17.6.11

"PATRIOTAS" E "ESPECIALISTAS"


«Nas grandes crises aparece sempre em Portugal uma série de personagens típicas, para completar o melodrama e animar o povo. Com pequenas diferenças de estilo e de assunto, não mudaram muito de 1820 para cá. A primeira personagem da peça costuma ser o "patriota". Não custa a perceber porquê. O patriotismo não pede muito: nem saber, nem racionalidade, nem pretexto. Pede só fervor. O patriota sente, ou acha que sente: não precisa para nada de pensar. Basta que lhe venham à cabeça e à boca meia dúzia de eflúvios sentimentais como lhe poderiam vir sobre uma equipa de futebol ou uma pop star. Pode pôr um emblema na lapela, com uma bandeira de Portugal, para proclamar o seu orgulho na Pátria. Pode declarar, como declaravam operaticamente as divas românticas, que a desgraça provoca o seu amor e o seu heroísmo. E até pode exercitar a sua veia lírica, com uma ode ou discurso ao torrãozinho que o viu nascer. O indígena gosta destas cenas. Depois do patriota, vem o especialista. O especialista é do género lúcido ou do género "indignado". O especialista do género lúcido explica ao povo ignaro e surpreendido como tudo se fez mal, ou correu mal, neste infausto país, porque nunca ninguém teve o bom senso de lhe obedecer. Mas não deixa, por isso, de insinuar que este nosso pobre Portugal ainda vai muito a tempo de se corrigir, ouvindo com atenção os conselhos que ele generosamente não hesitará em lhe oferecer. O especialista de género "indignado" acusa, barafusta, protesta e ameaça; e também ele avisa que, sem a sua visão e clarividência, o abismo se aproxima. De qualquer maneira, cada especialista tem uma marotte: a pesca ou círculo uninominal, o ensino ou o "emagrecimento do Estado", a saúde ou a exportação. Receitas não faltam, para qualquer gosto e para qualquer espécie de loucura. Infelizmente, no meio desta trapalhada e deste poço de ciência e de "patriotismo", os melhores cérebros do país passaram a semana inteira a tentar adivinhar se Pedro Passos Coelho ficava mesmo pelos dez ministros, como prometera, ou se por acaso (sob pressão do CDS) se atrevia a ir para além dessa fronteira mágica, perversamente arruinando o futuro de Portugal. Esta discussão, que esclareceu muito o espírito do indigenato, não adianta, nem atrasa.»

Vasco Pulido Valente, Público

4 comentários:

Aladdin Sane disse...

Excelente.

Anónimo disse...

Ainda há um outro tipo (ao qual eu pertenço) que o VPV se esqueceu:

O tipo que grita "Agarra que é ladrão!"

Anónimo disse...

A 'Quadratura' de ontem, por exemplo, foi um dos mais inúteis e estultos exercícios de produção de bolas de cuspo a que temos podido assistir nas últimas semanas: Pacheco meticuloso e chato, ou chatamente meticuloso com 'a forma do acordo PSD-PP' (e também embezerrado com ciúmes...); Costa, sebáceo e oportunista-vácuo; Xavier a falar para as paredes e a debater-se com o lúcido moderador. E todos vaticinando sobre o vazio informativo; 50 minutos gastos para nada.

Ass.: Besta Imunda

joshua disse...

Vasco conserva-se meticulosamente ironista na sua narrativa do País, onde arde uma bruxuleante Cassandra.