31.12.05

"SOMOS CRUCIFICADOS PELOS ABORRECIDOS"


1. Apetecia-me terminar o ano, neste blogue, com os primeiros versos do "Inferno" de Dante: "Da nossa vida a meio da jornada,/Em tenebrosa selva me encontrei,/Perdido era o caminho verdadeiro./Como é, porém, penoso dizer qual/Era desta selva a braveza e a sombra./De que só a memória traz temor!" (na tradução de Fernanda Botelho). Ou com uma passagem do livro de Enrique Vila-Matas, Paris nunca se acaba: "Pensem quais podem ser as razões básicas para o desespero. Cada um de vocês terá as suas. Proponho-vos as minhas: a volubilidade do amor, a fragilidade do nosso corpo, a opressiva mesquinhez que domina a vida social, a trágica solidão em que no fundo todos vivemos, os reveses da amizade, a monotonia e a insensibilidade que andam associadas ao costume de viver." (na tradução de Jorge Fallorca).
2. Estes trezentos e sessenta e cinco dias suportaram-se melhor por causa da companhia diária de outros blogues, de livros, de instantes, do sol e do mar. Mais do que nos jornais, na televisão ou mesmo em alguns livros e, de certeza, mais do que em muita gente, encontrei na blogosfera, nas pessoas (muitas que não conheço) por detrás dos blogues, mais "calor" dito "humano" do que na puta da "vida como ela é". Por isso, e apesar do que disse aqui, não resisto a "listar" os "cobloggers" que, em 2005, me foram imperdíveis, pelos motivos mais diversos: Abrupto, (O)Acidental, Almocreve das Petas, Anarca Constipado, Bicho Carpinteiro, Blasfémias, Bloguítica, Elba Everywhere, Esplanar, Da Literatura, Desfazedor de Rebanhos, (O) Jumento, Mar Salgado, Margens de Erro, Minha Rica Casinha, (A) Origem das Espécies, Quando o blog bate mais forte e Tugir.
3. "Somos crucificados pelos aborrecidos", escreve Vila-Matas, citando Cioran, esse magnífico transviado romeno em Paris. E continua, e eu com ele: "é mais que sabido que tanto Deus como o Diabo ultimamente têm dado mostras suficientes que não têm nada de perfeitos e sim de muito torpes, vemo-los chegar frequentemente tarde ao teatro das suas operações". Como o moribundo Imperador Adriano, de Marguerite Yourcenar, procuremos apenas entrar no novo ano de olhos abertos. Ámen.

A RODA DO MILHÃO



A isto só se pode responder com isto.

ANO A SABER A POUCO - 3



Agora vamos ao mais fácil, das coisas, pessoas e gestos de que não gostei em 2005, seguindo a sugestão de Constança Cunha e Sá. Não sei se é o caso dela, mas eu, com muita honra, pertenço ao clube dos pessimistas antropológicos. Não me considero propriamente "de direita", como os meus amigos de O Acidental, mas cada vez que vejo certas personagens a bater com a mão no peito e a jurarem pela "esquerda", tenho dúvidas. O meu estado normal é "contra mundum", apesar da frase que repito para mim mesmo, até à exaustão, de João Paulo II, o "meu" desaparecido do ano: "I hope against all hope". Detesto a minha profissão e às vezes gosto de me imaginar em Manhattan ou em Long Island (podia ser em Santarém ou noutra cidadezinha do interior) a tomar conta de uma biblioteca pública. Este ano, por causa de coisas, pessoas e gestos, a minha desconfiança para com o "próximo" que Deus e Ratzinger me mandam amar, aumentou. Tudo visto e ponderado:
  • a forma como as televisões "cobriram" a agonia do Papa Woytjila;
  • o ar, por vezes pesporrente, por vezes bimbo, de Fátima Campos Ferreira no "Prós e Contras" da RTP;
  • a dupla da SIC Notícias, ambos com um timbre anasalado, que costuma apresentar-se ao fim da tarde;
  • o Mário Crespo, quando, no "Jornal das Nove" da dita SIC Notícias começa "a falar para dentro" e a fazer "boquinhas";
  • o Ricardo Costa, quando lhe dá para pitonisa;
  • no tempo do governo Santana Lopes, os "comentários" dengosos de Luis Delgado e de Bettencourt Resendes;
  • no tempo da candidatura de Cavaco Silva, os comentários dengosos de Luis Delgado;
  • o "soarismo" retardado dos comentários de Luis Osório;
  • a ideia de "um país de eventos" do José Medeiros Ferreira;
  • a campanha de Manuel Maria Carrilho, Bárbara Guimarães incluída;
  • Ana Sousa Dias perante Marcelo Rebelo de Sousa;
  • Vitor Ramalho, o primeiro fervoroso "soarista" e o primeiro a querer desistir depois das autárquicas;
  • Helena Roseta, uma fiel inconstante;
  • os meus amigos "soaristas" que preferiram o "soarismo" à amizade, por causa de Soares e de Cavaco;
  • os comentários de António Vitorino na RTP;
  • António Vitorino, em geral;
  • Francisco Assis na campanha autárquica no Porto;
  • Fátima Felgueiras, a mal explicada autarca ex-socialista, nas suas idas e voltas;
  • Isaltino Morais, em geral;
  • Daniel Oliveira, do Bloco e do horrível "Eixo do Mal";
  • o dr. Louçã e a sua insuportável vaidade "religiosa";
  • a direcção do PSD, com excepção para a Paula Teixeira da Cruz;
  • as aparições de Santana Lopes que não consegue respeitar o "luto";
  • o líder da JP;
  • o Bernardino Soares, um jovem estalinista precocemente envelhecido;
  • a mania de "bater" no George W. Bush a torto e a direito, embora apeteça;
  • Júlio Machado Vaz, o sexólogo do regime;
  • o constitucionalismo coimbrão, sempre atento, venerando e obrigado desde os tempos do dr. Salazar até ao "terceiro" dr. Soares;
  • os juristas, classe a que eu, com manifesta infelicidade e com doses maçicas de Lexotan, pertenço;
  • os coletes reflectores nos automóveis e/ou a bandeira nacional;
  • os jipes, particularmente quando conduzidos por senhoras dentro da cidade, símbolos de uma sexualidade reprimida;
  • jogos de futebol perto de casa e adeptos com cachecóis;
  • os drs. Lino e Pinho, membros do actual governo;
  • a forma como Campos e Cunha foi tratado pelos seus colegas de governo e a sua saída intempestiva;
  • o dr. Jorge Lacão, em geral;
  • a OTA e o TGV;
  • a vacuidade do Plano Tecnológico;
  • o longo sono da "cultura";
  • o "Bilhete de Identidade", de Maria Filomena Mónica;
  • a publicidade histérica aos livros idiotas da Sra. Rowling;
  • o falso livro da D. Maria José Ritta;
  • a falsa reflexão sobre a candidatura, anunciada no verão pelo dr. Soares;
  • João Soares, em geral;
  • José Mourinho e treinadores de bola em geral, tais como um senhor holandês que passa a vida a falar um português "espanholado" e a repetir "o partido" a toda a hora;
  • os "provedores dos leitores" nos jornais;
  • Cavaco a "dar confiança" aos adversários;
  • Jorge Coelho na "Quadratura do Círculo";
  • telemóveis 3G (parece que é assim);
  • (pode ser que continue...)

30.12.05

ANO A SABER A POUCO - 2



Voltemos ao "balanço". Tenho, em relação a este ano, a "sensação" do Pessoa deste verso: "a Verdade nem veio nem se foi/o Erro mudou". Procuro nos livros, esses amigos verdadeiros e silenciosos, o que me falta na "condição humana". Leio e releio. Há autores a que volto constantemente, ano após ano. Ao mal amado Henry Miller e a um livrinho descoberto na Barnes & Noble da 5ª Avenida, com as mãos a cheirar a mostarda de "hot-dog", "Stand Still Like The Hummingbird", de 1962. A Gore Vidal, nas suas memórias (Palimpsest) e aos ensaios reunidos no "United States". Ao Cioran, das "Entretiens" ou ao "Le Rideau" de Milan Kundera, editado em 2005. Ao "Honourable Schoolboy" de John Le Carré ou, também deste ano, "Rousseau e outros cinco inimigos da liberdade", de Isaiah Berlin. Aos livros do Steiner, qualquer um, ou a Harold Bloom, "How shall wisdom be found'", escrito depois da doença o ter farejado. Mas há mais:
  • os artigos de Mario Vargas Llosa para o El Pais, com tradução (por vezes sofrível) no DNA;
  • o "Inimigo Público" do "Público" que consegue, tantas vezes, pôr-me a chorar a rir;
  • o fim da "política à portuguesa" do arquitecto Saraiva;
  • a "Sociedade Aberta", com Mário Soares e António José Teixeira, até ao programa em que Soares "fingiu" que estava num "período de reflexão"
  • o Rogério Alves, meu amigo de sempre, para Bastonário da Ordem dos Advogados;
  • um número da "Sábado" em que Cavaco aparecia na capa de óculos escuros, de calções de banho e de sapatos de vela, no Brasil;
  • "O sexo e a cidade", de Candace Bushnell, lido praticamente no meio de gente nua na praia, entre mergulhos e passeios à beira-mar com calções de banho;
  • "Catarina, a Grande", de Isabel de Madariaga, levado para um fim-de-semana prolongado num hotel em Porches, junto ao mar;
  • uma biografia de Mao, "o imperador das formigas azuis", da "Ulisseia", descoberta num alfarrabista no Cais do Sodré;
  • a entrevista do Luíz Pacheco ao João Pedro George no "Esplanar";
  • a expressão do Pacheco, "qualquer coisa ou pessoa vista pelo olho do cu", tirada do "Diário Remendado" e que se aplica a tantas coisas e a tantas pessoas;
  • as laranjas do Algarve compradas no meio da EN 125;
  • os bolos de amêndoa da "Casa Inglesa" de Portimão;
  • os almoços solitários ao balcão da "Cervejeira Lusitana";
  • a santola e o vinho verde com que comecei o ano, sozinho, a ver o horrível "Tróia" com o ainda mais horrível Brad Pitt, em versão musculada;
  • a descida às caves da "Celta Editores" numa tarde em que me apeteceu comprar todos os livros de Carlo M. Cipolla, por causa das suas "leis fundamentais da estupidez humana" (não tenho a certeza que tenha sido este ano...);
  • as FNACS com os seus cafés e os seus leitores, mesmo os da banda desenhada;
  • o livro dos "Poemas" de Kavafis, traduzidos pelo Joaquim Manuel Magalhães, depois do jovem poeta Vasco Gato ter ficado com os meus primeiros;
  • o prazer de fazer o "Portugal dos Pequeninos", de escrever noutros blogues e de ler os "cobloggers";
  • sentir, todas as manhãs, o "Bruno", o meu labrador retriever, à porta do meu quarto.

EU TAMBÉM...

...não acredito.

"A FALTA DE ISENÇÃO"

Durante anos a fio, Soares andou literalmente ao colo da comunicação social e esta ao colo de Soares. A reconciliação definitiva deu-se quando Soares ascendeu a Belém e, a partir dali, teceu uma minuciosa teia de cumplicidades com a classe jornalística ou grande parte dela. Não houve nenhum "jornalista" que se prezasse que não se tivesse babado, nem que por uns míseros instantes, para cima de Soares e Soares para cima dele. Um pouco como nós, vulgares mortais, que não conseguimos "fugir" ao "encanto" soarista, nem que seja uma vez na vida. Agora Soares deu em queixar-se da dita comunicação social - que supostamente anda a dar alguém como vencedor antecipado das presidencias - e da sua "falta de independência e de isenção". Esta encenação faz parte do processo de dramatização da campanha que vai seguir-se até ao fim e que é essencial à estratégia de Soares. Tal como o é a exigência de mais debates por causa do estimável dr. Garcia Pereira. Se Soares tem "crescido" nas intenções de voto, bem pode agradecer à comunicação social, particularmente às televisões, que ainda só não o acompanharam à casa de banho. Ou seja, a velha cumplicidade continua, só que de uma forma difusa, "servida" pontualmente à medida dos interesses do candidato. É claro que Soares não dispôe agora da mesma beatitude do passado pela circunstância de a dita comunicação social tender "a seguir" a "moda" e, sobretudo, quem muito provavelmente virá a mandar. É a percepção disto que irrita Soares, e não a falsa questão de "falta de independência e de isenção". Pedro Santana Lopes foi o último a queixar-se destas mesmas "dores". Valeu a pena?

TUDO EM FAMÍLIA


Este "regime", à semelhança do do dr. Salazar e, episodicamente, do Prof. Marcello, tem os seus bonzos e lugares-tenentes. Por delicadeza e esforço cristão, tenho-lhes chamado "transversais", ou seja, uma espécie de híbrido intelectual maleável e, como agora se diz, "consensual". Fraústo da Silva e António Mega Ferreira fazem parte desta vetusta casta que o "regime" produziu e, por isso, são intermitentemente chamados ao altar da Pátria. Fraústo já foi ministro e vagueia entre o PS e o PSD, razão pela qual Mário Soares o foi buscar para seu mandatário nas duas únicas candidaturas moderadas que protagonizou, em 86 e 91. Mega é mais sofisticado. Lê, escreve, comenta e parece que percebe de "equipamentos culturais". Esteve com Zenha contra Soares, em 86, e agora é da comissão política do ex-presidente. Aos poucos, embora sem hostilizar excessivamente o PSD, tornou-se num vigoroso compagnon de route do PS, acabando como o grande soba da Expo 98. Apesar de, desta vez, o altar ser relativamente modesto e praticamente falido - o CCB -, o certo é que a respectiva gerência não passa despercebida a nenhum poder político. Parece que Sócrates, que acumula as funções de ministro da Cultura, quer - muito legitimamente, aliás - remover Fraústo para o trocar por Mega Ferreira. Fraústo, que se imagina subtil e um "fazedor" cultural, já fez constar que não se demite. Quando muito, e se quiserem, que o demitam. Tem mandato até 2007 e só a partir dessa data é que admite a "genialidade" de Mega à frente dos destinos do CCB. Este pífio episódio é revelador do espírito de capela que preside a estas coisas. São sempre os mesmos, ou os mesmos contrários, que velam pela nossa "maturidade" cultural e pela maravilhosa gestão dos "equipamentos" ditos "culturais". Saem de um lado e entram no outro, e vice-versa. É por isso que, entre nós, a "cultura" medra pouco. Raramente passa de uma picardia grotesca entre compadres e comadres, tudo em família.

A "INSTABILIDADE"

Nos idos de oitenta, por causa da recandidatura de Eanes, berrou-se a plenos pulmões contra o homem por causa da "instabilidade" e foram previstos vários cataclismos no caso de ele ficar. Eanes ganhou contra e apesar desses timoratos e desses profetas. A AD chegou ao fim pelas suas próprias mãos, graças à inépcia de Balsemão e à ambição presidencial de Freitas do Amaral. Depois veio o "bloco central" que pastoreou o país até à emergência de Cavaco na Figueira. Em 1986, o mesmo Eanes, com Zenha, e Cavaco, com Freitas, andaram pelo país a pregar a "instabilidade" se Soares alcançasse Belém. Soares ganhou e a "instabilidade" desvaneceu-se nas duas maiorias absolutas de Cavaco, malgré um segundo mandato mais "picante". Em 1996, Cavaco tentou explicar ao país que Sampaio era demasiado "esquerdista", logo, um potencial factor de "instabilidade". Sampaio ganhou e, quer Guterres, quer Barroso, só não fizeram mais porque eram pura e simplesmente incompetentes. O único acesso de "instabilidade", Santana Lopes, durou uns meses e morreu por causa do próprio. Sampaio, agora de saída, mostrou, afinal, que não passava de um português suave, previsível e "estável". Para 2006, a "esquerda" quer pôr Cavaco, desta vez, no lugar da "instabilidade". Sócrates já deu provas suficientes de que não é alguém fácil de "desestabilizar" e, prudentemente, deixou a candidatura de Soares a falar sozinha contra um Cavaco pseudo-activo e "governamentalista". Não será assim até ao fim da campanha, mas não será certamente muito mais. Se for, significa que não serviram para nada os exemplos dos últimos anos. É que todos os tremendismos anunciados e todos os regabofes prometidos à conta da "instabilidade" foram sempre e amplamente derrotados nas urnas. É só consultar os arquivos.

"PÔR ISTO MELHORZINHO"

Esta “independência” é diferente das anteriores. Aproveitei um texto de um leitor, o António Leite-Matos, que estuda “Comunicação Social e Cultural” na Universidade Católica. Ele é “destes tempos” e doutra geração. Tem, porém, a noção de que o ano que começa depois de amanhã não vai ser fácil, mas pode ter um início politicamente auspicioso. As palavras do António falam disso, de ajudar a “pôr isto melhorzinho”. Eu tenho chamado a atenção para a questão da credibilidade e para a necessidade de fazer o que tem de ser feito, algo que é caro, com maior ou menor felicidade, a José Sócrates. Foi esse o sentido do voto das legislativas de Fevereiro último e será esse, provavelmente, o sentido da eleição presidencial de Janeiro. Pelos vistos, eu e o António concordamos numa coisa. A escolha do próximo Chefe de Estado não é um mero voto “partidário” ou uma escolha “mole”. É mesmo para valer. ”No último dia deste ano há que pensar em contrariar a rotina domingueira em que se gosta de viver durante a semana. Adoptado o espírito, há que não perder tempo e pensar a sério num presidente sério. Os dois candidatos não elegíveis conseguirão os seus votos tradicionais ou os cedentes à demagogia e a alguma hipocrisia. Dentro da violência doméstica, assistir-se-á ao até agora inverosímil mau fim do dr. Soares e a uma digerível participação do dr. Alegre no que ao exercício da cordialidade diz respeito. Não tenho dúvidas quanto à cara do próximo retrato a pregar na salinha à esquerda da entrada de Belém, seja a confirmação dada a 22 de Janeiro ou dias depois. No dia em que estiver eleito o dr. Cavaco Silva, Sócrates poderá animar-se. Por um lado, contará com a cooperação de um homem sério, por outro poderá ver nascer frutos das meras boas intenções de que o seu governo de grand vitesse está cheio. Não tenho dúvidas de que é preciso votar em Cavaco Silva e na sua objectividade para que exista uma opinião equilibrante e uma vontade atávica de pôr “isto” melhorzinho.” Boas entradas.

No Independente de hoje

29.12.05

SEM HESITAÇÕES

Ontem, na "Quadratura do Círculo", na SIC Notícias, Jorge Coelho, o voluntarista de serviço do PS, expendeu uma tese curiosa sobre o destino aparente dos votos do "centro-esquerda" nas presidenciais. Segundo ele, este eleitorado que terá dado a maioria absoluta a Sócrates em Fevereiro, anda agora indeciso entre os candidatos do PS, designadamente Soares, e Cavaco Silva. Porém, como Coelho acha que "Cavaco está a descer" e que depois do episódio gravíssimo da secretaria de Estado o tal eleitorado terá ficado "assustado" com a perspectiva de um presidente "interventor" e "crispado" (sic), tudo aponta para a transferência de tamanha indignação para o dr. Mário Soares, o "estabilizador". Percebe-se o "whisful thinking" de Jorge Coelho. Contudo e com o devido respeito, deve recordar-se a Coelho duas ou três coisas. Em primeiro lugar, o tal eleitorado que votou no PS e que lhe deu a maioria absoluta, veio tanto do "centro-esquerda" como do "centro-direita". Rejeitou primariamente Santana Lopes e apostou no "social-democrata" Sócrates. Numa palavra, queria rigor e um módico de credibilidade nas instituições. Em segundo lugar, este eleitorado desconfia, por natureza, da bondade da candidatura de Mário Soares e, de certeza, não encontra nela o paralelo rigor - agora, "presidencial" - que o levou a optar por Sócrates. A prova disso anda nos "estudos" e "sondagens" nos quais, mesmo nas melhores hipóteses, Soares não chega a metade das intenções de voto manifestadas a Sócrates. Finalmente, a sensibilidade desse eleitorado, claramente preocupado como o futuro imediato e com a chamada "vida material", não é surpreendível pelos "contos de terror" anunciados pelas candidaturas ditas de "esquerda", a começar pela de Soares. A isso, preferirá sempre aquele que lhe garanta, se possível, ainda mais rigor e mais segurança. Dito de outra maneira, alguém que, sem abdicar da sua legitimidade democrática, não faça ao engº Sócrates aquilo que Soares andou, no último mandato, alegremente a fazer ao primeiro-ministro a partir dos jardins de Belém. Ou seja, em matéria de credibilidade e de confiança, esse eleitorado que tanto entusiasma Jorge Coelho, não deverá hesitar.

ANO A SABER A POUCO - 1



Começou - e estou só a falar dos blogues que "visito" com frequência - com o Francisco José Viegas. Ele chama-lhe "balanços" e, como escreve maravilhosamente, eu fico com uma ligeira inveja de não poder fazer "balanços" daqueles. Depois Medeiros Ferreira lembrou-se de gente de quem "gostou" em 2005. Constança Cunha e Sá, recém-chegada à blogosfera, pegou no exemplo de MF e, tal como eu, sem agenda, relembrou coisas que lhe agradaram no ano. Uma delas, perdoe-se a menção, foi este esforçado blogue que, mais dia menos dia, se deverá "diluir" noutro qualquer a mais mãos (aceito ofertas). Talvez reforçado na minha miserável "auto-estima" (um termo que abomino), e citando de memória, aí vão algumas das coisas, gestos, pessoas, etc, que verdadeiramente me consolaram (e a minha necessidade de "consolo" é idêntica à do malogrado Stig Dagerman, "impossível de satisfazer") neste ano a saber a pouco.
  • blogues: os meus mais "amados" estão na lista da direita, onde deixei ficar alguns que já não estão no activo, se bem que, por causa da estúpida política, tivesse deixado de prestar a mesma atenção a outros que vou citando por aqui;
  • o disco dos "Humanos" com inéditos do António Variações;
  • os filmes "Million Dollar Baby", "A queda", "O fiel jardineiro";
  • a vitória de Sócrates;
  • as candidaturas presidenciais de Cavaco Silva e de Mário Soares;
  • a maioria absoluta de Rui Rio no Porto;
  • Maria José Nogueira Pinto na CML;
  • Jerónimo de Sousa nas autárquicas;
  • Lobo Xavier na Quadratura do Círculo e Marcelo Rebelo de Sousa na RTP 1 (tem dias);
  • Bento XVI;
  • o "não" francês;
  • canal Fox Life, da pindérica TV Cabo;
  • séries "Donas de Casa Desesperadas", "Sexo e a Cidade", "Will and Grace", "Nip Tuck", "Sete palmos de terra", "The L World";
  • as crónicas semanais de Vasco Pulido Valente, as intermitentes de Maria de Fátima Bonifácio, da Ana Sá Lopes (tem dias), da Helena Matos, do Miguel Sousa Tavares, da Constança Cunha e Sá, do José Pacheco Pereira, do Manuel de Lucena, do José Medeiros Ferreira, do Rui Ramos (tem dias), do Pedro Lomba, O Independente, perdoe-se a publicidade;
  • os livros de Pietro Citati sobre a Odisseia e sobre religião, "A história secreta", de Donna Tartt, o "Diário Remendado" do Luiz Pacheco, o "Cunhal -3", do Pacheco Pereira, "o "Longe de Manaus", do Francisco José Viegas, "O sal da terra", de Ratzinger, "The Plot against America", do Roth, Paris nunca se acaba, de Enrique Vila-Matas, Memórias das minhas putas tristes, de Gabriel Gracia Marquez, "Romana", antologia de cultura latina, de Maria Helena da Rocha Pereira;
  • uma sms de meados de Agosto, seguida de cerca de oito a nove horas de outras tantas;
  • umas conversas telefónicas madrugada adentro;
  • uma espreguiçadeira no Vau ;
  • três dias no Burgau;
  • peixe "escalado" em Portimão;
  • a poesia do Joaquim Manuel Magalhães e as suas "Algumas Palavras" no Expresso;
  • as ondas do Algarve, do Guincho e da Caparica;
  • António Lagarto e o Teatro Nacional D. Maria II;
  • um almoço e uma incógnita com Isabel Pires de Lima;
  • (continua...)

LER...

... no Pulo do Lobo, A Mistificação, por Pedro Lomba.

A APOSTA NO MEDO

"O que a candidatura de Cavaco (para temor de soaristas e de cavaquistas) vem fazer, no fundo, independentemente de si mesmo, é interromper um ciclo conservador onde o "republicanismo" se sobrepõe aos "valores republicanos" e onde as manobras de bastidor são sempre mais importantes do que a clareza das ideias que se exprimem. Ao acusarem Cavaco de todas as ignomínias apenas porque ele se limitou a sugerir uma medida da mais elementar eficácia governativa (que ninguém discutiu, de resto), os seus adversários apressaram-se a acenar com banalidades e com a existência de "indícios", mostrando claramente o seu jogo: a aposta no medo. A penosa campanha eleitoral em curso, longa demais, mostrará até ao fim esse tom de dramatização e de perseguição populista, de insinuação. Por detrás disso está o medo. Não o medo de Cavaco, mas o medo da própria democracia e do jogo claro que ela devia impor e tornar necessário. De dedinho espetado, indignado, esse medo é que é perigoso e reaccionário. E, além do mais, pretende fazer dos portugueses gente sem discernimento ou inteligência."

Francisco José Viegas, Jornal de Notícias

DESCONSTRUÇÃO

UM "CHOQUE" TECNOLÓGICO

A propósito do "plano tecnológico", o leitor João Melo enviou o seguinte texto:
"Realmente o seu post sobre o plano técnológico dá que pensar. Bom, não me vou alongar muito. As minhas considerações são apenas sobre o plano INOV JOVEM. Navegando pelo dito cujo, http://www.inovjovem.gov.pt/presentationlayer/primeinov_Home_00.aspx
e tentando fazer a candidatura directamente pelo site, descobrimos que não, que tem de ser directamente num dos inúmeros sítios que existem, caso do IEFP, do IAPMEI. Para quê tantos ? Não basta um? Para aumentar a burocracia? Será isto o choque tecnológico?"

28.12.05

CAFÉS -2


"... Nada menos que no solar onde anos depois construíram La Closerie des Lilás, onde Fitzgerald e Hemingway, por volta dos anos vinte do século XX, se encontrariam frequentemente, primeiro como colegas e amigos e depois como rivais e inimigos." (Vila-Matas, Paris Nunca se Acaba -Ed. Teorema) . Joana Amaral Dias continua, no Bicho Carpinteiro, a sua "peregrinação" pelos cafés de Paris. Permita que lhe sugira igualmente o pequeno livro de Edmund White, Paris, Passeios de um Flâneur (Edições ASA).

O "PLANO"

Por via de um "coblogger" da Grande Loja, fui parar ao "Plano Tecnológico". Bastaram-me duas ou três "janelas" para ficar esclarecido. Palavras sublimes e de eficácia sempre garantida como "plano", "articulação", "alavanca", "eixos", "clusters" ou "empreendedorismo inovador" (sic) estão espalhadas, como um vírus, por todo o site. Esta tecnologia verbal, vivaça e espertalhona, tem imensos adeptos nas entidades públicas e privadas. Não existe, aliás, candidato presidencial que se preze (a começar, naturalmente, por aquele que eu apoio) que não se encante com o jargão, salvo a provável excepção de Jerónimo de Sousa, mais adepto das "velhas tecnologias". Este site, como outros, serve eminentemente para nos distrair e para, "navegando" nele, esquecermos a "realidade". É que, como ainda ontem evidenciava um relatório amplamente divulgado pelo DN, a "realidade" a que o "Plano" pretende atender, é pouco mais do que desgraçada. Eu embirro com "planos" e com a mania de "sovietizar", mesmo pelo lado modernaço, tudo e todos. É óbvio que o pressuposto político subjacente ao "plano", que começou por ser "choque", é meritório. Porém, e como escreve o "colega" da Grande Loja, praticamente não passa de "uma prosápia vazia de ideias titubeantes". Também, com o estimulante dr. Pinho à frente da empreitada, de que é que estavam à espera?

SEGUIR EM FRENTE - 2


"Pelas suas altas qualidades de carácter, isenção, coerência e sentido de Estado, o Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva é o Presidente da República de que Portugal carece e pelo qual anseia para poder vencer a crise de confiança e de esperança em que está mergulhado. Por isso lhe dou convictamente o meu apoio. Ultrapassando a mesquinhez político-partidária, ele será capaz, pelo seu exemplo como Chefe de Estado, de congregar todos os cidadãos de boa-vontade, incentivando-os na procura de um novo e seguro rumo democrático para esta Pátria em que "tudo é incerto e derradeiro/tudo é disperso, nada é inteiro" e cujo futuro não pode continuar a ser continuamente adiado."
José Blanco

"Apoio o Prof. Cavaco Silva por razões, no essencial, idênticas às que estiveram na base do meu apoio público ao General Ramalho Eanes, em 1980, e do meu voto no Dr. Mário Soares, em 1986. Efectivamente, nas actuais circunstâncias, o Prof. Cavaco Silva, pelo seu profundo conhecimento da realidade nacional e internacional, pela sua grande experiência governativa, pela sua estatura moral e pela independência com que se apresenta, é o candidato em melhor posição para exercer o cargo de Presidente da República. Pois entendemos que o Presidente da República deve contribuir activamente para o desenvolvimento sustentado do País, colaborando com o Governo na harmonização e canalização das energias das diversas forças sociais para a realização desse superior designo nacional."
José Casalta Nabais

"Apoio o Professor Cavaco Silva porque entendo que ele será um Presidente da República capaz de guiar e inspirar os portugueses nos anos cruciais que se vão seguir. Daqui até ao fim da década, em Portugal, será preciso ganhar mais decência e civismo, equilibrar as contas públicas, reduzir e racionalizar burocracias, recomeçar a crescer económicamente. Nem sempre será fácil. Qualquer governo precisará, como o resto de todos nós, de um Presidente da República em que os portugueses reconheçam autoridade, competência e abnegação ao serviço da Pátria."
José Cutileiro

"O meu apoio a Cavaco Silva não resulta apenas de um confronto com os demais candidatos. Fundamenta-se na angústia de ver Portugal dissolver-se em políticas imediatistas, sem nenhum projecto nacional. Cavaco Silva é a personalidade exacta para encerrar um ciclo e abrir outro – um tempo de competência, exigência e seriedade que supere a deriva em que nos debatemos e nos reconcilie com nós próprios."
José de Oliveira Ascensão

"Com a mesma convicção com que, em 1986, apoiei o Dr. Mário Soares, apoio agora o Professor Aníbal Cavaco Silva na sua candidatura à Presidência da República.O seu clarividente diagnóstico da situação do nosso País, no domínio social, económico e político, a sua determinação na prossecução de objectivos estratégicos nacionais, o equilíbrio e bom senso já amplamente demonstrado na administração da coisa pública são garantia de que exercerá a mais alta magistratura da Nação no integral respeito pela Constituição da República, assegurando a cooperação leal entre os diferentes órgãos de soberania.Os que, apesar de todas as incertezas e dificuldades da hora presente, confiam no futuro da nossa Pátria multissecular encontram em Cavaco Silva um Presidente capaz de mobilizar as vastas e diversificadas energias nacionais para ajudar a conduzir o País aos níveis de desenvolvimento e de justiça por quer todos ansiamos."
José Guilherme Xavier de Basto

"Desejo exprimir o meu apoio à candidatura do professor Cavaco Silva à Presidência da República por entender que reúne mais condições do que qualquer outro para exercer o cargo a que se propõe. Tendo a experiência de dez anos de governação como primeiro-ministro, possui um profundo conhecimento do país. Acresce que foi, em meu entender e no dos portugueses que lhe deram duas maiorias absolutas, o melhor primeiro-ministro que Portugal teve desde a Revolução de Abril até hoje. Igualmente valorizo os seus traços de carácter, a sua honestidade, a sua inteligência e a sua capacidade para entender melhor do que qualquer outro os problemas com que o país se defronta."
Lígia Monteiro

"A TRATAR INFANTILMENTE"


A ARTE DE EXERCER O MEDO "[S]e houvesse uma eleição de Cavaco Silva seria uma eleição perigosa para o futuro de Portugal", afirmou Mário Soares (Lusa, 28.12.2005). Pobre país o nosso em que o equilíbrio -- e a separação -- de poderes depende apenas de uma pessoa. A candidatura presidencial de Cavaco Silva é o Boogey Man, uma pessoa imaginária ou um monstro que causa medo e que é invocado para causar medo, especialmente junto das crianças.Sim, estou a dizer que nos estão a tratar infantilmente."


No Bloguítica

"QUER O BEM DA SUA PÁTRIA..."


27.12.05

"NÃO NOS TIREM..."

"GOLPE DE ESTADO EM PORTUGAL: Candidato presidencial propõe nomeação de manga-de-alpaca para monitorizar as dificuldades das empresas lusas por esse mundo fora. Não nos tirem é o moço da emigração-e-das-comunidades que voa até Joanesburgo para comer bacalhau e até Toronto para beber jeropiga."

De Filipe Nunes Vicente, no Mar Salgado

PALMEIRAS E PRESIDENTES

1. Como bem recordou Miguel Sousa Tavares na TVI, a propósito da "polémica" pirosa em torno da entrevista de Cavaco Silva ao JN (adequada à "silly season" em que parece que se está a tornar a longa campanha eleitoral, S. Tavares dixit e eu concordo), é suposto um candidato presidencial "ter" um programa político que, uma vez eleito, desenvolva e cumpra. Se assim não fosse, não faria sentido nenhum os candidatos deslocarem-se a lugares tão extravagantes como barragens, escolas, cooperativas, fábricas ou outros serviços públicos e privados para derramarem as suas "propostas". Severiano Teixeira, aliás, que tem talento para tudo menos para porta-voz, ainda por cima de Mário Soares, acabou por reconhecer que o presidente - presume-se que Cavaco "himself" - podia ter dito o que disse, mas em privado, ao primeiro-ministro. Não me parece que os portugueses queiram saber desta "polemicazinha" de salão para nada e que lhes é mais conveniente - como também salientou Sousa Tavares - um presidente que saiba o que quer fazer com os poderes que tem, em vez de se "sentar" no cadeirão belenense a recitar mansamente a Constituição. Doutra forma, como é que os candidatos conseguem explicar às pessoas por que é que se candidatam ou com que propósito as andam a "massajar" meses a fio?
2. E em matéria de "orgânica" de governo e da "competência" para mexer nela - e já que Soares considerou "muito graves" as declarações de Cavaco e as "levou" para esse caminho-, convém avivar a memória, não com meras "sugestões", mas com a realidade. Em 1995, o então primeiro-ministro, no âmbito das suas competências exclusivas, propôs ao então presidente da República que, por ter sido eleito presidente do PSD em congresso, o dr. Fernando Nogueira passasse a vice-primeiro-ministro, quando ele era apenas ministro da Defesa. Soares aproveitou uma cerimónia qualquer na Batalha e chamou o ministro "à parte" para cordialmente lhe dizer que não aceitava a nova "orgânica" do governo proposta por Cavaco Silva, o primeiro-ministro. Caiu o "Carmo e a Trindade"? Rasgou-se a Constituição? Foi "muito grave"?


Adenda: Ler este post na Grande Loja. E este, no Bloguítica. E, já agora, este de Francisco José Viegas.

PERFEITO...

... este post do Paulo Gorjão. E ainda falta a "fita" de Mário Soares, com direito ao esquecido porta-voz e tudo, para ter um ar mais compostinho e "solene". O "tema" é tão "grave" que o candidato - que não tem feito outra coisa - "não fala" de Cavaco "na rua" (sic). Se isto não é patético, então já não sei o que é patético.

TROPISMOS PRESIDENCIAIS

Aquela "sombra" primo-ministeriável que os adversários de Cavaco Silva passam a vida a ver passar por trás do candidato, talvez possa ser comparada com esta oportuna chamada de atenção de João Miranda acerca de alguém aparentemente insuspeito de ser perseguido por qualquer "sombra" a não ser a própria.

DORMIR COM O INIMIGO

Cavaco Silva "ousou" sugerir a criação de uma secretaria de Estado para acompanhar o investimento estrangeiro em Portugal. Esclareceu que isso não era da competência do PR, mas ninguém ouviu ou leu. A pudicícia constitucional das vestais esquerdinas do regime determinou imediatamente que o homem tinha "alma" de primeiro-ministro, que se "meteu" na "orgânica do governo" e o vate candidato chegou mesmo a derramar que o dito Cavaco "pensa que ainda é o homem do leme". Cavaco, erradamente, deu-lhes "troco" e forçou-se a explicações escusadas sobre uma coisa perfeitamente irrelevante. Que lhe sirva de exemplo. Por "dá cá aquela palha", há sempre alguém disposto a "fazer-lhe a cama". E não compensa nada "dormir com o inimigo".

BEM HAJAM

Segundo um estudo qualquer, três quartos do famigerado patronato português - o da "iniciativa" e o da "competitividade" - não completaram o 12º ano de escolaridade ou não são licenciados. Em relação a Espanha, a nossa percentagem de literacia patronal equivale a metade da dos nossos vizinhos, o que explica muito burgesso que por aí se exibe como "empresário". Também a despesa em I&D, em 2003, não chegou a 0,80% do PIB para valores médios europeus de quase 2%. Em compensação, "somos os maiores" em automóveis e em telemóveis por mil e por cem habitantes respectivamente, bem acima da média da União Europeia. Mesmo assim, e segundo o Tribunal Constitucional, ainda há mais de uma dezena de voluntários disponíveis para, a partir de Belém, pastorear esta indigência mental e material. Bem hajam.

"WOODY WHAT?"

Para ler em O Acidental, um post do Manuel Falcão. Esta parolice em torno de Woody Allen "atrás de um clarinete" no CCB, dá razão a Agustina quando, num livro distante sobre Maria Helena Vieira da Silva, classificava o dito cujo como uma mera "mediocridade brilhante".

CREDIBILIDADE E CONFIANÇA

"Os factores psicológicos são muito importantes na evolução de um país porque determinam as expectativas. A credibilidade e a confiança são factores psicológicos importantes para gerir as expectativas em face do futuro. E o presidente da República tem muita influência pela imagem que projecta. Ele tem de ser um exemplo de seriedade, de honestidade, de rigor, de defesa do interesse nacional, de intransigência em relação à corrupção e ao laxismo na despesa. Tem de ser uma voz de alerta em relação, por exemplo, ao desordenamento do território, um estímulo à produção. Não pretendo substituir-me ao Governo mas, além das competências escritas, é bom não esquecer que há a legitimidade que o presidente tem pelo facto de ser eleito directamente pelo povo."


Da entrevista de Cavaco Silva ao Jornal de Notícias

26.12.05

UM GRANDE FAVOR

Acabo de ver o Frente-a-Frente da SIC Notícias entre João Soares e Pedro Ferraz da Costa. Foi pungente o estoicismo do segundo perante os dislates do primeiro, o qual nem sequer resistiu à impensável demagogia de se louvar em Pedro Santana Lopes para atacar Cavaco Silva. Em matéria de subtileza "política", J.Soares conseguiu vislumbrar, como francamente mau em Cavaco e como indicador seguro da sua ineptidão para PR, a circunstância de ele não ser propriamente uma boquinha de riso. João Soares devia seguir uma certa moderação nas suas intervenções públicas. Carrega, de há uns anos para cá, e depois de uma meritória exibição como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, um estatuto de derrotado político profissional. Pertence, apesar da educação, ao clube daqueles que nunca esquecem nada nem aprendem coisa nenhuma. Ao contrário do pai, não possui qualquer espécie de talento político que o recomende para defender quem quer que seja, muito menos o seu progenitor. Nem no seu próprio partido é levado excessivamente a sério, como se viu nas eleições internas do ano passado. João Soares ainda não entendeu que é muito mais "passado" do que o pai. Por isso, far-lhe-ia um grande favor se estivesse calado.

OUTRO NATAL

"A Natividade", de Paula Rego, "furtada" ao Crítico

EM SINTONIA

"Todos sabemos que o País não avança continuando a viver de ilusões e de sucessivos adiamentos. E sabemos também - sabemos todos - que há muitas coisas que é preciso mudar em Portugal para que possamos garantir aqui um futuro melhor, para nós e para os nossos filhos. Pois essa mudança já começou. Finalmente, começou. Não é, nem poderia ser, um caminho de facilidades. Como não é, nem poderia ser, um passe de mágica, como se fosse possível mudar as coisas de um dia para o outro. Mas estamos a seguir o caminho certo. E estamos a fazê-lo com a coragem e com a determinação que são necessárias para levar o País para a frente. Para que a economia portuguesa possa melhorar e criar mais empregos. Para que os jovens tenham mais oportunidades. Para que haja menos desigualdades sociais. Para que possamos garantir o pagamento das pensões de reforma no futuro. Para que os nossos idosos vejam assegurado um rendimento que lhes permita viver com dignidade e não os condene mais à pobreza. Numa palavra, para que Portugal se volte a aproximar do nível de vida dos Países mais desenvolvidos da Europa."

Da "Mensagem de Natal" do primeiro-ministro, José Sócrates

"Estou firmemente convencido de que, se for eleito, posso contribuir para a melhoria do clima de confiança, para o reforço da credibilidade e para vencer a situação muito difícil em que o nosso País se encontra. Posso ajudar a construir um futuro melhor para os Portugueses. É hoje generalizado o reconhecimento de que Portugal vive numa fase difícil, que se prolonga há vários anos, em particular no domínio do desenvolvimento económico e social. Nota-se nas populações um forte sentimento de descrença e de pessimismo. (...) Portugal tem vindo a afastar-se do nível de desenvolvimento da União Europeia e da nossa vizinha Espanha e voltou a ser ultrapassado pela Grécia. Os países do leste europeu, que aderiram à União Europeia em Maio de 2004, estão a aproximar-se rapidamente do nosso nível de desenvolvimento. Já fomos mesmo ultrapassados pela Eslovénia. Não podemos resignar-nos a esta situação. Eu não me resigno. Temos de restabelecer a confiança, mobilizar as energias nacionais e reencontrar o caminho do desenvolvimento equitativo. Sei que isso é possível. As capacidades dos portugueses, já demonstradas noutras ocasiões, são uma garantia de que podemos vencer."

Da "declaração de candidatura" de Cavaco Silva

LER

Os três posts mais recentes de Pedro Magalhães sobre as sondagens, "Actualização", "Dispersão" e "Tendências". "Assim, em síntese: 1. Sinais muito claros de subida para Soares, com dispersão grandemente explicada pela passagem do tempo; 2. Sinais claros de descida para Alegre; 3. Estabilidade genérica para Jerónimo e Louçã, mas maior incerteza para o segundo; 4. Incógnita (e, à falta de melhor, estabilidade) para Cavaco." "O maior nível de incerteza existe em relação às intenções válidas de voto em Mário Soares, cujos resultados exibem disparidades muito superiores ao que seria de esperar tendo apenas em conta o erro amostral associado às várias estimativas. Apesar da variação nos resultados de Cavaco Silva ser, em absoluto, igualmente grande, ela é bastante menos significativa, tendo em conta que se estão a estimar resultados mais próximos dos 50%." "Aquilo que a sondagem [da SIC, de 23 de Dezembro] diz é que, tendo apenas em conta a margem de erro amostral, a inferência para o universo é que Cavaco terá neste momento entre 49% e 55% de intenções de votos válidas." Em suma, e em geral, parece que estamos de acordo.

ESTREIA

A de Constança Cunha e Sá no Minha Rica Casinha. Aqui e aqui. "Sempre me angustiou esta necessidade gregária que reflecte apenas o medo que temos de nos apanharmos sozinhos." Bem vinda a Elsinore, Constança.

CAFÉS


Joana Amaral Dias, afinal, não é apenas "bloco" e "fé" soarista. Num intervalo, JAD dá-nos dois bonitos instantes de dois livros ("um café sff", I, II e eventualmente mais): de Enrique Vila-Matas, "Paris nunca se acaba" (Ed. Teorema) e "A Ideia de Europa", de George Steiner (Gradiva).

SEGUIR EM FRENTE - 1



"Portugal precisa dum Presidente da República que represente a identidade superior dos portugueses. Não um imitador da ordem moral, mas alguém que se situe para além das honras de que é investido, para se debruçar sobre os problemas e aspirações de toda a gente. Alguém a quem não move a inclinação ao poder. O exercício das suas funções interpreta a razão prática técnica e não um objectivo do amor-próprio."
Agustina Bessa-Luís


"Faço parte dos muitos portugueses que elegeram o actual governo e que − espero − vão eleger o prof. Cavaco Silva Presidente da República. (...) O actual governo necessita do apoio do Presidente da República para levar a cabo uma política rigorosa, firme nas reformas anti-corporativas e que, nessa medida, seja liberal e modernizadora. Uma política que não ceda à demagogia proteccionista dos cruzados da anti-globalização e que tenha a coragem de pactuar sacrifícios com o eleitorado em vez de vender ao povo as ilusões do proteccionismo, nacional e/ou social.Porque só Cristo poderia dispensar-se de nada saber de finanças, considero que o Prof. Cavaco Silva é, pela sua experiência e pelas suas posições, o único candidato capaz de, na Presidência, apoiar essa política."
Amadeu Lopes Sabino

"Considerando-me uma pessoa da área da esquerda, isto é, que acredita nos valores sociais que possam conduzir a evolução da sociedade no sentido de uma maior justiça social, entendo que o Professor Cavaco Silva é o Candidato que reúne as melhores condições para presidir ao País na grave crise que atravessa. (...) Assegurou ao longo da sua vida não apenas uma dedicação à causa pública em que avultou a sua honestidade de carácter e incorruptibilidade, sendo capaz, no plano pessoal, de desenvolver uma carreira universitária do mais alto nível, onde se tornou reconhecido especialista, podendo prescindir da dependência dos cargos políticos que tantas vezes diminuíram outros políticos com qualidades e os amordaçaram. Isto se traduziu na fidelidade ás ideias que em cada momento soube defender com rigor e independência pouco usuais."
Bernardo Pinto de Almeida

"Pelo seu perfil de reconhecida seriedade, competência e frontalidade, Cavaco Silva representará, se for eleito, uma referência moral e um mobilizador de vontades em torno dos desafios que são de há muito consensualmente apontados e sistematicamente adiados." Diogo Pires Aurélio

"A passagem do professor Cavaco Silva pelo poder demonstrou, além da sua eficiência, uma tão escrupulosa rectidão de serviço que não se vê candidatura mais apta para conjugar vontades e incrementar a confiança do povo português nas circunstâncias difíceis que o país atravessa. Se acrescentarmos a isso a dignidade impar manifestada neste início de pré-campanha, que exemplifica o respeito consciencioso do sentido democrático, veremos ainda confirmar-se a sua qualidade excepcional.Mas não se pode, sobretudo, esquecer a honradez pessoal do homem, seja no exercício das funções, seja no cumprimento da lei e da palavra dada."
Fernando Echevarria

"Em artigo recente, Diogo Pires Aurélio lembrava que em 1985 a candidatura de Mário Soares se opôs ao candidato conservador e a dois candidatos que exprimiam o que restava das ilusões, nem todas inofensivas, da época “revolucionária”. Foi de facto assim que a entendi e por isso a apoiei. O tempo passou e os homens mudaram mas a conjuntura presente assemelha-se à de então. Se a revolução está para trás, a esquerda portuguesa, como a de quase toda a Europa, radicaliza-se. No plano internacional, pode tender para posições extremas e, no plano interno, parte dela pode sucumbir a tentações anti-democráticas. Agora é Cavaco Silva que se encontra na posição do Mário Soares de 1985. Apoio-o por, de entre os candidatos à presidência, ser quem melhor saberia conter tais derivas e porque penso que contribuirá de maneira determinante para a modernização do país e a melhoria da vida dos portugueses. A sua energia e um vigor intelectual indesmentido são disso garantia."
Fernando Gil

"É muito provável - inteiramente provável, aliás - que eu tenha da vida uma ideia completamente diferente da de Cavaco Silva. Mas o combate nestas eleições presidenciais é entre diferentes modos de entender a vida de um país, não entre modos de entender a vida ou a vida de cada um. O objectivo da política, como se sabe, não é o de garantir a felicidade - mas o de possibilitar que cada um possa procurá-la como entender, livremente.Acredito também que o tipo de presidência exercida por Cavaco Silva permitirá que os governos governem e que os cidadãos sejam cidadãos de pleno direito - e que actuará com tranquilidade. E que Portugal precisa dessa tranquilidade para se repensar e reorganizar. E que é necessário alguém com o seu perfil na Presidência. Alguém que esteja atento aos outros. E que garanta o respeito pelos valores republicanos de seriedade, responsabilidade individual, estudo, rigor, respeito pelas contas do Estado, lealdade às leis e à vontade dos eleitores. Eu votarei nesse Presidente."
Francisco José Viegas

"O CASO MÁRIO SOARES"

"A candidatura de Soares vive de uma obsessão quase doentia: o perigo para a democracia da vitória de Cavaco. É uma negação permanente (mesmo quando Soares promete num dia que não vai voltar a falar de Cavaco, no dia seguinte tem uma recaída aparatosa). (...) O debate de Soares com Cavaco foi para Soares um verdadeiro suicídio político. Soares procurava desestabilizar Cavaco com toda a espécie de agressões. Cavaco, mesmo confessando a dado momento que precisava de se conter, manteve uma postura absolutamente impecável, ajustada à imagem que nós temos de um Chefe do Estado. Soares, não. A sua atitude foi a de um líder da oposição que quer esmagar o adversário a qualquer custo. Face aos elogios de Cavaco, Soares disse coisas espantosas sobretudo sobre a personalidade e a formação de Cavaco. Chegou ao desplante de afirmar que Cavaco era um razoável economista, mas não um Prémio Nobel, como se a história contasse com muitos Prémios Nobeis no lugar de Presidentes. Foi desagradável ao agitar comentários de amigos seus em relação ao aspecto hirto e pouco conversador de Cavaco em reuniões interrnacionais. Há coisas que um Presidente da República não pode fazer. Soares fez. E foi hilariante quando se quis apresentar como um verdadeiro conhecedor de economia que tinha salvo o país."

Eduardo Prado Coelho, Público (sem ligação), 26.12.05

REI LEAR OU A BOLA BAIXA: OS HOMENS DUPLICADOS



25.12.05

"NEM O ESTÔMAGO, NEM A ALEGRIA"

"Já não tenho nem o estômago nem a alegria dos meus vinte anos."

Alain, citado por João Pinto e Castro

"O HOMEM DA ERA TECNOLÓGICA"


"É verdade que, ao longo do milénio há pouco terminado e de modo especial nos últimos séculos, foram muitos os progressos realizados no campo técnico e científico. Podemos hoje dispor de vastos recursos materiais. Mas o homem da era tecnológica corre o risco de ser vítima dos próprios êxitos, da sua inteligência e dos resultados das suas capacidades inventivas, caminha para uma atrofia espiritual, um vazio do coração."


Mensagem "Urbi et Orbi" de Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, 25.12.05

24.12.05

O "ESPÍRITO DE NATAL" OU "O TEMPO DOS ASSASSINOS"

Não nutro nenhuma espécie de simpatia pelo chamado "espírito de natal". Não sei o que isso é e, se me apetecer pensar em Cristo, não preciso de um dia específico para o fazer. Julgo, até, que Cristo se ofenderia com o "festim nu" que, a pretexto da discutível data do seu nascimento, conduz meio mundo pelos labirintos dos centros comerciais num insano frenesim consumista sem sentido algum. Por outro lado, trata-se de uma época utilizada em larga escala para arejar a consabida hipocrisia humana. Pessoas que se detestam ou que se ignoram cordialmente durante o ano inteiro, trocam mensagens e presentes como se fossem cúmplices e "amigas". Criaturas especializadas em espetar facadas nas costas dos outros, durante uns dias elevam-se a uma insuspeita beatitude. Para além disto, enfarda-se e engorda-se à conta de incontáveis almoços e jantares de natal. Toda esta pantomina me provoca azia e asco. Às ceias idiotas com bacalhau, prefiro "A vida de Brian" dos velhos Monty Python. Eu bem me esforço por seguir aquela melodia do filme, "always look at the bright side of life". Porém, esta época de boazinhas esforçadas só me lembra o livro de Henry Miller sobre Rimbaud, O Tempo dos Assassinos. É apenas uma ideia para um "cartão" de Boas Festas.

O medo, o medo com a cabeça de hidra, que é generalizado em todos nós, é uma ressaca das formas inferiores de vida. Estamos divididos entre dois mundos, um, aquele de que emergimos, e o outro, aquele em direcção ao qual caminhamos. Este é o sentido mais profundo da palavra "humano": somos um elo, uma ponte, uma promessa. É em nós que o processo da vida está a ser levado a efeito. Temos uma tremenda responsabilidade, e é a gravidade disso que desperta o nosso medo. Sabemos que se não formos em frente, se não realizarmos o nosso ser potencial, recairemos, nos apagaremos, e arrastaremos o mundo connosco na queda. Levamos o Céu e o Inferno dentro de nós e toda a Criação está ao nosso alcance. Para alguns são perspectivas aterrorizantes. Mas desejariamos que fosse diferente? Seriamos capazes de inventar um drama melhor? (...) Se fores capaz de ser um verme, serás também capaz de ser um deus.

MAIS LIVROS


A Penguin decidiu comemorar os seus honoráveis 70 anos com a publicação de cerca de setenta "pocket Penguins" que junta muitos dos autores divulgados pela editora, numa versão "pequenina" e acessível de extractos dessas obras. Desde o "vulgar" Nick Hornby a Homero, passando por Camus, Borges, Anaïs Nin, Flaubert, Simon Schama, Orwell, Freud, Nabokov, Updike, Chomsky, Ian Kershaw, Márquez, Levi, Graves, Capote, David Lodge, Chekhov, Evelyn Waugh ou Steinbeck, vale a pena espreitar a oferta. Segundo um amigo que me ofereceu dois deles, parece que, pelo menos em Lisboa, só a Almedina do Saldanha os vendia.

O "RESPEITINHO"

Na crónica de hoje no Público (sem ligação), Vasco Pulido Valente vem chamar a atenção para a questão da "liberdade" vs. "respeitinho" na nossa história política contemporânea, a propósito da "indignação" que terá suscitado a "postura" de Mário Soares no recente debate com Cavaco Silva. Pulido Valente acha, aliás com inteira razão, que somos em demasia um país vergado aos "salamaleques" e aos "srs. drs." e que, no essencial, lidamos mal com a liberdade. Disse-se sempre, e com alguma sustentação, que Soares possui uma visão "dessacralizada" do poder. É verdade, mas é apenas uma parte da verdade. Soares, conforme lhe dá jeito, tanto pode comportar-se como um déspota monarco-republicano, iluminado por Jaurès ou Afonso Costa, ou como um político "moderno" e democrata, "afectivo" e de "proximidade", como agora se diz. Soares até podia ter feito o pino diante de Cavaco que ninguém levaria a mal. Como bem lembrou Miguel Sousa Tavares no Independente, Soares "é o único que se permite cuspir para o lenço em público ou mastigar pastilhas". Acontece que, como deve saber Pulido Valente, não é do "respeitinho" ou da "liberdade" que se tratou naquele debate. Soares precisava de diminuir a todo o custo Cavaco Silva, fosse com "boa" ou com "má" educação. E de dar a entender que o simples facto de Cavaco ser candidato à presidência da República já constituia, em si mesmo, um acto, para ele, incompreensível. Pulido Valente, que tanto critica a concepção "proprietária" e jacobina que Soares tem da democracia, no fundo, entende que ele deve continuar a comportar-se como o "dono" mimado dessa mesma democracia. Mesmo quando lança insinuações pequeninas sobre o comportamento de Cavaco nos Conselhos Europeus, tipo "eu sei mas não digo", mais adequadas a quem toma conta de condomínios fechados do que próprias de quem já foi chefe de Estado. Eu sou contra o "respeitinho" hipócrita e a favor, em quaisquer circunstâncias, da liberdade. Mas nem eu, nem Pulido Valente, somos candidatos à presidência da República.

CONTINHAS - 2


O que as sondagens sobretudo mostram é que a vitória de Cavaco Silva não cai do céu, nem sequer das ditas sondagens. Aliás, a sua divulgação em catadupa, com algumas disparidades entre elas e com "metodologias" discutíveis, não é inocente. É o caso da última, a da "SIC" (Eurosondagem), que é titulada com uma enganadora "vitória à primeira garantida". Lida a "ficha técnica", percebe-se, pela margem de erro de cerca de 3%, que não é nada assim. Já a do "Correio da Manhã" (Aximage) - "Cavaco intocável vale cinco Soares" - peca pelo excesso. A pergunta que deve ser feita, nesta matéria, é muito simples. Quem é que beneficia mais com sondagens deste género, pseudo-deprimentes ou pseudo-generosas, consoante a perspectiva? Cavaco Silva partiu, mesmo antes de partir, muito confortado pelos números elevados. A exposição em campanha e os debates obrigaram, naturalmente, a alguma "descida à terra" e nos números, algo que não abalou nada de fundamental para os seus objectivos. Porém, revelam ambos - "a descida à terra" e os números - que a campanha que se vai seguir no "terreno" vai ser determinante para conquistar os indecisos, os abstencionistas e os "moles". Para Soares, pelo contrário, cada dia que passa precisa de uma pequena vitória, já que o "problema" destas eleições chama-se "eleitorado socialista", dividido por ele, Alegre e Cavaco. Os números mostram que Soares tem conseguido essas pequenas vitórias - é ele e não Cavaco, de facto, o verdadeiro beneficiado, por exemplo, com a sondagem da SIC/Eurosondagem - que, no entanto, sabem a pouco e, por enquanto, nem sequer chegam a metade do que Sócrates conseguiu em Fevereiro. À medida que o "balão" de Soares incha, os votos de Alegre diminuem e julgo que isso será, com o tempo, uma inevitabilidade. Jerónimo e Louçã - por esta ordem - farão a despesa dos votos dos seus fiéis e, no caso da matemática acabar por contar muito nesta equação, as migalhas que sobram para as pequeníssimas candidaturas, também. Em suma, do "drama" do "eleitorado socialista" - que é uma parte, apenas, dos que votaram no PS nas última legislativas - depende a resolução desta equação e, quiçá, a tão desejada "segunda volta".

23.12.05

CONTINHAS

Antes da "segunda volta" da campanha presidencial, a que ocorrerá depois dos natais e anos novos, o "ponto da situação" das sondagens e barómetros está espelhado neste quadro, com os constrangimentos que o Pedro Magalhães não se cansa de apontar a estes "estudos". Falta a da SIC, pós-debates como a do "Correio da Manhã". Disto tudo podemos - posso - tirar três conclusões mais ou menos consensuais. A primeira, é a de que Cavaco mantém uma forte possibilidade de vencer as eleições no dia 22 de Janeiro. Mas não passa disso, de uma forte possibilidade. A segunda, é a de que Mário Soares é o candidato que mais tem beneficiado com a exposição na campanha e, como se previa, o melhor colocado face a qualquer um dos outros três "compagnons". A terceira, consiste na circunstância de a candidatura de Manuel Alegre começar a revelar a sua "raça" de "fogo fátuo", ou seja, a sua crescente inconsistência. Tudo visto e ponderado, os candidatos bem podem aproveitar a trégua natalícia para fazerem continhas. Todos, sem excepção.

"SEMPRE POR BOM CAMINHO E SEGUE"


Setúbal, 22.12.05

OUTRO LIVRO


Não é por ser dele que é um belo momento literário escrito na nossa língua. Neste livro "viajamos" pela nossa solidão cosmopolita a partir da permanente solidão do "investigador" policial. Há mais mundos em "Longe de Manaus" do que podemos supôr. E há muito de nós nesse mundo inquietante de Jaime Ramos. Parabéns, Francisco.

UM LIVRO


Agora que tanto se fala em livros por causa dos "balanços" e do horrível Natal, volto - seguindo o conselho de Cioran que recomenda a leitura de um mesmo livro várias vezes para se considerar "lido" - às Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar, traduzido por Maria Lamas. Li-o pela primeira vez quando era adolescente e me supunha subtil e, horror dos horrores, "romântico". Ofereci cópias e cópias a putativos leitores pelas mais desvairadas razões e obscuros propósitos. Numas derramei melancólicas dedicatórias cuja autoria estaria hoje porventura disposto a renegar. Não tenho a certeza que esses leitores forçados tivessem compreendido os interstícios da escrita de Yourcenar e a beleza, não apenas da forma, mas do singular traço que reconstroi "ficcionalmente" uma vida e um pensamento que caminha lentamente para a morte. É um livro sobre triunfos e derrotas. Anos volvidos, voltei a ler o original numa edição "poche". Por causa de mais uma oferta - suponho que a derradeira -, fui à estante e retomei a antiga paixão no exacto ponto onde a tinha deixado da última vez: em lugar nenhum. E avancei, de novo, à descoberta de Adriano, moribundo e despojado já de tudo, nas frases inesquecíveis de Yourcenar que me lembram outros tempos de um tempo que não existe mais. Não só o de Adriano, mas sobretudo o meu.

22.12.05

AS "DUPLAS"

Gostava que alguém - por exemplo, estes nossos amigos - se pronunciasse sobre a prestação jornalística nos debates presidenciais nas três televisões generalistas. As várias "duplas" tiveram, ao longo dos dez debates, registos diversos que culminaram na estrondosa "ausência" de Judite de Sousa e de José Alberto Carvalho no frente-a-frente entre Cavaco e Soares. O silêncio envergonhado com que acolheram a "sugestão" deste último - no sentido de que "não faziam lá falta nenhuma" - fala por si. Até a dupla Sousa Tavares-Cunha e Sá, a que parecia mais auspiciosa, fraquejou por fim. Ainda há - parece - quem reclame mais debates ou, na versão "a cinco", mais circo. Se os houver, esperemos que mudem as "duplas". Sobre estas, em concreto, ficámos esclarecidos.

LER...

... estas "recordações" no Minha Rica Casinha.

DE HOJE A UM MÊS

Precisamente daqui a um mês estaremos a escolher o Chefe de Estado para, em princípio, os próximos dez anos. Nesta campanha estão estimáveis criaturas que se encontram, inamovíveis, literalmente "sentadas" em cima da Constituição da República. Elas, sim, "blindadas". Não lhes chegou o exemplo do agora candidato que já foi presidente e que, precisamente com as mesmas linhas constitucionais, edificou dois mandatos completamente distintos. Depois, nunca é demais dizê-lo, duas das candidaturas apenas andam por aí, com as línguas de pau dos respectivos breviários, a defender os seus respeitáveis cantinhos. Por seu lado, Alegre e Soares cavalgam, com intermitências em matéria de sucesso mediático, a esquizofrenia presidencial do Partido Socialista. A militância e a persistência de Soares deverá sobrepôr-se ao quixotismo vaidoso de Manuel Alegre em termos de votos. Porém, e sobretudo depois do debate com Cavaco Silva, o país ficou com a ideia de que Soares concorre, em primeiro lugar, para si próprio e, depois, para uma vaga cadeira de um não presidente. Foi e está a ser tão minimalista em matéria das funções que pretende vir a exercer que apetece perguntar por que é que está nesta corrida. É evidente que sabemos a resposta. Todos os dias Soares, o desconstrutivista, nos elucida sobre isso. Ao fazer da sua candidatura uma permanente bandeira "a preto e branco", Soares escolheu o caminho da "frescura" e da "acutilância", tão significativamente elogiadas por Jerónimo de Sousa, e que manifestamente não o leva a lado nenhum. Meses depois de a anunciar, Soares conseguiu finalmente transformar a sua candidatura naquilo que se pressentia que ela iria ser desde o princípio: a apoteose da sua "superioridade" ressabiada. É por isso que a eleição de Cavaco Silva, daqui a um mês, é simultaneamente um ponto de chegada e um ponto de partida. No primeiro caso, porque acabam definitivamente os mitos quanto à "propriedade" do regime democrático. No segundo, porque se dará continuidade ao "ciclo" de credibilidade iniciado com as eleições de Fevereiro último, no qual o Presidente da República deverá ser, mais do que um mero "moderador" de banalidades consensuais ou um "catalizador" de nulidades cortesãs, um agente activo e liderante que prestigie - com um sentido de verdadeira utilidade pública e através da sua legitimidade democrática única - o cargo que ocupa.

PEQUENO MAS NÃO IRRELEVANTE


"Eu sei que Portugal é um país pequeno, mas não quero que Portugal seja um país irrelevante."

Alcobaça, 21.12.05

21.12.05

LER...

...estas "notas sobre a campanha" , de João Miranda.

BOCAGE 1765-1805



Passam duzentos anos sobre a morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Para o lembrar, dois sonetos "autobiográficos", o primeiro mais conhecido, e o segundo, uma escolha de Natália Correia na sua Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.

Magro, de olhos azuis, carão moreno
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;


Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.


SONETO II

Lá quando em mim perder a humanidade
mais um daqueles, que não fazem falta,
verbi-gratia - o teólogo, o peralta,
algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:


Não quero funeral comunidade,
que engrole sub-venites em voz alta;
pingados gatarrões, gente de malta,
eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
sepulcro me cavar em ermo outeiro,
lavre-me este epitáfio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
passou vida folgada, e milagrosa:
comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro."

OUTRAS LEITURAS

O Paulo Gorjão tem razão. Para "desenjoar" das presidenciais, leiam-se os artigos que ele cita. Frank Furedi, aliás, repescando um bom momento de Maria Filomena Mónica, já tinha "passado" por aqui. Quanto a J.M. Coetzee, dispensa apresentações.

"CADA DIA QUE PASSA"

Ler no Margens de Erro, a análise comparativa de todas as sondagens presidenciais, incluindo uma do "Diário de Coimbra". Será, talvez, oportuno relembrar nesta altura um pequeno texto, de há cerca de um mês, publicado no Pulo do Lobo. Existem dois grandes adversários - os verdadeiros - a vencer nestas eleições: o triunfalismo e a abstenção. O primeiro, induzido pelas "sondagens", "comentadores" e outros "estudos de opinião", combate-se dizendo às pessoas que os votos não estão nem nas "sondagens", nem nos "estudos de opinião" e, muito menos, são atribuidos pelos "comentadores". A segunda, a abstenção, significa resistir ao "canto da sereia" de que "já está tudo decidido" e que, por consequência, "não vale a pena". Vale. Não nos resignemos perante evidências virtuais. Não está nada decidido para sempre. Tudo vai sendo decidido cada dia que passa.

"POT POURRI" SOARISTA

Para não sermos - eu, em particular - acusados de "parciais" nas citações de outros blogues, recomendo o "pot pourri" dos comentários dos apoiantes de Mário Soares efectuado por João Caetano Dias no Pulo do Lobo. Basta comparar.

"POÇA"

De Jorge Madeira, no Pulo do Lobo. "Nas contrariedades não fundamentais da vidinha (que é o que desejavelmente nos espera), Soares seria o Presidente da inércia e do conforto misericordioso e fraterno, Cavaco será o Presidente do labor protestante. É mais feio e dá uma biblioteca mais chata, mas tem mais hipóteses de nos vir a compôr a mesa pelos méritos e artes de cada um."

"DESCABIDO"

De Vital Moreira, no Causa Nossa. "No seu momento menos feliz do debate de ontem, Mário Soares bem poderia ter prescindido da insinuação -- que não podia consubstanciar -- relativo ao desempenho de Cavaco Silva nas reuniões dos conselhos europeus. Não lhe ficou bem, e deu ao adversário uma razão de agravo imerecido."

"OS DEBATES DE CAVACO"

De Bruno Pais, no Elba Everywhere. "Cavaco acabou com o mito de que não sabe estar em debates."

"...A CABEÇA DE UM GOVERNADOR CIVIL DO SR. DR. AFONSO COSTA"

De João Pedro George, no Esplanar, citando Vasco Pulido Valente (Esta Ditosa Pátria, Lisboa, Relógio d'Água, 1997, p. 164). "Mário Soares possui a cabeça de um governador civil do Sr. Dr. Afonso Costa e não custa imaginá-lo, em 1912, declarando na farmácia da Lourinhã as suas convicções de republicano, laico e socialista. Depois de Jaurès não aprendeu nada, nem esqueceu nada. Há quase um século que não lhe entra uma ideia na cabeça, como coisa distinta das trivialidades piedosas para uso oratório, que ele adapta à variável inclinação dos tempos.Soares está velho de mais para mudar e, de resto, até quando era novo, nunca se distinguiu pela subtileza."

"O ACTO DE OUVIR"

De Bruno Alves, no Desesperada Esperança. "A única questão que, por isso, motivou alguma discussão, foi o passado de Cavaco Silva. Foi a história. O que mais uma vez, mostra como as coisas estão. Mostra que dificilmente poderá passar pelo cargo da Presidência a resolução do que quer que seja. Mas mostra também como Soares entende o exercício do cargo presidencial. Ao discutir a sua acção como Presidente durante a governação de Cavaco, Soares mostrou como entende o acto de "ouvir", como uma acção de propagação do eco do descontentamento da "rua", em protesto contra o governo. Se Soares acha que Cavaco será fonte de instabilidade, qualquer pessoa com ouvidos percebe que Soares não poderá ser outra coisa."

"NÃO HÁ INDECISÃO POSSÍVEL"

De Paulo Pinto Mascarenhas, no Acidental. "Porque é verdade também que Portugal não precisa hoje de um Presidente da República que saiba debater. Precisa é de alguém que se saiba conter e consiga convencer; que não comenta em público conversas privadas com amigos sobre o que se passou em conselhos de ministros, sejam eles europeus ou em S. Bento; que não esteja permanentemente a falar do que se passou há 20 ou 30 anos e use uma linguagem do séc. XXI, virada para o futuro. Nosso, de todos, sem filhos ou com eles."

"ARMA DE ARREMESSO"

De João Miranda, no Blasfémias. "Soares, como muito boa esquerda, usa a cultura como arma de arremesso político. Mas quem o faz não precisa de ser culto. Alguma falta de modéstia costuma ser suficiente. De resto, falta a Soares aquilo que falta a muitos que se auto-intitulam cultos. Falta-lhe cultura suficiente para perceber porque é que quem é verdadeiramente culto não precisa de se auto-intitular como tal."