31.10.04

LEVAR A SÉRIO ?



Há um autor a que volto muitas vezes, Henry Miller. Já aqui o mencionei por diversas vezes. Numa pilha de livros acumulados na "mesinha de cabeceira", um objecto delicioso em vias de extinção ( é "politicamente correcto" dormir rente ao chão), descobri esta manhã Viragem aos Oitenta, numa tradução da Fenda. Apetecia-me reproduzir o texto todo. Não é o sumário de uma vida, mas pode ser uma pequena gramática da existência. Sólido, gracioso, insolente e perturbador, Miller é um dos grandes escritores do século XX, um homem cosmopolita e uma alma verdadeiramente livre. Não vai ser fácil comprendê-lo neste "novo" e já precocemente envelhecido milénio.
Se é jovem em anos mas já cansado em espírito, já a caminho de se transformar num autómato, pode fazer-lhe bem dizer ao seu chefe - entredentes, claro - "Vai-te foder, Jack! Tu não és o meu dono". Se você consegue assobiar, se se excita com um rabo atraente ou um lindo par de mamas, se consegue apaixonar-se uma e outra vez, se consegue perdoar aos seus pais o crime de o terem trazido ao mundo, se está satisfeito por não ir a lado nenhum, viver cada dia à medida que vem, se consegue perdoar e esquecer, se consegue evitar tornar-se azedo, rabugento, amargo e cínico, homem, você já tem meio caminho andado!
São as pequenas coisas que contam, não a fama, o êxito ou a riqueza. No topo, há muito pouco espaço enquanto que em baixo há muitos como você, não há enchentes nem ninguém para o provocar. Não pense, nem por um momento, que a vida de um génio é feliz. Longe disso. Seja grato por ser ninguém. (...) Com raras excepções, as pessoas não se desenvolvem nem evoluem; o carvalho permanece um carvalho, o porco um porco e o asno um asno. (...) Tudo o que realmente temos é o presente, embora poucos o vivamos. Não sou pessimista nem optimista. para mim o mundo não é nem isto nem aquilo mas todas as coisas simultaneamente, e a cada um segundo a sua visão. (...)
Verdadeiramente decrépitas, cadáveres ambulantes, por assim dizer, são as pessoas de meia idade, os homens e as mulheres da classe média que estão presos nas suas rotinas confortáveis e julgam que o status quo durará para sempre ou então têm tanto medo de que assim não seja que já se retiraram para os seus abrigos mentais enquanto esperam a catástrofe. (...)
O que aflitivamente falta no mundo actual é grandeza, beleza, amor, compaixão e liberdade. O tempo dos grandes indivíduos, dos grandes líderes e dos grandes pensadores já passou. No seu lugar estamos a criar embriões de monstros, assassinos, terroristas: a violência, a crueldade e a hipocrisia parecem inatas. (...)
Quem se leva a sério está condenado.

30.10.04

UM VOTO




Ao fim de um ano e tal de silêncio, o Sr. Bin Laden apareceu nas eleições americanas. E apareceu para dizer aos americanos em quem é que eles devem votar. Entre ele e George W. existe uma estranha tensão "dialéctica" de amor/ódio que beneficia naturalmente este último. Sobrevivem à custa um do outro, como o divertido filme de Michael Moore demonstra se for visto com as devidas cautelas. Apesar do relativo fracasso da luta anti-terrorista promovida pelo actual inquilino da Casa Branca, agravado com o desastre iraquiano em curso, os americanos revêem-se mais facilmente nas diatribes guerreiras e securitárias de Bush do que na pusilanimidade de John Kerry. E é apenas isto que praticamente lhes interessa. Não foi só Bin Laden quem decidiu "votar" nas eleições norte-americanas. Um pouco por todo o mundo, Portugal incluído, não houve plumitivo que não dissesse em quem é que os americanos têm de apostar ou, mais propriamente, em quem é que não devem votar. Este frívolo exercício de "whishful thinking", acompanhado à guitarra e à viola pela "intelectualidade" norte-americana, não chega para eliminar os "velhos demónios" que preenchem o vazio da maioria das vidas dos cidadãos do "novo mundo". Eles são infinitamente "mais Bush" do que alguma vez serão "John Kerry", tal como no passado foram "Nixon" ou "Reagan". Depois Kerry é secundado por essa irritante Sra. "maionese" Heinz, originária das nossas bandas, cujo abrir de boca é quase sempre catastrófico. Não tenho a certeza que os americanos a queiram ver sentadinha nos salões da Casa Branca ou que a imaginem "primeira-dama". Dito isto, convém esclarecer que, apesar de eu não desejar a reeleição de George W., por mera atenção pelo sossego do mundo, não estou certo que a maioria dos americanos que vota, pense da mesma maneira. Vocês não estão seguros, nem com Bush, nem com Kerry, explicou-lhes Bin Laden. Na dúvida, porém, ele já escolheu.

28.10.04

UM BARROSO

As últimas movimentações na "galáxia PT/ Lusomundo Media" ditaram a escolha de José Manuel Barroso para director interino do Diário de Notícias. Este jornalista da casa pertence ao "clã Barroso/Soares" por mero acaso sanguíneo. Na realidade, "este" Barroso comunga perfeitamente nas cores políticas actualmente dominantes, particularmente a "laranja". Não julgo que o tio tenha a melhor impressão deste sobrinho. A passo estugado, o DN parece caminhar para um irreversível e lamentável declínio, dirigido à distância pela dupla Delgado/Bettencourt Resendes, os "Dutra Farias" do "regime". Como é habitual nestas coisas, as cópias, mesmo "democráticas", são sempre piores que os originais.

PANOS E CENAS

A Dra. Maria João Bustorff, depois das "queixinhas" de Fraústo da Silva, presidente do Centro Cultural de Belém, exonerou os dois outros administradores, Miguel Vaz, que não chegou bem a perceber o que lá esteve a fazer durante oito meses, e Adelaide Rocha, do pelouro financeiro. Fraústo da Silva é uma daquelas personagens "redondas" que se instalaram na democracia portuguesa como lapas. Estão quase sempre bem com Deus e com o Diabo, consideram-se intocáveis e são profusamente veneradas. Gozam dos favores e da baba de Belém e de São Bento, independentemente dos inquilinos. Por isso nunca há a coragem de as afastar. Na polémica que terá envolvido a direcção do CCB, Fraústo foi muito claro: ou saem eles, ou saio eu. Esta dissimulação resulta sempre. A ministra da Cultura não podia, pois, hesitar. Pena é que não tenha aproveitado para remover toda a "estrutura". Há um lado determinado em Bustorff que me agrada. Era bom que a sua aparente autoridade política fosse igualmente utilizada para resolver situações parecidas. Lembro-me, porque a conheço bem, da "situação" do São Carlos. Paolo Pinamonti, em apenas três anos e graças ao irritante provincianismo doméstico, adquiriu um "estatuto" praticamente idêntico ao de Fraústo da Silva. Até agora não houve ninguém que não se "derretesse" diante de tão preclara e insinuante criatura. Ele, por sua vez, já "derreteu" vários vogais da direcção sem um balido dos poderes públicos. Porque é que Maria João Bustorff, que é uma mulher perspicaz, antes de entregar mais dinheiro dos contribuintes ao São Carlos, se é que o vai poder fazer, não tenta avaliar com precisão o que ali se passa? A "cultura" não é só "abrir os panos". Há momentos em que é mais avisado fazê-los cair para poder tranquilamente "limpar a cena".

27.10.04

QUAL SERÁ O DESFECHO DISTO?

Num dos mais conhecidos diálogos de Hamlet, entre Horácio e o príncipe, este, soturno, diz que "há algo de podre no reino da Dinamarca". Ao ouvir a minuciosa descrição da conversa de Marcelo, o "nosso" Marcelo, com o dono da TVI, Paes do Amaral, tornou-se-me mais evidente o desgraçado país em que vivo. O que se seguiu à oratória do professor perante a melancólica AACS foi porventura ainda mais confrangedor. Paes do Amaral falou de "imprecisões", de "estratégias empresariais" e disse que nem ele nem a TVI faziam "política". Deve-se evitar prudentemente as pessoas que dizem que não são "políticas". Paes do Amaral, sem querer, mostrou o que vale a "iniciativa privada" em Portugal, com muito poucas excepções. Vergada ao poder misantropo do Estado, pedinchona e permanentemente na dependência de um "favor" governativo, a dita "iniciativa" costuma manifestar o seu temor reverencial através das mais toscas das maneiras. Respeitinho é que é preciso, acaba sempre por ser o seu lema. Já o ministro dos assuntos parlamentares, o inefável Gomes da Silva, fugiu das perguntas incómodas por uma porta errada. Deve ser a mesma porta pela qual entrou para o governo. Quando lhe será finalmente indicada a porta de saída? Este sinistro "folhetim Marcelo" é um sintoma demasiado perigoso para ser analisado com leviandade ou sequer com ironia. O híbrido de ignorância, má-fé, prepotência e oportunismo que nos rege sob a forma de um governo, é capaz das piores coisas para salvar o único registo que verdadeiramente lhe interessa, "a imagem". Pelos vistos também sabe arrebanhar os indispensáveis "colaboracionistas" na famosa e "independente" "sociedade civil". De facto, algo está podre neste reino da Dinamarca. Como perguntava Horácio, "qual será o desfecho disto"?

O SAPO

Com o habitual cinismo, já que os seus interlocutores também não mereciam melhor, Barroso aceitou jogar o jogo mole dos consensos oportunistas e jurou, diante dos parlamentares europeus e com o seu vibrante aplauso, que eles eram mesmo importantes. Afagar o ego desta gente tem um preço para o futuro Presidente da Comissão. Cada vez que ele se pretender mexer, lá estará um amável controleiro do PE para lhe lembrar de quem é que ele depende. Bastou ter ouvido a "resistente" Ana Gomes esta manhã para que não restassem quaisquer dúvidas a este respeito. Para não melindrar o estimável Parlamento Europeu e as boas consciências do "politicamente correcto", devidamente espalhadas por este glorioso mundo de Cristo, Durão Barroso averbou uma primeira derrota, engoliu um sapo e a Europa, a dois dias da assinatura do Tratado "constitucional", andou para trás.

26.10.04

LER OS OUTROS

"A Espera", no Mar Salgado.

COSMOPOLITAS?

Temos estado esquecidos do "nosso" José Barroso, que anda num virote para ver "passar" a sua Comissão perante o PE. As prestações e o passado de três ou quatro dos seus candidatos a comissários europeus, não agradaram a alguns grupos parlamentares. Apesar de tudo o que aqui se escreveu sobre aquele ex-primeiro-ministro português, eu acho que Barroso vai safar-se razoavelmente na Europa. A sua frieza e a sua origem "modesta" podem ajudar neste momento de transe num espaço alargado a "25". Quanto maior for o seu sucesso europeu, mais distante Barroso fica do que aqui deixou. Neste momento o seu "problema" chama-se Rocco Buttiglone, o putativo comissário italiano. Este senhor ousou violar o "politicamente correcto" nas audições perante os parlamentares europeus. Quem me conhece, sabe quão distante eu estou das concepções perfilhadas por Buttiglone. Acontece que a Europa cosmopolita que eu defendo, só se une na diversidade. A circunstância deste italiano, amigo de João Paulo II, intelectual e por sinal nada parvo, ter uma visão do mundo completamente diferente da minha, não o diminui, aos meus olhos, para o exercício de um mandato europeu. Buttiglone tem o direito a ser conservador tal como António Vitorino é socialista. Ninguém viu Vitorino impôr à Comissão Europeia os seus "valores", da mesma forma que Buttiglone já explicou, com inteligência, que não pretende trabalhar em Bruxelas agarrado ao missal. Aliás, quem "soprou" Buttiglone a Barroso foi precisamente Vitorino, alguém que me parece francamente insuspeito. A histeria anti-Buttiglone que corre na "opinião-que-se-publica" bebe directamente no fundamentalismo sobranceiro que caracteriza os eternos polícias de costumes encapotados de "progressistas". Ao contrário do que a "retórica da diferença" imagina, este "folclore militante" só serve para fazer o frete aos seus "colegas" do "outro lado". Afinal, quem é que é "cosmopolita" ?

25.10.04

A PLUMA...

...afinal é mesmo caprichosa. Clara Ferreira Alves recusou o convite para ser directora do "oficioso" Diário de Notícias, nas presentes condições. É uma boa derrota para a dupla Delgado/Resendes a quem seguramente não faltarão nomes desejosos de "agradar" e de "colaborar". Chapeau a Clara.

ESTA LISBOA...



O PS quer à viva força "empurrar" António Costa para a Câmara de Lisboa. Ele porventura não se importa de ser "empurrado". Ainda nem há seis meses foi eleito - e bem - para o Parlamento Europeu, do qual é vice-presidente. Não pode, nem deve "ir a todas", embora fique bem em quase "todas". No PS já existe a disponibilidade de Manuel Maria Carrilho para travar esse combate. As "novas fronteiras" não devem estigmatizar ninguém por causa das passadas disputas internas. Para isso há quanto baste noutros lados. Carrilho leva sobre muita gente a vantagem de pensar, o que para a "aparelhistica" partidária raramente serve. Não é, por isso, "popular". Eu, contudo, julgo que que ele poderia protagonizar uma candidatura ambiciosa e de apoios diversificados para fazer de Lisboa um espaço vivível. Para já e à distância, ele seria seguramente o meu candidato. Leia-se aqui a sua crónica Lisboa arrasta os pés publicada no Expresso do último sábado.

24.10.04

O SEM DIAS

Neste governo damos normalmente pelos ministros pelas piores razões. Como ali ninguém se distingue particularmente pela subtileza, a coisa tem oscilado entre Santana e duas ou três personagens menores. Entre ele e estas há um enorme deserto, já que o PP pedala a sua própria bicicleta. No entanto, existe formalmente um número dois, repleto de "pastas", que dá pelo nome de Álvaro Barreto. Ao fim destes cem dias, alguém deu sinceramente por ele? Mesmo no governo?

OS CEM DIAS

....vistos por Eça de Queiroz:



O ministério, o poder executivo, deixou de ser um poder do Estado, é uma necessidade do programa constitucional: está no cartaz, é necessário que apareça em cena. Não governa, não tem ideia, não tem sistema; nada reforma, nada estabelece; está ali, é o que basta. O país verifica todos os dias que alguns correios andam atrás de algumas carruagens - e fica contente.
- Lá vai um ministro! diz-se na rua.
- Ah! vai? - exclama a burguesia. - Bem, existe a ordem.
Um ministério é um grupo casual de indivíduos, que intrigaram para estar ali.

O RISO E O MANEQUIM




Há cem horríveis dias que somos supostamente governados por Santana Lopes. Graças à amabilidade "estabilizadora" do Dr. Sampaio, mergulhámos de novo no absurdo. Quase que a propósito, foi lançado esta semana o livro As Farpas - crónica mensal da política, das letras e dos costumes, de Eça de Queiroz e de Ramalho Ortigão, uma reedição oportuna da 1ª edição das ditas, de 1871/1872, organizada pela competente mão de Maria Filomena Mónica, com notas, tabela onomástica e glossário de Maria José Marinho (Principia). A apresentação coube a Marcelo Rebelo de Sousa que, para a ilustrar, recorreu, com a habitual anti-estultícia, a trechos do livro que, adaptadamente, podiam ter sido escritos agora. Na realidade, o país continua tão absurdo como naquela altura e os "objectivos" a que se propuseram Eça e Ramalho merecem ter continuidade, nem que seja através da releitura desta extraordinária prosa. Numa carta de 1878, em que procurava traçar um "retrato" de Ramalho Ortigão, Eça "explicava" "As Farpas". O primeiro fim das "Farpas"" foi promover o riso. O riso é a mais antiga, e ainda a mais terrível forma da crítica. Passe-se sete vezes uma gargalhada em volta de uma instituição, e a instituição alui-se; é a Bíblia que no-lo ensina sob a alegoria, geralmente estimada, das trombetas de Josué, em torno de Jericó. (...) As "Farpas" tinham inteiramente outro processo: - era obrigar a multidão a ver verdadeiro. Um grande pintor de Paris dizia-me, o ano passado: - A multidão vê falho. Vê, em Portugal sobretudo. Pela aceitação passiva das opiniões impostas, pelo apagamento das faculdades críticas, por preguiça de exame - o público vê como lhe dizem que é. Eça continua. Eu digo: é útil balar com os carneiros; ganha-se a estima dos nédios, as cortesias dos chapéus do Roxo, palmadinhas doces no ombro, de manhã à noite uma pingadeirazinha de glória. Mas ir sacudir, incomodar o repouso da velha Tolice Humana, traz desconfortos; vêm as caluniazinhas, os odiozinhos, os sorrisos amarelos, a cicuta de Sócrates às colheres. Em suma, estes dois amigos da mais ilustre das nossas "gerações perdidas", queriam "obrigar a ver verdadeiro" e a "fazer rir do ídolo, mostrando por baixo o manequim". Por isso As Farpas, como escrevia Eça no primeiro artigo da colectânea, visavam "apontar dia por dia o que poderíamos chamar o progresso da decadência". Nesse sentido, e descontando aquilo a que Filomena Mónica chama de "certo desiquilíbrio", traduzido na circunstância de "alguns artigos " resistirem "ao tempo de forma sublime" e outros serem de "uma grosseria infantil", estas crónicas do século XIX constituem, ainda hoje, o nosso maior blogue.

23.10.04

OUTROS PODERES

No editorial do Público de hoje, escreve Eduardo Dâmaso: "No primeiro dia em que aceitarmos uma lógica de submissão, de passividade acrítica, em relação a tudo o que vem lá do alto das "autoridades judicais", subserviência tão tipicamente salazarista, estaremos a abrir a porta da pior arbitrariedade que existe e que é a que conta com a protecção das vestes da lei". Dois comentários. A recusa dos senhores juízes do CEJ em aceitar a directora escolhida pelo governo, demitindo-se em bloco e bufando publicamente o seu embotamento corporativo, é mais um sintoma da forma intócavel como os magistrados exibem o seu poder fáctico, sem que a "democracia" se sinta com isso. Este seu persistente viver como que "de fora" da sociedade, reflecte-se nocivamente na "administração da justiça" e mal anda o poder político que, por temor, se amarfanha. Já Souto Moura, o verdadeiro tema daquele editorial, é um "caso". E um caso que se complica por si próprio. Cada vez que ele fala, eu fico mais convencido da bondade de colocar o Ministério Público na tutela do poder político democrático, através do ministro da Justiça.

ALGUMAS PALAVRAS...

...de Joaquim Manuel Magalhães
(...) Ao ler em português com tanto prazer, Quatro Quartetos, neste tempo político português de hoje, penso no lenitivo que Eliot enquanto poeta poderá oferecer a quem vive, sem alienação partidária, o momento de destruição da classe média, essa que conseguiu, ao longo da história recente europeia, ser o centro comum moral e político e económico donde pôde partir a compreensão integradora nos comportamentos e nas leis dos avanços da cidadania alargada à totalidade do tecido social. Contudo, com a governação que temos agora e com um Presidente que não pode ou não sabe ser uma força actuante para lá de vagos discursos, nunca desde os anos do domínio do Partido Comunista a seguir ao 25 de Abril essa classe média foi tão persistentemente boicotada. Os extremos políticos sabem que, se se retirar à média social o seu equilíbrio económico, ela deixa de poder preocupar-se com os valores da cidadania, pois tem de confrontar-se antes de tudo com as suas necessidades económicas primárias que não foi ela a culpada de terem entrado em colapso: isso dá muito jeito àqueles a quem convém manter um país moralmente retrógado nos princípios das próprias leis. Porém terão sempre que ser confrontados com o que implicam essas palavras do Eliot conservador e eticamente esclarecido: "a vergonha/ De motivos tradiamente revelados e a consciência/ De coisas mal feitas e feitas em agravo de outros/ As quais tomaste então por exercíco de virtude./ Então o aplauso dos loucos fere e a honra mancha", "Little Gidding", II.
(in suplemento Actual do Expresso de 23 de Outubro de 2004: A partir de "Quatro Quartetos" de Eliot)

OS JOVENS

Santana Lopes terá pedido a uns quantos "jovens" do seu partido que elaborem uma moção para o seu inútil congresso. Amanhã, se calhar, pedirá o mesmo a algumas "mulheres" e a uma meia dúzia de "idosos". A "homens" é que não é politicamente correcto pedir nada. E quem são estes nossos "jovens" ? Nem mais nem menos que os amplamente desconhecidos Jorge Moreira da Silva, José Eduardo Martins e Rita Marques Guedes. Por um mero acaso, todos, à excepção desta última que chefiou o gabinete da "promessa já realizada" Arnaut, são membros do governo e envelhecidos militantes da JSD e, depois, do PPD/PSD. As "juventudes partidárias", esta ou outra, tão bem representadas por estes epígonos, são verdadeiras escolas dos piores vícios partidários e autênticas centrais de deformação de carácteres. Só servem a estes pequenos ambiciosos que vegetam na ânsia de poderem, um dia, imitar em pior os adultos que a sua puerilidade ignorante adula. Estimulados pelos "mais velhos", nos seus mais deploráveis exemplos, só pensam em os substituir seguindo a mesma vã retórica e desenvolvendo uma concupiscência infinitamente mais voraz. Este mimetismo acéfalo é demasiado perigoso para não ser levado a sério. Reproduzam estes pequenos monstros e depois queixem-se.

22.10.04

FATALIDADES

Ainda os "zero vírgula dois" por cento para a Cultura não entraram em vigor, e já se desliza para a costumeira levitação. No Porto, o Teatro S. João tem dificuldades com compromissos internacionais há muito assumidos por causa das "formalidades" e dos "apertos". No Centro Cultural de Belém os administradores não se entendem, não só por causa dos respectivos "feitios", mas fundamentalmente pela escassez de meios. O D. Maria tem com que trabalhar até ao fim do ano, depois não se sabe. O S. Carlos, transformado provisoriamente em mini-estaleiro por causa de uma cafetaria, não anuncia qualquer programação para dentro de portas. Só a Companhia Nacional de Bailado continua a dançar. Finalmente começa a perceber-se que não há unanimidade neste governo relativamente à "política financeira". Bagão Félix aparenta alguma dificuldade em "acompanhar" certas "ideias" do seu primeiro-ministro. Para a "governança", onde se inclui, mesmo que insignificantemente, a pobre da Cultura, isto é devastador. Primeiro estranha-se. Depois entranha-se. Por fim pode mesmo ser fatal.
P.S - Por razões "operacionais", As Farpas ficam para o fim-de-semana. Há muito para dizer.

21.10.04

O LIMITE II

Não haverá mais ninguém no PS, para além do dinossauro Arons de Carvalho, para debater com Morais Sarmento as questões da comunicação social sem ficar com as orelhas a arder? Apesar de todas as contradições actuais, é preciso não esquecer que o "drama" do audiovisual público começou com o PS que, por mais voltas que dê, aparecerá sempre como um interlocutor diminuído, nesta matéria, aos olhos da opinião pública.

A TEIA

Na apresentação de As Farpas, de Eça e Ramalho, livro organizado por Maria Filomena Mónica e a que voltarei de seguida, António Barreto contou-me que Vasco Pulido Valente "largou" o Diário de Notícias e "passou" para o Público. Não se estranha a transumância quando o DN está transformado num quase jornal oficioso ligado à complexa "teia" PT/Estado. Só lhe fica bem. Outro fiel servidor da "situação", "linha Luís Delgado", António Ribeiro Ferreira, deverá passar a dirigir o Jornal de Notícias, "órgão" da mesma "teia". Clara Ferreira Alves, a futura directora do DN , fica como que a solitária "flor na lapela" desta gente, um mero ornamento cintilante na "estratégia da aranha".

20.10.04

MOBILIDADE

Para resolver o problema dos professores com horário zero, Santana Lopes teve a extraordinária ideia de os pôr a assessorar os juízes. Segundo ele, esta "medida" pode perfeitamente inserir-se na reforma do Estado que o governo supôe que anda a fazer, já que representa, nas palavras de Santana, uma "gestão integrada dos recursos humanos" (!). Se isto pegasse, amanhã podíamos ter enfermeiros a passar cartas de condução, médicos a emitir certidões fiscais ou professores como polícias. Eu já não pergunto acerca de que é que ele está a falar. Questiono-me antes sobre se ele sabe o que é que está a dizer.

O LIMITE

O orçamento das fraldinhas reservou cerca de dois milhões de euros para a "central" do Dr. Morais Sarmento. A coisa deve chamar-se pomposamente "gabinete de informação e comunicação", no "tempo novo" do Dr. Santana. No "Estado Novo" era o "SNI", o que vai mais ou menos dar ao mesmo. O Estado não dispensa meter o bedelho nos órgãos de comunicação social. Berlusconi, aliás, "é" a comunicação social estatal. Entre nós, dada a miséria congénita e a irreprimível tendência para copiar a melhor metodologia sul-americana, serve o que existe numa democracia verdadeiramente imatura. À galáxia semi-oficiosa da PT é preciso juntar o aparelho público. Sem pestanejar nem tremer nas suas convicções "democráticas", Morais Sarmento, com todas as letras, veio defender "limites à independência dos operadores públicos de comunicação" e o direito do governo ao "controlo" da respectiva programação, designadamente na RTP. Isto é demasiado sério para ser apenas considerado no lance da ironia. Sem substância, sem ideias, medíocre nos objectivos e diminuído intelectualmente na sua composição, este governo persegue a obsessão única e exclusiva pela "imagem". O receio de sair permanentemente desfocado no combate com a opinião pública, conduz o governo de Santana Lopes por um caminho demasiado perigoso. Numa palavra, isto tem um nome assaz conhecido: propaganda. Ao estado a que as coisas chegaram, e com Sampaio dormente, quem é que pôe um limite a isto?

CARAMELOS DE BADAJOZ

O Procurador Geral da República, o titular máximo da acção penal, desceu por instantes da estratosfera, em Badajoz, para nos revelar, afinal, a incompetência dos serviços que dirige. As considerações que teceu acerca dos arguidos de um dos processos que investigou e instruiu, só demonstram a impotência do seu poder e não a "força oculta" do "poder" dos "seus" arguidos. Assim sendo, o que é que ele ainda está lá a fazer?

A CABALA

Perante a inútil Alta Autoridade para a Comunicação Social, o braço direito de Santana Lopes, o pobre Dr. Gomes da Silva, disse, a propósito do caso Marcelo, que houve "uma cabala". Não percebi se a cabala tinha sido elaborada por ele contra Marcelo ou se tinha sido o pérfido Marcelo a montá-la. Na dúvida, inclino-me naturalmente para a segunda hipótese como a mais verosímil na excelente cabeça deste ministro. Não só terá existido "uma cabala", como, continuou Gomes da Silva, havia uma "engrenagem" sequencial que começava ao sábado no Expresso, continuava ao domingo de manhã no Público e à noite, finalmente, Marcelo tudo envolvia numa fórmula mágica destinada exclusivamente a denegrir o "homem" que tão esforçadamente Gomes da Silva defende. Para abrilhantar este estupendo pensamento, Silva ainda teve tempo para um trocadilho com uma frase célebre de Eça destinado a aclarar a justeza dos suas observações "anti-Marcelo". Foi preciso a veneranda e inofensiva Alta Autoridade vir a terreiro para lhe darem alguma importância. Depois de tanto disparate, este homem continua estranhamente no governo, ao leme dos "assuntos parlamentares", apesar de, felizmente, não se dar por ele. Mesmo assim, até quando irá ficar?

19.10.04

PARÁBOLAS E CATÁSTROFES

Os nossos serviços de protecção civil andam há dois dias a anunciar ventos e tempestades. Pedem às populações que se protejam da intempérie como se fosse passar um furacão ou um tornado. Lançam o alarmismo mais despropositado. Ontem até pediam para desligar electrodomésticos. Em vez de acalmarem os indígenas, estas criaturas comportam-se como verdadeiros índios em tempos de seca. Já conhecíamos os seus níveis de "realismo" aquando dos incêndios do verão. Em princípio, a natureza tem uma harmonia muito própria que se pode manifestar da forma mais inesperada. Convém estar prevenido, mas, caramba, não nos protejam da chuva atirando-nos com tanto balde de água para cima.

18.10.04

A CARICATURA

O efeito subtractivo da coligação com o PP ficou uma vez mais confirmado nos Açores. Das duas vezes que o PSD se apresentou ao eleitorado com o partido do Dr. Portas, perdeu. E perdeu substantivamente já que os votos obtidos em ambos os casos - Europeias e Açores - foram menos dos que o PSD obteria normalmente sozinho. Conheci Vitor Cruz quando passei pela direcção do Teatro Nacional de São Carlos e lamento que tenha sido a vítima deste péssimo conchavo que lhe foi imposto. Anunciou honradamente que deixa a liderança do PSD regional e nem por uma vez se referiu ao PP. Porque terá sido assim? Por cá, Santana Lopes apareceu a defender a "estabilidade" e tentou convencer-se, em público, que a seu tempo o eleitorado nacional lhe fará o mesmo que fez na Madeira e nos Açores. Mesmo depois de Sampaio lhe ter reconfirmado o seu apoio este fim-de-semana, este inseguro Santana continua a temer uma interrupção. Vai ser interessante ver como é que ele resolve o problema desta relação letal com o PP. A promiscuidade entre os dois partidos - está feita a prova - só aproveita a um lado. E a descaracterização do PSD por causa da manutenção no poder, a médio prazo conduzirá irremediavelmente à sua perda. Santana e Portas estão de um lado e o país está noutro. Sampaio aparentemente não sabe de que lado deve estar e nem vale a pena meter explicador. Todas as promessas do mundo feitas pelo governo, em peso nos Açores, não serviram para nada. A "coligação", a caminho da realidade virtual, é cada vez mais uma caricatura de si própria.

17.10.04

ZERO VÍRGULA DOIS

Numa das suas primeiras falas como ministra da Cultura, Maria João Bustorff ingenuamente reclamou para o seu sector um por cento do OE. A herança era de facto pesada. O embuste em que consistiu o infeliz consulado Roseta-Amaral Lopes, aconselhava este governo a mudar de agulha, sobretudo quando o primeiro-ministro, para bem ou para mal, já tinha sido responsável pela área numa das suas múltiplas encarnações. Ancorado no miserável jargão da "gestão flexível" e permanentemente debilitado por um orçamento que não soube nunca negociar, Roseta passou o seu nefasto mandato a tentar apagar fogos, mesmo aqueles que ele próprio ateou. Amaral Lopes sozinho conseguiu, apesar de tudo, que o desastre não fosse completo. Acontece que agora foi escolhida a via populista para o orçamento de Estado. Isso implica, à cabeça, uma desvalorização substantiva do sector tutelado por Bustorff e o regresso a patamares impensáveis de subdesenvolvimento cultural. Ao dotar o ministério da Cultura, em 2005, com uns desgraçados zero vírgula dois (0,2) por cento do OE, o governo de Santana Lopes não só torna mais claro ao que vem, como revela sobretudo ao que não vem. Com estes números, o financiamento do ministério da Cultura recua mais de uma década. Imagino que Maria João Bustorff sabe o que é que isto significa. Só que duvido que, quer ela, quer os seus directores-gerais, tirem quaisquer ilações desta pequena humilhação. Na realidade, os tempos e estas pessoas parecem dar-se bem com a anomia reinante. Depois não se queixem.

A SESTA

Você acredita num primeiro-ministro, circunstancialmente o seu, cuja chefe de gabinete emite um comunicado a desmentir uma legenda de uma fotografia de jornal? E que a substância desse comunicado seja uma sesta que o dito primeiro-ministro afinal não dormiu? A sério, você acredita?

16.10.04

AS FRALDAS

Que o Dr. Portas queira tratar os militantes do seu partido como idiotas profundos, isso é um problema deles. O que é lastimável é que a terceira figura da hierarquia do governo nos queira fazer o mesmo. Ao recorrer a um slogan publicitário para defender o orçamento - "o orçamento é bom é, para o avô e para o bébé" - e ao dar destaque aos 5% de IVA nas fraldinhas como um magnífico incentivo aos "jovens casais", Portas parece ter perdido a noção do ridículo. Eu não me importo que ele seja demagógico ou populista. Custa-me, porém, já que o tenho por inteligente, que use fraldas na cabeça.

ERASED




A Dra. Manuela Ferreira Leite não é propriamente uma militante anónima do PSD. A própria ao Expresso: "Fui tratada pelo meu partido como uma ilustre desconhecida. Ninguém me conhece na minha secção, fui riscada dos cadernos eleitorais e, agora, não posso votar nem ser eleita". Para a burocracia partidária, Ferreira Leite não teria as quotas em dia e, na hora de votar para escolher na secção os delegados ao congresso, estava pura e simplesmente "apagada". A "elegância" de Santana Lopes é selectiva e vingativa. Ferreira Leite, e com ela muitos outros, pagará em prestações suaves o preço de se ter oposto ao novo timoneiro no conselho nacional do partido e perante o país. Também na Praça do Comércio, o seu sucessor "popular" tem feito de tudo para remover o seu esforço, discutível mas inegavelmente sério e patriótico, para o lixo. Ferreira Leite, Marcelo, Marques Mendes ou Pacheco Pereira incomodam profundamente esta gente sem outro escrúpulo que não seja o da sua bronca ambição. A corrupção ética em vigor e a cacicagem sabuja não conhecem aparentemente quaisquer limites. Numa entrevista a uma rádio, quebrando a jura de um profiláctico silêncio, Jorge Sampaio tornou a legitimar a "situação" e a desejar o seu sucesso. Já sabíamos de há muito que ele também tinha sido "apagado" fundamentalmente por si mesmo. Agora temos a certeza.

15.10.04

CAMINHOS DIFERENTES

Na linha "home theatre" introduzida outro dia pelo primeiro-ministro, Bagão Félix esteve longamente nas televisões às 8 horas. Numa delas, a SIC, esteve mesmo em directo. Ouvi-o dizer que a única obsessão que tinha era o Benfica, uma coisa que cai sempre bem dizer em pleno Salão Nobre do Ministério das Finanças. Contrariamente a Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix sabe "fazer política". Os vastos minutos que gastou a falar do orçamento de Estado, para além do registo didáctico que se assinala, destinaram-se apenas a reiterar propósitos de natureza estritamente política e não técnica. O cuidado na escolha da adjectivação, a delicada referência aos aspectos "sociais" do orçamento e a insistência nas alterações de taxas quase irrelevantes do IRS deram o "tom" da mensagem que se quis passar. Naturalmente nada disto lá vai sem o recurso a receitas extraordinárias, um expediente que o ministro prevê que se prolongue por mais anos orçamentais. Pelo meio, ficou a ideia da criação de um "corpo de elite" para "combater" a alta fraude fiscal, um projecto seguramente ornamental e que soa sempre bem. Já o governo do Dr. Barroso tinha instituído um "grupo de missão" ou coisa que o valha, entre a administração fiscal, as Alfândegas e a PJ, destinado precisamente a "congregar" de forma mais "eficaz" e "eficiente" a informação para o referido "combate". Como nunca se deu por elas, ter-se-ão esquecido destas estimáveis criaturas nalgum recanto? Finalmente o orçamento é revelador das prioridades políticas deste governo. Os barquinhos do dr. Portas levam a um aumento da "fatia" da Defesa Nacional em mais de 450%. Nos antípodas deste generoso e produtivo "investimento", a Educação perde em "funcionamento" e em "investimento" (-2,2% em relação ao ano transacto), e a Cultura apenas vê crescer a sua dotação em PIDDAC. Com "rigor" e com método, uma vez mais a qualificação continua a ficar para trás. Depois disto, julgo que não há grande margem para "negociar". O OE é uma peça política essencial no caminho de um governo. Este governo escolheu o seu. O país segue um caminho diferente.

14.10.04

A REALIDADE...

...teima em não seguir Santana Lopes. De que é que ele continua a falar?

AS MENINAS DE ODIVELAS

1. No tenebroso sistema de espelhos de que é feita presentemente a política portuguesa, o silêncio selectivo de Marcelo Rebelo de Sousa continua pesado.
2. Gomes da Silva e Delgado são os irmãos Dupont da "teoria comunicacional" instituída por Santana Lopes.
3. Mais a norte, onze autarcas, salvo erro, todos do PPD/PSD, encabeçados por essa enorme decepção que é Rui Rio - como é que este homem se pode misturar com Marcos Antónios? - fazem um manifesto de apoio ao primeiro-ministro.
4. Jorge Sampaio, em Espanha, agarrado a um troféu, proclama que é "uma central de serenidade" e também reclama o seu direito ao silêncio.
5. A campanha eleitoral na Madeira e nos Açores oscila entre a comédia, o número de circo e o inverosímil.
6. O Sr. Scolari, o modelo do cidadão luso-brasileiro do século XXI e venerando herói transatlântico, disse a uma jornalista que se fosse f...., incomodado com as suas perguntas.
7. Marcelo não ouviu Santana Lopes em versão tridimensional porque estava a discursar para as meninas de Odivelas, novo reduto da liberdade de expressão.
8. Você ainda julga que vive num país a sério?
9. É você que está mal ou são as meninas de Odivelas ?

PARA LER...

...no Teatro Nacional de São Carlos, no Ministério da Cultura e no Ministério das Finanças, o Crítico, "A sondagem e o aviso".

FOTOGRAFIA DE FAMÍLIA

A "santanete" mais brilhante, Clara Ferreira Alves, vai ser a próxima directora do Diário de Notícias. Também ela, pelos vistos, acaba por ser absorvida pela "galáxia PT", uma espécie de "death star" no universo da comunicação social portuguesa. Esta "colaboração" com a corte de Santana Lopes começou na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, e tem agora este "prémio". Não sabia, mas fico a saber, que Clara Ferreira Alves não se importa de conviver e de ficar sob a tutela de Luís Delgado, o pequeno chefe da repartição de propaganda do regime e "patrão" na "galáxia". Fernando Lima, o ainda director do jornal, pecava por ser "cavaquista", apesar dos fretes. O "santanismo" não admite a mínima dissidência para a qual recomenda, Delgado dixit, internamento psiquiátrico. É pois com gente desta laia que Clara, num lance dialéctico entre a memória e o esquecimento, e pondo a carteira à frente da sua inegável inteligência, vai estar. Vamos ver como é que se aguenta na fotografia de família.

LER...

...no Bloguítica, "Populismo Financeiro".

13.10.04

TENTAR ENTENDER


Decidi aprender árabe. Uma universidade de Lisboa disponibiliza um "curso de língua e cultura árabes", a dia e a horas convenientes. Numa turma de cerca de trinta curiosos das mais diversas proveniências e idades, consigo passar três horas semanais sem ser "invadido" pelo estúpido ruído do nosso quotidiano semi-inútil. Para além do concreto desejo de perceber o "outro" quando o visito, apetece-me compreender o islão. No prólogo do seu livro De la Ceca a la Meca, Juan Goytisolo, escritor espanhol que reside em Marraquexe, explica por que é que é decisivo "devolver ao islão a sua dimensão actual e histórica: a de uma cultura rica e plural, diversa e contraditória, extraordinariamente viva". Segundo Goytisolo, trata-se de um complexo de "sociedades perfeitamente diferenciadas entre si, arte, urbanismo, paisagem, música, costumes, política, misticismo, festividades, celebrações rituais". A desconfiança com que normalmente olhamos para o lado e a imensa ignorância alimentada por séculos de "ideias-feitas", impede-nos normalmente de ir um pouco mais além. Foram vários os escritores "ocidentais" seduzidos pelo Magreb e quase ninguém que por ali passe pode ficar indiferente. Há uns anos, num belo texto sobre "a solidão das culturas", José Pacheco Pereira falava da verdadeira incomunicabilidade dos vários registos culturais consoante as respectivas proveniências geográficas e históricas. Quando por toda a parte se anuncia a "fraternidade" e a "globalização", Pacheco Pereira, com exemplos concretos e tão nossos conhecidos, explica que, mais do que "falarem" entre si, as múltiplas "culturas" "falam" para si e rodam, solitárias, num solipsismo perigoso. Paradoxalmente ou talvez não, a "globalização" não nos tornou mais cosmopolistas. O regime de exportação de "modelos", seja pela televisão, seja através dos mísseis, cavou mais fundo a fossa dos "nacionalismos" e dos "fundamentalismos". A serenidade estrutural da mensagem do islão é outra coisa e merece ser compreendida por nós. Eu, pelo menos, vou tentar entendê-la.

PORTUGAL EM INACÇÃO

Os sinais são claros. Não é preciso conhecer profundamente a "administração pública", nas suas diversas e complexas vertentes, para perceber que, de uma forma dramaticamente genérica, tudo se apresenta mais ou menos paralisado. Quando digo "administração pública", penso naturalmente nessas extraordinárias e complexas "máquinas" que são os ministérios. Basta ouvir - em surdina naturalmente - quem por lá anda ou quem espera por um "serviço público", para se dar conta da expectativa inerte que reina. O que aconteceu na Educação, o que não acontece na Cultura, o que se "anuncia" na Justiça (qual "pacto", qual carapuça), o que se passa em muitos serviços a que os cidadãos acorrem diariamente, a falácia da "obra pública", etc, etc, são a negra face de uma mesma evidência. A sofreguidão cega de dar cabo do "Estado-providência", desse por onde desse, e fosse lá onde fosse, sem qualquer coerência mas com método, poupando onde não se devia poupar e gastando onde não se devia gastar, permitiu que se chegasse ao actual momento de fantasia. Os 14 minutos puramente declamatórios de Santana Lopes fizeram o sumário da coisa. Ele veio contar-nos "uma história" e prometer-nos mais "contos mágicos". Ao pedir "esperança", Lopes queria dizer "confiem em mim", o velho jargão do amigo Barroso. A sério, quem é o tolo que pode "confiar" ou ter "esperança" neste terrível Portugal em inacção?

12.10.04

O ANTI-CICLONE DOS AÇORES

O ministro da Agricultura há quinze dias que não sai dos Açores. Não lhe deve ter escapado nem uma vaca na campanha. A ministra do Ensino Superior, também nos Açores, anunciou umas "borlas" de avião para os estudantes autócnes. O Dr. Portas, em idêntico derrame açoriano, assinou qualquer coisa com a Força Aérea para facilitar deslocações. Finalmente Santana Lopes, ele mesmo, num apropriado jantar-comício, entre bandeiras e garrafas, prometeu aos Açores, Madeira e Continente, a sagrada trilogia da propaganda: aumento das pensões dos velhinhos, de quem o Dr. Portas é particulamente íntimo, baixa no IRS e aumentos à função pública. Esta imensa glória, disse Lopes, não pôe em causa, não senhor, nem os estimáveis 3% policiados por Bruxelas, nem o crescimento da economia. Este delirante frenesim explica-se pelas eleições regionais e pela mais do que incerta vitória da coligação nos Açores. E também pela circunstância de que é preciso ocupar o "terreno" depois da erupção Marcelo e do anúncio da ressuscitação do PS, esta semana, no Parlamento. Que dirá disto tudo o Dr. Bagão? Que é mesmo verdade ou que tudo não passa de efeitos secundários do famoso anti-ciclone dos Açores, com a improvisação organizada a fazer o seu caminho?
Adenda: Os 14 minutos de "ruído", multiplicados desfasada e estrategicamente por três, reafirmam o sentido das perguntas feitas. O país e a realidade ainda não chegaram a São Bento e duvido que cheguem algum dia. Será que a "ideia" é transformar o país num imenso "túnel do Marquês", esventrado e embargado?

11.10.04

LER OS OUTROS

O artigo de Eduardo Cintra Torres no Público, "A brutalidade de um governo perigoso":
(...) O núcleo do governo será "mole" em todas as áreas, como se viu nos casos da ponte do feriado e da Via do Infante, pois o que quer é manter-se o máximo tempo no activo; esse é o único factor de "unidade" dos membros do governo entre si. O governo só será "duro" numa área, a única que Santana conhece a fundo e que sempre significou o seu ganha-pão político: os "media". Estes são tempos tenebrosos para o país. (...)

LER OS OUTROS

No Almocreve das Petas, "O Panfletário Moderno".

10.10.04

O "JORNAL NACIONAL" DA TVI, DOMINGO, À LUZ DO NOVO "PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO":


Convergence, de Jackson Pollock

PEDIR O ÓBVIO

Daqui a sensivelmente um mês, o PPD/PSD vai realizar um congresso para "legitimar" Pedro Santana Lopes. Até agora, Lopes só foi legitimado por Jorge Sampaio, pela domesticada maioria parlamentar e por meia dúzia de serventuários que escrevem e peroram em alguma comunicação social. Os cento e picos bonzos que constituem o conselho nacional do partido só contam na medida em que poucos pensam. Quando chegar ao congresso, Lopes deve levar averbadas duas derrotas eleitorais. A primeira, nas "europeias", ainda a crédito de Barroso, passou-lhe directamente para as mãos com a luxuosa fuga daquele para Bruxelas. A segunda terá lugar nos Açores, no próximo fim de semana. Comum a ambas, a circunstância de o PSD aparecer coligado com o Dr. Portas, algo que, em concreto, é cada vez mais uma menos-valia. Para além dos assuntos domésticos, agravados pelo sinistro episódio Marcelo, é também a história desta nefasta coligação que começará a escrever-se. Era bom que o congresso fosse, não um passeio alegre para a demagogia e para Santana Lopes e respectivos cortesãos, mas uma ocasião para os militantes que ainda estão vivos se manifestarem. O sinal de que Santana Lopes se prepara para "tapar o sol com a peneira" foi dado ontem à noite nos Açores. A "cenoura" habitual da baixa dos impostos e dos aumentos para a função pública já foi encenada e acenada. A "comunicação" de amanhã certamente não deixará de o lembrar. Lopes limita-se a fingir que governa nos intervalos das exposições mediáticas, sem "contraditório". Alguém, no congresso, devia denunciar isto e, finalmente, pedir o óbvio.

9.10.04

JACQUES DERRIDA


Jacques Derrida, 1930-2004


Naquela que viria a ser a sua última entrevista ao Le Monde, Jacques Derrida dizia estar em luta contra si próprio. Isto passou-se em Agosto e hoje, segundo os seus próximos, desapareceu sem sofrimento após um combate perdido e inglório contra uma doença fatal. Derrida é um grande pensador do nosso tempo e foi uma das maiores figuras da filosofia francesa e mundial. Há anos, num pequeno texto, apelava a "mais um esforço" por parte dos cosmopolitas de todo o mundo, propósito que reafirmou naquela entrevista. Oxalá esta derradeira lição "derridiana" sirva para qualquer coisa neste mundo apenas "globalizado" no papel e nas televisões por satélite.

QUALIDADE DE VIDA

Estive a ler, no Crítico, "O criativo de factos políticos". O Henrique Silveira, na sua visão aristocrático-estética da existência, pune vigorosamente a "democracia" pelo tipo de elites que engendra. Eu lembro-lhe, e nunca me canso de o fazer, que no "pacote democrático" cabem forçosamente muitas coisas. Quem o "compra" sabe que tem de "gramar", por igual, personagens viciosas e duvidosas juntamente com beneméritos honestos e honrados cidadãos que pagam estupidamente os seus impostos. A partir de certa altura, o "pacote" já quase só inclui "interesses". Estes podem variar entre os da porteira do prédio até aos do último grande grupo económico. Quem mais tem, mais disfruta do "pacote". E tudo é, por essência, comercializável. A "Quinta das Celebridades", da TVI, tem pelo menos a virtude de juntar o "pacote" à bosta, usando como "by-pass" um autarca eleito e um boneco andrógino. Segundo os "shares", milhões de portugueses não perdem este sublime cócó. Apesar de tudo, a paisagem ficou mais pobre. Durante quatro anos, na mesma TVI, Marcelo fez de oráculo dos costumes democráticos, futebol incluído. Sempre divertido e insinuante, ora mentiroso, ora verdadeiro, Marcelo é demasiado cínico e demasiado livre para que os donos do "pacote" o aguentassem por muito mais tempo. Para mais, era "popular", coisa que os populistas não suportam. Sempre correu sozinho da mesma forma que é assim que gosta de mergulhar nas frescas ondas do Guincho ou no mar mais tranquilo de Cascais. A seu tempo, no tempo dele, obviamente falará. Embora não pareça, só tenho estado para aqui a falar de sintomas da "qualidade de vida" da nossa democracia, a propósito do proselitismo do Henrique Silveira. E se falo dela é porque não a sinto.

A RAZÃO DA NOSSA PERMANÊNCIA

Veja-se como este texto de Luiz Pacheco, de 1959, inserido no livro Figuras, Figurantes e Figurões, editado pelo O Independente, podia ter sido escrito hoje:
(...) Também a nossa verdade, isto é, as nossas convicções (éticas, estéticas, políticas, etc.) apenas se podem demonstrar, afirmar, exemplarmente, em actos, tenham eles as consequências que tiverem, sejam eles incómodos, blasfemos, agressivos à verdade dos outros, percutindo-se na crítica e na polémica e individualizando-se nelas. E não esquecendo-nos de nós próprios, quer dizer, submetendo-nos a verdades impostas de fora - ou de cima. (...) se tudo nos prova, agora e aqui, que o autêntico convívio resulta de nos pronunciarmos como somos, rigorosamente pessoais, cruelmente duros para os hesitantes e para os oportunistas (que são a maioria), sem respeitos humanos nem silêncios falaciosos; se a convivência só é honrada por uma fecunda polémica, pela lealdade dos termos em que esta for posta, na mútua consideração que, mau grado adversários, se dedicam aqueles que sabem lutar e viver por uma (sua) verdade - como poderemos acreditar nessa outra convivência possível em que nada mais descobrimos senão um pretexto, uma escusa espertalhona para a nossa inutilidade e para a nossa submissão conformista ? A POLÉMICA É A RAZÃO DA NOSSA PERMANÊNCIA.

CORRESPONDÊNCIA

1. Acerca do "mal geral", do leitor Marco Faria:
(...)Politicamente, não me identifico com muitas das opiniões expressas [aqui]. E discordo delas, porque simplesmente o meu ângulo de visão permite-me conhecer numa outra perspectiva os factos e as pessoas. Há coisas que estão mal neste país, sem dúvida. Só que, por vezes, não conseguimos sequer vislumbrar os seus obreiros. Não sejamos redutores em pensar que o mal de todas coisas reside nos políticos. Apenas uma parte é da responsabilidade dos eleitos. A outra cabe aos grandes actores das sociedades contemporâneas (os media, por exemplo, só para citar um meio que conheço com algum pormenor). Estudei durante alguns anos comunicação social (e trabalhei também no meio) para perceber que há muita roupa suja nos media. Hoje, estudo Direito (mas não penso trabalhar na área) e após um ano de contacto com as primeiras noções, já deu para compreender que o que ensinam nas escolas de leis – e na Clássica, particularmente - são ficções e balelas (não há, nem sequer é admitido, pensamento crítico). Sabe o que está na sebenta e eu dir-te-ei quem és.(...)
2. Acerca do Teatro Nacional de São Carlos, do leitor Vitor José:
(...) Em relação a lei orgânica que referiu [a do TNSC] ela é um nado morto. Foi esquecida. Ninguém dentro da instituição orienta-se por ela, mesmo as tentativas para introduzi-la acabaram por promover no núcleo duro do Teatro uma energia geradora de mais expedientes por forma a contornar essas directrizes. Montra do fracasso foi a criação de um sector de aquisições que se revelou, nos moldes realizados, um disparate, foi paulatinamente sendo engolido, sendo hoje uma vaga lembrança. A dita lei orgânica enferma da sua inadequação à instituição em causa e na sua implantação não foi acompanhada politicamente, sendo o pecado maior deste diploma a soberba que ele encerra. É aceitável que com a nossa realidade académica se ignore de forma rude a área de gestão e de recursos humanos, entregando uma Instituição com centenas de funcionários e um orçamento de milhões de contos a alguém formado e com carreira em musicologia? Pretendia-se não subjugar a vertente cultural à vertente da gestão. O caminho apontado resultou de uma forma pragmática na natural ascensão dos sub-directores da área financeira para efectivos directores da Instituição, cria-se um embate funcional e pessoal, com ondas sísmicas de repercussão em toda a estrutura, estimula-se os feudos alimentados pela aparição de uma eminência parda. Observe a realidade, quase todos os directores entram em conflito ou são naturalmente engolidos quer no São Carlos quer nas outras instituições onde vigoram estas regras. Não se resume a um problema de incompatibilidade humana é isso sim uma inadequação efectiva entre a função e as características para essa função, de forma menos prosaica, neste modelo, o director é obviamente incompetente. Esta é uma questão angular na organização Teatral, o relacionamento funcional entre a orientação artística e a orientação pessoal e financeira.(...)

8.10.04

JÁ PERCEBERAM?

Já repararam que o PP está calado que nem um rato - a diatribe sobre "relações laborais" do Sr. Pires de Lima não conta - enquanto que no PSD, por entre silêncios, excitações e muito boas razões, vão-se abrindo fendas? Ontem o Dr. Portas foi muito claro: comigo, só a Pátria, o fim do SMO e os coitadinhos dos ex-combatentes. Já repararam? Já perceberam?

LER OS OUTROS

Miguel Sousa Tavares no Público
Há várias maneiras de classificar as pessoas. Um amigo meu costuma classificá-las entre as que são importantes e as que o não são - sendo que importante, aqui, significa apenas, e é muito, aquilo que merece a nossa importância, a nossa atenção, e o que o não merece: parece-me, todavia, um critério curto. Uma amiga minha gosta de as classificar, simplesmente, entre boas e más pessoas - bons e maus caracteres: parece-me um critério que faz sentido, mas que abrange apenas o domínio das relações pessoais. Mas, se pretendemos classificar as pessoas pelo critério da cidadania, a classificação que sempre tive como fundamental é a que distingue os homens livres dos capachos. O grande mal português é que temos, verdadeiramente, poucos homens livres. Pouca gente, poucos cidadãos, que estejam dispostos a viver a sua vida, a construir o seu caminho, sem terem de prestar vassalagem a várias formas de poder. Os arquitectos não são livres, porque dependem dos interesses económicos do dono da obra. Os médicos não são livres, porque, regra geral, querem ser simultaneamente profissionais liberais e assalariados do Estado. Os advogados de sucesso não são livres, porque dependem da consultadoria dos governos e do tráfico de influências entre os negócios, o poder e o patrocínio. Os empresários não são livres, porque dependem dos subsídios, das isenções fiscais e da atenção do governo nos concursos públicos. Os intelectuais não são livres, porque estão quase sempre dependentes de empregos, bolsas ou subsídios públicos, os quais acabam inevitavelmente por pagar com simples fretes de propaganda partidária. Os jornalistas, quase todos, não são livres, porque dependem do pequeno chefe, o qual reporta ao editor principal, o qual deve satisfações ao proprietário, o qual tem de prestar atenção aos humores e sensibilidades do poder da hora. Portugal não é, nunca foi, um país de homens livres, de homens verdadeiramente amantes da liberdade, para quem a liberdade seja tão importante como poder respirar. A grande e púdica mentira em que temos vivido nos últimos trinta anos é a de ter acreditado, ou fingido acreditar, que no dia 26 de Abril de 1974 éramos todos pela liberdade. Desgraçadamente, nesse longínquo dia, não era "a poesia que estava na rua", mas sim a hipocrisia. A liberdade não se encontra ao virar da esquina - conquista-se, merece-se e alcança-se, por si próprio e individualmente, com riscos e com perdas, e não a coberto da protecção fácil das multidões ou das leis. Não há lei que possa declarar um homem livre, se ele próprio não está disposto a bater-se pela liberdade que lhe deram e a pagar o preço que ela exige - sempre. Pagamos, e temos pago, bem caro o preço inverso: o preço de não sermos e nunca havermos sido uma nação de cidadãos amantes da liberdade - não a de cada um, individualmente, mas a de todos. O preço de termos empresários que vivem do favor do Estado, sindicatos que vivem do abrigo partidário, intelectuais que vivem das migalhas do orçamento da cultura. O preço de sermos dependentes, tementes e subservientes. As nações de homens livres prosperam; as nações de gente subserviente definham: cada vez estamos mais próximos do México ou da Madeira e cada vez mais distantes da Espanha ou da Inglaterra. Temos, exacta e friamente, aquilo que merecemos. Por ora, não vou perder-me nos sórdidos detalhes desta semana portuguesa, em que de repente foi como se toda a podridão escondida tivesse vindo à superfície. Vi vermes rastejando em directo televisivo, vi o medo, a subserviência, o preço, estampado na cara de gente porventura boa, ouvi razões e argumentos de estarrecer, conheci factos e circunstâncias que nem nos meus mais negros momentos de descrença julguei serem possíveis nesta desilusão a que chamamos Portugal. Por ora, contenho-me, porque o nojo e a revolta são ainda tão presentes que ofuscam a lucidez e a serenidade que certas coisas exigem absolutamente. Mas quem me lê sabe que apenas preciso de tempo e de recuo - como quem recua perante um quadro para melhor o ver. Aliás, impõe-se a distância necessária para tentar entender que país é este, que cidadãos são estes e o que verdadeiramente os preocupa: a vaca a ser mungida na Quinta das Celebridades ou o Governo a ser mungido na Quinta dos Influentes?

OIÇAM COMO ELES RESPIRAM

Convém prestar alguma atenção aos "comentários" que o "tema Marcelo" está a provocar em determinadas entidades, designadamente da área da maioria e do PSD, em particular. Já não falo de Luís Delgado, que ontem de manhã no automóvel me ia fazendo vomitar o pequeno-almoço. Estou a falar de gente a sério. A sério, prestem atenção.

NO PAPEL DA VÍTIMA

Chego a casa depois de assistir à estreia da peça dos irmãos Presnyakov, No Papel da Vítima, no Teatro Nacional D. Maria II. Ligo a televisão para me "esclarecer". Nem que fosse de propósito, aparece-me o Dr. Santana Lopes à saída de uma audiência com o Presidente da República. Pela primeira vez desde que é 1º ministro, Lopes está nitidamente irritado e inconformado. Logo a ele, que só quer "baixar os impostos" e tratar de "assuntos financeiros" bem como de outras urgências pátrias, logo a ele, dizia, acontece-lhe "um Marcelo". Os jornalistas a quem ele trata permanentemente com "elegância", não querem saber de outra coisa. Santana quase que estrebucha, articula mal e responde torto. Em dois minutos, "dá a volta ao texto" e diz-se vítima de "ataques pessoais". Logo a ele, ao "elegante", ao "correcto", lhe havia de calhar tremenda fronda, alimentada todo o santo dia por pessoas que ele até "respeita" e por muitas outras que não o "queriam como chefe do governo". Em suma, Santana incomodado e à beira da "cabeça perdida", já intuiu, e bem, o pior. Como tal, refugiou-se no seu imenso ego ferido, reduzindo o "ruído" à sua fantástica pessoa, vista, como sempre e só ele a consegue ver, no papel da vítima.

7.10.04

O BEZERRO DE OURO

Nesta fase da nossa alegre "vida política democrática", os "políticos" não passam de "peões de brega" de outras coisas. O que é que os guardiões do "templo democrático" podem fazer contra a rapacidade dos "interesses"? Aos olhos desta gente, as deliquescências melancólicas de Jorge Sampaio ou os seus derrames sobre a "superioridade" do "sistema democrático", não passam de delírios de quem nasceu para ver os comboios passar. Os coronéis da velha censura eram, ao menos, óbvios. Os seus vagos aprendizes "democratas" são pagos para servir outra coisa a que Victor Cunha Rego chamava o "bezerro de ouro", um animal, como se pode constatar, de grande versatilidade.

6.10.04

A PEDIDO

Segundo Marcelo, a conversa que ele teve com Paes do Amaral, na qual anunciou que se ia embora da TVI, teve lugar "a pedido" deste. Até quando vai ser preciso esperar para que Paes do Amaral "peça" para falar com Miguel Sousa Tavares? É preciso "meter explicador" para perceber o que é que anda por detrás destes "pedidos"?

O CADAVEROSO REINO DA ESTUPIDEZ II

Ler no Bloguítica "O Democrata Imaturo" e "O Democrata à La Carte".

O CADAVEROSO REINO DA ESTUPIDEZ

"Por direito divino e por humano / Creio que deve ser restituída / À grande Estupidez a dignidade / Que nesta Academia gozou sempre./ (...) Ponhamos como dantes estas coisas / Em seu antigo ser; como bons filhos / Recebamos a nossa Protetora / O que foi sempre seu, em paz governe". Este poema de Francisco de Melo Franco, do século XVIII, ilustra bem o presente estado de "sul-americanização" dos nossos "costumes" políticos. O inevitável declínio deste "regime", cada vez mais próximo de um "cadaveroso reino da estupidez" (Ribeiro Sanches), tem lugar, como sempre teve, às mãos dos seus mais insignificantes epígonos e com o beneplácito de uma habitual mão cheia de idiotas úteis. O silêncio voluntário ou involuntário de Marcelo vai soar bem mais alto do que toda a berraria junta da oposição. Convém, pois, não esquecer este 6 de Outubro e lembrar as palavras de um fidalgo português, D. Luís da Cunha, em 1735: "o procedimento da Inquisição, em lugar de extirpar o Judaísmo, o multiplica. E Fr. Domingos de Santo Tomás, deputado do Santo Ofício, costumava dizer que assim como na Calcetaria havia uma casa onde se fazia moeda, no Rossio havia outra em que se faziam Judeus".

POLÍTICA DE EMPREGO

Segundo o Jornal de Negócios, já foram nomeadas pelo governo de Santana Lopes "1.034 pessoas, 946 das quais só para os gabinetes", o que perfaz " uma média de 13 nomeações por dia desde que tomou posse, a 17 de Julho, até 4 de Outubro". Para tranquilidade do Dr. Sampaio, o governo, afinal, não toma só "medidas avulsas". Também tem uma metódica política de emprego.

LER OS OUTROS

Pelo que leio no Crítico, o Teatro Nacional de São Carlos não tem emenda. Afinal, quantas pessoas é que são necessárias para a "coordenação" dos corpos artísticos, uma coisa que não passa de realidade virtual? A Orquestra Sinfónica Portuguesa precisa de um autêntico friso de maestros, com diferentes designações, para tocar bem? Qual é, no meio de tanta gente e de tanto disparate, o papel do "director artístico"? As Dras. Bustorff e Caeiro, juntamente com o Dr. Bagão, bem fariam em tentar perceber esta mirabolante e dispendiosa engrenagem, onde a principal preocupação da saison é montar... uma cafetaria.

5.10.04

A REPÚBLICA




Comemora-se hoje a "implantação da República". Como de costume, as venerandas figuras do Estado posaram para a posteridade à varanda dos Paços do Concelho de Lisboa, onde, ritualmente, foi hasteada a bandeira e entoado o hino. Mais logo Sampaio distribui mais umas veneras por umas quantas criaturas e profere umas "breves palavras". Suspeito que já sobra ao regime pouca gente para condecorar. A banalização destas distinções não suscita a mínima atenção nem impôe qualquer respeito particular. Para já, Sampaio aproveitou a manhã para enviar "recados" ao governo. Talvez por má consciência ou excessiva puerilidade, Sampaio deu agora em passar das pancadinhas nas costas à maioria, para a retórica da "exigência". Pena é que não se tivesse lembrado de ser exigente quando abriu o caminho à actual "situação" e que esteja a dar argumentos a Santana Lopes para ele vir fazer o que mais gosta, de "vítima". Simultaneamente é inaugurado o Museu da Presidência, uma meritória iniciativa do assessor cultural de Belém, o praticamente eterno José Manuel dos Santos. À excepção de Mário Soares, que mantém quase tudo no "quentinho" da sua Fundação, todos os outros, os mortos e os vivos, cederam espólio para o Museu. Vale a pena comemorar a República? Não vale. Contrariamente ao que a doutrina oficial propala, o que se sucedeu ao 5 de Outubro de 1910 foi a história de uma tirania "popular", centrada e liderada pelo velho Partido Republicano Português que, em pouco tempo, conseguiu a proeza de "virar" o "país profundo" e algumas das suas hostes "moderadas" contra si. Pomposos e medíocres, arrivistas e oportunistas, melancólicos e dramáticos furiosos, as notabilidades do PRP e, depois, do Partido Democrático, arrasaram às suas próprias mãos a tão prometida República e o "povo" que ela majestaticamente iria servir. É claro que a idiotia "monárquica" também não se recomendava, nem se recomenda a ninguém. Contudo, este folclore melodrámático que cessou às mãos da tropa, em 1926, não se deve confundir com o respeito pelos princípios republicanos no exercício das funções públicas. A probidade, a isenção e o alheamento dos "interesses" continuam a ser os pilares do verdadeiro poder político democrático. É isso que nós temos, a quase um século do 5 de Outubro? Não creio. Jorge Sampaio e Santana Lopes constituem, em 2004, a "imagem" da República. Sinceramente, vale a pena comemorá-los?

4.10.04

SEGUNDO SILVA

Rui Gomes da Silva é amigo de Santana Lopes e dos íntimos. Esta patriótica circunstância fez dele ministro dos Assuntos Parlamentares em substituição de Luís Marques Mendes, por sinal o único que levou a sério o que andava a fazer. Na dupla qualidade de membro do governo do amigo e de amigo daquele amigo, Gomes da Silva veio defender a mordaça para Marcelo Rebelo de Sousa. Incomodado com a acutilância marcelista, este valente democrata sugeriu já uma intervenção da insigne inutilidade pública que dá pelo nome de Alta Autoridade para a Comunicação Social. Segundo Silva, Marcelo destila o "comentário do ódio" e, sozinho, é pior do que toda a oposição junta. Vai daí, Silva entende que a "desfaçatez" de Marcelo deve ser sumariamente controlada quando não mesmo silenciada, a bem da Nação e deste governo de "coragem" (sic). Silva e Marcelo, embora não pareça, são do mesmo partido, o PPD/PSD. Entre eles, contudo, há uma abissal diferença. Silva comporta-se como um serventuário caciqueiro que naturalmente espera que digam do Chefe aquilo que o Chefe, ou ele, esperam ouvir. Marcelo, infinitamente mais subtil e a milhas de ser uma pura nulidade política, ainda é um homem livre. Este "evangelho segundo Silva" é uma pequena mas significativa demonstração da religião oficial destinada a ungir uma só pessoa. Depois não digam que não avisámos.

O TALÃO

Leio no Portugal Diário que o Eng. º Carmona Rodrigues pretende ver alargados os "poderes" da EMEL para além da área que fiscaliza. A PSP de Lisboa, ainda segundo aquele jornal digital, bem como os sindicatos da polícia, questionam esta "interferência" nos seus poderes de "autoridade". Lembro que a EMEL é uma empresa municipal cujo propósito principal é chatear os automobilistas de Lisboa. A sua face mais visível consiste em umas criaturas vestidas de branco e de verde, com um chapéu verde e uma máquina emissora de talões, que andam por toda a Lisboa a farejar viaturas "mal estacionadas" ou desprovidas de um papelinho que legitime o seu estacionamento num dos mais recônditos "parques" inventados pelo Dr. João Soares. Estas tenebrosas criaturas rivalizam com a polícia e com os "arrumadores" mal encarados na sublime tarefa de manter os automóveis quietinhos e em lugares "adequados". Para a completa perfeição do exercício, foram inventados uns objectos amarelos que se colocam nos automóveis "infractores", paralisando-os, até que cheguem as "autoridades" para os "desbloquear" e receber a conveniente multinha. Os EMEL's cumprem o sempre útil papel de "bufos" de serviço, levando os agentes delicadamente até ao delinquente condutor. Não me apetece perder tempo a estudar o que quer que seja que eventualmente legitime estes poderes discricionários e fascistas que a EMEL exerce sobre o parque automóvel que circula em Lisboa. Como sou terrivelmente urbano e entendo a utilização da viatura como algo instrumental que é suposto facilitar-me a vida sem prejudicar ninguém, incomoda-me saber que o presidente da Câmara gostaria que os seus pequenos tiranos alargassem substantivamente a sua pidesca tarefa ao ponto de rivalizarem com a "autoridade" verdadeiramente policial. Há dias o meu carro, estacionado por instantes numa obscura rua de Lisboa, foi "visitado" por uma tal "Cátia" da EMEL que lhe deixou um amável talão no valor de 150 euros no pára-brisas. Como a dita rua só tem praticamente armazéns e vários lugares disponíveis, suponho que deve ter sido algum "cidadão consciente" da zona quem terá chamado a atenção da diligente "Cátia" para a presença de um intruso nas imediações. É evidente que o intruso, selvagem e perigoso, deu de imediato o merecido destino ao talão da "Cátia". Se porventura eu tivesse tido a sorte de estacionar numa rua de "arrumadores" ou -e há por aí tantas e nos locais mais evidentes- onde as caixas dos talões horários estão convenientemente avariadas, não acontecia nada e a aventura custava-me um euro. Recuso-me por isso a contribuir para a engorda de uma empresa parapolicial como a EMEL, que ataca cobardemente pela calada do dia, sem dar a cara.

3.10.04

PEQUENA CRÓNICA VENEZIANA

Há "políticos" que não perdem a noção indecifrável da beleza de certos mundos. Os Scritti Veneti que José Pacheco Pereira tem deixado cair no seu blogue, são um belo exemplo de como as palavras se podem deixar estimular, neste caso pelo permanente e luminoso crepúsculo que é Veneza. Também François Mitterrand, que escrevia maravilhosamente, tem uma pequena crónica veneziana no seu La Paile et le grain, um livro onde reuniu os trechos que publicou, até 1974, no órgão oficial do PS francês, L' Unité. Fica um excerto.



Venise se meurt. Dira-t-on bientôt que Venise est morte? Des splendeurs de Byzance reste la trace des cheveux et les vents du désert gouvernent Babylone. Porquoi plaindre Venise? On meurt aprés tout d'être né. Mais je ressens cette agonie comme un échec fondamental. Rien ne me trouble plus que la beauté. De quelles correspondances est-elle le signe? Quel monde revéle-t-elle où l'âme aurait accés? Que l'on puisse trembler de bonheur devant un nombre d'or, ligne d'un toit, cintre d'un arc, exacte mesure d'une colonne, que la couleur d'un mur auprés d'un autre mur, fatigue des ocres, brûlure des pourpres, blues délavés, vous force à rester là, vidè de pesanteur, que toute maison soit palais et tout palais navire, que toute pierre soit orgueil, toute église ornement, toute île Bucentaur, que la ville soit réminiscence, théâtre où l'acteur est songe, idée de Dieu, fête baroque, la beauté de Venise prouve d'abord que l'homme existe.

BOM VENTO E BOM CASAMENTO




O presidente do governo espanhol, José Luis Zapatero, deu na passada sexta-feira uma interessante entrevista ao jornal Público. Quando a li, fiquei com a sensação de que, apesar da proximidade geográfica, continuamos bovinamente a milhas dos nossos vizinhos, como aliás sempre estivemos, mesmo com Franco. Não obstante os sorrisinhos e as amabilidades que fazem as "cimeiras ibéricas", desde Gonzalez a Zapatero, a verdade é que nós jamais conseguimos acompanhar o estonteante "ritmo" espanhol. Nem na alegria nos podemos equiparar, muito menos nas prioridades ou na qualidade de vida. Zapatero explicou que cerca de um quarto do orçamento de Estado é destinado à ciência. Para mudarmos o modelo de crescimento temos de ter mais laboratórios, mais títulos académicos e menos tijolos, disse ele. Lopes terá percebido? E não o preocupa ficar na história como um "grande líder político". Prefere antes ser conhecido como "um grande democrata". De facto, e no momento em que decorria a primeira "cimeira" com Santana, o país de Zapatero introduzia uma modificação legislativa impensável há uns anos na catolicíssima terra do macho taurino, aparentemente com ampla caução da actual sociedade espanhola. Eu subscrevo a ideia de que nem o código civil nem qualquer igreja têm o direito de interferir na minha concepção de família. Não são quatro ou cinco artigos espúrios da lei ou um sermão que devem determinar com quem é que cada um pode viver, dormir ou ser simplesmente feliz. De Espanha, finalmente, sopra bom vento e vem bom casamento.

2.10.04

OUTRA COISA

Enquanto decorre o congresso de Sócrates, alguém "soprou" ao "Expresso" que o PSD vai concorrer sozinho às eleições de 2006 e só depois, magnânimo, voltará a acoplar o braço direito do Dr. Portas no governo. Esta "notícia" é compreensível. Com Sócrates, o PS "social-democratiza-se" e o PSD "neoliberaliza-se". Com o eleitorado moderado e a classe média agastados com o desempenho da maioria liderada pelo "novo" PPD e com a perspectiva realística de os ver fugir de novo para o PS, era necessário dar um "sinal" de independência e de "integridade" políticas, recentrando o partido. Acontece que a simbiose com os "populares" já foi longe demais e Paulo Portas, quando se sentir ameaçado, encarregar-se-á delicadamente de a lembrar. Mesmo as últimas demonstrações de "autonomia" do PP- Guedes, a Madeira ou o Sr. Pires de Lima, o "presidido"- só acrescentam alguma coisa à realidade virtual. Nada mais. Ontem, à entrada para o congresso do PS, viu-se bem quem são os melhores aliados desta realidade. Com o seu paternalismo insuportável, Manuel Alegre fez o favor de aceitar a liderança de Sócrates, resmungando dois ou três lugares-comuns retóricos. Eu peço imensa desculpa, mas lá onde Pacheco Pereira viu outro dia "espessura", eu não consigo enxergar mais do que um palavroso deserto. À realidade virtual dos Drs. Santana e Portas convém indelevelmente este tipo de anulação política sumária. Ao país convém naturalmente outra coisa.

1.10.04

O ÍMPETO DO BETÃO

O primeiro-ministro arrastou o seu governo até Coimbra. De acordo com a doutrina oficial, estas viagens visam demonstrar o apego do executivo pela "descentralização". Ninguém, porém, acredita seriamente que as parcas horas que estes turistas acidentais passam fora de Lisboa se destinam a ruminar profundas decisões para o futuro da pátria. Tudo vai antecipadamente preparado para que o cenário bucólico, arranjado algures na província, seja o bastidor dos anúncios. A míngua de ideias e de dinheiro predispôe ao recurso inevitável ao betão. Mexia, o ministro do betão, deu umas confusas explicações acerca das SCUTS. De quem paga, de quem não paga, a partir de quantos metros de auto-estrada paga ou não paga, onde é que paga e não paga, como é que paga ou não paga, se tem "via verde" ou se se acaba com a "via verde" e por aí adiante. Suspeito que os "locais", putativos "utilizadores", não perceberam nada daquilo tal como eu não percebi. Lopes guardou-se para uma inauguração de mais uns metros de estrada e para prometer mais metros de estrada. Os seus magníficos autarcas começaram imediatamente a ranger os dentes. Eles gostam do betão, mas não suportam ter de o pagar. Entretanto, um dos seus secretários de Estado "deslocalizados", Amaral Lopes, dos "bens culturais", há 3 meses que está praticamente inactivo por falta de "local" de trabalho em Évora. O máximo que conseguiu foi arrendar uma casita para si próprio. Os "bens culturais" não "vendem" tão bem como uma estrada. E Coimbra foi apenas mais um rito de passagem no acaso que é a vida deste governo já entregue, como os demais, ao ímpeto fácil do betão.