22.5.10

UM REGIME DE POLTRÕES COM CRAVOS AO PEITO


«Também a indignação moral se tornou "incidental", e onde é mais necessária existe apenas "abulia espiritual". Vamos admitir, apenas admitir, que em 2009 ocorreu total ou parcialmente aquilo que a comissão investiga e que, verdadeiro exemplo de acédia, a maioria dos nefelibatas afirma pelos bares ter a certeza que existiu. Justifica-se tanta indiferença? Pode-se dizer que "todos os governos fazem o mesmo", para neste caso nada fazer? Pode-se encolher os ombros e dizer, como se fosse a coisa mais natural do mundo, "toda a gente sabe que ele mentiu", e depois? Não mentem todos? Pode-se dizer que foi uma tentativa que não passou de uma tentativa que acabou por não se concretizar (não é bem verdade...)? Pode-se dizer que isso são águas passadas e que hoje temos tantas coisa importantes para tratar, que isso é uma distração ou uma vendetta? Pode-se de facto dizer muitas coisas destas, mas esta enorme indiferença de jornalistas e, mais do que de jornalistas, de muita da nossa elite, é o terreno privilegiado da acédia, que depois se transmite como uma doença para todo o lado. É como a corrupção, um mal cuja aceitação social tem mecanismos muito semelhantes. O demónio de Evagrius adormecia os monges, a acédia adormece o carácter cívico da sociedade sem o qual a democracia não sobrevive. Cria poltrões habilidosos em esconder que estão a dormir em vez de ler, porque dá muito trabalho. Cria um país ao qual se pode fazer tudo, desde que não se seja descoberto. Ou melhor, desde que não se seja descoberto de modo muito descarado, porque, se for disfarçado, passa. Passa tudo, passa mesmo tudo.»


José Pacheco Pereira, Público

9 comentários:

De nihilo nihil disse...

Na realidade somos um país cada vez mais fraco.

Javali disse...

É a cultura Mediterrânea que tanta gente aprecia e defende.

Nuno Lebreiro disse...

Neste país o problema, pode-se dizer, está no Estado: é grande demais, mexe em tudo, controla tudo e inspira o medo de quem dele se gostaria de libertar; a apatia social advém directamente da dependência. No entanto, há mais uma coisa que se tem dizer: com uma Estado tão grande, tão imenso e com tanta gente, não nos podemos esquecer que não temos dois tipos de Portugueses, uns que são livres e bons e outros que, uma vez envolvidos com os negócios do Estado, se transfiguram em algo apático, manietado e imerso neste pântano de videirice peçonhenta em que nos afundamos; não: o Estado somos nós. Os negócios somos nós. Ainda agora acabámos de reeleger quem, de forma tão evidente, tem cometido reiterada e impunemente dos maiores crimes contra o nosso país. O Estado e os políticos apenas reflectem o povo que os cria. Que vergonha.

Anónimo disse...

Estamos a aceitar toda esta merda com criminosa indiferença. Está-nos a sair muito caro, mas ainda é só o começo!

Pedro Lomba disse...

Grande artigo

fado alexandrino. disse...

Peço desculpa ao dono do blog de me voltar a repetir.
Aqui devia usar-se a interpelação que num casamento se faz:

Se tens algo a dizer, di-lo agora, ou então cala-te para todo o sempre.

Anónimo disse...

Totalmente de acordo, mas o PSD aceita isto como um mero caso judicial, que não é. Isto é a utilização do poder político e dos muito poderes que por essa via são conferidos, para cometer crimes graves, com uma agravante: feito o levantamento de uma boa dúzia dos últimos anos verifica-se que há certa continuidade e um padrão. Mesmo Santana Lopes, quando chega a esta parte, enrola e atira para o lado, como se de um vulgar ilícito se tratasse. E isto não são ilícitos vulgares nem de efeito superficial. Bem pelo contrário. Bem vistas as coisas, o episódio Figo junto com o da TVI configura um plano orquestrado que visa claramente alterar o resultado eleitoral a favor do PS, por intervenção directa e com dinheiro de empresas por si controladas. E o Presidente da República existe também para prevenir estas coisas. Para funcionar como garante, que nem é nem vai ser nunca, porque o presidente faz parte do conjunto de pessoas que se puseram de fora e se atiraram de cabeça para dentro do grupo a que Pacheco Pereira se refere. E vai acabar espetado na lama em que não se quer meter.

Anónimo disse...

O civismo e o sentido do dever merreram há muito. Mesmo entre personagens ainda hoje tidos por todos como honestos. A preguiça ou o simples comodismo próspero de muitos professores e gestores levou-os, quando ainda era possível inverter os alarmantes sinais de desgoverno e desonestidade gritantes, a não fazer nada. Tal como o povo está estragado e viciado em mesadas, e analfabeto, também tentar agora descobrir à pressa gente séria é uma tarefa similar a secar o tejo com um balde e uma esponja. Boa sorte para nós todos.

Ass.: Besta Imunda

Anónimo disse...

Escreveu bem o Pacheco.
Pena que o PSD de MFL,de que Pacheco era uma das figuras ou estrategas,tenha tido tão low profile.Tenha deixado passar tantas avarias do "Chefe Máximo".
Foram tantas as vezes que poderia marcado pontos no parlamento,exigindo a demissão do Sócrates,devido a sucessivos escândalos que os Pintos Monteiros e Cândidas se afadigavam a encobrir,e no entanto manteve-se em silêncio.
E foram esses silêncios de quem está obrigado a gritar que foram levando a esta anestesia da sociedade perante as maiores ignomínias.
Mas o Pacheco,enquanto o Sócrates montava a máquina propagandística,nos primeiros anos, e alicerçava a sinistra tomada de todos os poderes,estava entretido a mostrar semanalmente na tv que Santana era a má moeda e a tratar cerimoniosamente o falso engº pelo título que nunca teve.
Deitou-se na cova que abriu...