25.10.09

TRAIÇÕES E RENDIÇÕES


«Parece que, a troco de algumas concessões, o Presidente da República Checa, Vaclav Klaus, está finalmente - e presumo que muito contrariadamente - disposto a ratificar o Tratado de Lisboa. Até agora o homem tem resistido a uma eurofilia irritada, que não o percebe e que do fundo do coração o despreza. É um liberal impenitente e um discípulo confesso de Milton Friedman. Considera o aquecimento global um "mito", o "ambientalismo" uma "religião" e Al Gore um "apóstolo da arrogância". Detesta a esquerda e, particularmente, intelectuais de esquerda. Odeia o sentimentalismo de Havel. E, reeleito em 2007 pelo Parlamento, não depende da desaprovação popular. Mas, sobretudo, é um checo de Praga, coisa que a "Europa" ainda não conseguiu compreender. Ser um checo de Praga chega, e sobra, para desconfiar da "Europa". Em 1938, a Checoslováquia era a única democracia a leste da Alemanha. E era também a única potência militar capaz de opor a Hitler um obstáculo plausível. A Checoslováquia estava também aliada à França e à URSS. Mas foi - não há outra palavra - traída pela França e pela Inglaterra, que, em Munique, a entregaram, sem sequer a consultar, à Alemanha nazi. Como, a seguir à guerra, a entregaram a Estaline. A República Checa deve ao Ocidente 50 anos de ditadura. Não admira que lhe custe um pouco acreditar na íntima bondade de uma "Europa", em que precisamente a França e a Alemanha põem e dispõem. Vaclav Klaus explora, e representa, esse sentimento histórico? Com certeza que sim. Só que ele existe. Pior ainda, em 1945, a República Checa expulsou quase dois milhões de alemães do seu território. E teme, naturalmente, que, tarde ou cedo, as vítimas queiram recuperar o que perderam (ou parte do que perderam), à sombra de uma "Europa" supranacional. Os checos viveram até ao fim da I Guerra sob domínio austríaco, desde 1939 sob a ocupação do Reich e, pelo menos, desde 1948 sob o império soviético. É racional que recusem hoje qualquer espécie de ameaça, por remota que seja, à sua independência e liberdade. Vaclav Klaus pensa que Bruxelas (com ou sem o Tratado de Lisboa) acabará pouco a pouco por liquidar a democracia (que já não anda florescente) a favor de uma "pós-democracia" burocrática e autoritária e de um "europeísmo vazio". Talvez não se engane muito. A ameaça é real.»

Vasco Pulido Valente, Público

4 comentários:

Manuel disse...

Parabéns ao autor deste artigo.
Ai dos paises pequenos quando estão próximo dos grandes.
Não há nenhum país pequeno que não seja cobiçado pelos vizinhos, sobretudo quando estes são grandes.
Nunca percebi o que motiva um homem que é rico querer ser ainda mais rico.
Bruxelas está a caminho de exercer uma prepotência asfixiante a toda a Europa, sob a batuta do Clube de Bilderberg e isto tem de ser denunciado para que todos tenham consciência do perigo que corremos.
Em nome da LIBERDADE, por favor divulgue isto no seu excelente Blogue.

Nuno C. disse...

A "saída" de VPV da TVI parece ter-lhe dado um acréscimo de brilho e lucidez ao comentário. Este fim-de-semana foi exemplo disso. Depois de ter despachado o marxista saramago para para a sua rasteira condição intelectual, com esta análise para além de colocar o dedo nalgumas das principais feridas do problema europeu, deu visibilidade a um embuste promovido pela multiétnica seita ecofascista que domina as opiniões publicas e principalmente publicadas em todo o mundo que é o "aquecimento global".
Talvez não tenha sido por acaso que utilizou a expressão Mito quando se referia a esta impostura, já que o Engº Rui Moura tem vindo, desde 2005 através do seu blog Mitos Climáticos, estoicamente a denunciar esta palhaçada tão querida a muitos dos deserdados do marxismo que parecem sofrer de algum tipo de obsessão compulsiva quando confrontados com qualquer enunciado salvador da Humanidade.

Cáustico disse...

É de todo conveniente estar sempre muito atento às golpadas do socialismo de merda que se espalha pela maior parte dos países da europa. "Pau" neles.

Anónimo disse...

Que excelente artigo, dou-lhe os parabéns por tê-lo trazido aqui. VPV tocou nas feridas todas e saiu de cabeça erguida. Como não compro jornais (excepto O Diabo) e também não leio os em linha, só através deste seu Blog e dum ou outro mais, posso ler artigos d'opinião deste calibre. Gosto muito de ler VPV e gostava de o ouvir na TVI embora não concordasse com tudo o que ele lá dizia. Quer-me parecer que VPV é bem mais acutilante e lúcido e já agora contundente o bastante, em artigos de jornal do que como comentador ainda que também, mas isto é apenas uma opinião pessoal. A sua inteligência posta ao serviço da pena é nas mais das vezes qualquer coisa de sublime.

Mais acrescento, aproveitando a deixa, que Eduardo Cintra Torres é outro Senhor que merece nota alta pelos artigos frontais que escreve sobre Comunicação Social e/ou os governantes e que também tenho a feliz oportunidade de ler aqui de quando em vez.

Renovo-lhe os meus parabéns.
Maria