24.6.07

LER OS OUTROS

"A lei das chefias da Administração Pública, ditas de "confiança política" e cujos mandatos cessam com novas eleições, foi um gesto fundador. O bilhete de identidade "quase único" foi um sinal revelador. O Governo queria construir, paulatinamente, os mecanismos de controlo e informação. E quis significar à opinião que, nesse propósito, não brincava. A criação de um órgão de coordenação de todas as polícias parecia ser uma medida meramente técnica, mas percebeu-se que não era só isso. A colocação de tal organismo sob a tutela directa do primeiro-ministro veio esclarecer dúvidas. A revisão e reforma do estatuto do jornalista e da Entidade Reguladora para a Comunicação confirmaram um espírito. A exposição pública dos nomes de alguns devedores fiscais inscrevia-se nesta linha de conduta. Os apelos à delação de funcionários ultrapassaram as fronteiras da decência. O processo disciplinar instaurado contra um professor que terá "desabafado" ou "insultado" o primeiro-ministro mostrou intranquilidade e crispação, o que não é particularmente grave, mas é sobretudo um aviso e, talvez, o primeiro de uma série cujo âmbito se desconhece ainda. A criação, anunciada esta semana, de um ficheiro dos funcionários públicos com cruzamento de todas as informações relativas a esses cidadãos, incluindo pormenores da vida privada dos próprios e dos seus filhos, agrava e concretiza um plano inadmissível de ingerência do Estado na vida dos cidadãos. Finalmente, o processo que Sócrates intentou agora contra um "bloguista" que, há anos, iniciou o episódio dos "diplomas" universitários do primeiro-ministro é mais um passo numa construção que ainda não tem nome. Não se trata de imperícia. Se fosse, já o rumo teria sido corrigido. Não são ventos de loucura. Se fossem, teriam sido como tal denunciados. Nem são caprichos. É uma intenção, é uma estratégia, é um plano minuciosamente preparado e meticulosamente posto em prática. Passo a passo. Com ordem de prioridades. Primeiro os instrumentos, depois as leis, a seguir as medidas práticas, finalmente os gestos. E toda a vida pública será abrangida. Não serão apenas a liberdade individual, os direitos e garantias dos cidadãos ou a liberdade de expressão que são atingidos. Serão também as políticas de toda a espécie, as financeiras e as de investimento, como as da saúde, da educação, administrativas e todas as outras. O que se passou com a Ota é bem significativo. Só o Presidente da República e as sondagens de opinião puseram termo, provisoriamente, note-se, a uma teimosia que se transformara numa pura irracionalidade. No país, já nem se discutem os méritos da questão em termos técnicos, sociais e económicos. O mesmo está em vias de acontecer com o TGV. E não se pense que o Governo não sabe explicar ou que mostra deficiências na sua política de comunicação. Não. O Governo, pelo contrário, sabe muito bem comunicar. Sabe falar com quem o ouve, gosta de informar quem o acata. Aprecia a companhia dos seus seguidores, do banqueiro de Estado e dos patrícios das empresas participadas. Só explica o que quer. Não explica o que não quer. E só informa sobre o que lhe convém, quando convém."

António Barreto, in Público

6 comentários:

Anónimo disse...

Diz o A.B.: "No país, já nem se discutem os méritos da questão em termos técnicos, sociais e económicos. O mesmo está em vias de acontecer com o TGV"

É caso para perguntar: Onde andava este gajo quando foi a história de Foz Côa?

Anónimo disse...

O Prof. Marcelo R. de Sousa veio hoje dizer na RTP que tudo isto se devia a uma certa «desconfiança» induzida talvez pelo Cartão Único. Pois, pois, pois ...

Anónimo disse...

É tudo isto, mais a nova jurisprudência da “indemnização punitiva” do STJ, muito acariciada pelo respectivo Presidente STJ, que vai colocar a liberdade de expressão sob o cutelo da indemnização calculada não para reparar o dano ou ofensa mas para punir, mais o novo regime jurídico das universidades que as retira do espaço de liberdade quase milenar que sempre foi seu jus, mais tudo aquilo que ainda estará para vir…
A primeira república teve a ditadura de Sidónio apoiado pelos “velhos republicanos”, a terceira tem o que se está a ver e sentir, apoiada pelos filhos, netos e afilhados do mesmos velhos republicanos, camuflada numa “maioria absoluta” e na “cooperação estratégica” que cada vez mais se expande a outros órgãos de soberania e membros de altas funções no Estado.
R.A.I.

Anónimo disse...

A.Barreto tem toda a razão....como sempre!

Maria Lua disse...

Aplaudo de pé até ficar com as palmas das mãos dormentes!
Fazem falta no país, Homens e Mulheres com esta "garra" e que não tenham medo de falar/escrever.
Quero mais, sff!

Anónimo disse...

Um paspalho do socialismo de merda teve a estultícia de afirmar: Quem se mete com o PS leva.Esta afirmação foi confirmada pela reacção do bacharel arvorado em engenheiro contra o autor do blogue onde a sua tortuosa carreira académica foi posta a nú.