinho "mundo da lei", os "juristas" constituem uma raça perigosa, dramaticamente em vias de expansão. A pobreza cívica de que padecemos, o raquitismo da nossa "vida democrática" e a arrogância palonça das "corporações", são realidades que podemos agradecer às faculdades de direito. O mesmo acontece em relação à maior parte da classe jornalística, também ela quase toda um subproduto desta genial "formação". Em vez de preparar homens e cidadãos, o "direito" apenas gera abencerragens vaidosas que ambicionam gerir a vida dos outros à imagem da sua estúpida e inócua gravitas.

13.8.04

TRAGÉDIA GREGA

Como disse em post anterior, deixei de levar a sério o venerando Chefe do Estado. A designação, contudo, é enganadora. Em minha opinião e na do distinto Prof. Marcelo, entre outros, Sampaio deixou de ser efectivamente PR algures nos princípos de Julho, trocando a função pela de ajudante-de-campo de Santana Lopes, que alterna com actividades OTL, "ocupação dos tempos livres". Por exemplo, hoje deu-lhe para correr uns "simbólicos" 10 metros ao lado da Rosa Mota, na Grécia, coisa que não lembraria ao mais remoto soba africano. Enquanto Sampaio estava no "recreio", o país voltava à intriga baixa, pelos vistos gerada a partir de "instituições" de que ele diz ser o último avatar. Uma tragédia verdadeiramente grega. A propósito, vale a pena ler e reter a crónica de Vasco Pulido Valente que, com a devida vénia, reproduzo seguidamente.


A vaca
por Vasco Pulido Valente

Jorge Sampaio, e o ministro de Estado e da Presidência (com a tutela da Comissão da Igualdade para os Direitos das Mulheres), Nuno Morais Sarmento, resolveram publicar ontem nos jornais duas redacções, talvez para mostrar que poderiam perfeitamente ter passado o 9.º ano. Bem sei que estamos na silly season, mas de qualquer maneira convém não exagerar. A redacção do Presidente da República versa sobre «O espírito dos Jogos Olímpicos e o nosso tempo», um assunto que de quatro em quatro anos milhares de professores com certeza sugerem na esperança desesperada de entreter as crianças. Sampaio, um aluno esforçado, fala da Grécia, fala de Roma, fala da «herança», não se esquece de uma notazinha patriótica e compara o Império Romano à União Europeia. Há frases como esta: «Se a democracia grega radica no "lógos", na razão política e no debate público entre os cidadãos e os seus representantes, já a matriz da civilização romana repousa na regra ou "jus".» Toda a gente pode ver que, embora confuso e muito ignorante, o rapaz «se interessa». Nota: 11. Morais Sarmento com outra ambição, e a propósito de uma «Carta» do Vaticano aos bispos da Igreja Católica, disserta sobre a «mulher». Sarmento acha a dita carta um «hino» à «maternidade» e explica com ardor a importância da «maternidade». Ele não considera a «mulher» inferior, de maneira nenhuma. Só não a considera «como um ser à parte, como se de uma peça se tratasse». Para ele, chegou a «hora» das «mulheres capazes de conciliarem a vida familiar e a vida profissional». Coisa que ele declara, não se percebe porquê, «um desafio fascinante». Sarmento ainda vai conseguir ser quase, quase um intelectual. Nota: 12. Com estes percursores não tarda aí uma redacção do primeiro-ministro A Vaca: «A vaca dá bifes. Eu cá gosto de bifes. A vaca dá leite. O leite dá manteiga. Eu cá gosto de manteiga. Eu cá gosto da vaca.»


(in Diário de Notícias de 13 de Agosto de 2004)
UMA PERGUNTA

Segundo O Independente, o ministro dos Assuntos Económicos está à margem do núcleo mais restrito de decisão política do Executivo. Santana Lopes "despacha" com Morais Sarmento, Paulo Portas e Rui Gomes da Silva. Você pediu que estes cavalheiros mandassem em si? Eu não.

12.8.04

CÁ ESTÃO ELES....



....com os agradecimentos ao Para lá de Bagdade e ao Coiso.


SUBSERVIÊNCIA

O Dr. Sampaio, numa daquelas prestações folclóricas que lhe são particularmente caras, andou embarcado na "Sagres". A viagem levou-o até aos Jogos Olímpicos, na Grécia, cuja abertura ocorre agora. No "caminho" escreveu uns "diários de bordo" que um jornal anda a publicar. Não os posso comentar porque, naturalmente, não me apetece lê-los: desde há uns tempos que deixei de levar a sério o que escreve e diz Sampaio. Levou, na embarcação, uns jornalistas e, de manhã na rádio, certamente inspirado pela maresia, debitou umas vulgaridades acerca dos "nossos atletas". Depois, num acesso feliz, recomendou que não se pensasse em realizar Jogos Olímpicos em Portugal, por manifesta falta de "infraestruturas". Mesmo embarcado, Sampaio não quis deixar de se pôr uma vez mais em sentido diante de Souto Moura, o nosso querido "Grande Inquisidor". Não fosse este ficar incomodado, Sampaio mandou emitir uma "nota" onde esclarecia que nada tinha a opôr à "nota" antes divulgada pelo primeiro sobre as "cassetes". Parece que, quando muito, Sampaio apenas "sugeriu" a Santana Lopes que recebesse a veneranda figura. E Lopes também lá se curvou respeitosamente perante o homem, em quem, aliás, "confia" plenamente. Não lhes ocorre, a um e a outro, que quem não confia minimamente neles, e tem manifesto "horror" aos "políticos", é Souto Moura, por eles, "políticos", escolhido. Com o seu sorriso enigmático, ele limita-se a agradecer, ao poder político democrático, a subserviência.
UM PRETEXTO

Você confia na justiça, na administração pública, nas empresas, nas universidades, nos jornais, nas televisões, no presidente, no primeiro-ministro, nos ministros, nas oposições, nos amantes, nas amantes, nos colegas, nos amigos, nos condutores, nas bebidas, no que come, nos amores, nos ódios, no que diz, no que omite, no que faz ou no tempo? Eu respondo como Cioran:

Nunca acreditei verdadeiramente no que quer que fosse. É muito importante. Não há nada que eu tenha levado a sério. A única coisa que levei a sério, foi o meu conflito com o mundo. Tudo o resto não é para mim mais do que um pretexto.

11.8.04

PRIMITIVISMO

Um jornalista decidiu livremente e sem aparente consentimento dos visados, "gravar" as conversas, sobre o "caso Casa Pia", que manteve com entidades tão distintas como polícias, directores de polícias, magistrados, advogados, "vítimas", primos das "vítimas", "arguidos", primos dos "arguidos", curiosos dedicados e o inevitável Sr. Namora. No Burundi? Não, foi mesmo aqui, no "Portugal dos Pequenitos". O jornalista, por sinal de um prestigiado pasquim, "perdeu" as cassetes com as gravações, o que em português corrente e não jurídico, quer dizer que "foram roubadas". Graças às proezas da técnica e de outras artes humanas, as cassetes devem ter passado para um disco que se reproduziu aparentemente como os coelhos. Suspeito que, para além de mim e do meu cão, já praticamente toda a gente as ouviu. A cabeça do director da PJ rolou instantaneamente, com grande pesar público e exclusivo do CDS/PP, sabe-se lá porquê. Sempre original, o Dr. Souto Moura mandou fazer mais um "inquérito" para juntar aos mil que já instaurou sobre a "Casa Pia". E o primeiro-ministro, à falta de outra coisa mais interessante, decidiu "institucionalizar" as cassetes. Juntou-lhes o ministro da justiça e o PGR, agitou bem e falou ao país. Para quê? Para propôr mais um "pacto de regime", aquela coisa mole de que os governos se socorrem quando não sabem o que é que hão-de fazer, e para assegurar que tudo fique serenamente na mesma. Eu, dada a minha condição de semi pária, atrevo-me a dizer que Santana Lopes não pediu um "pacto de regime" sobre a justiça, já que, como ele deve saber, com as corporações não se brinca aos pactos. Elas não deixam. A inversa, porém, já não é verdadeira. As corporações, quando lhes convém, podem "brincar" às conversas de "pé de orelha" com jornalistas atrevidos, porque, elas e eles, são "irresponsáveis". Por isso, eu suspeito que Santana Lopes estava a propôr um "pacto" sobre as cassetes e não propriamente sobre a justiça. Neste lamentável episódio, que vai seguramente continuar, parece que ninguém soube estar, uma vez mais, à altura das suas responsabilidades e das respectivas "deontologias", profissionais e políticas. A esdrúxula intervenção do primeiro-ministro limitou-se a "fechar", por ora, o "círculo", um "círculo" apenas revelador de um irreprimível primitivismo.

10.8.04

JUMENTO COM CIO

Desde 2002 para cá, inscreveram-se no PPD/PSD mais de 30 mil pessoas. Eu, que por estes dias andei a reler O Poder e o Povo - A Revolução de 1910, de Vasco Pulido Valente, não me surpreendo. A história dos "adesivos" é sobejamente conhecida para que a reproduza aqui. O curioso, no entanto, é reparar na faixa etária mais "pesada" na "militância". De acordo com o Diário de Notícias, são as criaturas com idades compreendidas entre os 20 e os 30 quem leva a maior na "adesão". Por outro lado, os homens dominam o universo militante, com percentagens superiores a 60%. Isto não é surpreendente, sobretudo no que respeita aos "jovens". O partido pode ser, nos casos certos, um excelente meio para alcançar um emprego ou uma sinecura, como recomenda a história, a do século XIX e do século passado. A concupiscência destes rapazes e destas meninas, como aqui já referi, não tem limites nem ideologia. Estes 30 mil revelam que o "novo homem português" é mais velho do que se possa imaginar. Por trás de tanto "adesivo", esconde-se o pequeno oportunista de sempre. Alguém que, na realidade, não passa de um "jumento com cio".
O PROGRAMA

A Sra. D.Maria Helena Adão, "secretária, 61 anos", de Lisboa, questionada pelo Público acerca da possiblidade de Carmona Rodrigues vir a ter um melhor desempenho na CML do que Santana Lopes, disse: "Não conheço o Carmona Rodrigues, por isso não sei o que se pode esperar. Quanto a Santana Lopes, acho que fez um bom trabalho na Figueira da Foz, onde passo muitas vezes. Acho que é uma pessoa simpática, bonita, com charme". Esta senhora tem futuro na "central de comunicação" que aí vem. Em apenas três qualificativos, resumiu brilhantemente todo o programa do governo.

9.8.04

SALVADO, O PINTOR

Numa das minhas últimas prestações ao serviço da "causa pública", seguramente a mais feliz, tinha atrás da secretária um quadro de Adelino Salvado. A criatura era amiga do dirigente máximo desse serviço, oriundo doutra magistratura, e foi adquirida a peça para suavizar a burocracia. Devo, a bem da verdade e tanto quanto os meus escassos talentos na matéria o permitem, dizer que o quadro não era decididamente nada mau. Anos passados, o referido juíz Adelino aparece como director da PJ. O miserável episódio das "cassetes Casa Pia", ao que julgo, levou-o a pedir a demissão. Salvado foi, desde o princípio, um clamoroso erro de casting. Por razões ainda obscuras, este juíz foi mandar na PJ num dos momentos mais sensíveis e delirantes da história da investigação criminal em Portugal. Salvado era notoriamente um homem atrapalhado e falho. Foi acarinhado pela Dra. Cardona enquanto esta o pôde acarinhar. Tratou atabalhoadamente quase tudo dentro da sua polícia. Julga ter feito o que lhe pediram. Afastou a mais profunda e prolixa dirigente que lá estava, Maria José Morgado. Rodeou-se, como de costume, de um pequeno círculo de fiéis de circunstância. A partir de determinado momento, passou a incómoda relíquia. Sai sem glória. Nada disto, afinal, abona o seu currículo e talento de pintor.

RICHARD NIXON, UM IMENSO ADEUS



Nesta data, há trinta anos atrás, Richard Nixon, o 37º presidente do Estados Unidos, renunciava ao mandato. Na véspera, à noite, dirigiu-se pela televisão aos seus compatriotas, anunciando a partida. Para trás ficava um mandato de cinco anos e meio e uma relação complexa, de um homem complexo, com a nação que o elegeu. Gore Vidal viria a escrever mais tarde: "nós somos Nixon, Nixon é o que nós somos". Oliver Stone, no filme homónimo, pôe Anthony Hopkins/Nixon, antes do fim, a contemplar o retrato de Kennedy, na Casa Branca, dizendo: "quando olham para ti, vêem o que eles querem ser, quando olham para mim, vêem o que eles são". A história pessoal e política de Nixon é a história de um percurso amargo, marcado pela luz e pela sombra, pelo ressentimento e pela dúvida, pelo sarcasmo e pela prepotência, pelo rasgo e pela banalidade. Nixon, como todos os homens que existiram para mudar qualquer coisa, era alguém profundamente contraditório. Kissinger, no filme, olhando a sua despedida, sussurra que o presidente "tinha os defeitos das suas qualidades". Kennedy, seu companheiro no Senado e que o derrotou na corrida para a presidência, não lhe perdoava a origem modesta e, à bom "menino-bem", dizia sempre que ele "não tinha classe". Nixon viveu em permanente angústia por não ser completamente um "deles", visto por ali como um arrivista com alguma sorte. Sofreu as maiores derrotas e as maiores humilhações, e voltou sempre com aquele seu famoso sorriso automático onde muitos viam um sinal de hipocrisia. Nixon, que abriu os EUA ao "desanuviamento" com a China e a URSS, que criou um departamento ambiental, e que, em quatro longos anos, acabou com a guerra no Vietname, saiu derrotado pela sua pusilanimidade, à conta de um arrombamento vil contra um político menor e inofensivo, McGovern. Nixon obteria, na reeleição, uma das mais expressivas vitórias na corrida à Casa Branca. Mais do que o assalto ao Edifício Watergate, o que os "States" puritanos não perdoaram, foi, uma vez mais, o perjúrio. A sua terrível insegurança crónica levou-o ao maior dos disparates, a gravação das conversas na Sala Oval. Grandeza e fatalidade andaram sempre de mãos dadas durante a vida política activa de Richard Nixon, um homem acossado pelas suas origens e notoriamente um mal-amado. Quis, na mensagem final, deixar uma mensagem de paz, algo a que se tinha proposto quando começou, em 1969. No dia 9 de Agosto de 1974, manhã cedo, reuniu o "staff" da Casa Branca e a família para se despedir. Falou dos seus pais "trabalhadores", dos seus irmãos mortos pela tuberculose e lembrou que a "grandeza não surge quando as coisas nos correm sempre bem, ela aparece quando se leva umas pancadas, quando ficamos desapontados, quando a tristeza nos invade, porque só se estivermos no vale mais fundo, é que vamos depois poder apreciar o esplendor de estar na mais alta das montanhas". Dito isto, dirigiu-se ao helicóptero que o levou de volta para a sua mansão na Califórnia, agitando com o braço um imenso adeus.

8.8.04

MARYLIN, THE PAIN OF HER DEATH



Na perfeita inutilidade que é a minha presente fase, deixei passar a data do desaparecimento de Norma Jean Baker, mais conhecida por Marylin Monroe. O Abrupto lembrou-se e citou Noel Coward a propósito. Eu cito Norman Mailer. É o mais belo epitáfio que conheço.

In all this discussion of the details of her dying, we have lost the pain of her death. Marylin is gone. She has slipped away from us over the edge of the horizon of the last pill. No force from outside, nor any pain, has finally proved stronger than her power to weigh down upon herself. If she has possibly been strangled once, then suffocated again in the life of the orphanage, and lived to be stifled by the studio and choked by the rages of marriage, she has kept in reaction a total control over her life, which is perhaps to say that she chooses to be in control of her death, and out there somewhere in the attractions of that eternity she has heard singing in her ears from childhood, she takes the leap to leave the pain of one deadned soul for the hope of life in another, she says goodbye to that world she conquered and could not use. We will never know if that is how she went. She could as easily have blundered past the last border, blubbering in the last corner of her heart, and no voice she knew to reply. She came tu us in all her mother's doubt, and leaves in mystery.


Norman Mailer, Marylin
SUBLITERATURA

Aos sábados o Público tem um suplemento literário. Chama-se Mil Folhas e, para além de artigos ou entrevistas sobre livros e autores, também discorre sobre música, discos e dvd's clássicos. Como é Agosto, e parece que Agosto convida à significativa diminuição da actividade intelectual, o Mil Folhas some-se entre duas a três páginas no "corpo" do jornal. Neste último sábado, decidiram descobrir onde é que alguns "escritores" escreviam. Se em casa, se numa sala particular, com vistas ou sem vistas, se na varanda, enfim, uma coisa deste género. Os "escritores" escolhidos, tendo à cabeça a D. Mafalda Ivo Cruz , que tem uma "vista" inspiradora, pertencem a uma espécie literária cheia de sucesso por cá, a subliteratura e as suas "variantes" múltiplas. Esta plural categoria, que é vendida às postas em todas as grandes superfícies, juntamente com a margarina e os pensos higiénicos, alimenta suficientemente a pequena burguesia de espírito dos seus generosos leitores. Como categoria literária atípica, já tem os seus campeões de vendas garantidos, designadamente nas pessoas das Sras. D. Rebelo Pinto e Lopo de Carvalho e, mais recentemente, na auspiciosa Ivo Cruz. Para dar alguma cor e "génio" às estimáveis criaturas, de vez em quando um "crítico" insuspeito, tipo Eduardo Prado Coelho, passa, salvo seja, a mão por cima desta subliteratura, elevando-a por instantes à categoria seguinte. Tudo ou quase tudo, nesta como em outras matérias, funciona entre nós em regime de "capelinhas" que reproduzem outras "capelinhas". A poesia, género literário menor aos olhos do vulgo, fora da "capela", não vale nada. E os escritores sem aspas que, por cá, são uma honrada minoria, permanecem tranquilos no limbo da discrição e do silêncio, afinal aquilo que é próprio da literatura.
A PROPAGANDA

Para evitar "problemas de comunicação", o governo vai criar uma "central" da dita. Essa "central" deve velar pela uniformidade da "mensagem" da acção governativa, ou seja, deve evitar que alguém, lá de dentro, se solte excessivamente. Passar tudo pela "central", é aparentemente o objectivo do exercício. Incluí sondagens, estudos de opinião, "impactos", enfim, tudo o que tem a ver com a "imagem", uma especialidade Santana. Ao pé disto, a conhecida "obra" em outdoors, efectuada em Lisboa, vai parecer coisa pequena. Por detrás de projecto estará naturalmente uma empresa e, seguramente, uma empresa bem contratada. Sob a alçada do ministro da presidência, a empresa garantirá a "integridade" do ofício. Sucede que, neste governo, para além deste ministro, um especialista na matéria, há a sua "cabeça de Janus", Santana e Portas. As relações políticas entre o primeiro-ministro e o seu ministro da presidência não são reconhecidamente fortes. Portas, por seu lado, não dispensa o seu one man show. As "informações" e as "contra-informações" a debitar para a "central" vão ser, pois, muitas e divertidas. Não tenho certeza que interesse demasiado ao "povo" saber o que se passa, ou não passa, na "casa de Santana". Aos "interessados", interessa naturalmente. A "venda" do produto, o bom e o estragado, a menos de dois anos de vista, precisa de "coordenação", o novo nome de uma velha conhecida, a propaganda.

6.8.04

POEMA EM LINHA RECTA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos
POBRE POLÍCIA

A contagiante originalidade deste governo em matérias de posse, já chegou a uma direcção-geral. Horas antes da tomada de posse do novo director nacional da PSP, da parte da tarde, dois membros da anterior direcção souberam, da parte da manhã, que iam ser removidos. À pressa, arranjou-se uma senhora, presumivelmente conhecida do novo director, e um superintendente-chefe em estado de permanente disponibilidade. Pobre polícia.

5.8.04

A FENDA ABERTA

Reparei, então, que interessado em preservar qualquer coisa - talvez um interior silêncio, ou talvez não - nos últimos dois anos privara-me de tudo quanto amava, e todos os actos da vida, lavar de manhã os dentes e ter amigos para jantar, começavam a pesar-me como um esforço. Reparei que há muito tempo deixara de gostar de pessoas e coisas, mas continuava a fazer de conta, instintivamente e conforme podia, que elas me agradavam. Reparei que até o amor aos mais íntimos se transformara numa tentativa de amar, as minhas relações de acaso - com um editor, um vendedor de tabaco, um filho de um amigo - se limitavam a lembrar-me aquilo que eu lhes devia dizer tendo em atenção as nossas relações anteriores. Um mês bastou para outras coisas - como o ruído de um rádio, a publicidade das revistas, o chiar dos carris, o mortal silêncio do campo - me encherem de azedume, e a ternura humana provocar desprezo, e a dureza (ainda que oculto) ressentimento, a noite ódio por não poder dormir, o dia ódio por se transformar em noite.


F. Scott Fitzgerald, The Crack Up, trad. de Aníbal Fernandes, Hiena Editora

Nota: Numa outra minha encarnação, seguramente mais feliz, passeando pela Village, em Nova Iorque, fui dar a um alfarrabista. Era uma cave algo lúgubre, cujo vão-de-escada estava repleto de livros usados, os meus mais amados. Eu gosto de sentir o cheiro destes livros, apesar do pó perturbar as minhas alergias. Procuro imaginar as casas onde eles viveram antes, o tabaco fumado, as pessoas que os leram ou tocaram, as vidas que se desfizeram ou que se entenderam sem perturbar o soberano silêncio das páginas. Dessa cave de Manhattan, trouxe uma biografia de Fitzgerald que ainda hoje conserva aquele cheiro característico. É de 1962, e o seu autor é Andrew Turnbull. Que vida, a deste homem e de sua mulher, Zelda. Quatro anos antes de desaparecer, Fitzgerald ainda ironizava com a sua tragédia pessoal:

Vou tentar ser um animal correcto, o mais possível, e olhem: se me atirarem um osso com bastante carne agarrada, quem sabe lá se não sou capaz de vos lamber a mão.
UMA INDISPENSÁVEL CLARIFICAÇÃO...

... é o título do primeiro artigo politicamente relevante e "estrategicamente" interessante do candidato a líder do PS e, por consequência, a chefe do governo, José Sócrates. Saíu no Diário de Notícias de ontem e está publicado na página web do candidato que, finalmente, está "construída". É bom que Sócrates aceite debater "em público" com os outros. O PS, como qualquer outro partido interessado no "poder", só tem a ganhar quando, falando de si e para si, é escutado pela "maioria silenciosa" que não pode ficar entregue, em exclusivo, à imaginativa dupla Santana/Portas. E Sócrates, afinal, também tem "graça" ao discorrer sobre o "seu" candidato presidencial: há uma coisa que nunca farei: abordar a questão presidencial com Guterres como quem lhe pergunta: “não queres, pois não?”. Conviria que o PS não levasse o país a colocar-lhe esta mesma questão.
P.S.: Por razões de pura equidade e de curiosidade, refiro os links para as páginas web de Manuel Alegre e João Soares, respectivamente: http://www.manuelalegre.org e http://www.joaosoares.net/.

4.8.04

O PIOR

Com particular destaque para os rapazes, parece que a maioria dos nossos estudantes do 12º ano de escolaridade, chumba invariavelmente. As "cadeiras" mais afectadas, segundo percebi, são as relativas ao grupo "científico-natural"" e ao "agrupamento económico-social". As meninas, mais espertas e sempre precocemente espevitadas, revelam-se menos preguiçosas e mais atentas praticamente a tudo, desde as "humanidades" às "técnicas". O resultado está à vista. As universidades, os "empregos" e as "lideranças" transformaram-se, nos últimos anos, em autênticos gineceus. Elas não têm culpa e, ao contrário dos meninos, não fazem mais do que cumprir a sua disciplinada obrigação. Limitam-se a trepar, como lhes recomendaram desde cedo. A meritocracia deixou consequentemente de ter sexo definido. Para além destas considerações puramente reaccionárias, convém ter presente que a "explosão" universitária, pública e privada, não serviu para melhorar os desgraçados índices de literacia pátria. Também aqui, tudo indica que é de novo o grupo feminino quem leva a melhor, sem excessos melodramáticos. A nossa população universitária, et pour cause, é do mais analfabeto que se possa conceber. Não se lhe pede que "saiba", que "leia" ou que "pense". Os adolescentes querem apenas ser instruídos, quando querem, para "subir" e, de preferência, passando por cima uns dos outros para depois, amavelmente, passarem por cima de nós. Ignoro, pois, que élites se andam a preparar por aí com esta tremenda vulgarização das licenciaturas. Seja lá o que for, espero o pior.

GERIR A IGNORÂNCIA

Da política à burocracia, quase tudo hoje em dia se alimenta do jargão "sistemas de informação". No seu excelente dicionário não ilustrado, o Opiniondesmaker dá uma boa ideia acerca do ubíquo conceito:
Sistemas de informação – Essenciais como se sabe, pois a melhor maneira de gerir a ignorância é albardá-la de dados.

3.8.04

O CASO SÓCRATES



Estes dois anos, até 2006, não vão ser muito saudáveis. Uma vez recuperado do "choque", ainda não fiscal, mas de se ter ido sentar numa cadeira com que não contava, Santana Lopes vai ser um "osso" duro de roer. Assim que puder, e assim que os seus "ajudantes" mais "substantivos" puserem "as coisas" a rolar, nem que seja em aparência, Lopes vai certamente dedicar-se a ganhar eleições, sejam elas quais forem. Aliás, a única reflexão de jeito que conseguiu produzir no debate parlamentar do programa do Governo, teve a ver com isto. Há continuidade, disse ele, mas eu sou eu, e o"estilo" é o "meu estilo". A remoção de Barroso, neste sentido, acaba por ser benéfica para a coligação, já que ninguém sabia o que fazer depois das eleições europeias e da sua clamorosa derrota. É, pois, este "seu tempo novo" que, na verdade, é mau e precocemente envelhecido, que Santana vai querer ver glorioso e vencedor. Estas trivialidades vêm a propósito dos "jogos florais" do PS. As alegações de João Soares relativas a eventuais vilanias eleitorais do "aparelho", feitas sem nenhuma espécie de ambiguidade e, em parte, secundadas por Manuel Alegre, reflectem o estado pouco saudável a que chegou a vida interna dos partidos, se é que alguma vez deixou de ser asssim. A "história" das quotas pagas por terceiros é banalíssima. No PSD, cada vez que há uma eleição interna, e por mais insignificante que ela seja, há sempre um baronete, ou aspirante a baronete, que gentilmente paga as quotas em atraso a toda a sua bovina secção. Seguidamente seguem-se as inevitáveis chamadas para casa e para os telemóveis, acompanhadas de umas enigmáticas "sms" a apelar ao "voto". Por uns breves minutos, o anónimo militante "de base" sente-se irmanado com os altos desígnios da Pátria, graças a estas velhas e novas tecnologias caciqueiras. Terminada a eleição, volta à sua condição de "número de militante", sem mais demoras. No PS, é assim que tudo se vai passar até aos dias 25 e 26 de Setembro. Quem tiver mais e melhor destas "tecnologias", ganha. O congresso praticamente não conta, e as "ideias" ainda menos. Ora Soares sabe que não dispôe de grandes tecnologias eleitoralistas, descontando o voluntarismo dos amigos. Alegre talvez tenha mais um bocadinho. Feitas as contas, eles muito justamente berram, já que pouco mais podem fazer. Ao país isto diz muito pouco. O militante do PS, na hora em que, por uns escassos instantes, deixar de ser só um número, tem que perguntar a si próprio quem é que deve e pode defrontar, com sucesso, Santana Lopes. Até lá chegar, Sócrates tem muito trabalho pela frente. Não é com apoiantes do quilate de José Lello ( não haverá mais ninguém com dois dedos de testa para responder aos "outros"?), nem com entrevistas gelatinosas das quais não ressuma uma ideia própria que fique, que José Sócrates pode aspirar a convencer. É certo que tem a seu favor estes estranhos tempos da política-plasticina, onde, pelos vistos, ele se move com facilidade. Há "imagens" que se colam tenebrosamente à pele e que são difíceis de sair. Não lhe basta dizer, e bem, que ninguém tem o monopólio dos princípios. Creio que Sócrates, tal como Lopes, ainda não entrou dentro do "fato", apesar de ser, de longe, bem mais "preparado" do que este. Pela frente "interna", tem um "velho combatente" e um carola teimoso. Dos dois, e do que eles representam, deve "recolher" alguma coisa para que se não repita o pior do "guterrismo". Depois, é só ganhar o partido e, em seguida, a nação.