31.12.04

DESOLAÇÃO

1. É a palavra que escolho para caracterizar o ano que hoje termina. E termina sob o signo do inelutável. A natureza, tão enxovalhada, a "terra", tão maltratada, mostraram ao "humano" quem manda. Fizeram-no da pior maneira possível, ceifando mais de cem mil vidas. É-me praticamente impossível pensar que, neste mesmo mundo, milhões de "humanos" vão celebrar a passagem do ano entre festas e festanças, como se nada tivesse ocorrido. Esta alarvidade frívola, perante o sofrimento de outros tantos milhões, encerra da pior maneira 2004.
2. Entre nós, a palavra correcta para 2004 continua a ser desolação. Tento lembrar-me de qualquer coisa de bom ou de positivo que tivesse contribuído para a minha auto-estima- um conceito tão virtualmente desbravado durante o ano - e só consigo encontrar decepções e privações. A afastarmo-nos cada vez mais do padrão mais aceitável da mediania europeia, enchemos o peito de orgulho com a organização de um campeonato de futebol que, como tantas outras glórias no passado, nos escapou no último instante. Tirando o betão representado na dezena de estádios novos, o que é que sobrou em consistência, "progresso" e "economia" para o país? Que me lembre, só mesmo a gravata piroso-nacionalista do então primeiro-ministro exibida em alguns jogos.
3. Por falar nele, estranho que alguns o escolham com a "figura do ano". Será porque Durão Barroso ainda é "do melhor" que temos para nos representar briosamente lá fora, descontando o queijo da Serra e o vinho? Muitos "institucionais" bufaram "orgulho" e "honra" com a ida da criatura para Bruxelas. Só a circunstância de ter largado a meio o compromisso que assumiu com o país, basta para eu o considerar o pior político do ano. Trocou uma responsabilidade nacional por uma vaidade em terceira ou quarta mão na qual verdadeiramente só se representa a si próprio e à burocracia branca da Comissão a que preside.
4. Com a sua leviana partida permitiu que o caos se instalasse, com a complacência de um PR demasiado infeliz no seu pior ano de mandato. Já há muito tempo que não batíamos tão no fundo. Desde os "poderosos" aos "vencidos da vida", ninguém pôde ficar indiferente a tanto desmando. O pequeno parceiro ri-se em silêncio disto. O que começou por ser uma maioria de secretaria, acaba num bizarro acordo para a recolha dos despojos depois de Fevereiro. Daqui a uns dias, quando a corda começar a esticar, veremos o que sobra. Por enquanto eles fingem que governam sobre praticamente nada. A "quinta das celebridades" fica registada como a melhor representação metafórica destes últimos meses insanes do ano da desgraça de 2004. Ámen.

30.12.04

"COISAS ESTRUTURAIS"

Quando não há mais ideias ou sobretudo quando não há ideia nenhuma, nada como recorrer a conceitos "para-cinematográficos" para impressionar. O Fisco vai ter umas "brigadas de elite" para combater as famosas fraude e evasão fiscais, duas práticas consuetudinárias relativamente pacíficas entre nós. Agora calhou ao Serviço de Bombeiros e Protecção Civil vir a possuir umas "equipas de elite" para prevenir, presume-se, as labaredas. Ao insistirem nestas "brigadas", "equipas" ou noutras coisas similares de que as "fundações" são o exemplo mais nobre, os governos lançam na opinião pública a dúvida sobre a utilidade da administração e dos serviços públicos que os seus impostos sustentam. Para que servem tantos "serviços" e tantas "competências" e "atribuições" quando é preciso criar ao lado ou por cima qualquer coisa diferente para fazer o mesmo, perguntará o cidadão contribuinte? E a "reforma do Estado", algo que a coligação tão gloriosamente ia executar, afinal reduz-se ao conceito de "elite", metido agora à pressa em todo o lado? É de exemplos destes que Álvaro Barreto fala quando diz que "fizemos muitas coisas estruturais"?

29.12.04

SUSAN SONTAG (1933-2004)



Algumas vezes foram aqui feitas referências a Susan Sontag. Lembro-me de a ter escolhido para o “4 de Julho” do ano passado e de ter aconselhado a leitura de alguns dos seus livros de ensaios. Está tudo no “arquivo”. Sontag, contudo, é alguém que dificilmente consigo imaginar “arquivada”. Se procurasse uma imagem para a definir, seguramente teria de recorrer a qualquer coisa que me lembrasse “movimento”. À romancista preferirei sempre a ensaísta arrebatada e complexa, no que esta palavra tem de vital para o pensamento. Em 1996, tive o privilégio de a ouvir na Fundação Calouste Gulbenkian. Sontag exibia com elegância a vantagem do polemista sem nunca pisar o risco da banalidade ou do cabotinismo, tantas vezes disfarçados numa bela ideia. A sua leitura é um exercício permanentemente estimulante. Era, como todos os obituários não se cansam de repetir, a mais europeia dos intelectuais norte-americanos. Não me revejo inteiramente em tudo o que dela li, porém considero-a um dos escritores mais cosmopolitas do nosso tempo. Neste sentido, o seu desaparecimento, no culminar de uma longa e intermitente luta contra a doença, espelhada, aliás, num dos seus ensaios mais conhecidos (A Doença como Metáfora), constitui uma enorme perda. The greatest effort is to be really where you are, contemporary with yourself, in your life, giving full attention to the world. That ´s what a writer does. I’m against the solipsistic idea that you find it all in your head. You don’t.
Adenda: Ler, no Aviz, "Sontag".

LER OS OUTROS

Com dupla vénia, à Grande Loja e ao José António Barreiros, reproduzo este post que eu próprio não me importaria de ter escrito. Completa, em melhor, este.

Uma raiva incontida

Deixem-me exprimir a minha indignação. Ante a tragédia, o horror, o sofrimento, as vidas perdidas aos milhares, a destruição de cidades inteiras, «portugas» chegavam a Bangkok, em bando, para férias de que não desistiam, alguns sorridentes na TV com comentários do género, «uma vez que já aconteceu, já não voltará a suceder agora», «já falei para o hotel está tudo bem e sempre podemos ir à praia». Que bom não é?É a maltosa do «eu quero saber é do meu», a multidão da ganância, do egoísmo, da falta completa de humanidade, os que estão na vida para «curtir», nem que seja atropelando os outros.São estes os que geram o país que temos e o mundo em que vivemos.No rodapé da televisão, enquanto as imagens confrangedoras de devastação passavam, seguia uma «fita» noticiosa: «Madeira e Brasil são agora alternativas turísticas ao Oriente».Uma raiva incontida atravessou-me a alma! Filhos da puta! Com todas as palavras: filhos-da-puta! É o mínimo que se pode dizer. Desculpem, eu detesto palavrões, mas não encontro palavras que melhor me sirvam. Filhos da puta!

28.12.04

À ESPERA DE VITORINO

O dr. Vitorino, apresentado ao país como "do melhor" que o PS tem para nos pastorear, recua sempre na exacta proporção em que é solicitado. É uma possibilidade permanente, porém nunca concretizada. É uma constante promessa luminosa, de matriz internacional, que nunca chega a dar luz. Envolto no mistério grave que se adquire em Bruxelas, Vitorino já negou ao seu partido praticamente tudo. Conjuga frequentemente o verbo "hesitar", o que em política é uma notória desgraça. Nem sei mesmo como aceitou "coordenar" a elaboração do programa de governo do PS. Suspeito que olha para a política doméstica com algum desdém. Por isso, a que propósito é que poderia ser candidato pelo Porto, não deixará ele de pensar? Confesso a minha falta de pachorra para o dr. Vitorino. Um partido que aspira à maioria absoluta e que tem um líder legitimado democraticamente, não precisa dar corda à pequena vaidade de um inequívoco talento como tantos. Por que raio é que hão-de estar sempre à espera dele? Será que na 25ª hora também vão esperar por ele, o insubstituível, para Belém?

A PARÓQUIA E O MUNDO

Reparem como, entre nós, se divulgam as notícias das grandes catástrofes. O primeiro cuidado é dizer que não há portugueses entre as vítimas ou que, em alternativa, não chegam a meia dúzia. Nos países atingidos pelos recentes terramotos e maremotos, o número de vítimas mortais já ultrapassa os 50 mil. De acordo com os nossos "mentideros", o número é grande e chocante mas é um número. O que lhes interessa é que, da paróquia, desapareceram oficialmente três ou cinco! Como cá está na moda ir para aquelas paragens, imagino que muitos mais irão desaparecer nos próximos dias. Não devemos ficar mais descansados por os mortos não serem nossos. O incorrigível provincianismo impede-nos de olhar para a tragédia alheia com realismo. E esta é uma tragédia que nos deve doer tanto como se fosse exclusiva ou insignificantemente nossa.

ALEXANDRE

Arranjei coragem para ir ver Alexander The Great, de Oliver Stone. Parece que a "crítica" não gostou. Eu aguentei bem as três horas. Colin Farrell, o protagonista, faz o que pode mas não é excessivamente credível. Anthony Hopkins é simultaneamente o narrador e o "sucessor" mais sensato no Egipto, Ptolomeu. Angelina Jolie, com aquelas beiças pornográficas, é a mãe "bruxa", Olímpia. Val Kilmer, zarolho, compôe um violento Filipe II da Macedónia. Apesar dos solavancos com que a "história" é contada e do cabotinismo de um ou outro diálogo, o personagem real, Alexandre da Macedónia, é demasiado interessante para que o não consideremos. Em certa medida, foi o percursor - ainda que não absolutamente realizado - do famoso "diálogo" entre o "ocidente" e o "oriente", trezentos e tal anos antes de Cristo. Era um visionário que queria sempre ir mais longe. Como de costume, não teve propriamente herdeiros políticos à altura. Todo o império, conquistado à custa de muito sangue, se desmoronou em pequenas e grandes parcelas dando origem a uma história bem conhecida. O filme celebra algo que não diz grande coisa ao comum dos mortais de hoje, a não ser a título de caricatura ou de chacota alarve. Falo da "fraternidade viril", para usar a expressão do insuspeito André Malraux, ou da camaradagem de armas sempre presente na vida destes homens. Não deve constituir novidade para ninguém minimamente esclarecido a bissexualidade de Alexandre ou a dos imperadores romanos. Suetónio e Edward Gibbon, por exemplo, explicam isso. Alexandre foi educado por Aristóteles que, no filme, "recomenda" ao futuro rei e aos seus jovens colegas a virtude espiritual da "amizade viril". Ou seja, que delicadamente se deitem uns com os outros, preceito que Alexandre nunca deixou de seguir, mesmo depois de casado. Tinha um "favorito" e não desdenhava ainda os "favores" de algum pessoal "menor", como era da praxe. Terá morrido envenenado aos 33 anos, rodeado do mesmo amor-ódio que os seus mais próximos sempre lhe devotaram. Viveu bem, depressa, tinha ambição e bom gosto. Mesmo nas batalhas mais ferozes, foi glorioso e sensual. Finalmente, foi dos primeiros com uma visão planetária e cosmopolita da existência, mesmo quando traduzida na conquista violenta, sanguinária e imperial. Quando olhamos para os horríveis "imperadores" do nosso tempo, quem é que lhes consegue achar a mínima graça? A sério, quem?

27.12.04

A BEM DA NAÇÃO

O presidente da Caixa Geral de Depósitos e alguns dos seus acólitos da administração não terão resistido ao "apelo patriótico" do governo para se manterem em funções. Depois de ter sido dado conhecimento à opinião pública que se tinha demitido por causa da "solução Bagão", Vitor Martins terá, afinal, renunciado a renunciar. Nem em pleno Natal o primeiro-ministro se privou de emitir um comunicado "de confiança" neste honrado patriota depois de, muito claramente, um dia atrás, ele lha ter negado. Agora estão novamente muito bem um para o outro, em estado de mútua compreensão de carácteres. É tudo, está bem de ver, a bem da Nação.

PREOCUPANTE...

...este vazio.

26.12.04

LER OS OUTROS

Ópera, Memória e Perspectivas III, por Augusto M. Seabra, no Público.

EXPLIQUEM-LHE

Por entre fritos, sonhos e bolo-rei, apareceu Pedro Santana Lopes. Para falar do País, do Mundo ou da sociedade? Não, naturalmente que não. Lopes, com aquela extraordinária falta de sentido institucional do cargo que ainda ocupa, usou a mensagem natalícia como primeiro-ministro para, uma vez mais, se queixar. Pior. Aproveitando a matriz judaico-cristã que domina estes dias, fez um "fadinho choradinho" em torno da introspecção e do perdão que deixaria qualquer remoto cónego de província corado de vergonha. "Temos de saber perdoar", embora "não seja fácil", reconheceu com pungente beatitude, pensando nos "outros", os que querem "o lugar dele" e os que o martirizam. Não se esqueceu dos "adversários políticos", um tema muito a propósito para a "quadra". Sentimentalista, coisa bem diferente de sentimental, Santana Lopes lembrou-se dos desprotegidos da sorte numa breve retórica puramente demagógica e de efeito fácil. No essencial, toda a mensagem não passou de mais um entediante monólogo. Cada vez mais longe do País, sem assessores que o aconselhem "cristãmente" a poupar-se, Santana Lopes, na versão "pai natal", é apenas mais de uma mesma produção já demasiado vista e por demais gasta. Dêem-lhe, pois, uma prenda. Expliquem-lhe.

25.12.04


Por que não ouvi-la hoje? Amália Rodrigues 1962, O Disco do Busto, For Your Delight, As Óperas (EMI-Valentim de Carvalho). Por que não?




NA GRANDE LOJA

O Dia de fazer de conta.

24.12.04

LER OS OUTROS

No Bloguítica, "O Interesse Patriótico".

ODE À NOITE

Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...
Vem, e embala-nos,
Vem e afaga-nos.
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma.
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nós
Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida.

Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de soluçar,
Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem do nosso corpo
E só alcançamos onde o nosso braço chega,
E só vemos até onde chega o nosso olhar.

Vem, dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados,
Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,
Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.
Vem, lá do fundo
Do horizonte lívido,
Vem e arranca-me
Do solo de angústia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde — quem sabe? — Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo...

Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo dorso da fera,
E acalma-o misteriosamente,
ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!

Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pé ante pé enfermeira antiquíssima, que te sentaste
À cabeceira dos deuses das fés já perdidas,
E que viste nascer Jeová e Júpiter,
E sorriste porque tudo te é falso é inútil.

Vem, Noite silenciosa e extática,
Vem envolver na noite manto branco
O meu coração...
Serenamente como uma brisa na tarde leve,
Tranqüilamente com um gesto materno afagando.
Com as estrelas luzindo nas tuas mãos
E a lua máscara misteriosa sobre a tua face.
Todos os sons soam de outra maneira
Quando tu vens.
Quando tu entras baixam todas as vozes,
Ninguém te vê entrar.
Ninguém sabe quando entraste,
Senão de repente, vendo que tudo se recolhe,
Que tudo perde as arestas e as cores,
E que no alto céu ainda claramente azul
Já crescente nítido, ou círculo branco, ou mera luz nova que vem.

A lua começa a ser real.


(Álvaro de Campos, excerto de Ode)

23.12.04

AVANÇO E CAPITULAÇÃO

Quando este "governo" foi constituído, eu escrevi: "discretamente o CDS/PP avança e o PSD capitula". No horrível estertor em curso, parece que o mesmo está a acontecer. S. Lopes ja "consolou" Nobre Guedes permitindo-lhe mostrar-se mais "verde" que os próprios "Verdes", "roubando" ao PSD a bandeira "ambientalista" que, apesar de tudo, foi sempre a sua. Por outro lado, não é inocente a divulgação, neste momento, da análise efectuada pelo Tribunal de Contas à Conta de 2003. O bom cristão que é Bagão Félix não quer expiar sozinho o fracasso no controlo do défice. As manobras mais ou menos encapotadas para denegrir a imagem de seriedade de Manuela Ferreira Leite não caíram do céu. Agora, sim, graças à absoluta falta de autoridade de Santana Lopes, coisa que nunca teve nem podia ter, o PP avança sem discrição nenhuma, mesmo sobre ruínas e pantominas.

22.12.04

O QUE É QUE VAI SOBRAR?

Nobre Guedes zangou-se com Santana Lopes por causa do "ambiente" e dos lixos tóxicos. Há dias, o mesmo Guedes atacara fortemente José Sócrates por causa da co-incineração, um tapete vermelho estendido à maioria num momento menos feliz do porta-voz socialista, Silva Pereira. Como Deus não dorme, apesar de andar muito distraído, tudo voltou à origem, ou seja ao caos, como um boomerang. Guedes é só mais um ministro de Lopes a não confiar nele. Parece que terá mesmo dado um prazo de 24 horas, até ao Conselho de Ministros, para S. Lopes se "redimir". Isto tudo sem ter sido imediatamente demitido. O PP prepara-se, pois, para largar o presidente do PSD à sua sorte mesmo antes das eleições. Bastou-lhes aquela conferência de imprensa com Portas sobre o mar, em que o primeiro-ministro apareceu no último minuto. No final desta miserável saga, o que é que vai sobrar?

DIETRICH SCHWANITZ (1940-2004)

O escritor alemão Dietrich Schwanitz, autor do interessantissimo e irónico Cultura - tudo o que é preciso saber (Publicações Dom Quixote), foi encontrado morto em casa em Hartheim, no sul da Alemanha. Parece que estava morto há já alguns dias. Schwanitz nasceu na região de Ruhr, cresceu na Suíça e estudou Filologia, História e Filosofia na Alemanha, na Inglaterra e nos EUA. Ensinou literatura na Universidade de Hamburgo onde chegou à conclusão que os seus alunos não tinham nenhuma base sólida de conhecimentos. É neste contexto que aparece o citado Bildung -alles, was man wissen muss, agora traduzido em português e uma leitura bem recomendável, apesar deste contexto absolutamente desagradável e inesperado

NA GRANDE LOJA

A partir de hoje, e graças à amabilidade do "Manuel", passo a ter uma colaboração regular com a Grande Loja do Queijo Limiano. Isto quer dizer simplesmente, nem sempre, nem nunca. Para já, "Natal ou a derrota do pensamento".

AS "CONTAS"

Em alguns jornais, o governo fez publicar um prospecto propagandístico a cores intitulado "Orçamento de Estado para 2005 - conheça as contas do País". Perante o que sabemos, impôe-se a pergunta: de que "contas" fala o panfleto, das verdadeiras ou das outras?
Adenda: Complementar com a leitura de "Mentiras Encartadas", em Pura Economia.

21.12.04

CADA CAVADELA, SUA MINHOCA

Dois estadistas portugueses, um deles primeiro-ministro, mostraram ao país como se governa. Não se governa "contra" os jornais, mas "a partir" dos jornais, preferencialmente ingleses e franceses. Se a Alemanha ou a França podem, porque é que nós não podemos também? Fica esclarecido o método e a mitomania. Quanto ao resto, que é praticamente tudo, o registo continua a ser bem português: cada cavadela, sua minhoca.

O LUGAR DO ANJO

Num texto com alguns anos, Eduardo Prado Coelho falava do ensaísmo de Eduardo Lourenço com a imagem feliz de "um rio luminoso". Numas férias remotas e solitárias, passadas no Vimeiro, li, entre outros, o Poesia e Metafísica de Lourenço (numa bonita edição da Sá da Costa, agora reeditada pela Gradiva). Reunia ensaios sobre Camões, Antero de Quental e Fernando Pessoa. Esta leitura fez-me "andar para trás" e chegar ao Pessoa Revisitado (Moraes, primeiro, e Gradiva, agora), o "livro" que Lourenço dedicou inteiro à sua muito particular visão do poeta da "Hora Absurda". O que não falta, graças a Deus, na bibliografia de Eduardo Lourenço, é o dedicado estudo pessoano. Aplicou-se como poucos dos leitores atentos e perturbados (sim, porque o verdadeiro "leitor" de Pessoa tem forçosamente de sair perturbado dessa experiência ou então não percebeu nada do que leu) desse obscuro empregado de escritório e jamais parou de o pensar, dando testemunho disso em escritos dispersos e suscitados pelas mais variadas motivações. O Lugar do Anjo - ensaios pessoanos (Gradiva, 2004) é o último avatar dessa perturbação sublime. Tal como o homem/poeta sobre quem escreve, Eduardo Lourenço escolhe minuciosamente cada palavra com um talento arrepiante e por vezes cruel, já que é da mais radical ausência de toda a literatura portuguesa que fala. Em vez de um "homem", Pessoa nunca fez mais do que nos devolver o fantasma de si mesmo ou, nas palavras de E. Lourenço, o mero "esplendor do nada". Por isso este livro é simultaneamente terrível e comovente, como, aliás, toda a ensaística do autor de Heterodoxia o é. Recomenda-se para o Natal. Deve servir-se frio, como Fernando Pessoa se serviu sempre de nós.

TRETA

Por causa das "engenharias financeiras" e da psicopatia do défice alimentada a partir de Bruxelas, os anacoretas do costume querem um "pacto de regime". Em português corrente, este "pacto" corresponde a disssolver os problemas num imenso caldeirão onde cabem todos os temperos. No fundo, é a velha ideia da "poção mágica". Numa democracia adulta, com sistemas produtivos robustos, uma sociedade civil maior de idade e com um Estado forte sem ser autoritário, normalmente não há lugar para "poções mágicas". Entre nós, nenhuma destas três condições se verifica, como se sabe. O falhanço agora imputado ao evangelista Bagão não é verdadeiramente dele nem de quem o antecedeu. É nosso. Tudo o que se prometer nesta matéria deve, por isso, ser olhado com imensa desconfiança. Há coisas que nos estão na massa do sangue e não há nada a fazer. Como não podemos fechar o País, resta aos protagonistas partidários alguma clareza nos propósitos e muita honestidade intelectual na concretização, se esta for verosímil. Tudo o que cair fora disto, é "poção mágica". Em português corrente, treta.

PARENTE POBRE

Não me lembro de ter ainda ouvido falar de "cultura", a não ser a título puramente ornamental e retórico, na preparação das "novas fronteiras" do PS. Os problemas e as omissões registados nos últimos anos, os derradeiros de Guterres e todos os da "maioria", mereceriam porventura outra atenção e novas caras para preparar caminhos diferentes. Eu sei que é aborrecido ter que misturar a "cultura" com o "dinheiro" ou com a falta dele. O que importa é ultrapassar o círculo vicioso da eterno "parente pobre" e a lógica da "mercearia". Mas para isso é preciso enfrentar, debater e, depois, decidir. Fazer política, portanto.

20.12.04

ÓPERA, MEMÓRIA, PERSPECTIVAS II

Trata-se de uma "adenda" ao post com este título, roubado ao Augusto M. Seabra, de ontem. Pelo Melhor Anjo cheguei a uma interessante entrevista com Ricardo Pais, o director do Teatro Nacional de São João. É um bom contributo para o tal debate acerca do "paradigma gestionário" dos teatros nacionais, o de ópera incluído. Também Pais desconfia da bondade dos "teatros SA" e afirma-se favorável à manutenção da presente configuração legal, com as necessárias adaptações que nunca chegaram a fazer-se, "flexibilizando" a pura gestão contabilística e financeira, atenta a especificidade destes organismos.

SUL

Esta semana vou tentar não "falar" de chatos e de chatices. Antes os livros. Miguel Sousa Tavares reeditou, revisto e aumentado, SUL Viagens (Oficina do Livro). Como o nome indica, reúne impressões de viagens a sítios tão diversos como o Brasil ou Goa, Marrocos ou Cabo Verde, o Alentejo ou o Egipto, Veneza ou a África profunda. Eu partilho destes gostos. Se fosse rico e não tivesse que perder a maior parte do tempo a fazer coisas de que não gosto, seguiria permanentemente a rota do sol e do sul. "Nem sempre viajei para sul, mas nada vi de tão extraordinário como o sul. O Sul é uma porta de avião que se abre e um cheiro inebriante a verde que nos suga, o calor, a humidade colada à pele, os risos das pessoas, o ruído, a confusão de um terminal de bagagens, um excesso de tudo que nos engole e arrasta como uma vaga gigantesca. Apetece fechar os olhos, quebrar os gestos e deixar-se ir. Mas é justamente neste caos que eu procuro a lucidez do contador de histórias".

19.12.04

RENATA TEBALDI (1922-2004)

Renata Tebaldi desapareceu este fim de semana. No tempo em que os públicos de ópera eram vivos, dividiam-se inexplicavelmente as preferências por ela e pela Callas. Digo isto porque ambas se distinguiam perfeitamente, quer no registo "teatral", que a Callas tinha em demasia e a Tebaldi de menos, quer no repertório, mais "dramático" na primeira e "lírico-spinto" na segunda. Aliás, Maria Callas abordou obras do chamado "bel canto" que jamais a Tebaldi cantou. Com a sua magnífica "língua de prata", Callas, quando lhe falavam na Tebaldi, perguntava se era possível comparar o "champanhe" com a "coca-cola"... É, porém, indiscutivelmente uma das mais bonitas vozes do século XX. Trabalhou com os maiores maestros e nos maiores palcos, o nosso São Carlos incluído. As gravações felizmente aí estão para o confirmar.

ADICIONADOS

... à exemplificativa lista da direita, A Grande Loja do Queijo Limiano e Random Precision.

ASSIM, NÃO



Desde o "episódio" Felgueiras que o dr. Assis, do PS/Porto, não acerta uma. O sentido de oportunidade (estou a ser terrivelmente generoso no uso da palavras) de Assis, levou-o a apoiar Pinto da Costa na sua eterna diatribe contra Rui Rio. Abriu-lhe literalmente as portas das autárquicas contra o actual presidente. E não se coibiu de "cavalgar" a habitual demagogia populista de Pinto da Costa a benefício partidário. É bom lembrar o dr. Assis que os "interesses corporativos", contra os quais se tinha manifestado José Sócrates na véspera, estão demasiado bem implantados no obscuro mundo da bola. Neste sentido, não há propriamente um "futebol bom" e um "futebol mau". A promiscuidade foi levada demasiado longe para que haja caminhos de regresso. As afirmações do dr. Assis são um sinal lamentável da continuação dessa promiscuidade. Se de alguma coisa valeu a vitória de Rui Rio há três anos, foi justamente ter representado a supremacia do poder político democrático sobre o folclore populista mais reles. Para um partido que aspira- e bem- à maioria absoluta nas eleições legislativas de Fevereiro próximo, dispensam-se "contributos" deste género. Assim, não.

O MONÓLOGO DO FAQUEIRO

Prenhe de cicatrizes nas costas, Santana Lopes deu ontem à noite uma entrevista "semi-zen" a Constança Cunha e Sá, na TVI. Minutos antes de um jogo do Benfica, quase a correr, Lopes e Constança trocaram galhardetes numa entrevista que não fica para a história. No essencial, foi mais do mesmo. Eu, Lopes, recebi "uma herança" inesperada e não me deram "sossego" para a gerir. Agora sim, posso ir para a estrada com o "meu" programa e com a "minha gente", desde que naturalmente não me façam o que me têm feito. Eu, Lopes, "tenho as costas cheias de facadas", por isso façam o favor de me compreender. Reparem como eu sou generoso, nem sequer vos peço que me concedam a "maioria absoluta". Não. Deixem-me apenas ficar à frente e não liguem àquele "acordo" que eu fiz com o Paulo. Aquilo é coisa "de segundos" e eu sou um "combatente". Ressumou uma ideia para além do narcisismo ferido? Sobrou uma ambição para lá da estafada dicotomia do "eu" e dos "outros", Portas incluído ? De que é que fala Santana Lopes todo o tempo senão dele mesmo e para ele próprio?

ÓPERA, MEMÓRIA, PERSPECTIVAS



... é o título do artigo de Augusto M. Seabra no Público de domingo. Continua uma reflexão iniciada a semana passada. É tanto mais oportuna quando se pode voltar a abrir a discussão em torno do paradigma gestionário do nosso único teatro operático. Não acompanho Seabra na defesa do "modelo Fundação" cujos resultados financeiros foram amplamente desastrosos. Também não acompanhei Amaral Lopes no "modelo SA". Em posts vários colocados neste blogue expliquei por que defendo a manutenção do actual estatuto de instituto público com um regime de orçamentação plurianual. O artigo de Seabra apela a que se aprenda com a "história". Sabendo-se como esta funciona entre nós, neste sector como em tantos outros, eu duvido que alguém tenha efectivamente aprendido alguma coisa.

18.12.04

AGRADECER

...ao Portugalidades pela distinção concedida ao Portugal dos Pequeninos. Com atraso, pelo menos público, a mesma gratidão ao Abrupto e, na imprensa, à revista Visão. Algum deste "Portugal" conhecerá, a seu tempo, uma outra forma, mais durável. Finalmente ao Mário, que verdadeiramente está bastante mais "para lá de Bagdade".

NATÉRCIA FREIRE (1919-2004)



REGRESSO

Quem é? Quem vem?
A porta não estacou
e todos pela mesa olham pasmados.
Só eu animo a voz:
— Olhem quem vem! Reparem quem voltou!
Rolam silêncios fundos e pesados.

Imóvel no meu barco de luar,
os meus olhos venceram as ramadas.
Música longa... Um sino a palpitar.
Calçadas e calçadas...

Presépios com pastores de palmo e meio.
Velas que são faróis... Cresceu a bruma.
Deitem-me assim, num jeito de menina,
e envolvam-me de espuma.

— Olhem quem vem! Reparem quem voltou,
que tem os braços que eu gritei além!

— Vou com ele, não volto, minha Mãe!

Vou com ele nos uivos da tormenta,
com ele vou pregada na paixão.
Medo de quê? Oceanos azulados...
Medo de quê? Neblinas e canções...
— Dentro do Espaço adoçam-se pecados
e morrem solidões.

Sem braços me tomou na posse enorme.
Roçou-me os lábios, simples sem ter boca.
Ele é quem diz: — Sossega, dorme, dorme...
E nunca mais me toca!

As tardes, mesmo ao longo dos casais,
cegos: falas de gestos a ninguém...

Quem é? Quem vem?
Para sempre me tomou ...

— Vou com ele, não volto, minha Mãe!

SANTANA LOPES, RETRATO DE UM LISBOETA CONHECIDO



Em condições "normais", com políticos "normais" e em circunstâncias "normais", estaríamos a celebrar o terceiro aniversário da presidência camarária de Lisboa de Pedro Santana Lopes. A sua vitória, à 25 ª hora, terá ajudado a ditar o abandono de Guterres na mesma noite, abrindo o caminho para Barroso em Março do ano seguinte. De tudo isso só restam hoje ruínas. A história destes três anos é o registo de um imenso fracasso. Na Câmara tudo começou mal e conseguiu acabar pior. A benefício da pura propaganda, a cidade foi inundada pela realidade virtual. O "neo-realismo" santanista não resistiu a deixar marca e o centro esventrado da cidade é o melhor vestígio deste estranho iconoclasta. A inesperada subida aos altares de São Bento só veio agravar a coisa. Lisboa tem agora um sério problema político e técnico que a leveza do seu presidente legou aos vindouros, os próximos e os outros. Não se pode dizer que tivesse "ficado a meio" porque, na realidade, nada de verdadeiramente sério se iniciou. A forma atribulada e descomposta como se anunciou o "enfrentamento" dos "problemas" redundou em qualquer coisa aproximada ao caos. Não contente com isto, Barroso convidou o caos a instalar-se no governo da Nação. Os terríveis e originais meses que nos estão a ser propiciados ficam indelevelmente gravados na "memória" da democracia. O "talento" santanista estatelou-se miseravelmente aos seus próprios pés. A "natureza" de Santana Lopes falou sempre mais forte do que o seu "instinto", esse tão famoso "instinto". Com a gente certa e com a "cabeça "certa, talvez tudo pudesse ter sido diverso. A leitura do discurso de posse como primeiro-ministro serviu no entanto de "guião" para a tragicomédia que se ia representar daí em diante. Por fim, até Portas percebeu a balbúrdia e procura agora salvar os galões conquistados no poder com a distância. O PSD, mais do que se arrastar na campanha por ele, tratará antes de salvar no limite as sinecuras ocupadas. Isso, e apenas, isso agitará bandeiras. Aparentemente nada disto preocupa excessivamente o ainda primeiro-ministro, transformado, por iniciativa própria, no "combatente" por uma causa inteiramente nula. O acordo defensivo e "negativo" que celebrou com o PP é maior confissão pública de uma derrota anunciada. É a primeira vez na história da nossa democracia que dois partidos "se entendem" exclusivamente para minorar a desgraça do maior deles. Sabe-se agora que Santana rastejou junto de Portas, e até ao último minuto, para obter uma coligação que lhe controlasse e dividisse os danos. Porém, a derradeira companhia que o líder do PP desejava para a campanha das feiras e da televisão era justamente a do seu querido amigo "de mais de vinte anos". O grotesco argumento do "dois em um", utilizado pelo CDS/PP para justificar o acordo e, eventualmente, um governo de "segundos partidos" depois de Fevereiro, só serve mesmo para disfarçar o óbvio. Paradoxalmente ou talvez não, Santana Lopes, três anos após o triunfo em Lisboa, é tão-sómente um homem que caminha sozinho sobre o vazio .

17.12.04

SOLDADINHOS



A recente entrevista do dr. Paulo Portas à RTP é bastante significativa. Portas, sobretudo desde que assumiu funções governativas, quer dar de si próprio e do seu pequeno partido uma imagem institucional. Depois de ter alcançado o Estado graças à generosidade oportunista do PSD, Portas passou a comportar-se - ou a parecer que se comportava - de forma diferente daquela a que nos habituou. Fundamentalmente Portas sempre se caracterizou como um "anarquista de direita". Quando lhe convém, o que acontece amiúde, coloca-se na pseudo margem do "sistema" e foi assim, um pouco como um "Bloco de Esquerda" ao contrário, que cresceu. Nem que fosse por isto, quem, no PS, olha voluptuosamente para o BE, devia pensar duas vezes. Voltando à entrevista, cheia de picardias para com o seu parceiro actual, Paulo Portas apareceu "contaminado" pelos anos de ministro da Defesa Nacional. Olhou para o seu "espaço político" - o dele e o dos outros - como quem contempla um regimento. Quer esse espaço "disciplinado", uma palavra que repetiu por diversas vezes. Revelou-se intolerante perante o pensamento diverso na mesma área política e aí, uma vez mais, reclamou "disciplina". Nem Cavaco Silva foi poupado, no que representou seguramente o melhor elogio da noite para o professor. Qual general, Portas atacou os snipers do "centro-direita" e apelou à condição disciplinada de todos como meros soldadinhos obedientes. Certo é que o PP quer ser "chamado" de novo, depois de 20 de Fevereiro, dê lá por onde der. Apesar do esforço, toda esta encenação para-militar trouxe de novo à tona o original Portas e, com ele, o velho problema da credibilidade. Até pela circunstância de o conhecer, preferirei sempre o "anarquista" ao empertigado "comandante" de homens que nunca pediram para ser soldados e, muito menos, "seus".

16.12.04

LER OS OUTROS

...no Abrupto, O Atirador Furtivo: ... bem pobre é a acusação a quatro homens, só com o poder da palavra, da opinião e do argumento, para os culpar de tão grandes coisas: a queda de um governo e uma maioria e o fim de uma coligação que tinha jurado existir até 2014.

UMA HISTÓRIA PORTUGUESA



O sr. Carlos Silvino começou a depôr no julgamento do processo "Casa Pia". Para além de confessar a autoria de crimes de natureza sexual executados com menores entregues à tutela do Estado, Silvino contou igualmente parte da sua história. Entrou menino para a instituição e ainda menino foi alvo de violações e de tratos afins. Aos catorze anos passou-lhe pela cabeça suicidar-se. Desde funcionários a professores, até ao padre da "casa", todos, segundo o depoente, o sujeitaram, a ele e a outras crianças, às maiores violências de índole sexual. A estratégia da sua defesa passou também por implicar os restantes arguidos deste processo. Esta "história portuguesa" nada tem de edificante nem deve ser motivo de exaltação para qualquer das partes. Ela é reveladora da profunda miséria humana e moral que se esconde nas profundezas de uma sociedade hipócrita, beata e moralista como é a nossa. Pensar-se que esta monstruosidade ocorre dentro das paredes de instituições públicas, criadas precisamente com propósito de proteger e tutelar quem lá está dentro, torna tudo infinitamente mais dramático. Carlos Silvino, simultaneamente vítima e carrasco, é apenas um exemplo infeliz de uma situação demasiado incómoda porque demasiado verdadeira. O Portugal "moderno", começado a construir ainda sob o olhar complacente de Marcello Caetano nos anos 70 e "transformado" pela "democracia" a partir dos anos 80, oculta estas perversões debaixo das promessas de redenção política e cívica de todas as proveniências. São quistos gerados no corpo da própria engrenagem oficial e oficiosa, laica ou religiosa. Não nos iludamos. Continua-se a preparar para a não-vida dezenas de Carlos Silvinos entregues a organismos públicos. A incúria, disfarçada por um assistencialismo primário e demagógico, não garante nenhuma espécie de protecção para estes deserdados, desde cedo abandonados à sua má sorte. Toda a "psicologia" do mundo não cabe no universo torturado destes meninos precocemente envelhecidos. Carlos Silvino, com maior ou menor sinceridade, conta uma história que nos devia fazer corar de vergonha. Porém, no quentinho da época mais cínica do ano e prenhe de "bons sentimentos", quem é que tem tempo para se lembrar do "outro" que se está a afundar mesmo ali ao nosso lado?

15.12.04

RAPOSAS LEBRES

O primeiro-ministro apareceu inesperadamente numa cerimónia ligada ao anúncio de qualquer coisa sobre o mar. Estava previsto que só Paulo Portas abrilhantasse a cena com a sua presença. O "governo de gestão" vai querer mostrar em semanas o que não fez em 4 meses. Como nenhum destes nossos amigos brinca propriamente em serviço nestas matérias, Lopes lá esteve para "partilhar" o pequeno momento e a não deixar o palco todo para Portas. Isto é, já está consumada a "conjugação separada" de esforços. Daqui até ao fim é ver cada um contar as respectivas lápides e inaugurações, com Santana sempre atento aos mínimos detalhes "mediáticos". Alguém verdadeiramente acha que isto pode acabar bem, num mato em que ambos querem ser raposa e nenhum deles lebre?

LER OS OUTROS

No Bloguítica, este "post", com a devida vénia, porque é, na realidade, "bem claro".

SEJAMOS CLAROS
Uma campanha eleitoral é, por natureza, um jogo de soma nula e não há maneira de o ultrapassar. Se alguém conquista um voto, tal significa que alguém perdeu um voto. Muito simples.Inevitavelmente, o objectivo de uma campanha eleitoral consiste em obter o maior número de votos possível e tal faz-se em detrimento de terceiros. Logo, como facilmente se percebe, o pacto de não agressão entre o PSD e o PP foi feito para ser quebrado. Será apenas uma questão de tempo. Há aqui a exigência de um grau de disciplina que todos sabemos que uma das partes não consegue manter.Alguém acredita num pacto que vai contra a própria lógica de uma campanha eleitoral?Alguém acredita num pacto que não tem mecanismos de penalização em caso de violação?

RÁBULA

....aquela tirada contra "os poderosos". O ar "descamisado" não combina com aquela dupla. Mas atenção, é disto e de muito disto que vai viver a campanha destas criaturas tão amigas dos pobrezinhos e dos desvalidos.

FARSA

Os inefáveis drs. Santana e Portas proporcionaram mais uma originalidade. Nuns breves instantes conseguiram protagonizar um não evento político sem qualquer espécie de interesse para o país. Foram minutos de puro teatro e do mau. Duas estimáveis e imaginativas pessoas, em excesso de falsa amabilidade mútua, representaram uma pequena peça absurda diante das televisões. Nem sequer se preocuparam em inventar uma ideia ou uma proposta. Limitaram-se a resumir cálculos. Julgo que eles não somam, anulam-se. A patética assinatura apressada de uma papeleta foi o coroar da sessão. Naquela sala, naquele momento, o "tempo novo" chegou finalmente a um fim. A "maioria" que começou esperançosa com Barroso, terminou ontem em farsa com Santana e Portas. Quem é que, no seu perfeito juízo, se vai entregar de novo a qualquer um deles? Quem, digam-me?

14.12.04

PARTES SEM UM TODO

Sempre pensei que Santana Lopes quereria desfazer-se do governo mais tarde ou mais cedo. Em certo sentido, ele foi sempre um falso primeiro-ministro. Era algo que definitivamente não estava "escrito" nas suas "estrelas". Ficámos agora a saber que, depois do discurso do Presidente, também ele quis fugir e passar a pasta ao número dois. Escrevo "também" porque a "arte da fuga" ameaça tornar-se uma trivialidade entre nós. Guterrres, o sorridente peregrino, foi o primeiro a afastar-se na primeira contrariedade eleitoral. Explicou recentemente que o "pântano" de que fugia não era o dele. A beatitude do seu gesto visava antes evitá-lo para o futuro, disse. Trata-se obviamente de um malabarismo recuperado pelo velho conspirador de sotão a pensar já nas presidenciais. A segunda fuga foi protagonizada por Barroso. Mais sofisticada, não deixou de representar uma saída airosa (só para ele) face a uma maioria precocemente anquilosada e claramente derrotada nas "europeias". Chegou agora a vez de Santana Lopes. Infelizmente para ele, a tentativa de fuga não resultou. Terá que ficar "amarrado" ao seu governo e à sua prolixa maioria até ao fim. Não me supreende esta intenção de abandonar a função de primeiro-ministro. Só a Figueira da Foz teve o privilégio de o ver cumprir qualquer coisa. Santana Lopes é humano e tem um problema com a vida, expresso em letra de forma por Fernando Pessoa. Tudo nele se resume a um conjunto circunstancial de "partes sem um todo".

13.12.04

A "MAIORIA" II

Que tipo de confiança pode merecer uma "maioria" e, por tabela, os partidos que a integram, quando o único propósito visível que os anima é saber como é que perdem menos votos? E, mesmo aí, pelos vistos não se entendem. Como é que o país pode confiar em dirigentes partidários que gerem uma agenda meramente oportunista, sem uma única ambição que não seja o salvar da própria pele? Que lugar há, afinal, para o país na agenda errática e perigosa desta gente?

A "MAIORIA"

Este episódio ainda por concluir das listas conjuntas ou não conjuntas, vem demonstrar uma coisa. Ninguém está disposto a dar a cara por estes dois anos e tal de "coligação" e a apresentar conjuntamente contas ao "povo". No estertor, ninguém quer identificar-se politicamente com a "maioria". Barroso foi o primeiro a fugir, com o aplauso de Sampaio. Santana e Portas continuaram para sustentar uma "obra" virtual na qual, pelos vistos, não acreditam. Portas sozinho andará por montes e vales a pregar a sua gravidade e a sua "estabilidade". A todas as horas lembrará que não partiu dele, o "leal companheiro", a desgraçada instabilidade que irritou o Presidente. Santana irá "de porta em porta" fazer o papel do desgraçadinho, atacando tudo e todos, a começar pelo seu partido. Falará exclusivamente de si próprio como aquele a quem todos negaram a oportunidade de regenerar a Pátria. Com ele não há derrotas anunciadas nem impossibilidades definitivas. Se não der agora, ele volta depois para tentar Belém. A campanha eleitoral anuncia-se violenta e medíocre. A "maioria" estará durante o dia no governo de gestão e à noite desfaz-se em propagandas separadas. Quando um dia se fizer a contabilidade desta combinação fracassada, não sobrará pedra sobre pedra. Nem uma nota de rodapé, afinal, merecem.

12.12.04

CADA VEZ ÚNICA O FIM DO MUNDO



Encomendei este livro à nova "livraria francesa" instalada no Instituto Franco-Português. Lentamente este espaço vai estando mais preenchido, embora ainda reine alguma confusão e existam demasiadas lacunas. A amabilidade tempera, porém, as falhas. Chaque fois unique la fin du monde foi inicialmente publicado nos EUA sob o título The Work of Mourning. Trata-se de uma quase derradeira obra de Jacques Derrida. Nela recolhem-se textos do autor que estavam dispersos e que constituem uma "unidade". Ao longo de cerca de vinte anos, Derrida escreveu, por ocasião da morte de alguns seus amigos escritores, professores e "intelectuais", estas belas prosas aqui reunidas. Ce livre est un livre d'adieu. Un salut, plus d'un salut. Chaque fois unique. Mais c'est l'adieu d'un salut qui se résigne a saluer, comme je crois que tout salut digne de ce nom est tenu de le faire, la possibilité toujours ouverte, voire la nécessité du non-retour possible, de la fin du monde comme fin de toute résurrection.

A "ESTABILIZAÇÃO"

Paulo outra vez:" a dissolução ocorre num momento em que o país começava a ganhar estabilização económica". Fica mal a um ministro de Estado não conhecer os indicadores de conjuntura. Persistir no registo da "retoma", ainda contrariada pelas evidências, é mais um cheirinho já a pensar nos mercados e nas feiras.

A CABEÇA DE JANUS

Ontem foi Pedro, hoje é Paulo. A "cabeça de Janus" da maioria desponta a passos largos para o esfarelamento e para o precipício. Dias Loureiro lá sabia do que falava quando mencionou que se libertaram "demónios" com este governo. Um deles, o do populismo, nunca o abandonou e, nas próximas semanas, virá amiúde ao de cima. Paulo, segundo o Público:"líder do PP acusa Presidente de ter dissolvido Parlamento por pressões da banca". Isto é só um cheirinho.

11.12.04

O "SENTIDO"

Ainda há gente que leva "o Pedro" a sério. Vai haver mais concerteza. Ricardo Costa, na SIC, disse até que era um "bom discurso", este da demissão do governo. Será? Sai sem glória e embrulhado num péssimo ambiente guerrilheiro e traquina, o único em que o primeiro deles consegue respirar. É esse - e só esse - o "sentido".

"O PEDRO" II

Sempre em cima de tudo e do seu nada, "o Pedro" convocou um conselho de ministros extraordinário para as 19h30 de sábado, na sua residência oficial. Anúncios, propaganda, resposta requentada ao PR ou demissão? Acho que vai ser tudo isto, devidamente misturado. A "vítima" está de volta.

"O PEDRO" E OS SEUS AMIGOS

O dr. Dias Loureiro é alguém que adquiriu, sabe-se lá bem porquê, um estatuto "senatorial" dentro do PSD. Apresenta-se, desde que Marcelo saiu, como o "tutor" político dos líderes e é chamado a pôr "água na fervura" sempre que a incontinência alarve substitui a frieza das circunstâncias. Na audiência com o PR foi ele, e não o 1º vice-presidente de Lopes, Rui Rio, quem falou, et pour cause. Paredes meias com isto, Dias Loureiro deu uma entrevista à TSF onde falou de "intimidades" partidárias. Explicou ao "Pedro" que o melhor mesmo era ele demitir-se, coisa que "o Pedro" acompanhou, referindo que "eles" não lhe perdoavam não ter sido "legitimado". Aliás, segundo Loureiro, "o Pedro" teria desejado eleições quando Barroso se foi embora. O problema estava, pois, todo resumido na "passagem de testemunho" deste para "o Pedro", qualquer coisa parecida como que entre "um pai e um filho mais velho". Sem querer, Dias Loureiro pôs o dedo na ferida. No seu confortável gabinete de Bruxelas, Durão Barroso tem motivos para sorrir quando olha para o seu país, lembrando o sempre saudoso Mao Tse Tung: tudo debaixo dos céus está um caos, a situação é excelente. As eleições de 20 de Fevereiro - é bom não o esquecer - também servem para julgar Durão Barroso e a sua irresponsável fuga. Se Barroso, algo perversamente, desejava decapitar Santana Lopes, é grave que se tenha "servido" de um país inteiro e do governo da nação para o fazer. Eu suspeito que a "ascensão" do "Pedro" não foi inocente. Lopes nunca foi um verdadeiro ersatz de Durão Barroso. Se alguém tinha obrigação de saber o que na realidade "valia" Pedro Santana Lopes, esse alguém é inequivocamente Barroso. Os milhares de portugueses que, nos "idos de Março" de 2002, confiaram em Durão Barroso contra a pusilanimidade então instalada, têm agora razões de sobra para o punir, a ele e à sua involuntária marioneta. Sozinho ou acompanhado, "o Pedro", esse grande triunfador eleitoral, como não se cansam de repetir os "comentadores", vai agora para onde ele mais gosta, a estrada. Carrega não apenas a sua cruz, mas também a do "outro". Os amigos são mesmo para as ocasiões. Não é, Pedro?

LER OS OUTROS

No Bloguítica, Mudar para melhor. Ao contrário do que o porta-voz do PS pensa, as coisas não são assim tão simples ou sequer dicotómicas. As palavras-chave continuam a ser "credibilidade" e "exigência", sem correr o risco de as transformar em vazios lugares-comuns.

ALÍVIO

Jorge Sampaio, finalmente Presidente da República, usou as palavras certas: falta de credibilidade, descoordenação e desprestígio das instituições. É pouco mais do que isto que efectivamente sobra desta sórdida aventura. O resto já praticamente toda a gente tinha intuído. O país respira de alívio.

10.12.04

EDIFÍCIO EM RUÍNAS

Já não é a primeira vez, com esta maioria, que um dirigente superior da administração pública se demite alegando "falta de confiança" no membro do governo que o tutela. Agora foi o presidente do mal fadado Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. O que nasceu torto tarde ou nunca se endireita. Este Serviço foi, à altura, dado como exemplo das "fusões" miríficas que o governo ia levar a cabo. Nunca tanto mato e tanta casa arderam depois disto. A arrogância, aliada à ignorância, é uma mistura explosiva na mão de aprendizes de feiticeiro. É muito feio brincar com a dignidade profissional e pessoal de cada um a benefício da pura vaidade. Estranho, porém, que um homem como Daniel Sanches tenha achado tudo trivial e mantenha a confiança no seu secretário de Estado. Se Morais Sarmento queria bons exemplos de imaturidade política do "sistema", aí os tem, bem dentro da sua "casa", agora claramente transformada num edifício em ruínas.

LER OS OUTROS

No Abrupto, Campanha Eleitoral (ou como a "pose de Estado", mesmo com soldados e chaimites atrás, não resiste dois segundos perante o "contraditório" de si própria e perante a política de "vão de escada") e Bibliofilia- Retrato de uma aventura intelectual a dois.

À SOLTA

Não faço a mínima ideia quais sejam as razões "formais" que Sampaio vai apresentar. As "políticas", qualquer analfabeto simples já as entendeu. Este doloroso percurso revelou uma vez mais a leveza do poder político democrático perante outras coisas. Nunca as corporações patronais e sindicais, as ordens profissionais ou quaisquer outros "representantes" de "interesses" tiveram tanta força e tanta voz. O "tempo novo" de Santana, à semelhança do "somos todos Portugal" de Barroso, pretensos porta-vozes da sempre angustiada e "oprimida" sociedade civil, falharam a sua divina missão. Este centro-direita, mal amanhado, descoordenado e insensato meteu-lhes medo e, quando chegou a hora, deixaram-no cair. Porém, e bem pior do que isto, é o facto de, ao não conseguir impôr-se perante o ouro e a insolência, o poder da "direita" revelou quer a sua impotência estrutural, quer a falta de autoridade do Estado democrático. Nunca o Estado democrático de "direito" esteve tão debilitado perante os "interesses" como agora, justamente quando os pretensos representantes políticos de parte deles estavam no poder. Este mal vinha, no entanto, de trás. Começou no pior Guterres, o primeiro a destruir com método e sorrisos o princípio da subordinação do poder económico e corporativo ao poder político democrático. A última vez que o Estado manifestou a sua autoridade democrática, sem ambiguidades oportunistas nem hesitações de circunstância, foi com Cavaco Silva, entre 1985 e os primeiros anos 90. E, mesmo aí, sabe-se com quem ele acabou rodeado e por que decidiu partir. Um ano inteiro em processos eleitorais, sem "economia" e com o drama financeiro por resolver, não é motivo de esperança para nós. Quanto aos "outros", esses continuarão como têm andado sempre, alegremente à solta.

9.12.04

SARMENTO E O ESPELHO

As hostes da maioria receberam "guia de marcha" para atacar Sampaio. Morais Sarmento, com aquela delicadeza que o tornou famoso, falou de "imaturidade política" do Presidente e de uma sua suposta "lógica de caudilho". Vê-se mesmo que esta última se aplica como uma luva ao visado, não é? A prédica insolente de Sarmento só revela uma coisa: a "maioria" começa finalmente a ver-se ao espelho.

A ÚLTIMA OPORTUNIDADE

Sampaio está final e formalmente a dissolver o Parlamento. Este caminho iniciado há quatro meses quando decidiu dar posse a Santana Lopes, mostrava-se inevitável. Não me cansei de criticar Sampaio por voluntariamente ter abdicado da natureza semi-presidencial do regime. Os últimos anos e a última "prática" tinham-no transformado num misto de "presidencialismo de chanceler", através da proeminência da figura do primeiro-ministro, com "parlamentarismo" acentuado pela existência de uma maioria de "secretaria". Agora, algo tardiamente e algo atrapalhadamente, essa "matriz" semi-presidencial foi recuperada através do acto solitário, em boa hora relembrado, da dissolução. A legitimidade originária dos principais protagonistas é a mesma. A maioria, hoje "incomodada" com a intervenção do Presidente, não pode esquecer-se disso. Tudo vem do "povo" e tudo, quando as circunstâncias o recomendam, deve voltar ao "povo". Nem que seja para que este diga que tudo deve ficar na mesma. A partir de amanhã à noite, acabam-se as lamúrias auto-vitimizadoras e o governo entra definitivamente em campanha eleitoral. Trocado por miúdos, vamos ter lápides descerradas a torto e a direito e compromissos financeiros assumidos para o futuro - a falta que nos andavam a fazer as chaimites... Numas breves semanas, Lopes e Portas vão tentar demonstrar que, afinal, tinham "um governo". É por isso fundamental que fique claro a natureza "de gestão" deste executivo a partir do momento em que for assinado o decreto de dissolução. Não faz qualquer sentido a "plenitude de funções" de um governo desprovido da "vigilância" democrática do Parlamento. Como estes rapazes não brincam em serviço, embora pareça, todo o legítimo cuidado é pouco. Sobre esta matéria, como noutras, Sampaio tem uma última oportunidade para ser inequívoco.

8.12.04

UMA LEITURA

O Meu Tempo com Cavaco Silva, de Fernando Lima (Bertrand Editora, 2004), não é um "grande" livro político. É apenas o retrato de uma época e de um homem feito por um seu leal colaborador. Vale sobretudo pelas citações dos "comentadores" daquele tempo, particularmente as inúmeras de Paulo Portas, primeiro director-adjunto e depois director de O Independente. É uma leitura que recomendo aos bonsã do PSD.

BEIJO DE MORTE?

Estive entre os cerca de dois mil cidadãos que jantaram ontem com Mário Soares. À excepção do PCP, estava lá um pouco de tudo e, naturalmente, muito do PS. As coisas, apesar dos tempos, passaram-se com a sobriedade que a idade do homenageado recomendava. Não houve comício nem bravatas. Os discursos, o de Soares e o de Vasco Vieira de Almeida, limitaram-se a recordar os difíceis caminhos da liberdade e um indiscutível património da democracia. Uns quilómetros mais para cima, em Famalicão, reuniu-se noutro jantar um pequeno partido de uns pequenos políticos. Esse pequeno partido e esses pequenos políticos querem agora apresentar o seu "chefe", montado numas corvetas, como o salvador da Pátria, inclusivé com efeitos retroactivos. Como gato a bofe, agarraram-se às conclusões da comissão de inquérito a Camarate e não manifestaram o mínimo pudor em fazer delas arma de arremesso. Sá Carneiro não merece estes epígonos de circunstância e estes acessos oportunistas de mau gosto. Ao longo destes vinte e tal anos o fundador do PSD tem servido para praticamente tudo. Muitos se quiseram e querem afirmar às costas da sua memória e do seu legado político. Porém, qualquer semelhança entre Sá Carneiro e esta pequena gente é mera e rídicula coincidência. Os principais dirigentes da coligação disputam hoje a sua "herança". Um deles está a mais. Não sei se outro dia, ao dizer que tinha ao seu lado "o melhor" ministro da Defesa, o primeiro-ministro não estava elegantemente a dar um beijo de morte.

LA BOHÈME

Je vous parle d'un temps/
Que les moins de vingt ans/
Ne peuvent pas connaître/
Montmartre en ce temps-là/
Accrochait ses lilas/
Jusque sous nos fenêtres/
Et si l'humble garni/
Qui nous servait de nid/
Ne payait pas de mine/
C'est là qu'on s'est connu/
Moi qui criait famine/
Et toi qui posais nue/

/La bohème, la bohème/
Ça voulait dire on est heureux/
La bohème, la bohème/
Nous ne mangions qu'un jour sur deux/

/Dans les cafés voisins/
Nous étions quelques-uns/
Qui attendions la gloire/
Et bien que miséreux/
Avec le ventre creux/
Nous ne cessions d'y croire/
Et quand quelque bistro/
Contre un bon repas chaud/
Nous prenait une toile/
Nous récitions des vers/
Groupés autour du poêle/
En oubliant l'hiver/

/La bohème, la bohème/
Ça voulait dire tu es jolie/
La bohème, la bohème/
Et nous avions tous du génie/

/Souvent il m'arrivait/
Devant mon chevalet/
De passer des nuits blanches/
Retouchant le dessin/
De la ligne d'un sein/
Du galbe d'une hanche/
Et ce n'est qu'au matin/
Qu'on s'asseyait enfin/
Devant un café-crème/
Epuisés mais ravis/
Fallait-il que l'on s'aime/
Et qu'on aime la vie/

/La bohème, la bohème/
Ça voulait dire on a vingt ans/
La bohème, la bohème/
Et nous vivions de l'air du temps/

/Quand au hasard des jours/
Je m'en vais faire un tour/
A mon ancienne adresse/
Je ne reconnais plus/
Ni les murs, ni les rues/
Qui ont vu ma jeunesse/
En haut d'un escalier/
Je cherche l'atelier/
Dont plus rien ne subsiste/
Dans son nouveau décor/
Montmartre semble triste/
Et les lilas sont morts/

/La bohème, la bohème/
On était jeunes, on était fous/
La bohème, la bohème/
Ça ne veut plus rien dire du tout/

(Charles Aznavour)

7.12.04

PARABÉNS, DR. SOARES!



Comemoram-se os 80 anos de Mário Soares. Como restam poucos, Soares deve considerar-se o político puro. Eu escrevo político sem aspas porque considero a política uma actividade nobre em que infelizmente tropeçam demasiados patetas e aprendizes de patetas que só a diminuem em vez de a servir. Conheci-o em 1985, numa cerimónia singela em que um grupo de cidadãos, não directamente afectos ao Partido Socialista, “apelava” à sua candidatura presidencial. Dessa fantástica odisseia recordo dois momentos. O primeiro, em Alhandra, onde o candidato Soares passava num fim de tarde entre insultos e ameaças do “povo comunista". Não se intimidou com o tradicional “vai-te embora” ou com as pancadas dadas nos automóveis da caravana. Sem medos e de megafone na mão, falou. Também recordo um encontro, no Solar do Vinho do Porto, nas vésperas do acto eleitoral. Estavam “intelectuais” e jornalistas, um ou outro mais apreensivo. Soares passeava-se entre todos deixando um lastro de confiança, de bonomia e de tranquilidade. Daí o grupo seguiu para o Largo da Misericórdia, Chiado abaixo, pela Rua do Carmo até à Rua Augusta. Aqui Soares assomou à varanda da sede da UGT, tendo a seu lado uma inesperada e saudosa Natália Correia. A procissão continuou até à Praça do Comércio onde Soares se despediu candidato para atravessar o rio num cacilheiro. Dois dias depois era Presidente. Isto são apenas pequenos episódios sem excessiva importância. Se os recordo nesta altura em que escrevo sobre Mário Soares, é apenas para ilustrar algumas evidências. Ele representa a memória “política” da juventude e da adolescência da maior parte da minha geração. Com ele ou contra ele, tudo o que de essencial aconteceu nestes trinta anos de democracia passou por Soares. No que me toca, ele ajudou-me a aprender que não se pode mudar o “outro” contra a sua vontade e que a coragem, nos momentos decisivos, é o verdadeiro alimento de uma consciência livre. Convém não esquecer que Soares esteve mais tempo na oposição do que propriamente no “poder”. Tal permitiu-lhe associar a dignidade da “suprema magistratura” com uma visão “desapaixonada” da função, sem nunca perder de vista o seu carácter eminentemente “político”. Por muito, pouco ou nada que se apreciasse o exercício, ao menos não havia lugar para impasses ou para lamúrias embotadas. A Mário Soares devemos a resolução do problema da liberdade. E isso não tem preço. Agora Aníbal Cavaco Silva pode, se quiser, resolver-nos o problema da credibilidade. Uma “história” que fica para a próxima. Para já, parabéns, dr. Soares!

6.12.04

A NATUREZA DELES

O dr. Portas passou parte do domingo a conceder alguma importância aos seus mais destacados "lugares-tenentes". Esteve a "ouvi-los" e eles, graves, à saída da "audiência" mostraram a reserva que se deve manter nos momentos elevados. Fartinho de saber o que vai fazer - embarcar ou não embarcar na "plataforma" do dr. Santana - está o dr. Portas. O PP decidiu cavalgar o desvario do seu parceiro pondo uma "pose" de Estado para "controlar os danos". Mesmo assim tenho dúvidas que ainda vá a tempo de os controlar. Santana, por seu lado, e apesar da "plataforma", mandou o sr. Relvas às três televisões generalistas dizer que era "da natureza" do PSD concorrer sozinho a eleições. Nos próximos dias se saberá o que ambos os drs. Portas e Santana pretendem com estas pequenas farsas. Fazem-me lembrar a história do escorpião e da tartaruga. O escorpião queria atravessar o rio mas não sabia nadar. Pediu à tartaruga para o levar às costas. Esta respondeu que não se importava, mas que certamente que a meio da travessia o outro lhe espetaria o aguilhão venenoso. O escorpião riu-se e retorquiu à tartaruga que se fizesse isso, afogavam-se os dois. A tartaruga pensou melhor e cedeu as costas ao escorpião. A meio do trajecto o escorpião não se conteve e espetou mesmo o aguilhão na tartaruga. Esta, estupefacta e incrédula, enquanto ambos se afogavam, perguntou ao escorpião por que fez aquilo, matando os dois. O escorpião respondeu secamente: "o que queres, é a minha natureza!". Este é que é o verdadeiro problema dos drs. Portas e Santana, a natureza deles.

5.12.04

MORTE E TRANSFIGURAÇÃO

O eterno "guru" dos líderes pós-Marcelo, Dias Loureiro, veio anunciar publicamente o fim do PSD tal como o conhecíamos. Eu explico. Em primeiro lugar, no conselho nacional que até nem é maioritariamente "santanista", registou-se uma unanimidade de braço no ar a favor de uma coisa a que chamaram "plataforma eleitoral". Esta "plataforma" pretende juntar ao PSD de Santana duas ou três ficções "políticas" e o PP de Portas que vai agora fingir que se "vende" caro. Portas, muito naturalmente, não vai aceitar menos do que aquilo que tem. Ou seja, o PSD, não o de Barcelos mas o da Lapa, prepara-se para ceder gentilmente ao PP e às referidas ficções deputados seus numa eleição de sucesso amplamente duvidoso. Em segundo lugar, e já a pensar nas famosas "listas", o rebanho sentadinho no conselho nacional, à excepção de meia dúzia de incautos, escolheu Santana Lopes para candidato ao cargo que tão brilhantemente exerce, com os resultados extraordinários que até um cego enxerga. Finalmente e segundo os relatos, Mota Amaral que na véspera se tinha desfeito em mesuras com Jorge Sampaio e "perdoado" o "esquecimento" presidencial, proferiu perante o dito rebanho um ataque ao Presidente da República com uma finura beata que escapa por inteiro ao seu "chefe". Com a debandada de praticamente todos os que ainda conservam um módico de prestígio e de integridade intelectual, é natural que se exiba Mota Amaral, nem que seja a título puramente ornamental. Tudo visto e ponderado, eu creio que a "regeneração" do PSD terá de passar pela derrota da sua inútil "plataforma" nas eleições de Fevereiro. Essa derrota permitirá igualmente evidenciar o fracasso do "pacto de geração" que envolveu oportunisticamente Barroso, Santana e Portas. O friso de mediocridades que tomou conta do partido e do Estado, e que não deixará de constituir o "núcleo duro" das listas de deputados, deverá ser expeditamente varrido pelo voto popular e reduzido à sua natural insignificância. O próximo líder do PSD não tem uma tarefa fácil. Herda a memória, reduzida a escombros, de um partido reformista que se esfrangalhou à mão de aventureiros e de ambiciosos sem escrúpulos.

LER OS OUTROS

No Bloguítica, Recados pela Imprensa e Na Berma do Precipício.

4.12.04

SANTANA VISTO PELOS ÍNTIMOS

"Acreditei neste homem anos a fio mas tenho de concluír que me enganei. Não tem preparação para primeiro-ministro e não tem lealdade para os amigos".
Henrique Chaves, Expresso, 4.12.04

UMA SIMPLES FRASE

Para quem ainda tivesse dúvidas sobre o "homem de Estado" que é o dr. Santana Lopes, os episódios dos últimos oito dias e das últimas horas ( até a missa em memória de Sá Carneiro serve o desmando) foram definitivamente elucidativos. Este descabelamento devia alertar o PSD para aquilo que o espera. Santana possui um "instinto fatal" que leva tudo e todos para um mesmo abismo. O PS fará bem em ignorar soberanamente o desvario que é, na realidade, um assunto puramente doméstico. Quanto ao dr. Sampaio, apenas para aplacar provisoriamente o delírio de um homem à beira de um ataque de nervos, e antes mesmo de explicar tudo ao país, podia "deixar cair" uma simples frase:" o país todo, à excepção do senhor Primeiro-Ministro, já percebeu a razão por que eu decidi dissolver o Parlamento". Ça va de soit.

SE

Umas breves horas após ter escrito o post anterior, a SIC Notícias mostrou Santana Lopes, no seu inequívoco esplendor, a discursar aos militantes na Póvoa do Varzim. Num estilo entre o directo e o insinuado, Lopes atacou Sampaio a quem acusou, por outras palavras, de ter mentido. Não uma, mas três vezes, entre segunda e terça-feira passadas. Chegou a estabelecer uma relação entre a posição do Presidente e o jantar de comemoração dos 80 anos de Mário Soares. E continuou por aí fora a "disparar" contra Sampaio que o impediu de prosseguir uma tarefa que ele próprio inviabilizou. Este espectáculo profundamente edificante só é possível porque o mesmo Sampaio o permitiu há quatro meses. A circunstância de não ter aberto a boca para se explicar, enrodilhado que está na argumentação constitucional, leva a que Santana "monte" entretanto o cenário que mais lhe convém. Talvez agora se aperceba do género de rapaziada em quem confiou, particularmente do primeiro de todos. Se isto fosse um país a sério, obviamente demitia-o.

3.12.04

PÔR A PAU

A decisão ainda não consumada de dissolver o Parlamento está a dar a Santana Lopes uma excelente oportunidade para fazer a sua pré-campanha eleitoral, confundindo o cargo de primeiro-ministro com o de candidato a primeiro-ministro e líder partidário. Ontem chegou mesmo a dizer que tencionava manter-se na "plenitude das suas funções" até à posse do novo governo que ele espera seja dele! Será que o ex-professor de direito constitucional que ele brevemente foi, não sabe o que é um "governo de gestão"? Por tudo isto, quando chegar finalmente o momento de Sampaio revelar a sua "motivação", já Santana teve tempo mais do que suficiente para amortecer os primeiros efeitos desfavoráveis e para "desancar" elegantemente o Presidente que, diga-se de passagem, se pôs a jeito. Os comunicados estéreis de Belém, escudados num inútil linguarejar jurídico, não servem politicamente para nada. Pois é, dr. Sampaio, não se ponha a pau e depois queixe-se.

2.12.04

ACONTECEU ALGUMA COISA?

A intenção de Jorge Sampaio de dissolver o Parlamento deu azo a uma monumental trapalhada. Digo "intenção" porque, na realidade, nenhuma decisão foi ainda tomada. Este extraordinário complexo jurídico-político tem permitido as maiores extravagâncias e - tudo o indica- vai continuar a permitir. A única "instituição" que revelou alguma sensatez no comentário foi Mota Amaral que recordou o óbvio. A Assembleia da República, por muito que isso custe aos "formalistas", está evidentemente "ferida de morte", leia-se, de "morte" política. A ficção dos orçamentos é apenas mais um episódio decorrente da paródia instalada desde há dois dias. Mais. Pelo andar da carruagem não há nenhuma certeza que Santana Lopes, uma vez dissolvido finalmente o Parlamento, peça a demissão ou, muito menos, que Sampaio delicadamente lhe peça para se demitir. Pelo contrário, estão todos a fazer de conta que não se passa nada o que, levado ao absurdo, poderia conduzir a que este governo estivesse em plenitude de funções até à posse do seguinte! Se era para instalar mais um pequeno circo onde ele já estava montado há meses, mais valia Sampaio ter estado quieto e anunciar fundamentadamente uma decisão quando a tomasse. Assim, continuamos a ter Santana Lopes de manhã à noite a perorar sobre "o senhor Presidente da República", secretários de Estado a tomarem posse porque o primeiro-ministro, entre um casamento e uma ida à discoteca à noite, não pôde estar presente no dia certo, orçamentos a serem aprovados com "normalidade" e o dr. Portas a falar como se fosse membro de um outro governo. É caso para perguntar: aconteceu alguma coisa?

1.12.04

1 DE DEZEMBRO II



A ler no Público a continuação da entrevista com Mário Cesariny, iniciada na edição de ontem, a propósito da exposição da sua pintura em Lisboa e da estreia de um documentário biográfico. Que é que somos? Atlantes? Não sei. Sei que não temos jeito para sermos uma nação. Veja-se a tragédia das mortes nas estradas. Não se pode assacar só à falta de educação. O que se passa nas estradas portuguesas é o "que se foda"! Uma espécie de heroísmo suicida.

1 DE DEZEMBRO

Uma das múltiplas vantagens de termos sido "espanhóis" era possuir um chefe de Estado, embora rei, que é estatuto que eu nem sequer aprecio. Desde a razia de Alcácer Quibir que praticamente não sabemos o que é uma élite. Estes últimos anos demonstraram mais uma vez que, no lugar de uma "Pátria", está um ajuntamento de gnomos sem grande imaginação nem talento e que dá forma a uma coisa a que eu chamo o "Portugal dos Pequeninos".

CREDIBILIDADE

Ler no Blasfémias, MAIS UMA ASNEIRA DO PRESIDENTE QUE NÃO DEVIAMOS TER. Sampaio não esteve bem em Julho tal como não esteve bem agora. O "estado-a-que-isto-chegou" é culpa de uma "troika" inesquecível constituída por ele, por Durão Barroso e por Santana Lopes. Dar-se-ia o caso de Sampaio julgar, em Julho, que isto ia correr bem em Outubro ou em Dezembro? E que sentido faz esperar pela aprovação de um orçamento medíocre e politicamente condenado para dissolver o Parlamento quando a dissolução é um acto puramente político? O experimentalismo em política nunca deu grandes resultados. O nosso sistema político, trinta anos depois, e uma vez resolvido o problema da liberdade, está com um grave problema de credibilidade. Pode parecer contraditório, mas a candidatura presidencial de Cavaco Silva passou de facto a ser obrigatória precisamente por causa da questão da credibilidade. Eu percebo o JPP. No entanto ninguém deve voltar aos lugares onde foi feliz, como escrevia o Pavese. O resto - que é quase tudo - já não passa por "este" PPD/PSD.