28.10.08

CONTRA A AMABILIDADE


Existe um défice de confronto por cá. Por todo o lado, no poder, na oposição, nas televisões, pelos jornais, na literatura, entre blogues, etc., etc., nota-se aquele cuidado hipócrita em não ferir a susceptibilidade do Outro. O Outro - uma desgraçada invenção do divã freudiano e da "modernidade" - é a nossa cruz. Como o país é pequenino e toda a gente está mais ou menos comprometida com toda a gente, a amabilidade impede que as relações, públicas ou privadas, sejam adultas. Só a ruptura e a desmesura valem a pena. São um sinal de maturidade e de responsabilidade contra a trivialidade da vida quotidiana falsamente "animada" pelos amáveis de serviço. Por isso gosto de cães grandes e detesto caniches. Por isso não troco o mar por arbustos verdejantes e piqueniques com famílias felizes. Por isso ignoro a maioria das "figuras públicas". Qualquer "mulher-a-dias" que a minha insónia intercepta e que corre debaixo da minha janela às cinco da manhã atrás do primeiro autocarro para o trabalho, merece-me a consideração esdrúxula que não possuo pelos homúnculos do regime. Não conheço melhor libelo contra a amabilidade do que os famosos versos de Botto em homenagem a Pessoa, justamente um dos que, par delicatesse, perdeu literalmente uma vida que nunca chegou a ter. "Isto por cá vai indo como dantes;/O mesmo arremelgado idiotismo/Nuns Senhores que tu já conhecias/- Autênticos patifes bem falantes.../E a mesma intriga; as horas, os minutos,/As noites sempre iguais, os mesmos dias,/Tudo igual! Acordando e adormecendo/Na mesma côr, do mesmo lado, sempre/O mesmo ar e em tudo a mesma posição."

9 comentários:

Anónimo disse...

Se, por cá, já estamos todos informados do que se passa, resta saber o que acontece 'auslander'.

Sabemos que 'seu' Sócrates foi 'bater um bata-papo' com 'seu' Lula ; sabemos que ao 'bate-papo' lhe chamaram de 'cimeira' ; sabemos que, no futuro, tudo fica na mesma e, também, sabemos que 'não sabemos' como vai ser o nosso amanhã (oxalá 'essa de cimeira' não seja doença muito grave !).

E, como 'seu' Sócrates não vai resolver 'nosso problemão', bem pode ficar 'lá' por uns tempos, naquelas tépidas águas, que convidam a um 'sambinha' e a uma 'corridinha'.

bA disse...

Genial o seu spot. Diz-se que da discussão, nasce a luz, mas o confronto cá, que poderia ser amigavel e resultar de ópticas diferentes é geralmente encarado como um insulto, um desprimor. Talvez por isso sejamos mesmo "Portugal dos pequeninos".

Anónimo disse...

É bem observado,mas no meio desta balbúrdia descontrolada que assola o país isso é um pormenor.
Está tudo virado do avesso.

Estão a assomar à superfície as gerações criadas sem matriz moral,caldeadas pelas ideologias patológicas,como o João bem lhes chama.
Com os mais altos cargos políticos da nação tomados por uma verdadeira canalha sem escrúpulos,disfrutemos do presente porque o futuro será certamente pior.

joshua disse...

Eu, que por vezes sou truculento comó caralho, entendo que sim, que tens razão: isto tudo vai hipócrita, efeminado, superficial, neutro, nulo.

Odeio o servilizar do discurso veneratório seja de quem for, mas, porra, obrigas-me agora mesmo a reparar que o Botto resume bem esta merda atitudinal da lusa gente. De resto, não penses que da próxima vez que conversarmos só terás a esperar salamaleques e laudas de cortesão.

Eu sou como tu: sou fodido, por isso mesmo, amável precisamente aí e ainda mais para quem me conhecer de perto. Há, quanto a mim, na verdade um certo excesso de querer ser amado na desmesura de um confronto.

Costumo dizer: dêem-me uma imagem, uma pintura, farei um poema-texto ecfrásico qualquer. Dá-me tu, João, um argumento, um excurso, dar-te-ei uma réplica não inteiramente racional ou ponderada, mas nem por isso menos intensa por fraseológica e emocional que seja [dar-te-ei uma totalidade retórica], como se este corpo todo de todo se escrevesse e se dissesse.

O diálogo entre blogues é muitas vezes servil, repleto de insinuações, favores e reciprocidades, concordâncias ou discordâncias num tom sempre curial, cheio de 'caro x', 'meu caro', 'caríssimo', enquanto o discurso vai civilizadamente desrespeitoso, humiliatório, desconsiderante, desprezivo, excluidor, encharcado, carregado do detrito da irrelevância atribuída ao Outro. O Outro é mas é o tapete do escritor que, por sua vez, é a cruz do Outro.

PALAVROSSAVRVS REX,
já agora, um fã do PdP!

Anónimo disse...

Acertou em cheio.

Nuno Góis disse...

Abaixo a amabilidade gratuita e vamos ao confronto.
Completamente de acordo.

Anónimo disse...

"Por isso gosto de cães grandes e detesto caniches."

Vá à merda. Amavelmente!

Anónimo disse...

Bom texto. Não vejo como discordar; o que é contraditório com o que acabei de concordar com.

Anónimo disse...

A questão é que confunde a má-educação com a boçalidade, irritante como uma urticária, incómodo como uma estridência. Boçal é qualquer um. Mal educado, verdadeiramente, é quem não consente em desmesuras, e o faz com frieza e polidez kevin - perto zero absoluto. Um espécie de sorvete de impertinência bocejante. Exige algumas gerações de tédio para ficar no ponto.