31.5.10

«E SÓ LAMENTO AS VEZES QUE PERDI RETIDO POR ALGUM RESPEITO»

De amor eu nunca amei senão desejo visto
ou pressentido. Um corpo. Um rosto. Um gesto.
E nunca de paixão sujei o meu prazer
ou o de alguém. Por isso posso

mesmo as audácias recordar sem culpa.
Tudo o que fiz ou quis que me fizessem
o paguei comigo ou com dinheiro.
E só lamento as vezes que perdi

retido por algum respeito. Errei
por certo - mas foi nisso. O que me dói
não é tristeza de quem dissipou

no puro estéril quanto esperma pôde
gastar assim. O que me mata agora
é este frio que não está em mim.

Jorge de Sena, 1967


O que diabo - o termo é adequado no contexto - será o "totalitarismo do orgasmo"? César das Neves parece um velho Reich, o Wilhelm, invertido, justamente quando alguns parágrafos do texto batem certo e umas quantas frases não. «A democracia (pode) estar a passar por um momento muito perigoso» mas não, de todo, por causa do dito "totalitarismo". Aliás, Sócrates e o seu regime são a própria antítese do orgasmo "reichiano". Para além disso, como reconhece César das Neves, «a nova lei, apesar de ser um marco milenar em termos formais, poucas consequências práticas terá (...) e as coisas ficarão quase na mesma.» Então para quê tentar o demónio?

PAROLOS




Exibiu-se uma meia dúzia de parolos chiques nos jardins da residência oficial de São Bento. O país, felizmente, não os conhece mas o primeiro-ministro fez questão de os homenagear como se de heróis se tratasse. Celebravam uma alteração ao Código Civil que entrou hoje em vigor. Para Sócrates, a coisa tornou logo o mundo "melhor" e o país, evidentemente, mais "igual". Os parolos em causa são fashion, do regime, pertencem à idade media e, por isso, Sócrates convidou-os para almoçar e aproveitou para os mostrar às televisões tal qual os directores dos zoos apreciam divulgar ninhadas de chimpanzés de estirpes em vias de extinção. E eles, como bons parolos, gostaram muito do tratamento que tomaram por distinção. A exibição reiterada da "diferença" é uma parolice que nenhuma lei, por muito "moderna" que seja, pode alterar. E velhinha como a canção de uma Shirley Bassey infinitamente mais "jovem", com 73 anos, que eles todos juntos.

Clip: Dame Shirley Bassey, BBC Electric Proms. Londres, 2009.

O "PROGRESSISMO" ALARVE


Gostava que o Rui Ramos respondesse a este texto (acaba por o fazer lá dentro) - como se costumava dizer - caviloso da sra. D. São José Almeida, eivado de preconceito e de "historiadores" com dor de corno porque não conseguiram escrever uma História de Portugal como a que ele coordenou. É esta a "cultura" do canastrão Alegre, não se esqueçam. Uma espécie de "progressismo" alarve, o galarim dos eternos compadres e comadres que se imaginam donos da "verdade" histórica. Porque são prosaicamente "de esquerda" e mandam genericamente na academia há trinta e tal anos onde só trocaram de partido.

UM RETRATO ANTI-ENTUSIASMO

Do "miúdo pregador de pregos" na poesia, "miúdo" de Sócrates, de Louçã e da arq. ª Roseta. Tantos meses do "entusiasmo" desta gente pela frente não lhe augura nada de bom. São criaturas que não dão sorte a ninguém.

O RAIO QUE OS PARTA

Hoje é dia para aqueles que vêem em todos os gestos de Israel um contributo para o bem estar da humanidade exultarem. Pois não é que aqueles beneméritos, não fosse o diabo tecê-las, atiraram "preventivamente" sobre uns barcos fretados que iam levar material de guerra para Gaza, tal como cadeiras de rodas e comida, com o pretexto de se tratar de Untermensch pró-palestiano? A obsessão sionista de um Lebensraum justifica tudo a começar por um juízo unilateral do princípio da proporcionalidade, um acesso tipica e reiteradamente fascista. Livrai-nos, pois, de todos os que têm medo até do próprio medo e que julgam que só assim são "corajosos", "patriotas" e se livram de traumas congénitos. Não sou pacifista nem ingénuo, mas a "causa" israelita, assente na desconfiança universal e na exigência de uma global curvatura perante suas excelências, causa-me mais náusea do que qualquer outra coisa. O raio que os parta.

Adenda: Este post de Do Médio Oriente e Afins. Já agora, e para evitar comentários a comentários, por que é que os domésticos sionistas friendly não trocam o conforto do "doce Portugal" pelo extraordinário bastião dos "valores" ocidentais que é Israel (e zonas limítrofes) em vez de apenas hastearem a bandeirinha no quentinho da casa deles?

30.5.10

QUEM SABE, SABE


«Para quem, como eu, participou, há 5 anos, na campanha presidencial de Mário Soares, não é difícil prever o que se vai passar com a candidatura de Manuel Alegre, agora com o apoio dos dirigentes do PS.»

José Medeiros Ferreira, Córtex Frontal

PUXA-SE MAS NÃO DÁ MAIS

Mais anos de escolaridade obrigatória mas estamos no mesmo "posto" de 1960, em pleno "fascismo", e atrás da Turquia de acordo com a OCDE. O Banco do ainda governador Constâncio também reparou na coisa. «Portugal nunca conseguiu acompanhar os seus parceiros europeus no aumento do nível de qualificações da população activa.» Salazar tinha razão. A gente puxa, puxa mas isto não dá mais.

A MÁ EDUCAÇÃO PROGRESSISTA

Parece que Sócrates - um modelo do "progressismo" mundial e de "homem de cultura" como, por exemplo, Chávez - mandou o seu PS albanês apoiar Alegre precisamente em nome dessa coisa em forma de assim chamada "progressismo" e da "cultura". Alegre decerto não se fará rogado no papel de Américo Thomaz do dr. Louçã e do admirável líder. Que, aliás, nunca deixa de surpreender pelo fino trato e pela esmerada educação.

FRIAMENTE

«De repente, Portugal inteiro começou a falar obsessivamente das presidenciais? Porquê? Por três razões. Primeiro, porque só depois delas se poderá resolver o verdadeiro problema político do país, que é, de facto, Sócrates. Segundo, porque tanto Cavaco como Alegre parecem vulneráveis. Terceiro, porque a eleição de Alegre mudaria profundamente o equilíbrio interno do PS e do PSD. Com Alegre em Belém à custa do PC e do Bloco, o PS tarde ou cedo acabava por ser puxado para a esquerda e por se tornar irrelevante e marginal. E, sem Cavaco no horizonte, o PSD, livre de uma geração já morta, e de resto falhada, ficaria com o caminho aberto para a direita e para uma hegemonia durável no país, principalmente se conseguisse fazer um pacto com o CDS, que no fundo nada de sério ou de profundo impede. Apesar de Presidente em exercício, uma vantagem sem preço, a fraqueza de Cavaco é óbvia. Prometeu na campanha - se ainda se lembram? - devolver Portugal ao crescimento e à prosperidade, em "cooperação estratégica" com a maioria socialista. Às quintas-feiras, como um aluno atento, recebia a orientação do mestre e, se a cumprisse, tudo voltava à ordem rapidamente. Era uma ideia catedrática da Presidência, que morreu de inoperância e ridículo. Sócrates colaborou na farsa quando lhe convinha e ignorou o resto; Cavaco assistiu inerme à pior crise económica da democracia. Pior do que isso: o PS, da lei do divórcio ao casamento de homossexuais, não contemporizou com ele e ele engoliu passivamente o que lhe serviram, para grande fúria da Igreja e do conservadorismo indígena. Estes cinco anos de pura decadência, se me permitem a palavra, deixaram um mau gosto e não o recomendam. Quanto a Manuel Alegre, manifestamente não percebeu que o projecto de juntar o PS ao Bloco (e, a seguir, ao PC) é a melhor maneira de criar uma guerra civil endémica no PS (como a do PSD) e de o eliminar por anos como partido de governo. A oratória difusa do candidato e a vacuidade programática da esquerda talvez ganhem uns votos, num país desesperado e perdido. E são com certeza um alívio para o ressentimento acumulado da "inteligência" bem-pensante. Mas não resolvem problema nenhum. Alegre, em Belém, ou se virava do avesso (coisa simplesmente impensável), ou seria sempre uma força de instabilidade e conflito. Nem ele, nem Cavaco prometem nada de bom a Portugal. A nossa desgraça é que não há outros.»

Vasco Pulido Valente, Público


Nota: A crónica de VPV é publicada na íntegra, com a devida estima por quem me ajuda a pensar há mais de trinta anos. Lamento que muitos leitores encarem estas coisas como se estivessem a ler a falecida "crónica feminina", o "24 horas" ou a tirar o pai da forca. Como presidencialista, não acompanho a desmobilização voluntária de Cavaco a favor do regime. Preferiria que se recandidatasse propondo ao país uma ruptura constitucional e um sistema de liderança presidencial inequívoco. Seria, aliás, a consequência lógica do que disse aquando do estatuto do sr. César. Todavia, Cavaco tem a crise a pairar e, por ser PR, não deixou de ser economista. Não salvará, nem ele nem ninguém, uma coisa que, pela natureza dela e das gentes, já não tem salvação. Aqueles que andam a rasgar calças, cabeções, vestidos e turbantes porque Cavaco fez ou deixou de fazer, deviam pensar - se tiverem cabeça para isso - na alternativa. Repito o desafio. Arranjem melhor dentro ou fora daquilo que imaginam que não presta, como sugere o Pereira Coutinho, ou continuem a lançar lama para a ventoínha que Sócrates agradece. Este blogue - o seu autor - apoiará a recandidatura de Cavaco se ela acontecer e quem o quiser ler assim lê, quem não quiser, não lê. Sem reverências ou respeitinho cego. Tentem, para variar, ser inteligentes nas "críticas" como o Vasco o que já é mais difícil. Porém, essa é a vantagem da liberdade de expressão. A minha, pelo menos. E não me a tiram.

29.5.10

PONTO FINAL


«É a melhor das hipóteses possíveis.» (Bagão Félix, motu proprio)

O MIÚDO JÁ ANDA A APRENDER O RESPEITINHO

O "miúdo que pregava pregos numa tábua" não desfilou na Avenida com o seu apóstolo Louçã. O Largo do Rato sempre é o Largo do Rato.

UM PARVENU

É um parvenu, tal como um vintém é um vintém.

A BRIGADA DA INDIGNAÇÃO E AS MANOBRAS DE DIVERSÃO


Quem visse o telejornal da uma da RTP podia julgar que ia haver uma manifestação da "direita" contra Cavaco e não uma outra contra o governo. Três jornais fazem capa com a mesma conversa de chacha. Depois, abrem-se e, para resumir a coisa com a voz de alguém indisputavelmente sério, Bagão Félix, ficamos assim: «Já estou na idade em que não se tomam decisões por emoção.» O texto do i é de Filipa Martins que, desmintam-me se for o caso, esteve de mandatária para a juventude de Passos Coelho quando este perdeu para Ferreira Leite, e fala em "mobilização". De quem? Do beato Salu das Neves que, politicamente, vale zero? Do beato Pitta do outro lado? Do pró-árabe Ângelo? Do regimental colectivo Abrantes? Do "diário da manhã"? Do senhor cardeal patriarca que só agora acordou do longo sono socratista em que havia mergulhado? Não sendo adepto das teorias da conspiração, nada acontece por acaso. Cavaco promulgou a lei que altera o Código Civil há duas semanas. Um dos "indignados" contra Cavaco é Santana Lopes que, na semana em que isso aconteceu, foi à SICN conceder uma boa entrevista a Mário Crespo. Não me recordo de ter visto aí manifestada esta recente "indignação". Pelo contrário, Lopes até desejou uma maior intervenção presidencial imediata, só possível com o mesmo Cavaco que ele, desde ontem, deseja apear. Coincidência ou não, estas "notícias" aparecem no fim de semana em que o PS vai ter de "engolir" oficialmente Manuel Alegre. O que esta meia dúzia de gatos pingados da direita vai conseguir com esta manobra de diversão, é umas quantas declarações dos habituais yes men de Sócrates a apontar o dedo para a "divisão" fictícia no apoio a uma eventual recandidatura de Cavaco. Logo quando aquele "apoio" é a miséria envergonhada que se vê. Se, com isto, a brigada da indignação está a "ajudar a direita", vou ali e já venho. E se, com isto, não está objectivamente a ajudar os outros, para ter a certeza nem preciso sair daqui. Basta-me olhar para a RTP e demais televisões ou ler os bloguistas de serviço. Façam-se, pois, as contas. Desde 2005 apenas quatro pessoas deram vitórias significativas à direita. Carmona Rodrigues em Lisboa, Rui Rio no Porto, Paulo Rangel nas "europeias" e Cavaco Silva nas presidenciais. Do lado da brigada indignada, contamos uma derrota de Lopes como 1º ministro, outra do mesmo Lopes como recandidato à presidência do PSD, uma terceira como recandidato à CML (e estou à vontade porque estive com ele) e a de Ribeiro e Castro, no CDS-PP, contra Portas. Se estas almas conseguirem melhor candidato presidencial do que Cavaco e disposto a fazer de Amigo Banana, força. Caso contrário, como dizia o Sartre, deslizem e não façam peso.

Adenda: Porque sou amigo do Villalobos há muitos anos, e como não aprecio ferir ninguém pelo silêncio, apenas posso ler este post como parágrafo de um seu futuro mau romance que porventura se possa juntar à já garantida má poesia politiqueira do Alegre candidato. Podia ter servido de posfácio à igualmente má entrevista de Santana Lopes ao i a que aludi o suficiente. É tudo demasiado mau para ser verdadeiro. Por isso, faço votos para que esta tolice que atacou tão poucas boas pessoas quanto perfeitos cretinos, acabe rapidamente. Basta que reparem - repara, Villalobos - em que vos elogia. Que idiotas inúteis, afinal, fostes. (via Nuno Gouveia que é mais amável do que eu)

A ILUSÃO


«Com a sua sabedoria, o dr. Mário Soares pediu ao primeiro-ministro que fosse à televisão, sozinho, esclarecer e orientar o país, que anda claramente inseguro e perplexo. Ele, como é óbvio, não foi. Não lhe entrou com certeza na cabeça que perdeu a confiança de toda a gente. E, no entanto, basta ler os jornais para se verificar a solidão do homem. Em quarenta anos de política, nunca assisti a um desprezo tão constante, a uma hostilidade tão brutal, a uma unanimidade crítica tão completa. Qualquer pessoa de senso e dignidade tirava as conclusões da situação e desaparecia logo. Sócrates, não. Sócrates resiste, acha ele, a bem da Pátria em perigo. É uma ilusão comum e é também uma ilusão perigosa. O menor incidente pode hoje sem dificuldade acabar com ele. E, de caminho, connosco.»


Vasco Pulido Valente, Público

AS FLATULÊNCIAS DA PSEUDO DIREITA



Mais estúpida que a esquerda portuguesa, só mesmo a pseudo direita portuguesa. Penso, evidentemente, em coisas como a ténia opinadeira Delgado e em flatos de circunstância de colaboracionistas e de oportunistas alimentados pelo regime, autênticos freteiros (so)cretinos, com um trambolho entre as orelhas. Aos outros, os que deviam tomar sais de frutos, só se deve lamentar ou denunciar alguma "jogada" canalha. Parafraseando uma frase de A. J. P Taylor do livro ali ao lado, quando os homens não gostam de um político por causa do seu realismo, é da realidade que eles não gostam, se e quando a percebem. Tenham juízo.

Clip: Gioacchino Rossini, La Gazza Ladra, Overture. Wiener Philharmoniker. Claudio Abbado. 1991

28.5.10

SUA PUTIDADE, A ESQUERDA


Quando se trata do tgv, são todos, em simultâneo, cubanos, chavistas, socráticos, varistas, estalinistas, trotskistas, maoistas, alegristas e demais "istas" porque, como dizia o sábio Soares, o dinheiro aparece sempre. Sobretudo o dos outros, os que hão-de vir a seguir pagar a factura. Depois deste "28 de Maio" porno-parlamentar, o que é que a matilha comunista e bloquista vai fazer, amanhã, numa manifestação folclórica contra o governo aliado? Masturbar grilos? As congéneres do Intendente sempre são mais autênticas e já tomam banho.

UMA ADENDA

(...)
O Minotauro compreender-me-á.
Tem cornos, como os sábios e os inimigos da vida.
É metade boi e metade homem, como todos os homens.
Violava e devorava virgens, como todas as bestas.
Filho de Pasifaë, foi irmão de um verso de Racine,
que Valéry, o cretino, achava um dos mais belos da "langue".
Irmão também de Ariadne, embrulharam-no num novelo de que se lixou.]
Teseu, o herói, e, como todos os gregos heróicos, um filho da puta,
riu-lhe no focinho respeitável.
O Minotauro compreender-me-á, tomará café comigo, enquanto
o sol serenamente desce sobre o mar, e as sombras,
cheias de ninfas e de efebos desempregados,
se cerrarão dulcíssimas nas chávenas,
como o açúcar que mexeremos com o dedo sujo
de investigar as origens da vida.

(...)


J. de Sena, 1965

A este post, de homenagem a Chateaubriand, depois de passar pelo i. Queria apenas lembrar a alguns leitores que aqui vêm amavelmente muitas vezes que, talvez, algumas pessoas usem um cartão do PS no bolso do casaco, outro do PSD no bolso das calças e deixem um bolso livre para o que der e vier. E que, igualmente, há quem reze a várias obediências ao mesmo tempo, namely, à Maçonaria, à Opus, aos "interesses" transversais e opacos. Cavaco pode ter todos os defeitos do mundo, mas é um homem a quem disto, desta porca ubiquidade, ninguém poderá acusar. Não o estou a ver de cilício numa mão e de avental posto ajoelhado diante de prolixos altares. Lembrem-se sempre disto, meus queridos "cabrões".

Adenda à adenda: Obrigado, Maria João, pela lucidez, e ao Rodrigo, ao Paulo e ao Nuno pela honestidade intelectual. O cardeal patriarca de Lisboa esteve calado durante os quatro anos e meio do socratismo absoluto. Mais. Quando o admirável líder estava a formar o seu segundo e extraordinário governo, passou por São Bento assim como quem não quer a coisa. Para quê, pois, agora esta fala oportunista contra o PR? Pobre Igreja portuguesa que tão pusilânimes servidores tem. E pobre entrevista a sua, Pedro Santana Lopes.

POR QUE É QUE GOSTO DE LIVRARIAS COMO A LÁCIO E DE LIVREIROS COMO O SR. ANDRÉ


«Em 1742, um músico alemão, que vivera quatro anos em Itália, estreou em Dublin uma obra em inglês sobre uma história passada em Jerusalém e partilhada por todo o continente. A obra, a que o letrista chamou "entretenimento", teve grande êxito junto de "instruídos e iletrados", escreveu alguém que assistiu à estreia. O autor apresentou-a depois em Londres 36 vezes. Passados 268 anos, o Messias, de Handel, faz parte do quotidiano e de sempre. Vem de um tempo em que existia uma Europa cultural e até política, dividida, mas una. Hoje, reduzida às couves de Bruxelas e ao entusiasmo norueguês pelo Festival da Canção, a Europa definha. Bento XVI tem razão.» O Eduardo Cintra Torres escreve isto a propósito de uma merda qualquer, servida às postas pela RTP durante a semana. Mas serve-me para, da música de que ele fala (a séria e não a grunhida, pelos vistos, na Noruega) passar para os livros. "Instruídos e iletrados", nos dias de hoje, mal se distinguem. Todas as infames bestas que conheço, acumulam e coincidem - são instruídos e iletrados. Ontem, ao fim da tarde, fui à Livraria Lácio buscar um livro esgotado nos centros comerciais da "especialidade". E fiquei à conversa com o Sr. André. A conversa passou por cá, pelo Brasil, por talhos que outrora foram editoras, por Vergílio Ferreira, pelos cinquenta anos da Presença, por Sena, por Fernando Guedes, por Manuel Brito, enquanto lá fora, no Campo Grande, passavam bandos de corvos agarrados aos copos de plástico com cerveja. Imagino que nem sequer dez dos milhares de "alunos" das universidades das redondezas terão entrado na Lácio ao longo de um ano lectivo. Aquilo não é sítio para putas, femininas ou masculinas, formadas ou deformadas. É um espaço de dignidade e de humanidade, de amor aos livros como poucos já existem, onde as vendas mal dão para pagar a luz. A luz da poltrona edp e não a «pequenina luz" do poema de Jorge de Sena que pessoas como o Sr. André teimam não deixar extinguir. Bem haja.

OS COVEIROS DOS MAIS DESFAVORECIDOS OU A UNIÃO NACIONAL ESQUERDÓFILA BETONEIRA


É a melhor designação para a nomenclatura "tgvista", abstracta e nebulosa, de apoio ao bardo Alegre a quem o futuro "objectivo" do país não interessa. E menos interessa a ele que apenas deseja ver "consagrada" a sua nula e vaidosa abstracção precisamente no auge de uma crise que por natureza, não entende nem ajudaria a ultrapassar. Porquê? É simples e o insuspeito Campos e Cunha, no Público, explica. «Se os deputados do BE e do PCP (e deputados do PS) votarem ao lado do Governo, ficam com a responsabilidade histórica da decisão. E decidem entre os projectos faraónicos hoje ou, em alternativa, mais pequenos projectos criadores de emprego e mais Estado social, daqui a poucos anos. Dos votos de cada um dentro de dias veremos as consequências, em 2014. Há poucos momentos tão determinantes quanto este. Em 2014, lembrar-nos-emos quem esteve, em 2010, com os mais desfavorecidos ou com os grandes interesses.»

LOCA INFECTA


«Quando saímos do PREC e Cavaco, por assim dizer, "normalizou a economia", os portugueses resolveram viver "como na Europa". Depois de 60 anos de miséria, não custa a compreender. Faltava o dinheiro para esse exercício consolador? O país não ganhava, e nunca ganhou, o que gastava? Esse pormenor não comoveu ninguém. Da "Europa" vinham, sob várias formas, subsídios sem fim e, depois do "euro", apareceu, providencialmente, a dívida externa e o crédito barato. Na televisão, os bancos não paravam de oferecer empréstimos. No governo, os governos prometiam um Estado-providência exemplar, inesgotável, único. Na oposição, os partidos berravam sempre que era pouco e que o bom povo, coitadinho, ainda sofria muito. De ano em ano, o delírio continuou, apesar de um aviso ou outro, invariavelmente atribuído a "velhos do Restelo" e pessimistas profissionais, quando não a reaccionários sem senso ou sem vergonha. Sendo uma sociedade democrática, Portugal precisava de igualdade e fartura. O português precisava de um Estado pressuroso e pródigo desde que nascia até que morria. Excepto por inveja ou mau carácter, quem negava esta gloriosa evidência? O PS de Guterres conseguiu instalar este absurdo como ortodoxia de Estado. O país foi vítima de uma fraude consciente e continuada durante 20 anos. Agora, dia a dia, devagarinho, volta a miséria do costume: na saúde, nas pensões de reforma, no ensino e por aí fora. E as pessoas, sem perceber o que se passa perguntam: de quem é a culpa? De Sócrates, do estrangeiro, do azar? De quem? A culpa é delas.»
Vasco Pulido Valente, Público

27.5.10

OS "CANDIDATOS"

Deus sabe - e quem tem a paciência de me ler também - como não tenho a menor pachorra para a estupidez. Não acrescento "humana" precisamente porque só esta espécie pode optar por ser estúpida. Dito isto, e porque deles recebi um mail, só posso lamentar este post. Ou, em alternativa, considerá-lo "engraçadista". Pois como havemos nós de classificar - por muita, pouca ou nenhuma consideração que nos mereçam as criaturas em causa - a sugestão de D. Duarte de Bragança, Bagão Félix, João César das Neves, Aura Miguel, Maria José Nogueira Pinto, Gen. Rocha Vieira ou Daniel Serrão como putativos candidatos "pro vida" à presidência da República porque, perguntam eles, «pode o PS escolher um Presidente da República mais colaboracionista (em colaboração estratégica) com as suas políticas (aborto, casamento homossexual, deseducação sexual obrigatória nas escolas, divórcio simplex)... do que Cavaco Silva?» A patetice destes católicos à beira de um ataque de nervos, explícita na capciosa pergunta, assenta nalguns equívocos básicos. O PR - este ou outro qualquer - não é, como na monárquica Inglaterra, simultaneamente chefe de Estado e chefe da Igreja doméstica. Depois, e como frisou Bento XVI assim que aterrou em Portugal, «a viragem republicana, operada há cem anos em Portugal, abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja, que as duas Concordatas de 1940 e 2004 formalizariam, em contextos culturais e perspectivas eclesiais bem demarcados por rápida mudança.» Ratzinger, ao contrário desta gente, conhece perfeitamente o mundo em que vive e há muitos anos. Não tem, por isso, ilusões e decerto sabia a que país chegava e que país deixaria quatro dias depois. Consequentemente falou da liberdade da Igreja e da liberdade do Estado. Lamento, porque dele era adepto, que não tivesse sido realizado um referendo sobre a matéria. Mas era indisputável a legitimidade deste parlamento para tratar dela. Também era legítimo um veto presidencial ou a promulgação. Se vetasse, Cavaco, como os seus adversários esquerdófilos decerto apreciariam, lançaria para a arena uma falsa questão religiosa que até o Papa desaconselharia. Promulgando, Cavaco desagradou aos simétricos das direitas a quem também lhes puxa o pé para tal intempestiva e parva questão. Tem um preço político? Seguramente. E pago no momento do voto. O que me parece esdrúxulo é pretender-se que a democracia, valha a nossa o que valer, seja confessional e que os representantes dela também o tenham de ser. Seja pelo lado jacobino dos "funcionários do género", seja pelo lado oposto, não menos "funcionário", destes amiguinhos "pro vida". Pelos vistos, o que sobra em Titis de ambas as bandas falta em tino. Juntem, pois, uma à lista.

Adenda: Com o devido respeito - coisa distinta do respeitinho -, D. José Policarpo, que deixou os adeptos do "não" no referendo à IVG entregues a si mesmos após uma breve e "correcta" declaração antes do processo eleitoral, não tem agora grande "moral" para vir debitar doutrina para cima do PR, sobretudo insinuando que existe uma relação causa-efeito entre o processo político das eleições presidenciais e uma lei que altera o Código Civil. Entre outros, colocou-se ao lado do edil Costa, do PS, que acabou de dizer coisa idêntica na SICN para justificar o engolir de Alegre. Se fossemos "medir" as complacências para com o absolutismo "socrático", não sei se D. José Policarpo não levaria a dianteira a Cavaco.

Adenda de sexta-feira: À questão religiosa (que não existe) alguns querem acrescentar uma questão política perfeitamente imbecil a propósito das eleições presidenciais. E outros ainda (que deviam estar calados e eles sabem perfeitamente porquê) também andam nesta de "Maria-vai-com-as-outras". Razão tinha Chateaubriand. Deve-se ser parcimonioso na distribuição do desprezo em função do grande e inesperado número de necessitados.

TUDO É POSSÍVEL


Parece que as "escutas" de um daqueles afamados processos que estão permanentemente em "banho maria", foram juntas a um outro processo qualquer. Isto quando ainda não tinham tirado aos tribunais a água refrigerada para pouparem uns trocos. Mais tarde ou mais cedo hão-de aparecer em locais mais adequados aos protagonistas das ditas "escutas" tais como a feira da ladra ou a das camisas Lacoste, em Carcavelos. Ao mesmo tempo, o senhor conselheiro Pinto Monteiro, venerando PGR, veio sossegar a pátria garantindo que "Portugal não é um país de corruptos" o que talvez justifique tanta coisa em "banho maria" por manifesta inutilidade "prévia" da lide. Neste país em diminutivo, já tudo é possível.

CONTRA O PSITACISMO DO PEC

Não sou do PC, nem tão pouco "intelectual" e não passo por escadarias normalmente mal frequentadas. Mas, de facto, também não aprecio o PEC.

MAIS UMA DÉCADA PERDIDA?*


«Apesar de a bancarrota dos Estados ser uma situação muito mais frequente do que se imagina (desde 1800 houve mais de 300 casos, em Portugal aconteceu sete vezes, uma no século XVI e seis no século XIX), não há, contudo, análises empíricas suficientes destes casos que permitam tirar conclusões incontroversas. Nem há - dada a enorme quantidade e complexidade dos factores em interacção - critérios ou ratios do que idealmente se possa chamar uma "boa" dívida. Há apenas algumas constantes que convém reter. Que os mercados cortejam os Estados quando as coisas lhes correm de feição, mas não hesitam em atacá-los quando elas correm mal. Que uma dívida mal gerida arruína tanto os credores como os devedores. Que quando o serviço da dívida atinge os 50% das receitas fiscais, o desastre é inevitável. Que, quando a dívida de um país ultrapassa os 90% do PIB, o crescimento se torna impossível. Que há uma contumaz tendência para desvalorizar o perigo e para se acreditar que "desta vez é diferente!" E até pode ser que seja… mas isso exige, diz Attali, que a União Europeia abandone as idílicas metáforas dos planos de relançamento, e assuma um corajoso plano anticatástrofe: com eurobonds, uma Agência Europeia do Tesouro e um Fundo Orçamental Europeu.»

Manuel Maria Carrilho, DN

*É o que sugerem as previsões da OCDE.

26.5.10

AMARAL, O COMISSIDA REDUCIONISTA

Mota Amaral defendeu em Portalegre a redução do número de deputados. A figura que fez na comissão de inquérito a que presidia - um "comissídio" - habilita-o perfeitamente a ser o primeiro a dar o exemplo. Um "exemplo" parecido com a circunstância de ter sido o único deputado da chamada "ala liberal" que estava na então Assembleia Nacional no dia 25 de Abril de 1974. É assim que se conquista o limbo da moleza consensual e da dúbia sobrevivência que não são coisas de bebés nem de inocentes. São, pelo contrário, coisas bem portuguesas como a esperteza saloia ou o agachamento respeitoso. Pacheco Pereira podia ter-se dispensado da comparência nas cerimónias fúnebres amaralescas em que praticamente todos, menos ele, revelaram a matéria viscosa de que são feitos. Eles já são pequeninos. Só falta, de facto, reduzi-los. Em número e à insignificância.

LEVEM-NA

A Telefonica espanhola quer comprar a PT. Levem-na rapidamente. Com o Bava e o Granadeiro dentro.

A FALTA DE ALTURA



«... lamentando que os líderes europeus não estejam "à altura da situação".» Mário Soares, ao fim de cinco anos, lá vai a custo percebendo que o "nosso" líder também é um desses não dimensionados. Imagine-se o que dirá quando chegar o "momento Alegre" relativamente ao qual já "acha" que não haverá, pelo menos para ele, porque tem "uma coisa muito importante, que é a [sua] consciência.»

CÉSAR E DEUS

Desta vez a Aura Miguel não tem razão. Cavaco promulgou um diploma do "mundo dos homens" e, não o tendo feito, daqui a umas semanas estava a assiná-lo sem qualquer alternativa. Fê-lo enquanto "César" - fraco César, é certo - e não enquanto homem cuja fé não era para ali chamada. Com as devidas adaptações, é ler Mateus 22, 15-22.

CONTRA A ACOMODAÇÃO


«Possuo (...) pendor polémico. Primeiro, porque as pessoas valem para mim, positiva ou negativamente, mais do que as suas ideias, cuja existência autónoma não reconheço. Segundo, porque sofro de falta de jeito para a (...) acomodação, falta essa que pode cifrar-se em não considerar génios todos os meus parceiros e o dizer, ou em não considerar um mundo perfeito ou irremediavelmente imperfeito aquele em que vivo, e o dizer também, pelos meios possíveis.»

Jorge de Sena, Diário Popular, 15.6.55

OFÍCIO DIÁRIO



Torquato da Luz aceitou correr o risco de me pôr a apresentar o seu livro Espelho Íntimo. Torquato é do tempo em que, passe a expressão, os jornalistas falavam e não eram meros papagaios. Desde cedo, e para além desse ofício, arrebatou o arriscado de poeta. E, sobretudo, o mais difícil ofício - o diário de ser português. Tudo junto, é o suficiente para o acompanhar mais logo, pelas sete da tarde, na Livraria Barata em Lisboa e dizermos qualquer coisa sobre estes ofícios todos. Apareçam.

O CANDIDATO APRISIONADOR

Para o anedotário socrático "dos últimos dias", fica uma "ideia" de um tal Renato Sampaio, uma luminária do Porto que mal sabe soletrar duas letras. Disse o senhor que "há candidatos que tentam aprisionar os partidos", referindo-se ao bardo Alegre que, segundo se presume, é camarada dele de partido. Esta peróla - que certamente não deixará de figurar nos manuais de ciência política onde estudam os comentadeiros - apenas serve para demonstrar nas mãos de quem Alegre vai ficar depois da captura prévia já garantida pelo dr. Louçã. Este Sampaio é um "socrático" de fartos costados. Isto quer dizer que Sócrates mandou os fiéis aliviarem-se por ele em relação a Alegre antes de o ter de apoiar. Os "soaristas", esses, aliviam-se tipicamente por conta própria. Até Alegre merecia um fim de carreira mais elevado.

25.5.10

DONOS DA CASA DESESPERADOS


Depois de um episódio das Desperate Housewives, apareceu-me, na SICN, o Nazaré do Benfica e do PS a falar no "ataque", no famoso "ataque dos especuladores" que, provavelmente, terão feito subir aquela barra vermelha à direita do gráfico, a nossa maravilhosa dívida externa comparada com a da Grécia. Os "especuladores" gostam menos da Grécia. Mas Nazaré, à semelhança de todos os Nazarés, é irrelevante e salsifré. O que me preocupa é que, segundo o Afonso, quem forneceu o gráfico que "clonei" foi o prof. Nogueira Leite que também lá estava com o Nazaré, o ubíquo Mira Amaral e o antigo conselheiro de Sampaio em Belém, Ferreira do Amaral. Como é que Nogueira Leite, em representação do candidato a futuro admirável líder, o jovem Passos, sabendo o que o gráfico evidencia, aceita "negociar" seja o que for com quem, em quinze anos, fez subir aquela barra vermelha? E que ainda trata por "amigo", sem ser de Peniche, o Nazaré? Nogueira Leite, com tanta aparição e salamaleque, arrisca-se a ficar refém - e cúmplice - daquilo que é responsabilidade política alheia. Mas se, com tal exercício, imagina que vai salvar a pátria, faça favor. É só mais um.

UM REQUIEM CORPORATIVAMENTE ANUNCIADO

Quando é que é a missa de sétimo dia da comissão do dr. Mota Amaral, simultaneamente presidente, cangalheiro da mesma e encomendador do piedoso acto?

ERA UMA VEZ UM GOVERNO

Afinal, não é tarde nem é cedo neste governo "era uma vez". A escritora infantil Isabel Alçada garante-nos um Portugal dos pequeninos com muitas prosperidades.

«SÓ PROGRIDE QUEM É MODESTO. O ORGULHO OBRIGA A DAR PASSOS PARA TRÁS»


O TORGA DA FISCALIDADE

Cavaco recebe muitas coisas em Belém. Uma delas foi lá ontem "apresentar cumprimentos". Trata-se do bastonário dos TOC's (em Portugal há um bastonário para quase tudo), o sr. Domingues de Azevedo. O tal Azevedo deve ser bastonário dos TOC's desde pequenino e voltou recentemente a ser reeleito pelos "pares". É mais um daqueles da chamada "sociedade civil" que, muito penhoradamente, venera o PS. Bastou vê-lo, à saída de Belém, a falar da aplicação das leis fiscais no tempo e a explanar a sua original "doutrina". Parecia um Miguel Torga da fiscalidade, entre as brumas basálticas dos códigos e a languidez parola de quem tem de dizer qualquer coisa para ficar bem no retrato oficial. Na revista dos TOC's que relatava fotograficamente a retomada de posse do sr. Azevedo, vê-se lá meio regime. É quando basta para o definir.

AGORA É TARDE

Pensava-se que, ao escolherem este ou aquela para ser membro do governo ou para dirigir organismos públicos, estavam a pensar, à partida, em "gestão eficiente". Por causa do que aconteceu há três semanas e à Judite de Sousa há uma, segundo esse enorme líder mundial vagamente espanholizado que é Sócrates, os membros dos governos europeus desataram a poupar nos rendimentos dos outros, na água, na luz e nas flores artificiais. E alguns, mais sofisticados como a nossa adorável Ana Jorge, lembraram-se da tal "gestão eficiente". O PS que ela representa no governo está no poder há quinze anos e não há praticamente ninguém a gerir nada que seja público que não pertença à seita ou que não declare piedosamente lhe pertencer. Vir neste momento com demagogia estilo "365 dias de trabalho para a nação" é apenas mais uma prega no sudário. Tivessem pensado nisso antes. Agora é tarde.

«O BECO SEM SAÍDA, OU EM RESUMO...»

I
As mulheres são visceralmente burras.
Os homens são espiritualmente sacanas.
Os velhos são cronologicamente surdos.
As crianças são intemporalmente parvas.
Claro que há as excepções honrosas.

II
As pedras não são humanas.
Os animais não são humanos.
As plantas não são humanas.
Os humanos é que têm algo deles todos:
o que não justifica o panteísmo,
nem a chamada «Criação».

III
Humanamente feitas são as coisas,
e as ideias, as obras de arte, etc.
mas que diferença há entre ser-se uma besta na Ilíada
ou no Viet-Nam?

IV
Há por certo os poetas, os santos, e gente semelhante
(os heróis, que os leve o diabo)
- mas desde sempre, em qualquer língua,
qualquer das religiões (ilustres ou do manipanso),
fizeram o mesmo, disseram o mesmo, morreram igual,
e os outros que nascem e vivem e morrem
continuam a ser a mesma maioria triunfal
de filhos da mãe.

V
Que haja Deus ou não
e a humanidade venha a ser ou não
e os astros sejam conquistados (ou não)
apenas terá como resultado o que tem tido:
uma expansão gloriosa do cretino humano
até ao mais limite.

VI
A vida é bela, sem dúvida:
sobretudo por não termos outra,
e sempre supormos que amanhã se entrega
o corpo que já ontem desejávamos.

VII
O poeta Rimbaud anunciava o tempo dos assassinos.
Sempre foi o tempo dos assassinos
- e até ele era mesmo um deles.

VIII
Gloriosos, virtuosos, geniais,
mas burros, sacanas, surdos, parvos.
Ignorados, viciosos ou medíocres,
mas burros, sacanas, surdos, parvos.
Do primeiro, do segundo, do terceiro ou quarto sexo:
mas burros, sacanas, surdos, parvos.
Em Neanderthal, Atenas, ou em Júpiter
- burros, sacanas, surdos, parvos.

IX
Canção, se te culparem
de infame e malcriada,
subversiva ou não,
ou de, mais que imoral, desesperada;
se te disserem má, mal inventada,
responde que te orgulhas:
humano é mais que pulhas
e mais que humanidade mal lavada.


Jorge de Sena, Exorcismos. 1972

24.5.10

FAMÍLIA ADAMS À CABINE DE SOM



A D. Fátima, a do fúnebre serviço público de televisão, apresentou os membros do habitual jazigo de família que leva até ao Prós & Prós. Desta vez erguem-se as múmias da defunta"concertação social". É escusado ouvir esta mesma gente, com as mesmas banalidades e a debitar os mesmos estúpidos diagnósticos. Esta gente ou outra qualquer, aliás. Enquanto a varridela não for geral e definitiva, mais vale ir ao circo, jogar à bisca lambida ou andar nos transportes públicos que, por sinal, também vão aumentar quando não iam. Que venha, pois, qualquer coisa que os devolva a todos ao jazigo e às profundezas do inferno. Rapidamente e em força. Boa noite e boa sorte.

«LOGO SE VERÁ»

Ouvi e vi, juro que ouvi e vi, o chamado líder da oposição - que acumula com a presidência do PSD e com uma pasta indistinta no governo - a afirmar que a retroactividade das leis fiscais (a propósito, não há nenhuma que permita despachos e portarias com o teor que tem vindo a público pelo que, originalmente, presume-se que o parlamento legislará lá mais para diante "à medida" daqueles) é uma questão técnica a delucidar pelo governo (o tal que ele integra a partir do covil à Lapa) e que "logo se verá". Se isto não é puro arrivismo irresponsável, é o quê? Ou ninguém, estilo Miguel Sousa Tavares, lhe explicou o que é que, em tese, distingue um Estado de direito, por exemplo, da Somália? Ou Passos está, afinal, fascinado pela Somália como Ângelo pelo Médio Oriente? Tem algum mérito em pensar que vive na Somália mas com vista para o Tejo (como Sousa Tavares, aliás, que é viajado) - o que revela um módico de realismo. Não convém, contudo, abusar.

REPLICANTES



Já estivemos mais longe do mundo descrito por Philip Dick e pelo filme de Ridley Scott. Não é só a Igreja que se habitua lentamente a viver em minoria. A humanidade - os homens e o conceito - acabará por ter de fazer o mesmo.

ERA UMA VEZ NA EUROPA



O euro. Mudou tudo em três semanas, disse ele. Coitadinho. Nem sabe o que o espera.

ESTABILIDADE E INDIFERENÇA

O senhor ministro sem pasta - sem, aliás, quase tudo -, Passos Coelho, recomendou que não haja greve geral por causa da salvação patriótica em que ele se empenhou (nos empenhou) com Sócrates. Tem, diz ele, receio que a "instabilidade social" agrave o que já está agravado pela natureza das coisas. Com tantas cautelas, e apesar da inutilidade previamente anunciada da dita, é caso para nos interrogarmos se Passos não terá aconselhado Mota Amaral a, na prática, parar com a pachecal comissão de inquérito para a salvaguarda da estabilidade, em geral, e da indiferença, em particular, que obrigam a manter em funções, aqui ou ali, pessoas com relações tortuosas com a verdade. Marcelo também firmou esta doutrina que, no antigo regime, se designava burocraticamente pelo famoso "a bem da nação". Em pouco tempo, Passos assimilou todos os vícios que, um dia, farão dele um digno representante - mais um - do estado a que isto chegou. Chapeau.

POR CAUSA DE TUDO



«Devemos combater sem tréguas
esta ideia de uma cultura sem esforço,
sem resistência, sem atrito, esta obsessão
de sermos todos divertidos e leves, com bolhinhas.»

Eduardo Prado Coelho


Acabou a feira do livro de Lisboa. Fora os alfarrabistas, as editoras representadas são geralmente a evidência do imenso centro comercial em que se tornou a nobre actividade de editar livros. Não que uma editora viva para perpetrar caridade. Mas, pelo menos, devia existir, tendo anos em cima, dois ou duzentos, para respeitar alguns pergaminhos. A leitura não é um caminho da facilidade ou de fomento da idiotia para alcançar uma falsa felicidade terrena. Barraquinhas inteiras cheias daqueles nojos de "auto-ajuda" e de "auto estima", de escritores de aeródromos porque nem sequer de aeroportos conseguem ser, de noveleiros regedores camarários, de curas de emagrecimento físico e intelectual, de coisinhas para o criancismo dar largas à futilidade dos pais, etc., etc., por muito que vendam - porque saciadoras virtuais de desejos maioritários inconsequentes -, aviltam a ideia mesma de literatura. Talvez por isso muitos dos seus estudiosos digam que não vale a pena perder muito tempo com algo que, na verdade, não existe. Incluo, naturalmente, a poesia apesar de, talvez, ser a menos mal tratada pela feira. Esta divagação em dó (menor) veio porque, precisamente numa dessas barracas de centro comercial por onde passei várias vezes para ver que ainda lá estavam, repousavam, rente ao chão, duas caixas como as da foto. Ali devem ter estado, estas semanas, sem ninguém dar por elas, bem longe do vendável, do barulho, do atrito, do entra e sai sem comprar nada ou do comprar qualquer coisa que esteja ao sol (se está ao sol é porque é "bom" e da moda) ou de um senhor ou de uma senhora da televisão. A maior parte da clientela nem sonha que, muitas vezes, não são eles, os seus heróis da noite no sofá da sala ou das tardes na cozinha, os autores daquelas merdas. É infernal o circuito destes centros comerciais que tudo nivela por baixo, até a literatura. Neste sentido, Eduardo Prado Coelho ter literalmente desaparecido e ter sido arrumado a um canto, não deixa de fazer algum sentido. Um livro, como escreveu Vergílio Ferreira, também é - ou é sobretudo - o seu ambiente. Ora a feira do livro há muito que deixou de ser esse ambiente que sobra dos livros, da literatura. Não, não é por causa do Eduardo já não poder viver nesse ambiente. É porque nós já lá não vivemos. E é por causa de tudo.

23.5.10

ALGUNS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

«O povo é bom tipo.

O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada tanto quanto possível, dos interesses alheios.

Quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social; e quando se quebra o laço social resulta que se quebra o laço social entre a minoria e o povo. E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva.

Existir é renegar. Que sou hoje, vivendo hoje, senão a renegação do que fui ontem, de que fui ontem? Existir é desmentir-se. Não há nada mais simbólico da vida do que aquelas notícias dos jornais que desmentem hoje o que o próprio jornal disse ontem.

Querer é não poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer. Creio que estes princípios são fundamentais.»


O Livro do Desassossego, de Bernardo Soares

MARCELO NIM



Saúda-se o regresso de Marcelo à televisão. Sozinho, vale o batalhão de papagaios comentadeiros que atacam diariamente os ecrãs embora não destrone, aprecie-se ou não, a feroz independência intelectual de Pacheco Pereira descontadas as lambuzadelas no horrível Costa. Todavia, esta primeira prestação, na parte respeitante a Sócrates, fez lembrar este sketch dos "fedorento". Sócrates? Nim.

Adenda sobre Júlio Magalhães, "apenas" o director de informação da tvi: «O brilhante Magalhães, cuja presença e mente irrequieta devem ser tão estimulantes como contemplar um marco-de-estrada.»

«O TOY DA ANÁLISE POLÍTICA»

Parabéns ao Filipe que, finalmente, conseguiu definir essa aberração do intelecto cuja vazia toponímia capilar traduz o que lá está dentro. Pior do que esse "Toy" só mesmo os "toyzinhos" que o cantam e aplaudem. Porque o Toy genuíno ao menos é autêntico.

DIGNIDADE NA DERROTA


Para esquecer, por breves instantes, os pigmeus e as ténias (as "elites" do regime), talvez valha a pena ler o livro de Carlos Brito. Cunhal, afinal, era humano e tinha "embirrações pessoais". Mas, segundo Brito, foi decisivo para salvar Portugal da guerra civil em 1975. Já disse o que tinha a dizer sobre Cunhal. Basta agora a frase de Jorge Luís Borges, citada no livro, incompreensível em tempos de broncos tão satisfeitos consigo próprios. «Há na derrota uma dignidade que dificilmente pertence à vitoria.»

O ÓPIO DO POVO


Os telejornais da uma abriram todos com bola internacional. Com Mourinho que, infelizmente, não pode ser clonado para chefe do governo português. A bola, como não me canso de repetir, é o novo ópio do povo. O "mundial" fornece-o por quase dois meses, mesmo nesse lugar remoto e esquecível que é a Covilhã. Não existe "figura pública" que não dê o seu contributo para este circo que vem mesmo a calhar. Os portugueses começam a ser retroactivamente enrabados a 1 de Junho e, por essa altura, Queiróz e os seus já deverão estar divinizados, quando não petrificados e indemnes, incapazes para qualquer consolo pátrio sul-africano. As televisões encarregar-se-ão do resto com as suas dezenas e dezenas de "especialistas" néscios, alguns dos quais recrutados à política que é outra forma de futebol. Lá fora, evidentemente, é a mesma coisa ou pior porque a imbecilidade se globalizou tal como Lula da Silva se globalizou ou os corpos dos jogadores de futebol se globalizaram dentro das respectivas cuecas. Uma miséria.

CONTRA OS PIGMEUS


Não encontro isto "em linha" pelo que tenho de fazer fé no leitor que enviou. «Do ponto de vista estritamente político, a situação só melhoraria quando os aparelhos partidários fossem afastados do poder, por um gabinete de emergência supra-partidário em concordância com o Presidente da República.», terá escrito o sociólogo Manuel Villaverde Cabral na versão impressa de um jornal de hoje. Não anda muito longe do que sustentou Santana Lopes. Era bom que hoje fossemos alguns a dizer isto e amanhã milhões. Até porque não temos tropa - os tais "aparelhos" encarregaram-se metodicamente de acabar com ela - nem estadistas por vir. Henrique Monteiro, director do mais respeitado e insuspeito hebdomadário do regime, definiu na precisão esses vermes infectos que pululam um pouco por toda a Europa (Obama, no fundo, não é muito melhor do que eles). Pigmeus.

22.5.10

QUE O MUSEU DE MARINHA SEJA DEIXADO EM PAZ


Tencionava escrever sobre isto, caro leitor José Monteiro (gostava de o tratar pela patente), mas reparo que António Figueira diz exactamente o que é preciso dizer. E conclui melhor do que eu jamais poderia concluir: «que Gabriela, a sonhadora, seja devolvida rapidamente ao seu rincão açoriano, e que o Museu de Marinha seja deixado em paz.». Assim Gabriela aproveitava logo para "estrear" o seu idiota "Museu da Viagem" (a outra queria um do "mar da língua") dando o exemplo.

VIENNA



A RTP2 presta, na noite de sábado, serviço público. Pelas 23h exibe Johnny Guitar, de Nicholas Ray, um filme de 1954 com Joan Crawford, Sterling Hayden e Mercedes McCambridge. É um dos filmes "da vida" de João Bénard da Costa e, evidentemente, da nossa. Como escreveu de Joan Crawford (Vienna), é «o papel que consome e consuma toda a última Crawford, talvez a mais poderosa criação jamais vista em cinema.» Não falhou um milímetro.

AS NOVAS TITIS

«Enquanto funcionárias do género», pela Helena Matos.

À ATENÇÃO DOS PATRULHEIROS DA CONSTITUIÇÃO


Vamos ver se os prosélitos (os manhosos e os crédulos) que denodadamente defendem o extraordinário zelador da Constituição e do Estado de Direito - dois equívocos que dá jeito invocar precisamente só quando dá jeito - que é Mota Amaral, também vão defender a mesma Constituição e o mesmo Estado de Direito a propósito da retroactividade dos impostos em 2010. Vai ser curioso observar um parlamento - o soberano em matéria fiscal desde que se inventaram os parlamentos - vergado a uma combinação oral, entre duas pessoas, no remanso de São Bento. Dois contra duzentos e cinquenta e tal dá bem a dimensão da inutilidade amoral da coisa.

DESFORÇO PATRIÓTICO


Daqui para diante, devemos dar o melhor do nosso desforço patriótico para corresponder aos lancinantes apelos do governo, do senhor Presidente e do jovem Passos. Ou seja, dar ao país, em incremento negativo, precisamente o mesmo valor das taxas com que os rendimentos do trabalho vão ser agravados. Reduzir o "esforço" de cada um de acordo com o valor das taxas publicadas no jornal oficial é um imperativo tão eminentemente nacional como ir à África do Sul, ter de gramar Sócrates todos dos dias ou ser obrigado a pagar o salário de deputado, há mais de 40 anos, a Mota Amaral.

UM REGIME DE POLTRÕES COM CRAVOS AO PEITO


«Também a indignação moral se tornou "incidental", e onde é mais necessária existe apenas "abulia espiritual". Vamos admitir, apenas admitir, que em 2009 ocorreu total ou parcialmente aquilo que a comissão investiga e que, verdadeiro exemplo de acédia, a maioria dos nefelibatas afirma pelos bares ter a certeza que existiu. Justifica-se tanta indiferença? Pode-se dizer que "todos os governos fazem o mesmo", para neste caso nada fazer? Pode-se encolher os ombros e dizer, como se fosse a coisa mais natural do mundo, "toda a gente sabe que ele mentiu", e depois? Não mentem todos? Pode-se dizer que foi uma tentativa que não passou de uma tentativa que acabou por não se concretizar (não é bem verdade...)? Pode-se dizer que isso são águas passadas e que hoje temos tantas coisa importantes para tratar, que isso é uma distração ou uma vendetta? Pode-se de facto dizer muitas coisas destas, mas esta enorme indiferença de jornalistas e, mais do que de jornalistas, de muita da nossa elite, é o terreno privilegiado da acédia, que depois se transmite como uma doença para todo o lado. É como a corrupção, um mal cuja aceitação social tem mecanismos muito semelhantes. O demónio de Evagrius adormecia os monges, a acédia adormece o carácter cívico da sociedade sem o qual a democracia não sobrevive. Cria poltrões habilidosos em esconder que estão a dormir em vez de ler, porque dá muito trabalho. Cria um país ao qual se pode fazer tudo, desde que não se seja descoberto. Ou melhor, desde que não se seja descoberto de modo muito descarado, porque, se for disfarçado, passa. Passa tudo, passa mesmo tudo.»


José Pacheco Pereira, Público

21.5.10

NÃO CHEGA


Já ninguém se lembra, mas por muito menos "trapalhadas" - o famoso «vocês sabem porquê» de Sampaio que ainda hoje não sabemos rigorosamente porquê - Santana Lopes foi varrido do governo. Na SICN, Lopes deu boas ideias ao país. Falou de ruptura, da necessidade de uma intervenção presidencial e, com coragem, que já não se pode ouvir o 1º ministro. Falou num governo de iniciativa presidencial que, até, inclua o PC. Como presidencialista, só posso aplaudir Santana Lopes. Nesta altura do campeonato, o tolhimento belenense por causa da recandidatura é inaceitável e torna-o progressivamente cúmplice deste "Sócrates dos últimos dias". Cavaco tem agora uma oportunidade única de se erguer por cima da mediocridade política consensual à qual Passos Coelho famosamente deu uma mão bem mordida por aqueles a quem ele a estendeu. A Cavaco ser reeleito porque sim, não chega.

AMIGOS DE PENICHE


Dizem-me que o debate parlamentar - na verdade um comício rasca do PS de Sócrates proporcionado pelo PC - foi encerrado pelo ex- MES do governo absolutista da finada legislatura, o inefável S. Silva. E também me disseram que Sócrates, o ex-MES e os caniches amestrados da banda de Assis atestaram baterias contra o PSD. É bem feito. Nunca há bom vento para quem não conhece o seu porto.

O NOVO HERÓI AO SERVIÇO DE ESTADOS NOVOS E VELHOS

Mota Amaral ambiciona exactamente o quê? E porquê? Que triste fim de uma carreira que tanto prometia, como recorda o leitor C. Silva Lima: «Em 25 de Abril de 1974, Mota Amaral era deputado da União Nacional (então chamada ANP). Todos os elementos da "ala liberal" (Sá Carneiro, Pinto Balsemão, etc.) tinham deixado a Assembleia nas eleições anteriores. Ele não. Há hábitos que nunca abandonam os eternos servidores do poder do momento.»

O RETRATO DE UM ROBOT QUE DIRIGE UM PAÍS DE BANANAS

«Debita sem cessar frases decoradas. Isso permite-lhe gastar o tempo sem responder a perguntas. Segundo, sempre que há uma má notícia da economia (mais desemprego, mais endividamento, etc.), Sócrates diz que "já se esperava", o que permite atribuir menos importância à notícia; se houver uma rara boa notícia (crescimento económico no primeiro trimestre, por exemplo), ele diz que foi uma "grande surpresa", o que aumenta o efeito positivo. Terceiro, usa em simultâneo a vitimização (vítima da crise mundial, vítima das perguntas dos jornalistas, etc.) e o ataque demolidor às perguntas e aos próprios entrevistadores. Na RTP1, Sócrates foi de uma grosseria imprópria de qualquer pessoa, a começar por um governante, na violência e má-criação com que se dirigiu a Judite Sousa e ao tratar José Alberto Carvalho com o desprezo de um mau patrão a um empregado, interrompendo-lhe todas as perguntas. A referência ao facto de o salário de Judite Sousa ser mais elevado do que o seu foi das manobras mais ignóbeis que algumas vez um político usou numa entrevista (...). Sócrates foi malcriado, o que é raro num entrevistado, e a nada respondeu. Além de não responder às perguntas dos dois jornalistas, também se livrou das que não chegaram a colocar-lhe, por falta de tempo, de vontade, ou porque Sócrates levou a entrevista para onde quis pelas técnicas referidas. Ficámos sem saber o que e onde cortará o Governo à despesa do Estado. Ignoramos o destino das obras faraónicas. Ignoramos o que foi transferido da independência nacional para Bruxelas. Ignoramos qual o alcance da crise, porque Sócrates oculta-a quanto pode. A entrevista a Sócrates confirmou um preço a pagar pela democracia. Com base na mentira, na ocultação e nas campanhas negras, Sócrates conseguiu ser reeleito. Agora, o país está contra ele e ele está contra o país - mas o país tem de o suportar. Espalhou-se a ideia feita de que é melhor Sócrates continuar do que termos uma "crise política" de alguns meses com eleições, etc. Todavia, também há um preço incrível a pagar por termos um governo surrealista, gasto, demagógico e que apenas quer continuar no usufruto do poder por cada dia que passa. Um país em que o povo está contra o Governo e o Governo está contra o povo por mais três anos e meio - isso, sim, é uma longa e trágica crise política que pagaremos todos bem caro.»

Eduardo Cintra Torres, Público


Nota: À notória má criação do "visado" no texto, ECT contrapõe a "delicadeza" de Passos Coelho na entrevista com Cunha e Sá. Um leitor "responde" por mim a esse fogo fátuo da "delicadeza" passista, manifestamente comprometida e submetida, afinal, à má criação do outro. «Esse Passos Coelho definiu-se muito bem quando a entrevistadora o confrontou com o famoso "pedido de desculpas"; " e não acha que deve um pedido de desculpas à dra. Ferreira Leite?" Resposta do senhor: "se achasse que devia, já o tinha feito..."»

AS ELITES EXEMPLARES,2

Quando fui beber um café, a meio da manhã, lá estava no plasma o inefável e admirável querido líder sem som. O gesto, a pose, a nota de rodapé a resumir a demagogia comicieira que é a única coisa que sabe fazer com gosto e sapiência. E sempre tão cheio de si como aqueles balões vazios à espera que uma máquina de feira os encha. Foi pena terem acabado com as "companhias residentes". Quando esta encenação acabar - e, um dia, fatalmente acabará nem que seja (como tudo o indica) mal - podiam aproveitar o homem para figurante em peças e óperas buffas. Figurante porque era fundamental garantir que, para todo o sempre, jamais abrisse a boca.

AS ELITES EXEMPLARES


FEIOS, PORCOS E MAUS

Compram aos catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso
da jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas de limpeza após combate.
São os chamados anos de formação. Aí aprendem
a compor o gesto, a interpretar humores,
a mentir honestamente, aí aprendem a leveza
das palavras, a escolher o vinho, a espumar
de sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte já conhecem
pelo faro o carisma de uns, a menos valia
de outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é preciso minar, desminar, intrigar, reunir.
Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.


Há então quem vá pelos municípios, quem prefira
os organismos públicos — tudo depende do golpe
de vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e dois é bem o momento de começar
a integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza em cima de tudo.


A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de empresa municipal, coordenador de,
assessor de ministro, ministro, comissário ou
director-executivo, embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol.
No final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de panegírico, bombardas, fanfarras de formol.



José Miguel Silva, Movimentos no Escuro

20.5.10

NÃO PERDER TEMPO


Para variar, esta noite - quinta-feira - vale a pena ver a Quadratura do Círculo na SICN. Pacheco Pereira, depois da sujeição da comissão parlamentar onde se senta (independentemente da valia intrínseca da dita no "conjunto" proeminente da pulhice geral) à violência da mansidão e da estultícia, devia anunciar que a abandonava e a deixava entregue aos bonzos profissionalizados, aos amanuenses políticos e a roubadores de microfones. Não perca mais tempo.

Adenda: Depois dos elogios de Soares a Passos - "sensato", "responsável" e "razoável" -, surgem, et pour cause, os elogios de Assis e do edil Costa a Mota Amaral. O PSD "renovado" é apenas uma muleta negra do regime. Afinal não valeu a pena. Boa noite e boa sorte porque daqui para diante (menos de 15 m depois) é lambuzadelas mútuas e para esse peditório pastoso não dou. Basta a D. Fátima e os seus.

Emenda (de um leitor) reemendada por mim: «Nos termos descritos por José Pacheco Pereira a comissão não pode fazer o que fez, nem tão pouco pode o deputado desistir de lhes mover uma guerra legal até às últimas consequências, a não ser que a comissão queira violar as próprias decisões do PGR e do Juiz de Aveiro. Nesse caso isto já não seria sequer um estado de direito.» Com certeza, até porque estado de direito isto já não é há muito tempo. É um eufemismo. Era mais prático abandonar a comissão - deixava de estar sujeito àquelas balelas do sigilo e da dependência de decisões como as do deputado insular, afinal, puramente políticas - e praticar um pouco de serviço cívico, uma coisa de que o regime foge como o diabo da cruz. Doure-se a pílula e ainda se transforma em supositório.

UMA PONTE POR CIMA DE ESPANHA

O governo espanhol, do insuspeito Zapatero, vai rever todos os projectos TGV. A menos que o governo português construa uma longa ponte que atravesse toda a Espanha, não se descortina a utilidade pública da meia-dose de TGV adjudicada outro dia por cá. Ou talvez se descortine e os espanhóis sejam uns bimbalhões, anti-modernos e mesquinhos, que se recusam a reconhecer a bondade do "progresso" dos investimentos que não largam a cabeça de Sócrates no pouco que ele lá deixa entrar.

«TRAVAILLEUR: TU AS 25 ANS MAIS TON SYNDICAT EST DE L'AUTRE SIÈCLE»

O INSULTO AOS POBRES

Por falar em Estado mitómano - ou, mais adequadamente, em políticos mitómanos geralmente optimistas - ocorreu-me, a propósito daquela encenação tropical em torno de Lula e das suas brilhantes tiradas para "alavancar" (sic) a economia portuguesa, uma ideia do escritor católico Georges Bernanos: o optimismo é um insulto aos pobres.

O ESTADO SOCRÁTICO - MITÓMANO*


«Na evolução recente das democracias, há uma sofisticação tanto maior em relação aos modos de chegar ao poder, e de se manter lá, como há descuido e o desleixo em tudo o que se refere à reflexão sobre o que fazer depois, quando se ganham eleições. Não admira que, quando isto acontece, depois não se cumpra o que se prometeu, não se antecipe o que não se conhecia, não se responda ao que não se previu. E quando falta preparação, já se sabe o que lá vem: idolatra-se o concreto, recorre-se ao activismo e invoca-se, claro, o pragmatismo. Esquecendo-se, todavia, que há um bom e um mau pragmatismo. E que são muito diferentes: o bom é o que é capaz de ligar o conhecimento, a acção e as suas consequências, de uma maneira coerente e responsável. O mau é o que esconde a ausência de estratégia e de visão, atrás das mil faces do calculismo táctico. As sociedades tornaram-se, de facto, extremamente complexas. Mas isto, em vez de estimular, parece que assusta os candidatos, que cada vez mais se limitam a declinar entre si pequenas variações de cartilhas idênticas, perante (é preciso dizê-lo) a passividade e a cumplicidade dos cidadãos. Não admira assim que não se tenha dado qualquer atenção a quantos anteciparam as dificuldades que atravessam hoje os Estados, com problemas a acumularem-se há uma década, entalados entre ilusões eleitorais e impotências governamentais. Foi neste ponto verdadeiramente nevrálgico que Jacques Attali (que acaba de publicar um vigoroso alerta Tous ruinés dans dix ans?) tocou, ao falar do Estado mitómano que tem vindo a criar-se nos últimos tempos, nomeadamente na Europa. Chegou-se, diz Attali, a uma situação em que, "incapaz de fazer respeitar as normas que estabelece, de cobrar as receitas de que tem necessidade para desempenhar as suas funções, o Estado mente a todos, produzindo textos inaplicáveis e distribuindo dinheiro largamente imaginário. Como todos os mentirosos, acaba a mentir a si próprio: torna-se num Estado mitómano, que acima de tudo não quer saber se o que diz é ou não é verdade. (…) O Estado, não tendo já meios reais para agir sobre o mundo, contenta--se em produzir textos e em gastar o dinheiro que não tem. Ocupado a mentir a si e aos outros, torna-se num Estado mitómano. E, como todos os que são atingidos por esta doença mental, mente cada vez mais - a inflação legislativa e o défice público são as formas que toma, na política, o delírio verbal do mitómano". (L'Express, 29/04

Manuel Maria Carrilho, DN

*a responsabilidade pelo título é minha e não de MMC que apenas reflecte acerca do "Estado mitómano", em abstracto, a partir de um texto de Jacques Attali. Mas como entre nós existe um concreto, dirigido por uma pessoa pessoa concreta até na sua inconsequência, há que dar o nome à coisa.