30.6.11

«SABER PERSISTIR»


«A actual fórmula governativa abre ao Governo uma perspectiva temporal alargada, que permite um trabalho responsável, sem atender a pressões eleitoralistas ou à agitação dos demagogos. Temos de evitar a política do chamado «stop and go», programar a médio prazo a acção governativa e acompanhar a política conjuntural de emergência de uma política de reformas ousada que lance as bases de um crescimento económico. (...) Só numa tal perspectiva têm sentido os sacrifícios pedidos à população - que aliás foram compreendidos e aceites, dado o bom senso inato do povo português - porque só assim criaremos as condições de um futuro melhor. (...) Há que fazer um grande esforço de explicação da política económica do Governo, das medidas tomadas e a tomar, por forma a ganhar a confiança de trabalhadores e empresários. Há a preocupação, por outro lado, de reduzir o tempo que medeia entre o anúncio das medidas e a sua efectivação. As obstruções do aparelho de Estado e a burocracia que, como se diz, «cria dificuldades para vender facilidades», têm de ser afastadas mediante um grande trabalho de moralização, dignificação e dinamização dos serviços públicos. (...) O principal para que o Governo tenha êxito é saber persistir. Ter a coragem de não mudar de rumo, independentemente dos acidentes de percurso. Recomeçar, pacientemente, quantas vezes forem necessárias. Tomar decisões. Não se deixar perturbar por agressões verbais, por incompreensões ou por injustiças. Aguentar de pé. Para os homens de convicção e de recta consciência, o que conta é sempre - e só - o futuro.»
Mário Soares, Primeiro-Ministro, 15 de Maio de 1984 (in A Árvore e a Floresta, Perspectivas & Realidades, 1984)

O SILÊNCIO DOS LIVROS


Nova vida para a Biblioteca Nacional. Que dela andava bem precisada.

SEM MORTOS E FERIDOS

Somos, mais coisa menos coisa, 10.555.853.

VOLTAR À GRANDE POLÍTICA


«É urgente quebrar o conformismo de chumbo que se instalou na UE, que se arrisca a transformar a crise da dívida numa devastadora crise da própria Europa e que, acentuando a deslegitimação das suas incompetentes lideranças, terá consequências e proporções difíceis de antecipar. E para quebrar este conformismo e os seus dogmas, só há um modo: é o de voltar à "grande" política, isto é, às ideias que podem mudar o actual estado de coisas. E que terão de ser tão ousadas como fundamentadas. Tal só será possível cortando com a ideologia sem ideias em que se tornou a "vulgata europeia", e elaborando uma nova agenda para a Europa. Uma agenda que exija que a Comissão Europeia deixar de se comportar como um dócil secretariado de um Conselho Europeu dominado pela Alemanha. Uma agenda que leve os líderes dos países europeus a falarem mais vezes e mais demoradamente entre si, e com as respectivas opiniões públicas, de modo a encontrarem e a formularem alternativas à ortodoxia dominante. Uma agenda capaz de federar os interesses e as ideias de diversos países, sem medo de confrontar a Alemanha ou de visar os seus pontos fracos. Uma agenda que avance com iniciativas credíveis e com propostas ambiciosas, e que abra os indispensáveis debates sobre as novas circunstâncias da globalização, os paradoxos do livre-cambismo, as opacidades da "financeirização" da economia ou o interminável (e contraproducente) alargamento da União. E é muito que se pode fazer, com iniciativas de variada ordem: política, económica, financeira, social, cultural. Uma delas, e das mais urgentes, deveria neste momento ser relativa ao valor do euro, cuja excessiva valorização nos últimos dez anos tem beneficiado sobretudo à Alemanha, e a dois ou três aliados, e prejudicado todos os demais países da Zona Euro. E esta valorização teve, é preciso sublinhá-lo, um papel decisivo na perda de competitividade de diversas economias europeias, e na eclosão da crise das dívidas soberanas. (Note-se, a propósito, que a Inglaterra desvalorizou a libra, durante a crise financeira dos últimos anos, em cerca de 20%, sem que a inflação tenha ultrapassado 1,6%...) Este é um dos caminhos por onde é possível e urgente avançar, se realmente quisermos que o euro fale outras línguas para lá do alemão. Outros, por exemplo, são a unificação da dívida (como Roosevelt fez em 1932), a emissão de "eurobonds" e a criação de um ministério das finanças europeu. A Europa precisa de uma nova agenda que só um franco e vigoroso o debate de ideias poderá viabilizar, criando condições para que se enfrente uma especulação que se faz cada vez mais à margem de todas as regras, e que está a tornar o mundo numa verdadeira selva.»
Manuel Maria Carrilho, DN

29.6.11

À ESCOLA

O sr. dr. Carvalho da Silva referiu-se a Cavaco Silva como "o homem". Terá andado "à escola" com o Chefe de Estado?

FALAR DE COISAS VEROSÍMEIS


«Falamos de coisas verosímeis. Apenas do real. Há intervalos curtos de silêncio. Penso na sua poesia ultimamente tão lapidada, tão expurgada do que não é essencial. Gosto da intensidade com que faz existir o invisível.»

Lourdes Féria, With Bubbles

MORRE JOVEM O QUE OS DEUSES AMAM


James Dean desapareceu violentamente ao volante de um automóvel. Tinha aquele ar vago e perdido de menino. Foi assim que a eternidade o recebeu. A série Morangos com Açúcar, da tvi, permitiu o rápido acesso de rapazes e raparigas anónimos, com dois palmos de cara e, alguns, de voz, ao estrelato doméstico e à efemeridade da fama. Em certo sentido eles e elas preencheram o chamado "imaginário" adolescente que sonha em ser assim. A estação de Queluz de Baixo acabou por produzir os James Deans possíveis, simultaneamente improváveis e trágicos. Angélico é o segundo da "tribo Morangos" a morrer jovem por causa do absurdo amor que os deuses devotam à juventude. Truman Capote perguntava - e eu pergunto tantas vezes - por que é que a vida tem de ser esta porcaria. Mas ela é mesmo esta porcaria.

27.6.11

NÃO HÁ "PRIMEIRAS MÃOS"


O prof. Marcelo definitivamente não é o porta-voz deste Governo.

MEDITAÇÕES


Do sr. Soros.

QUE RESTE?

26.6.11

TENTAR PERCEBER


As minhas cercanias vão ficar mais pobres. Vasco Pulido Valente muda da Quinta da Luz para a Avenida de Paris, a casa de infância restaurada. Estou a olhar para os livros dele, numa estante à minha frente, dos poucos que estão por ordem em função do autor. Devo-lhes sempre - e ao Vasco, quase diariamente, há mais de trinta anos - qualquer coisa.

E SAIU-LHE OUTRA

«José Pacheco Pereira classificou hoje Mikhail Gorbachov como "um caso muito interessante de um político que quis fazer uma coisa e saiu-lhe outra".» Pacheco, à sua medida, também é assim. Na política doméstica quis fazer uma coisa - como presidir a câmaras municipais - e saiu-lhe outra. Está na hora do quarto volume sobre Cunhal. Isso sai sempre bem.

25.6.11

NÃO SEI SE SE LEMBRA


«O que me parece mais relevante é que nós tivemos até agora gente que não fazia contas e parece-me que estamos a falar de pessoas [Vítor Gaspar] que sabem fazer contas. Não sei se se lembra de uma feijoada na ponte? A feijoada é um belo símbolo do que se vivia na altura. A malta toda porreira a comer uma feijoada e a beber vinho...»

Medina Carreira, iLink

TRABALHAI E PERSEVERAI


Tantos disparates que se dizem e escrevem sobre a Maçonaria.

24.6.11

FALK


«Columbo has a genuine mistiness about him. It seems to hang in the air.»

SEMPRE POR BOM CAMINHO E SEGUE

INCOMPETÊNCIAS


A um preço de capa superior a quarenta euros, é indesculpável que a mais recente edição da poesia completa de Eugénio de Andrade "troque" o título de um dos seus primeiros livros, Os Amantes sem Dinheiro, por "Os Amantes do Dinheiro", designação várias vezes referida ao longo do volume, por sinal bonito. Não há ninguém na editora Modo de Ler para rever os textos? E rever, aqui, é mesmo rever substantivamente o que implica conhecimentos básicos acerca daquilo que se está a rever? Uma pena mas tem de ir para o lixo.

A POSSIBILIDADE DE UM "LEMA"

«O facto de este governo não ter dinheiro para fazer obras dá-lhe a possibilidade de fazer obra.»

Luís Campos e Cunha, Público

«LIBERDADES NA BERLINDA»*

«Na Madeira, Alberto João Jardim proibiu os dirigentes do PSD-M de escreverem artigos de opinião no Diário de Notícias local, jornal privado que o chefe do governo regional vê como principal força da oposição. Todos os dirigentes, à excepção de um, obedeceram. Jardim visa beneficiar o diário que o governo regional financia com dinheiros públicos e alimentar a ideia de que o Diário de Notícias só representa os sectores não-governamentais da opinião.
Em Lisboa, o presidente da República anuiu com um processo sugerido pelo procurador-geral contra o director da Sábado por uma frase que exprime uma opinião — dura para com Cavaco Silva, mas uma opinião. Tendo o presidente feito um primeiro mandato irrepreensível no domínio da defesa da liberdade de expressão e opinião, é infeliz esta anuência ao processo sugerido por Pinto Monteiro. Este caso motivou alguns genuínos defensores das liberdades, mas também gente de “esquerda” que só as defende quando concorda com os textos alvos dos ataques. São já tantos os casos em que esta “esquerda” se limita a defender a sua própria opinião que temos de ver no conjunto um padrão extremamente enviesado das liberdades. Correcto será defender, em primeiro lugar, os direitos de quem exprime opiniões para nós detestáveis ou factos para nós desagradáveis. Esta “esquerda” que nos saiu na rifa silenciou, por exemplo, o processo da ERC contra Sinel de Cordes, autor de humor negro na SICR. Só se indigna, o que é fácil, com o processo retrógrado de familiares do director da PIDE Silva Pais aos dramaturgos da peça A Filha Rebelde, processo que, aliás, parte de particulares e não de quem ocupa cargos públicos. É muito feio silenciar alguns casos de ataques às liberdades e fazer parangonas de outros. Esta esquerda ou não é verdadeira ou defende, como os governos de Sócrates, mais liberdades para si do que para os outros.»

*Eduardo Cintra Torres, Público

23.6.11

A QUEDA NO QUOTIDIANO

É uma expressão de Heidegger que talvez possa ser útil à banca. E a nós.

22.6.11

SINAIS NOVOS E SINAIS VELHOS


Assunção Esteves, Assunção Cristas, até Maria de Belém, Vítor Gaspar, o fim dos governos civis, etc., etc. são sinais de ar novo em tempos sombrios. Em menos de quinze dias foi possível introduzir alguma "normalidade" na vida pública e a ela precisa de gestos simbólicos para sobreviver. O desmoronamento da falácia política instituída em torno do dr. Louçã e de mais dois ou três fiéis é outro sinal. É lamentável, todavia, que pessoas inteligentes persistam em coisas deste jaez que, repito, equivalem ao argumento do segundo ano da escolaridade obrigatória de que "os políticos são todos iguais versão são todos situacionistas" que denotam um péssimo sinal de puro revanchismo intelectual e de uma vaidade íntima tão incomensurável quanto solipsista. Uma derradeira nota pessoal. Guilherme Silva foi o mais votado dos vice-presidentes da AR. Os seus pares, de todas as bancadas, homenagearam da melhor maneira um homem honrado e competente por vezes cretinamente "estigmatizado" por ser natural da Madeira. O parlamento, em suma, represtigiou-se simbolicamente. Bom sinal.

21.6.11

"MAIS UM DIA DE NOITE"


Pacheco, Luiz, às 19.30 na sala 3 do São Jorge. «E houve suicídios, amores desatinados, gente perdida para sempre, muitos e muitos poemas, livrinhos de estreia. Tudo e um tanto desorganizado e traquinas. E gargalhado, inócuo; haveria ali, no ambiente, uma poesia comunicante, o Herberto que me perdoe roubar-lhe o ápodo. E seria o que nos atraía, então.»

O TEMPO SEGUINTE


A partir de hoje entra em funções um governo da não esquerda com a responsabilidade de viabilizar o país e de honrar e executar compromissos externos ajustados. Não é uma tarefa fácil e, por isso mesmo, será simultaneamente um desafio e uma obrigação moral muito antes de ser política. Ninguém começa a trabalhar numa empresa destas com espírito de carpideira. O que havia a dizer ao governo cessante foi dito no dia 5 de Junho. Antes disso, e sob as mais diversas formas, muitos cidadãos, conhecidos e anónimos, denunciaram o caminho errado sem quaisquer propósitos "iluministas". Como sempre aqui afirmei, é fundamental restaurar um certo sentido de "normalidade" democrática e tentar diminuir o excesso de autoritarismo endémico da sociedade portuguesa. Também nisto a não esquerda deve ser, tanto quanto possível, exemplar sem ser paternalista, demagógica ou "fracturante" de outra maneira. Terá tanto mais sucesso quanto maiores forem a independência crítica e a clara densidade a colocar nas decisões. Sigamos, então, em frente.

20.6.11

O CADÁVER EM FÉRIAS


O único comentário que farei acerca da cultura no governo é o seguinte. Desde Julho de 2000, salvo em pequenas intermitências, o ministério da cultura não passou de uma mistificação pomposa. Os sucessivos titulares ficam para a história da Ajuda como os mais exímios exterminadores políticos do ministério. O novo governo não acabou com nada que não estivesse previamente morto.

19.6.11

UM BOM REGRESSO

O do deputado António Filipe, do PC, à vice presidência do parlamento.

OS CANTOS, EM GERAL

"Maradona", por via da Ana Cristina Leonardo (a coisa também envolve a Carla Quevedo) transmite-me um "questionário" literato. Como é domingo, dia do Senhor, e a beatitude e o Guincho imperam, respondo.

1 - Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?

À semelhança de Cioran, acredito que um livro só fica "lido" depois de lido várias vezes. A partir de certa fase da vida, aliás, o que apetece mais é reler. É um cliché mas não há mais começos. O que há é complexos editoriais que precisam fazer pela vida e que colocam cá fora objectos parecidos com livros que têm na capa nomes que designam por "autores". Leio e releio poesia matéria acerca da qual quanto menos se disser, melhor.

2 - Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?

Claro, até de pessoas que são "meus" autores. De um que não é, Saramago, A Jangada de Pedra.

3 - Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?

The Cantos, de Ezra Pound.

4 - Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?

Amores no Campo, de Sarah Beirão.

5- Que livro leste cuja 'cena final' jamais conseguiste esquecer?

O Libertino passeia por Braga, a Idolátrica, o seu esplendor. De Luiz Pacheco.

6- Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?

A Condessa de Ségur, a Blyton, pouco Verne, algum Tintin e o Adolfo Simões Müller.

7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?

Direito Internacional Privado, Ferrer Correia. Porque fui obrigado.

8. Indica alguns dos teus livros preferidos.


Não existem mais porque o seu autor, Joaquim Manuel Magalhães, os suprimiu. Ainda assim, dele e em vigor, Os Dois Crepúsculos. De Jorge de Sena, O Reino da Estupidez I. De Eugénio de Andrade, Prosa. De Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade. De Peter Sloterdijk, O Estranhamento do Mundo. De Céline, À l'agité du bocal. De Proust, A Recherche. De Jean Genet, Pompes Funébres. De Adolfo Casais Monteiro, A Poesia de Fernando Pessoa. De Jonathan Littell, As Benevolentes. De Tolstoi, Anna Karenina. De Flaubert, Madame Bovary. De Stendhal, Le Rouge et Le Noir. De Eça, A Correspondência de Fradique Mendes. De Gore Vidal, United States. De T.S. Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas. De Vergílio Ferreira, Conta-Corrente. De Vitorino Magalhães Godinho, A Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. De Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo. De António José Saraiva, Ser ou não ser Arte. Et tal.

9. Que livro estás a ler neste momento?

Dois. De Richard Rorty, Consequências do Pragmatismo. De Maurice Blanchot, La Raison de Sade.

10. Indica dez amigos para responderem a isto.

Carlos Vidal, José Mendonça da Cruz, António Nogueira Leite, Almocreve, Medeiros Ferreira, Helena Matos, Do Médio Oriente e Afins, Luís Paixão Martins, Pedro Magalhães, Fernando Martins.

LES TRICOTEUSES


«Há ainda essa máquina desconjuntada e caótica, que se chama por um hábito inexplicável "administração pública portuguesa": um labirinto cheio de alçapões, que se aplica fundamentalmente a conservar a sua inércia e o seu sossego. A capacidade para mover esse monstro em direcções que não lhe agradem ou não lhe convenham é muito rara e não se adquire sem alguma (dolorosa) experiência. Esperemos que os ministros que o PSD e o CDS foram buscar à sua tranquilidade intelectual não se deixem devorar pela criatura. Para bem deles, com certeza, e para nosso bem.»
Vasco Pulido Valente, Público

ARREPIAR CAMINHO


«O que se passou no domínio dos cuidados de saúde é um bom exemplo dessa quase obsessão de tudo sujeitar à tutela e à administração directa do Estado. As consequências desses excessos são hoje sobejamente conhecidas. Perdemos muitos anos a recriar o que já estava criado, a recuperar experiência e competências que já existiam, a esbanjar recursos que poderiam ser canalizados para domínios mais carenciados e de maior urgência social. Felizmente, tomou-se consciência dos erros e, lenta mas pragmaticamente, foi-se arrepiando caminho. A recente celebração de um protocolo entre as autoridades de saúde e um considerável número de misericórdias portuguesas, visando a contratualização de serviço público por parte destas, é um passo que me apraz assinalar. Esse passo pode representar uma valorização significativa do sistema nacional de saúde, tornando-o mais eficaz, com maior qualidade de serviço e maior satisfação dos utentes. Temos de reinventar o conceito de serviço público, nomeadamente na diversidade das áreas sociais. Um novo conceito que atenda mais à necessidade de dar uma resposta rápida e adequada aos crescentes problemas sociais da população portuguesa, do que ao respeito de uma visão ideológica que os tempos tornaram obsoleta.
Cavaco Silva

18.6.11

A VIDA DAS PESSOAS

O meu amigo António José Seguro afirmou que o PS tem uma "imensa sensibilidade social". Pois, António, não lhe serviu de nada. Tanta tagarelice de campanha, e não só, sobre o "estado social" e eis que ele chegou ao que chegou. Para além disso, ninguém, muito menos o PS dos últimos anos, possui o monopólio da sensibilidade social. Esta não se reduz a uma convenção para agitar no combate partidário tipo "a minha é maior do que a tua". É, secamente, a vida das pessoas.

FRUGALIDADE

«Os eleitores votaram na escolha de um novo elenco governativo e não na continuidade das habituais caras.» É isso e as alegadas "razões" de alegados "convidados" que recusaram. Os tempos são, de facto, frugais. O serviço público também.

O MIRONE SEMPRE A PAU


«A Pilar controla tudo, de manhã à noite. O homem não pode ter aventuras nem com homens nem com mulheres. Nada. Está ali com o mirone sempre a pau. O que é que há-de fazer? Faz boletins do gabinete do senhor escritor José Saramago. Tanto dá que tenha sido escrito por ele, pela mulher-a-dias, pela Pilar, pela Desidéria. Ele no fim assina e pronto. Vai aqui, vai ali, recebe prémio, não recebe prémio. Ele é um computador. Mesmo que tivesse vivido ao longo destes anos uma aventura qualquer não pode escrevê-la. Está impedido.»

Luiz Pacheco, O Crocodilo que Voa (entrevistas)

É ISTO


Pedro Santana Lopes, em artigo no Público, resume perfeitamente o que há a dizer sobre o governo Passos Coelho. Em primeiro lugar, «quem fez galerias com fotografias de prováveis ministros foi desmentido em larga escala». Em segundo lugar, «é um Governo inovador na orgânica» e «Passos Coelho foi firme na redução do número de ministros e incluiu vários independentes»: «é, de facto, o Governo de Passos Coelho e de Paulo Portas, onde, também ao contrário do que se disse e escreveu, se nota muito pouco a influência do Palácio de Belém». Finalmente, «esta equipa marca uma ruptura, não de geração, mas na habituação a nomes demasiadamente óbvios e, muitas vezes, repetidos. Passos Coelho e, com ele, Paulo Portas fizeram questão de assumir e de exercer o poder. Fizeram bem.»

Adenda (de Pedro Santana Lopes que subscrevo na íntegra): «De tudo o que diz o idiota anónimo ["E será que a expressão «esta equipa marca uma ruptura, não de geração, mas na habituação a nomes demasiadamente óbvios e, muitas vezes, repetidos» se aplicará, com as devidas adaptações, ao próprio Santana Trapalhadas Lopes, enquanto vereador ausente da CML, permanente paineleiro televisivo, putativo fundador de um movimento porque se sente mal no PSD, suposto candidato a Belém?"], só vale a pena responder ao « Vereador ausente da CML». É absolutamente falso. Está em todas as reuniões. Em setenta reuniões, faltas duas e justificadas. Idiotas anónimos»

Nota: É revelador de um persistente espírito piranha, algures entre o mesquinho e o bronco, que praticamente ninguém tivesse comentado o post (e o que PSL escreveu) e que tivesse prevalecido o ad hominem mais primário, sempre ao lado. Que tristeza de gente.

Final (PSL): «Com jeito, os idiotas mostram logo de onde vêm... Pergunta um comentário o que disse a Vereação sobre o Mega- Piquenique, até porque «a bancada social - democrata da Ass. Municipal terá tomado posição!!!... Atitudes pequeninas que só li agora. Mas está enganado o idiota anónimo que está atento a esses comunicados... Basta ver o meu blogue,na sexta - feira passada, o site da Vereação - Lisboa com Sentido, - e as notícias sobre o comunicado da Vereação( entre várias:http://www.ionline.pt/conteudo/130897-vereadores-psd-criticam-corte-transito-na-avenida-da-liberdade).E agora chega de pequeninos. Obrigado, João Gonçalves. Um abraço grande. PSL

Idiotas anónimos e ignorantes.

NESTA HORA

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo

Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção –

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste

Sophia de Mello Breyner Andresen

UM INTELECTUAL ORGÂNICO

Pacheco Pereira é inequivocamente um espírito livre. E erudito, seja lá o que isso for. Ora até por aí, esta pequena prosa assenta-lhe mal. A menos que pretenda assumir uma espécie de não lugar de um novo tipo de "intelectual orgânico": aquele cujo qualificativo "orgânico" diz respeito ao próprio corpo, a si próprio, de ser único entre os seres únicos. Se não se cuida acaba a tropeçar nele de tanto dele ter pela frente, por trás e pelos lados. Pacheco rodeado de Pacheco como uma ilha por água deve ser coisa horrível de se contemplar. Não entre tão depressa nessa noite escura.

Adenda: Apenas três observações a um anónimo que afirma que eu não tenho "categoria" para falar de Pacheco. A primeira, e óbvia, não possuo uma "biografia" comparável e sempre considerei estimulante o seu pensamento mesmo quando não estou com ele. A segunda, que decorre da primeira, foi Pacheco quem apresentou o meu primeiro livro como única escolha. A terceira é que a junção da primeira com a segunda evidencia dois homens livres, livres sobretudo na crítica a começar pela mútua. Percebo que num país de lambedores profissionais isto custe a entrar. Paciência.

Adenda2: No artigo do Público de sábado, um dos "alvos" de Pacheco - porque o pano de fundo é sempre o mesmo, sejam quais forem os protagonistas, i.e., aquele famoso abraço dado a António Costa no Chiado aquando das autárquicas de 2009 deve ter tido um obscuro poder taumatúrgico - é António José Seguro, cito, uma «inexistência». Pacheco não nos trata por "tu" como António Barreto. É mais o "vocês, súcias". Ainda acaba a dizer, como a minha padeira, que "os políticos são todos iguais".

17.6.11

SEGUIR EM FRENTE

Há menos de duas semanas louvei-me em Vitorino Nemésio para falar do resultado das eleições. Hoje digo o mesmo. O governo de Passos Coelho é coisa equilibrada, algo amplamente diverso de mediática, por muito que isso custe a algum barulho trivial. Não esquecer nunca ao que nos conduziu a esdrúxula e famosa "experiência" socrática. Todas as pastas são, evidentemente, políticas. E o combate será duro. Sigamos, pois, em frente. Sem fantasmas ou medos.

O PICNICÃO DE COSTA


«Foi nisto que nos tornámos? Com grandes cortes de trânsito em dias de trabalho?
Como é que era? O "Zé faz falta"?

A MESA OU A RAZÃO DE PASSOS COELHO


«A mesa de telejornal que a RTP1 andou a passear por Portugal Continental antes das eleições custou, segundo informação que recolhi, 10.000 euros. Tal preciosidade não poderia andar em bolandas, pelo que o transporte da mobília pelo país ficou por 30.000 euros e o passeio do Telejornal terá custado por grosso aos contribuintes uns 200.000 euros. Esta mesa é, pois, uma jóia da Coroa. Deveria passar ao património nacional e expor-se num lugar condigno onde todos a pudéssemos admirar, talvez sobre o tapete defronte do trono no Palácio da Ajuda. Durante semanas, o Telejornal andou pelo país a fazer de lá o que poderia ter feito sem despesa a partir das instalações da RTP em Lisboa ou no Porto. Houve directos diários que pouco ou nada acrescentaram, pois raramente um directo acrescenta uma boa reportagem. Mas é assim a “televisão em movimento”: movimenta-se. Com o preço a que estão o gasóleo e as mesas de telejornal, esta movimentação foi um luxo a que os privados não poderiam recorrer. Graças aos recursos públicos, o operador de serviço público pode sempre concorrer com os privados. Havendo já uma rádio de fados no éter e na Internet, de nome Rádio Amália, não é que a RDP teve agora a ideia genial de fazer uma rádio de fados na Internet? Começou esta semana.»

Eduardo Cintra Torres, Público

"PATRIOTAS" E "ESPECIALISTAS"


«Nas grandes crises aparece sempre em Portugal uma série de personagens típicas, para completar o melodrama e animar o povo. Com pequenas diferenças de estilo e de assunto, não mudaram muito de 1820 para cá. A primeira personagem da peça costuma ser o "patriota". Não custa a perceber porquê. O patriotismo não pede muito: nem saber, nem racionalidade, nem pretexto. Pede só fervor. O patriota sente, ou acha que sente: não precisa para nada de pensar. Basta que lhe venham à cabeça e à boca meia dúzia de eflúvios sentimentais como lhe poderiam vir sobre uma equipa de futebol ou uma pop star. Pode pôr um emblema na lapela, com uma bandeira de Portugal, para proclamar o seu orgulho na Pátria. Pode declarar, como declaravam operaticamente as divas românticas, que a desgraça provoca o seu amor e o seu heroísmo. E até pode exercitar a sua veia lírica, com uma ode ou discurso ao torrãozinho que o viu nascer. O indígena gosta destas cenas. Depois do patriota, vem o especialista. O especialista é do género lúcido ou do género "indignado". O especialista do género lúcido explica ao povo ignaro e surpreendido como tudo se fez mal, ou correu mal, neste infausto país, porque nunca ninguém teve o bom senso de lhe obedecer. Mas não deixa, por isso, de insinuar que este nosso pobre Portugal ainda vai muito a tempo de se corrigir, ouvindo com atenção os conselhos que ele generosamente não hesitará em lhe oferecer. O especialista de género "indignado" acusa, barafusta, protesta e ameaça; e também ele avisa que, sem a sua visão e clarividência, o abismo se aproxima. De qualquer maneira, cada especialista tem uma marotte: a pesca ou círculo uninominal, o ensino ou o "emagrecimento do Estado", a saúde ou a exportação. Receitas não faltam, para qualquer gosto e para qualquer espécie de loucura. Infelizmente, no meio desta trapalhada e deste poço de ciência e de "patriotismo", os melhores cérebros do país passaram a semana inteira a tentar adivinhar se Pedro Passos Coelho ficava mesmo pelos dez ministros, como prometera, ou se por acaso (sob pressão do CDS) se atrevia a ir para além dessa fronteira mágica, perversamente arruinando o futuro de Portugal. Esta discussão, que esclareceu muito o espírito do indigenato, não adianta, nem atrasa.»

Vasco Pulido Valente, Público

16.6.11

«ESTA RAIVA QUE TENHO DE POUCA HUMANIDADE NESTE MUNDO»



Dois grandes poemas de Sena ditos pelo próprio, Em Creta com o Minotauro e Madrugada, entre outros. Descontada a tradução e alguma foleirice pictórica. Um mês depois estava precocemente morto.

DA EXERCITAÇÃO

Não estará na hora - quando o novo ministro da justiça tomar posse - da senhora directora do Centro de Estudos Judiciários ir "exercitar-se" para outro lado?

OLD HABITS DIE HARD

Saudades do teleponto?

OS DONOS

Ontem à noite pareceu-me ver o General Pezarat Correia numa arenga televisiva contra a presença de Paulo Portas no governo. De acordo com a luminária, se bem percebi, Portas não pode estar num governo da República por causa da defunta guerra do Iraque. Pensava que aquela coisa que dava pelo nome de "conselho para a paz e cooperação", de clara extracção soviética, estava bem morta e enterrada. Mas pior que Pezarat só o extraordinário Vasco Lourenço. E é, de facto, esta coisa que se pergunta aqui. «Quando um capitão de Abril, e presidente da Associação 25 de Abril, escreve no seu espaço associativo que "Paulo Portas não deveria ser ministro da República", para que foi que tivemos eleições? Ou temos uma constituição? Ou leis?... ou democracia?»

DOS ANÕES*

«... tendo em mente a "evidente" viragem à direita do eleitorado, que reuniu um número de votos significativamente superior ao de toda a esquerda somada.» Há por aí uns anões que ainda não entenderam isto. Mas é fácil arranjar-lhes explicador.

*inspirado num título do único romance do dramaturgo Harold Pinter, comprado num quiosque por €1,95

15.6.11

EM VÃO

D. José Policarpo descobriu agora - "agora", i.e., depois do dia 5 de Junho último - que a lei da interrupção voluntária da gravidez tem vindo a ser aplicada "ao Deus dará". Não só lhe fica mal invocar o nome de Deus em vão como podia perfeitamente continuar calado acerca de uma matéria da qual, aquando do último referendo, praticamente lavou as mãos.

BANDALHOS

Gente que pretendia vir a administrar a justiça ou a conduzir a acção penal, respectivamente nos tribunais portugueses e no Ministério Público, foi "apanhada" a copiar em exames no Centro de Estudos Judiciários, uma instituição que, nos últimos tempos, entrou manifestamente em decadência. Mesmo assim, deram-lhes nota 10 e o lamentável sindicato dos juízes apenas acha a coisa "lamentável". Mas nem por isso deixam de ser uns bandalhos.

SEGUIR EM FRENTE

PISCOS

Depois de um Lello, só um Pisco. Como é que ainda não fomos à falência completa (na instintual estamos bem confortáveis) com seres pequeninos , ou melhor, nulos como estes?

CONTRA AS BUCÓLICAS


Passadas as fúrias do "facciosismo" eleitoral e comunicacional (do lado de lá do ecrã e do lado de cá, do espectador comprometido), o programa Prova dos 9 da tvi24, moderado por Constança Cunha e Sá - com Santana Lopes, Medeiros Ferreira e um Fernando Rosas cabotinizado do alto dos seus pequeninos 5% de Bloco - poderá tornar-se no mais conseguido espaço de debate político televisivo para os próximos tempos. E derrubar, não tanto em audiências (e que importa esta treta?) quanto em matéria-prima para meditar e em vivacidade perspicaz (mesmo na sua cabotinice contumaz, Rosas, por vezes, vai lá), a anacrónica "quadratura" da sicn. Esta já cansa. Por demasiado sistémica e por estar irreversivelmente contaminada pelo chamado "pensamento que calcula" em torno de si mesmo. Vem tudo nos antigos e no Heidegger que os leu, seguramente, com a maior das atenções.

14.6.11

O FATAL LELLO


Lello - uma sumidade nacional em emigração e política internacional e distinto apoiante do dr. Assis - decidiu dar um ar da sua gracinha por causa de uns quantos votos vindos do Brasil. A coisa é tão ridícula que até Lacão o desautorizou. Não haverá nenhum curso lá fora que o entusiasme? Até mesmo a antiga 4ª classe?

O QUE É UM POLITÓLOGO?


O Pedro Magalhães está equivocado. "Politólogo", nos últimos tempos, foi sinónimo de: «"tudólogo", i. e., um especialista em "tudologia", uma ciência que permite abordar os mais diversificados temas consoante as necessidades ocorrentes de distracção da opinião pública; a versatilidade do "p./t." é mais ostensiva nas televisões onde, aliás, a maior parte deles obteve o respectivo diploma científico após a frequência obrigatória de um estágio (remunerado e não remunerado) na antiga escola de virtudes políticas, "O Socratismo", recentemente encerrada para remodelações; o "p./t." distingue-se de categorias afins pela sua rara capacidade de adaptação ao clima político e pela quantidade de teses que, em apenas duas semanas, conseguiu produzir em torno do conceito "Empate Técnico"; é frequente o "p./t." oscilar entre a "tudologia" activa (o "p./t." activo) e a "tudologia" passiva (o "p./t." passivo) conforme a disponibilidade no acesso/divulgação da informação, desde a crise financeira ao futebol de salão; o "p./t" stricto sensu é aquele que é, ele mesmo, "a" informação; pop.: língua de pau»

O PRESENTE DE UM GRANDE PASSADO


«Vocês "hadem" ver!» Premonitório.

AGRADECIMENTOS COM CONTA, PESO E MEDIDA

«A gente sabe que (...)/ já nada pode durar/ muito.»

João Miguel Fernandes Jorge


Ao Medeiros Ferreira, ao Fernando Martins, ao André Azevedo Neves, ao Samuel de Paiva Pires, ao Nuno Gouveia, ao Luís Novaes Tito, ao Tiago Moreira Ramalho, à Joana Carvalho Dias , ao Afonso Azevedo Neves, ao Fernando Moreira de Sá, ao «ser injusto faz parte do seu talento. Mas pronto. Confio que o Portugal dos Pequeninos, que agora faz 8 anos, redobre de espírito cáustico nestes novos tempos do poder.» Ou o Fernando Martins. «Frontal, corajoso, muito bem escrito e geralmente bem pensado, é às vezes obtuso. É bastas vezes reaccionário e salazarista (coisas diferentes para os mais distraídos), qualidades que eu muito aprecio quando servidas com conta, peso e medida.» Revejo-me muito neste "auto retrato" do Vasco Pulido Valente escrito por irónica ocasião dos seus cinquenta anos. Ele que também não me perdoe a citação como eu não perdoo nada. «Dantes andava-se e esquecia-se. Agora, a vida pára. Repete-se. Um mês é igual ao anterior e ao próximo e ao seguinte. Não acontece nenhuma coisa diferente, só acontecem coisas indiferentes. Por qualquer razão obscura, não se consegue descobrir o sítio onde as coisas acontecem; e elas já não acontecem onde aconteciam.(...) Eu penetrei na impropriamente chamada meia idade desta maneira: ou seja, aflito. O céu caiu-me em cima sem aviso. Nestas crises, segundo o costume, as pessoas agarram-se: à família, ao trabalho, às ambições. Reparei que os meus amigos se agarravam. Um a um, consoante a sua natureza, transformaram-se em secretários de Estado, políticos respeitáveis, académicos triunfantes, altos funcionários ou pais extremosos. Vários preferiram a virtude, ideológica ou sexual. Com meritórias excepções, quase todos se encaminharam.»

"MUDAR"


A perspectiva de Mota Amaral poder regressar à presidência da Assembleia não é animadora. Amaral anda "nisto" desde o Estado Novo. Foi o único deputado da chamada "ala liberal" que aceitou ser candidato, de novo, em 1973 pelas listas da "situação", sendo encontrado nessas funções na Assembleia Nacional no glorioso "25 de Abril". Presidiu à AR no interregno de 2002-2005 e, na legislatura que acabou, fez uma triste figura à frente de uma comissão parlamentar destinada a auditar o "negócio PT/tvi". Pacheco Pereira, pelo menos, lembrar-se-á dela. Certamente que no grupo parlamentar do PSD existem pessoas com experiência na matéria para além de Mota Amaral, capazes de "pegar" imediatamente na condução dos trabalhos da "casa da democracia" sem terem de "estudar". Guilherme Silva, por exemplo, é um deles e, decerto, reuniria o consenso do CDS e apoios noutras bancadas onde é igualmente respeitado. Não duvido que Amaral seja também respeitado e "consensual". O que não quer dizer que tal ocorra pelas melhores razões.

13.6.11

POR MOTIVOS ALHEIOS À NOSSA VONTADE


Consta que, entre outras coisinhas (20 na contabilidade "recatada" do prof. Marcelo), o PSD e o CDS estão "separados" pela RTP em relação à qual Passos Coelho tem uma posição adequada. A RTP custa ao bolso dos portugueses milhões de euros/ano que servem para sustentar um emporio de propaganda e de mau "entretenimento". Há muito - se é que alguma vez foi - que a RTP deixou de ser "serviço público". Uma "política do audiovisual" devia ter isto em conta e, tendo-o, facilmente chegaria à conclusão que o "serviço público de televisão" não passa pela actual RTP. Esta, tal como está, é um sorvedouro inútil de dinheiros públicos. Para quê, pois, mantê-la a não ser por motivos famosamente alheios à nossa vontade e a uma ideia retórica de "serviço público"?

A DOER


Os juros da dívida pública continuam a sua via pornográfica. E o sr. Roubini, que costuma acertar, não anuncia tempos fáceis. Os portugueses ainda não perceberam o que aí vem (basta atentar no ar despreocupado e alarve com que passaram o coiso "alargado"). Isto vai ser bem no osso. A doer.

12.6.11

MANUAL DE PROCEDIMENTOS

Temos de agradecer às televisões - e, antes destas, ao fim de semana "prolongado" - andarem dias seguidos a "explicar" como é que se assalta, com um módico de sofisticação e sem caterpilars, caixas multibanco. A parte do conselho da mãozinha à frente do código secreto é quase risível perante a minuciosa descrição do modus operandi dos bandidos recentemente apanhados.

A FRANQUEZA

«Este é o momento de se correr atrás de lugares…», aconselhou aos seus pares um dirigente do CDS de Beja. Nem sequer dá para ir a pé, em marcha lenta e à vontade. Corram.

A SANTIDADE CÍVICA



Pelos vistos, não fui só eu a reparar. De facto, António Barreto "parecia" o PR e o PR "parecia" um leitor entusiasmado de A Cidade e as Serras, ou de um Camilo de Amor de Salvação ou da novela Coração, Cabeça e Estômago.
«À falta de melhor, os portugueses sempre gostaram de oratória. De oratória sacra, no "antigo regime"; de oratória parlamentar, no liberalismo e na República. Os "tenores" de S. Bento (José Estêvão, Garrett, Rebelo da Silva) tinham uma popularidade sem relação com o seu poder real. Nunca, ou quase nunca, disseram coisa que valesse a pena. Mas falavam bem e enchiam as galerias de aficionados e de senhoras. Esta sexta-feira, em Castelo Branco, parece que a tradição ressuscitou com António Barreto. Os voos líricos de Barreto não nos fizeram compreender melhor a situação do país, nem propuseram nada de prático ou de útil. O que não era, se calhar, o seu propósito. Não interessa. Pelo menos, comoveram o público letrado, que precisava de comoção e consolo. No dia seguinte, os jornais glosaram dois temas. O primeiro foi a diatribe de Barreto contra os políticos, uma velha maneira de aquecer a alma do país. Segundo percebi, para Barreto, os políticos pedem ao bom povo (com "facilidade" e "oportunismo") "sacrifícios" que eles próprios, no seu ofício, se recusam a retribuir. Pelo contrário, andam por aí numa "crispação estéril", em vez de conversarem e discutirem entre si, com verdade e, sobretudo, com "cordialidade" (esperemos que não aquela cordialidade com que Bernardino afogou a República). Além disto, que por si bastava, os políticos mentem, não informam os portugueses, não os representam e não os dirigem. Pior ainda: sendo o nosso sofrimento o resultado da sua "imprevidência", é "indispensável" um "apuramento" de responsabilidades. Como, quando e por quem, Barreto não esclareceu. Em contrapartida, esclareceu que se deve mudar a Constituição, que, na opinião dele se tornou "anacrónica, barroca e excessivamente programática", uma ideia que não fica mal a ninguém e que se distingue pela sua absoluta impossibilidade. E voltou também à sua obsessão de infância, o círculo uninominal, a que atribui virtudes miraculosas. Nunca lhe ocorreu que o círculo uninominal iria entregar a Valentim Loureiro e à sua estirpe a escolha e o domínio do Governo, como já entregou as câmaras (tirando Lisboa, o Porto e mais meia-dúzia por aqui e por ali ) e os partidos, sem qualquer excepção. Mas presumo que Barreto não liga a esses pormenores terrenos. Um homem que acaba um discurso oficial tratando Portugal por "tu", numa longa fuga lírica e tremelicante, está com certeza destinado à santidade cívica.»

Vasco Pulido Valente, Público

A CHUSMA NA SALA


Não posso deixar de fazer um agradecimento particular aos "corporativos" que não abdicam da sua missão patrulheira. Não esqueço que até incluiu, a dada altura, um telefonema do "Abrantes" da época para o meu local de trabalho e para um número fixo que nem eu sabia de cor. Eles sabem quem sou e por onde ando porque nunca senti necessidade de me esconder no anonimato fácil e cobarde que fez e faz "escola" neste domínio. Até por isso deviam saber que não estou à espera de coisa alguma (o cargo que exerço, escolhido por motivos profissionais e por quem de direito, satisfaz-me e enquanto satisfizer quem me escolheu estamos bem assim: está no Diário da República, é público por definição). Em compensação, nós não sabemos quem eles são é quais as "encarnações" que tomaram, tomam e hão-de tomar. Apenas o poetastro Pitta, num acesso vagamente místico, assegura ter estado com "Abrantes" em algum lado. E eles pagam de volta garantindo-lhe a divulgação intermitente das suas brandoenses "análises políticas" que são a versão popularucha dos delíquios literario-gastronómicos passados invariavelmente em grandes alturas. Mas os "corporativos" (os ainda em funções e os por vir da mesma ou de outras bandas) resumem-se bem no artigo semanal de Eduardo Cintra Torres* no Público aquando da descrição de um momento da noite eleitoral dos "corporativos", i.e., da "a chusma na sala". «No final do discurso, entregam-lhe [a Sócrates] um papel e ele afirma: “parece que há jornalistas que me querem fazer umas perguntas”. A estranha formulação da frase sugere que não deveria haver perguntas; que os jornalistas não devem colocar perguntas; que isso de lhe colocarem perguntas é tão invulgar que ele até duvida (“parece que...”). E assim foi. Dos seis jornalistas com autorização para o questionar, quatro são vaiados ou assobiados pela chusma na sala (RTP, SIC, Antena 1, Renascença). Só Carla Moita, TVI, e Bárbara Baldaia, TSF, escapam ao charivari. Sócrates deixa os furiosos dirigentes e militantes vaiarem os jornalistas, mas para si mesmo pede que o deixem falar. A pergunta mais vaiada, de Susana Martins, da Renascença, petrifica-o: “Receia que esta derrota eleitoral abra caminho a novos processos judiciais ou que acelere processos judiciais em curso?” Ele diz que “compreende” a vaia e pede à jornalista que repita a pergunta inesperada. A resposta não estava no teleponto nem memorizada. Respondeu no género Disneylândia — em Portugal “a justiça nada tem a ver com a política” — e passa à frente: “É melhor passarmos a outra pergunta”. A jornalista da RDP diz então “Vamos ver se eu não recebo uma vaia também”, mas o núcleo duro do PS não a poupa à gritaria. Só uma hora passou desde as previsões das 20h00, e já o último discurso de Sócrates traz a zizânia de volta ao país.» O papel de quaisquer "corporativos" é só este, garantir a zizânia. A chusma na sala não desapareceu nem desaparecerá.

*Eduardo Cintra Torres foi dos poucos jornalistas e comentadores (na circunstância daquilo que passa nas televisões) que soube sempre estar à altura da sua profissão, sem temores reverenciais, bajulações infantis e cálculos patetas durante o "socratismo". Aparece aqui com frequência porque lhe admiro a coragem, a persistência e o rigor. E eu sou despudoradamente selectivo.

11.6.11

«BALANÇA»*


Quando regressava do Guincho, ocorreu-me que este blogue completa hoje oito anos de existência. Alguns leitores amigos recordaram-se disso aparentemente mais depressa do que eu. Pelo caminho, este blogue - o seu autor - deixou fundamentalmente duas coisas impensáveis (para ele) em Junho de 2003: dois livros e algumas amizades. Dos livros não há nada a dizer. Das amizades, há apenas que lamentar. Também houve o contrário. Sem o blogue provavelmente nunca teria conhecido novos amigos que, contudo, não substituem a falta dos desaparecidos. Como é próprio de um blogue e da vida, segue-se em frente. Este blogue esteve com coisas que ganharam e com coisas que perderam. Tem preferências que não esconde. Da mesma forma que não poupa o que detesta. Ser, como é, independente não quer dizer que seja neutro. Num país pequenino como este ninguém se pode dar ao luxo de ser neutro. Como todos os trabalhos solitários, este custa. Custa, precisamente, em solidão, em "solidariedades" de ocasião, em obtusas incompreensões e em pequenas invejas. Mas compensa, no essencial, por aqueles leitores (não da onça) que fizeram dele o modesto "sucesso" em que acabou por se tornar sem recurso a outras "armas". Sobretudo porque, salvo raríssimas excepções, não "cresceu" deste espaço para jornais ou televisões, permanecendo fiel a (talvez lhe possamos chamar assim) uma "tradição" blogosférica à qual outros, vindos dos media convencionais, acabaram por aderir. Não sei se isto durará mais oito dias, oito meses ou outros tantos oito anos. Quem sobreviver, verá.

*Poema de Eugénio de Andrade: «No prato da balança um verso basta/ para pesar no outro a minha vida.»

DA "ÉTICA"


«Houve quem preferisse levar o líder ao colo até ao cemitério. Alguns chamam a isso ‘ética partidária’.» De uma forma geral, são os mesmos que levam agora Assis à imolação em nome da mesma "ética". Estão bem uns para os outros.

10.6.11

OS LUSÍADAS DE 2011


Meio mundo babou-se - Mário Crespo ainda deve estar a limpar os lábios e a remover a comoção - para cima das palavras "sábias" de António Barreto. O homem é uma espécie de dr. House da nossa sociedade e da nossa política sem o sarcasmo destrutivo do primeiro. Ir a votinhos é que não é com ele. Mas, pelo menos desde o "manifesto reformador" de 1979 (onde coadjuvou Medeiros Ferreira) que é uma indisputável sumidade diagnosticadora. Gosto dele embora já tivesse gostado mais. Todavia, com Barreto não emergiu a roda dos "avisos". O grande ausente do dia, Camões, já tinha visto - e claramente visto - o que isto era e, na sua extraordinária épica, "avisou". Dou a voz a Jorge de Sena, em 1972, por ele. «Os Lusíadas são menos uma celebração ingénua e orgulhosa do que um aviso trágico e desesperado. Mas, se este aviso é feito à luz de particulares valores de categoria universal, como efectivamente é, daí resulta que ele transcende em muito o âmbito nacional de um destino histórico não cumprido do seu mais alto sentido, para ser, na verdade, um aviso e um apelo que se dirige a toda a humanidade que Portugal, para o efeito, simboliza. O que não seja levado a cabo com espírito de sacrifício, coragem, isenção, tolerância em tudo desde a religião a licenças eróticas, e não seja iluminado por um ideal de supremo e universal amor da Humanidade e do Mundo, não poderá ter o favor dos deuses, é está inexoravelmente fadado ao desastre. Mesmo que tal desastre se não materialize, ele não será menos desastre, porque será sempre a «vil tristeza» da «consciência infeliz».

CADA CAVADELA SUA MINHOCA

Má consciência, falta dela ou pura estupidez?

UM DIA COM O PRESIDENTE


Por definição, o 10 de Junho é um dia em que o Presidente da República está, por assim dizer, mais exposto. Barreto, na sua homilia "estado-novista" (o apelo à fraterna simbiose do capital com o trabalho, da política com as "corporações", em suma, à "união nacional"), esqueceu-se de referir que não basta mudar a constituição no sentido de garantir a exigência de governos maioritários. A constituição também deve reforçar o papel do PR não apenas enquanto "árbitro" ou "provedor nacional", garantindo-lhe a liderança política e institucional efectiva do regime. A legitimidade de único órgão político singular eleito carece de uma tradução constitucional diferente daquela instituída ad hominem, em 1983, para sossego dos partidos e respectivas nomenclaturas. O PR podia e devia ter mais poderes, por exemplo, em relação à justiça cujo controlo é feito, na prática, pelos partidos e pelos "pares" naqueles obscuros "conselhos superiores". Por falar em justiça e em Presidente - e dando de barato o intenso mau-gosto de comparações com Isaltinos e Fatinhas Felgueiras que decorre daquela grosseria populista "os políticos são todos iguais" - não me parece, apesar de se tratar do Chefe de Estado, que Cavaco devesse dar luz verde a um processo contra um jornalista. Nos EUA até duvidaram que Obama fosse americano e não consta que ele tivesse mandado abrir processos judiciais. Aliás, o "tema" (sórdido e urdido pelos arietes da "central" de agitprop derrotada no passado domingo) foi explorado à náusea pelos media o que, em termos de pura equanimidade, obrigaria abstractamente a "persegui-los" a todos. Salazar tinha, entre outras, esta frase luminosa: decididos até onde ir, não devemos ir mais além. Serve para quase todo o jornalismo caseiro em vigor e, em geral, bronco. E serve para isto.

COMO SE CHEGOU AQUI?


Ninguém tem sido tão metodicamente expulso do seu dia como Camões. Nos últimos anos e, por força das circunstâncias políticas, o 10 de Junho é mais um pretexto para derrames sobre essa coisa esquisita e vaga que é a "portugalidade" do que para recitar, que seja, um humilde verso do homem. Hoje, em Castelo Branco, a "portugalidade" apareceu sob a forma de "interioridade". Barreto, sempre com a sua gravitas profética, dirigiu-se ao país num registo de interpelação directa através do uso da segunda pessoa do singular. Cavaco mobilizou Mattoso e Orlando Ribeiro, as pedras, as árvores e os arbustos para evidenciar um interior que há muito morreu atascado pela força do betão e dos serviços e pela trivial necessidade de ir embora em busca de outra coisa. E os jornalistas mobilizaram-se, uma vez mais, para arrancar palavrinhas a velhos e novos protagonistas como ainda há uma semana atrás andavam a fazer. É, só, aliás, o que sabem fazer. Como escreve Pulido Valente no Público, «ficaram ainda na televisão e nos jornais multidões de génios com o diagnóstico e cura da crise portuguesa no bolso, falando ininterruptamente como se nos tencionassem salvar amanhã de manhã. São economistas, engenheiros, médicos, políticos, gestores, filósofos, funcionários, diplomatas, mil e uma espécie de amadores, cada um com a sua loucura e a sua importância.» Conclui - e o 10 de Junho serve perfeitamente enquanto apoteose simbólica destes lugares-comuns - pelo óbvio. «Ninguém quer ou consegue responder à pergunta crucial: como se chegou aqui?» Neste ponto, talvez valha a pena, então, recuperar o nosso genial poeta e deixar a tralha habitual para trás a remoer, se puder, na resposta. «Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,/de vós não conhecido nem sonhado?/ Da boca dos pequenos sei, contudo,/ que o louvor sai às vezes acabado./ Nem me falta na vida honesto estudo,/ com longa experiência misturado,/ nem engenho, que aqui vereis presente,/cousas que juntas se acham raramente

9.6.11

DOIS CÍNICOS

Entre os "quadratura", Pacheco Pereira não conseguiu pronunciar o nome daquele que venceu Sócrates - este aparentemente foi derrubado por um fenómeno do Entroncamento. E António Costa disse não conhecer Seguro de lado algum apesar de serem da mesma geração partidária e terem pertencido ao mesmo governo, o último de Guterres. Dois cínicos.

A HERANÇA ENVENENADA


«Pela primeira vez em Portugal, um primeiro-ministro eleito perdeu umas eleições legislativas. E isso aconteceu com o pior resultado que o PS teve nos últimos vinte anos. Sócrates despediu-se depressa, tinha preparado no teleponto um longo discurso em que, mais uma vez, procurou negar a verdade e fugir às evidências - sobretudo a de que deixa um país encurralado e à beira da ruína e um PS embalsamado e com os seus valores patrimoniais fundamentais muito abalados. O que o discurso revelou - apesar do que dizia o teleponto - foi, por um lado, um Sócrates aterrorizado com o juízo da história e com o lugar que ela certamente lhe reserva, associado à bancarrota de 2011. E, por outro lado, a obsessão em condicionar o natural debate interno sobre as lições que há que tirar deste desaire, que se traduziu na perda, em seis anos, de um milhão de votos. Tudo indica que a vida não vai ser fácil para o Partido Socialista, que fica agora à mercê de uma diabolização política que não vai tardar, em previsível resposta ao funambular optimismo dos últimos tempos. É que Sócrates deixa nos braços do PS uma herança envenenada, que é a de ter que "ser oposição" a um programa que ele próprio assinou. O socratismo corre, assim, o risco de se tornar numa verdadeira maldição para o PS. Isso só não acontecerá se houver, desde já, lucidez e coragem para reconhecer que, com este julgamento dos portugueses, o tempo dos álibis acabou e se abre agora um tempo de debate e de balanço. Um tempo de debate, porque infelizmente a capacidade de ouvir, de pensar e de debater, que deve sempre acompanhar o exercício democrático do poder, foi um défice constante, e crescente, destes seis anos. E um tempo de balanço, porque só com efectivo espírito de responsabilidade, mas também com verdadeiro sentido patriótico, será possível reconquistar a credibilidade perdida. Em suma, o PS precisa, antes do regresso ao combate político, de dar ao País um forte sinal político, mas também ético, feito de humildade e de verdade. Este vai ser, sem dúvida, o maior e o mais imediato desafio da sua próxima liderança. Com a vitória da "coligação" PSD/CDS, o País entra agora numa nova fase. Se se trata de um novo ciclo político ou, apenas, de uma nova legislatura, só o tempo o dirá. Mas seria bom ter consciência que a crise em que Portugal tem vivido traduz, no essencial, um prolongado e difícil impasse, constituído por um cerrado nó de problemas que esta primeira década do século XXI, em particular nos últimos dois anos, agravou pesadamente. E estes problemas são fundamentalmente três: o problema cultural, o problema económico e o problema financeiro. O primeiro decorre da falta de valores e de visão estratégica que permita pensar com consistência um rumo para o País, capaz de se afirmar ao mesmo tempo no quadro europeu, no âmbito lusófono e na globalização. É isso que pode dar aos portugueses uma ideia global de si próprios como sociedade e como nação, dotados de convicções e de projectos colectivos. Só com este problema bem equacionado se poderão definir as audazes apostas que é preciso fazer para resolver o problema económico, de modo a conseguir essa articulação tão difícil, que é a de se atingir um crescimento significativo do País, aumentando o emprego para os portugueses, nomeadamente para as qualificadas novas gerações. E só com estas bases é que o problema financeiro virá a ter outra solução que não seja a dos habituais cortes atrás de cortes, amparada num constante aumento de pressão fiscal. Incapazes de, até ao momento, equacionar e resolver este nó de problemas, acabámos nas mãos de uma troika que o fez à sua maneira, segundo um "memorando" cujo cumprimento nos condiciona em tudo no imediato, sem, contudo, garantir nada a prazo, como de resto a tragédia grega bem tem mostrado nesta últimas semanas. Com um dado novo, que merece muita atenção: é que agora o que está em causa não é o incumprimento, por parte da Grécia, do plano estabelecido, mas - o que é bem diferente - o facto de a sua concretização não ter conduzido ao resultado previsto pela troika há um ano. O que só pode reforçar as mais sérias apreensões sobre o caminho e o destino da União Europeia.»

M.M. Carrilho, DN