30.11.10

PETER HOFMANN 1944-2010



Pude assistir no São Carlos, quando havia São Carlos, à exibição da dupla do clip nesta mesma ópera de Wagner. Hofmann prodigalizava um Siegmund simultaneamente jovem e com um timbre adequado ao papel. O lugar comum é que morrem cedo aqueles que os deuses amam. Wotan amava estes dois irmãos incestuosos e, não obstante, condenou Siegmund à morte em combate. A vida encarregou-se agora do resto. É mesmo uma porcaria.

PARLAMENTO LULIZADO

Jaime Gama quer levar a "lulização" da língua portuguesa ao parlamento, obrigando-o a usar o linguarejar acordográfico em 2012. Vamos ver como é que aqueles amiguinhos que se sentam no dito parlamento, alfabetizados ou não, reagem a isto. Se é que reagem.

Adenda (do Impensável): «Proponho, aproveitando este blog, que enviem um protesto a Jaime Gama. Podem fazê-lo aqui: http://www.parlamento.pt/sites/PAR/PARXLEGA/Contacto/Paginas/default.aspx Poderiam lembrá-lo de que a petição com mais de 100000 assinaturas não foi discutida em plenário, como foi recomendado pela Comissão de Ética, cultura e sociedade e que o Dr. Gama não demonstrou então qualquer pressa em promover uma real discussão sobre o "acordo:»

A IMPORTÂNCIA DAS ENERGIAS RENOVÁVEIS


Uma obessão que é uma obsessão que é uma obsessão.

A IMPORTÂNCIA DE SE CHAMAR ANTÓNIO


«Na comissão de Honra só Antónios somos 58.» Não é o caso "deste" António «mas para que essa caminhada fosse tranquila, abrigada pelo itinerário desenfiado, como se diz na guerra, houve muito trabalho de preparação e de protecção. Denunciando campanhas, iluminando espantalhos e estourando minas colocadas pelos adversários. Um trabalho muito arriscado, por motivo da coacção das forças inimigas, impopular, devido a opção estratégica errada, e isolado, pela ausência dos interesseiros e o habitual ostracismo que se destina aos soldados - enquanto estes não vencem e o desprezo se converte em rendição indecorosa. Agora que a vitória está próxima é, como dizia um velho professor meu, noutro tempo mais honroso, o momento dos homens da undécima hora. Homens sem carácter, com quem se pode sempre contar em épocas de poder e paz e desertam mal se prevê o sacrifício da míngua ou o fragor das batalhas. Homens que, depois dos triunfos, juram acções em combates onde nenhum soldado os viu.»

ESTADO DE NECEDADE


Para completar o "estado" em que vivemos, só faltava mesmo a opinião deste senhor. Para além de que um referendo sobre república ou monarquia dá de comer e beber a milhões de portugueses, emprego e felicidade de uma maneira geral.

NÓS POR CÁ


O Banco de Portugal aconselha a banca comercial a arranjar mais e outras formas de financiamento. Aparentemente as "tradicionais" estão fartas de dar para o peditório para além de "tesas". Por outro lado, os accionistas, à partida, também não estão melhor. É um círculo vicioso? É. Roubini ainda tem muita literatura pela frente. Não por nossa causa, evidentemente. Mas porque, periféricos, pobres e inconfiáveis, sempre damos pelo menos para um gráfico ilustrativo. Ontem, na rtp, Daniel Oliveira, um arrogante corifeu do regime, exibiu um, gigantesco, provavelmente destinado a tentar apoucar Medina Carreira que está farto de demonstrar quando é que crescemos e quando é que começámos a cair sem remédio. Foi uma pulhice inconsequente e ouvida com a reverência que os Karamba regimentais sempre despertam nem que seja a título de lixo tóxico doméstico. Já faltou mais para ver quem tem infelizmente razão.

29.11.10

OLIVEIRINHAS

No programa Fatinha Campos Ferreira, Daniel Oliveira representa o regime e a sua língua de pau. Podia ser ele ou outro tagarela qualquer da "direita" (não é o caso do Miguel Morgado mesmo quando absurdamente concorda um bocadinho com o Oliveira) que o efeito era exactamente o mesmo. O medinho do FMI e o elogio às qualidades pátrias para nos safarem - até agora essas "qualidades" não nos safaram de coisa alguma - são deveras comoventes e Oliveira já merece uma "medalha Sócrates" que, aliás. poderá recolher junto da candidatura presidencial que apoia juntamente com aquele. Medina Carreira até agora não deixou de ter razão. É um catastrofista? Não me parece. Melhor catástrofe do que a em vigor não se conhece.

A FESTA PRIVADA DO CHIBO


"Ofereci-me" A Festa do Chibo, de Vargas Llosa, recentemente editado em livro de bolso. Pareceu-me um título (não o conteúdo, evidentemente) adequado a um "balanço" pessoal. Mas vamos já regressar ao "I am not my own subject". No Porto, o prof. Cavaco apresentou a sua comissão de honra. Fiz parte de três ou quatro, respectivamente, entre os meus 19 e 40 anos. De Eanes, de Soares e de Sampaio aquando da recandidatura de 2001 (sim, sim, podem vergastar-me à vontade). Nas de Cavaco, ironicamente, nunca estive sendo o meu voto mais fidelizado, de 85 até, espero, 2011. Mas Cavaco não precisa para nada da presença de quem o "acompanha" - no voto e não só - há um quarto de século em coisas como comissões de bonzos disto ou daquilo. Os que nunca lá estiveram (nem nas comissões, nem nos votos, nem na lealdade) é que são necessários pela "renovação". Trazem, por assim dizer, um "novo" eleitorado. Eu já dobrei décadas suficientes e, em princípio, garanto o voto sem precisar curvar-me em demasia ou exibir-me de "cristão-novo", velho ou recém-nascido.. E, para além disso, tenho o Chibo à espera.

AOS CINQUENTA ANOS


Aos cinquenta anos sou um ser perplexo,
não como aos vinte, aos trinta, ou aos quarenta,
mas radicalmente perplexo. Não sei
se amo a vida ou a detesto. Se desejo
ou não desejo continuar vivendo.
Se amo ou não amo aqueles que amo,
se odeio ou não odeio os que detesto.
Se me quero patriarca, pai de família, como acabei sendo,
ou se me quero livre pelas ruas nocturnas
como quando não acabei de descobri-las
em décadas de andá-las, perseguindo
sequer o amor mas corpos, corpos, corpos.
Sou de Europa ou de América? De Portugal
ou Brasil? Desejo que toda a humanidade
seja feliz como queira, ou quero que ela morra
do cogumelo atómico prometido e possível?
Não sei. Definitivamente, não sei.
Julgas que estou deitado num leito de rosas?
— perguntava ao companheiro de tortura Cuauhtemoc(1).
Mas, mesmo destituído, preso e torturado,
ele era o Imperador, descendente dos deuses.
Eu não descendo dos deuses. O corpo dói-me,
que envelhece. O espírito dói-me de um cansaço físico.
As belezas de alma, seja de quem forem, deixaram de interessar-me.
Resta a poesia que me enoja nos outros
a não ser antigos, limpos agora do esterco
de terem vivido. E eu vivi tanto
que me parece tão pouco. E hei-de morrer
desesperado por não ter vivido. Aos 50 anos
nem sequer a raiva dos outros ainda me sustenta
o gosto e a paciência de estar vivo.
Outros que tentem e descubram:
que digam ou não digam é-me indiferente.


(1) Cuauhtemoc tornou-se, em 1520, no 11º e último imperador dos Astecas, após a morte do sucessor de Montezuma II. Ambos simbolizam o fim de uma civilização, em virtude das conquistas expansionistas castelhanas de que Hernán Cortés foi um dos agentes, ao aprisioná-los.

Jorge de Sena

28.11.10

LOUCO?


É mesmo não entender nada de nada acerca de Pessoa chamar-lhe louco. Génio, sem dúvida, porque há deliberação. O resto aprende-se lendo. Não é citando. E o livro que Adolfo Casais Monteiro lhe dedicou ainda hoje é um grande livro sobre o dito cujo porque ambos - Pessoa e Casais - tinham essa rara intuição, cúmplice, que ferrava marteladas oportunas na douta ignorância. Não é que o autor do post seja pouco inteligente. Está é convencido que é muito.

O PORTUGALÓRIO CAMINHA PARA AS FESTAS


Esta semana o 1º ministro visita a Argentina e a Líbia, respectivamente a viúva Kirchner e o beduíno Kadafi, duas excelentes pessoas vistas à distância. E com Zapatero, outro líder mundial prenhe de credibilidade, vai "promover" a candidatura ibérica a um mundial da bola, justamente o que a Península, a caminhar rapidamente para a falência, mais precisa. Quando regressar, talvez Sócrates se ocupe da realidade antes que esta se ocupe dele. Mesmo assim irá sempre tarde. No meio disto tudo, as televisões vão organizar dez (10) debates entre candidatos presidenciais. Uns com os outros, todos com todos, dois a dois, etc., etc. Querem tudo arrumadinho antes das festas. Lá para o terceiro ou quarto debate, com sorte, o país já estará farto. Estamos a definhar. Material e moralmente. Noutro lugar qualquer a sério, as eleições presidenciais, numa hora destas, seriam um momento importante de purga nacional. A menos de dois meses delas, porém, é o que se vê. Todavia, o candidato que apoio "acredita". Esperemos que daqui a algum tempo ainda haja alguma coisa em que acreditar.

27.11.10

O REELEITO MARINHO

Desgraçadamente os advogados reelegeram Marinho e Pinto seu bastonário. Da primeira vez, saudei a escolha porque julguei que o dito cujo, atípico e alheio a interesses e a negociatas, pouco dado a amabilidades, poderia alterar qualquer coisa na altiva corporação. Sucede que Marinho e Pinto se revelou um galhofeiro e inconsequente compagnon de route do 1º ministro (e da Fatinha Campos Ferreira no seu habitual espectáculo televisivo das segundas-feiras) que trocou o velho espaço de Coimbra - onde o Expresso o albergou como jornalista "correspondente" da província - pelas simpáticas instalações da Ordem ao lado do Palácio da Independência em Lisboa. Podia perfeitamente ir para o governo substituir o sr. Correia (outra vetusta luminária da Ordem) na Justiça.

OS NEO-OTELEIROS


Alguns leitores parecem indignados com o apoio de Belmiro de Azevedo a Cavaco. Talvez, então, seja melhor "alistarem-se" ao lado do mítico Otelo atrás do bardo Alegre para ver se aliviam. Ou de Edite Estrela, de Alfredo Barroso, de S. Silva ou da D. Alveca do Bloco. Nem todo o cortejo atrás de Cavaco é recomendável, evidentemente. Mas Cavaco, sozinho, resolve essa questão sem necessidade de equilibrismos cada vez mais desastrosos e inconsequentes como aqueles que Alegre é obrigado a fazer diariamente. E mesmo assim, repito, nem o milhão de 2006 conseguirá.

foto: Ephemera

CREDIBILIDADE PARA EXECUTAR OU A COLIGAÇÃO INEVITÁVEL


O OE, a pseudo tábua de salvação da pátria, foi aprovado. Quem o apresentou e aprovou não tem credibilidade política para o executar. Provavelmente quem foi complacente com a sua aprovação, mais tarde ou mais cedo, poderá ser chamado a executá-lo. Não deve ser por acaso que Passos Coelho, numa entrevista, aceita com naturalidade uma "coligação" com o FMI para o efeito e após eleições. Mesmo com esta constituição, estes poderes e esta relutância em ser protagonista, Cavaco vai voltar à política activa, de que andava arredado, depois de reeleito. Aí é que vai ser preciso apoiá-lo.

26.11.10

BELMIRO


Belmiro de Azevedo apoia Cavaco Silva. É, nos últimos dias, o único apoio que merece destaque. Belmiro é um dos maiores empregadores do país, não vive da mesquinhice e da intriguice políticas e não é propriamente um videirinho rasteiro nem um paspalhão. Cria riqueza sem precisar de andar com a boca cheia do "empreendedorismo" dos seminários e dos congressos. Ora um tipo que dá trabalho a milhares de pessoas é um patriota não patrioteiro. Ao apoiar o actual PR revela que os próximos tempos exigem realismo e não passarinhos a soprar-nos aos ouvidos logo pela fresquinha. O resto, como diz a outra, não interessa nada.

O BANDO DOS QUATRO

O motivo é péssimo mas o gesto é, pelo menos, descarneirizado.

CONTENTISMO PROFISSIONAL

Em que mundo vive esta alma penada da "esquerda moderna", sempre parolamente atenta à «expressão de superioridade satisfeita de que tem os paraísos por sua conta» (J. de Sena)?

MEU AMOR E TOLSTOI


Escreve Cintra Torres, a propósito da coisa "Meu Amor", emitida pela tvi, que «Meu Amor ganhou contra uma novela argentina e outra filipina.» Coisas tropicais a afins, portanto, onde continuamos a campear. Mas diz mais, no Público. Mais no sentido latino-americano em vigor. «As televisões cultas da Europa assinalaram o centenário da morte de Tolstoi passando adaptações dos seus romances e documentários sobre os seus livros, o seu retiro, a sua vida, a sua filosofia. Por cá não notei nada. Nem ao menos a presença de Tolstoi em Portugal. Nada sobre a influência, que não foi pequena, do “anarquismo cristão” de Tolstoi, quer em movimentos políticos por volta de 1900, quer na obra de autores como Raul Brandão e Afonso Lopes Vieira. Nada. Só há cultura se houver memória, e na televisão portuguesa não há memória culta, há apenas passado como faits divers. Por exemplo, a última reportagem que vi sobre o centenário da República na RTP1 referia-se durante uma hora a dois ou três padres que fizeram o seu coming out republicano depois de 1910. As relações entre o regime maçónico e a Igreja foram quase um estado de guerra, mas a RTP conseguiu resumi-las a três padres republicanos. A reportagem estava bem documentada e valeu por si, mas faltou o quadro geral da realidade. No cômputo do centenário televisivo, contribuiu indirectamente para o branqueamento e a mitificação da 1ª República.» Vá, Eduardo, contente-se com o Meu Amor (e com os republicanos seios de uma das actrizes) sob o alto patrocínio do regime todo e já goza.

UM "MOMENTO" MEU AMOR

Daqui a umas horas há um "momento governo de salvação nacional-patriótico" no parlamento com a votação final do OE. Os a favor e os complacentes encarregam-se da coisa. Alguns lavrarão breve acta de nojo, sentido ou fingido, porque a miséria instintual e moral em vigor os impeça de sair tranquilamente. O trágico-cómico da cena é que de pouco lhes servirá o glorioso "momento". Acabaremos todos fatalmente a rastejar com a diferença que eles serão os primeiros.

25.11.10

«VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA»


O dr. Santana Lopes, no hebdomadário Sol, "exige" que a senhora Merkel "clarifique as suas afirmações". Imagino que a senhora Merkel comece seriamente a ponderar um fabuloso pedido de desculpas ao dr. Santana Lopes com tradução simultânea. Depois disto (e de outras coisas neste registo de pura insanidade transversal doméstica), começo seriamente a pensar se vale a pena continuar a escrever aqui ou noutro lado qualquer. Vou-me embora pra Pasárgada.

É BASICAMENTE ISTO

IRONIAS E CANSAÇOS

Foi Você que pediu um Júdice na comissão de honra? Sábias palavras, as do velho presencista Régio. Há, nos olhos meus, ironias e cansaços.

«COMO DE VÓS ME FIO EM TUDO»


A pedido oportuno de um leitor:

COMO DE VÓS, MEU DEUS, ME FIO EM TUDO

À memória do Papa Pio XII que quis ouvir, moribundo, o “Allegretto” da Sétima Sinfonia de Beethoven


Como de Vós, meu Deus, me fio em tudo,
mesmo no mal que consentis que eu faça,
por ser-Vos indiferente, ou não ser mal,
ou ser convosco um bem que eu não conheço,

importa pouco ou nada que em Vós creia,
que Vos invente ou não a fé que eu tenha,
que a própria fé não prove que existis,
ou que existir não seja a Vossa essência.

Não de existir sois feito, e também não
de ser pensado por quem só confia
em quem lhe fale, em quem o escute ou veja.

Humildemente sei que em Vós confio,
e mesmo isto o sei pouco ou quase esqueço,
pois que de Vós, meu Deus, me fio em tudo.


Jorge de Sena

«HOJE NÃO HÁ GOLPE»

«O tema da remodelação impõe-se - e pensar para lá dela, ainda mais. Quanto à remodelação, o que a impõe não são, apesar do que alguns infelizes fait-divers podem levar a pensar, razões de circunstância. Não, o que impõe a sua necessidade é um balanço honesto do primeiro ano desta legislatura. Sobretudo por três razões. A primeira é que a maioria relativa resvalou progressivamente, por falta de capacidade de diálogo e de negociação (e com a inegável cumplicidade da oposição), para o impasse político. Impasse que, dada a sua conjugação com a prolongada negação da evidência da crise até ao último Verão, ameaça ter consequências pesadas para o País. Como o caso da Irlanda acaba de mostrar, as evidências acabam sempre por ganhar à teimosia... A segunda é que, tendo o seu programa eleitoral (obras públicas, impostos, etc.) sido em boa parte abandonado por força das circunstâncias, o País ficou sem estratégia, política ou económica, tudo se reconduzindo casuisticamente à contabilidade corrente e à execução orçamental. Quando a austeridade sem mais se transforma no programa de governo, o desespero torna-se num generalizado sentimento nacional. A terceira é que, enquanto uma parte dos membros do Governo escolhidos mostrou pouca capacidade para a função, uma outra parte revelou grande desadequação às respectivas pastas, tendo entretanto o primeiro-ministro vindo a perder a indispensável autoridade sobre os ministros, bem como capacidade de coordenação do colectivo governamental. Estas três razões - impasse político, desorientação estratégica e desagregação governamental - apontam contudo, como é evidente, para bem mais do que uma remodelação. Elas exigem, sobretudo quando o espectro do colapso ameaça o País, um verdadeiro golpe de asa, que contrarie a letargia que tem vindo a observar-se. E esse golpe de asa passa pela capacidade de renovação de ideias (que têm de ser motivadoras), de pessoas (que têm de ser competentes) e de estratégia (que tem de ser audaz). Só assim conseguirá criar-se de novo um horizonte credível de esperança para o País: com motivação, competência e audácia. Esta tripla renovação é vital, tanto mais quanto, aos factores indicados, se junta o esgotamento da bandeira da modernidade que serviu de marca à "gestão" do PS nos últimos anos. Modernidade essa que, como se temia, acabou por se revelar pouco mais do que um slogan de ocasião, que no princípio traduzia um deslumbramento atávico perante a exuberante criatividade financeira e tecnológica, e no fim apenas parece servir para iludir a ausência de qualquer estratégia eficaz de resposta à crise. Sem essa renovação, caminhar-se-á para eleições no próximo ano. O que, é bom não esquecer, é o melhor meio de que se dispõe em democracia para ultrapassar os bloqueios políticos persistentes. Qualquer outra das soluções que mais frequentemente têm sido sugeridas (coligações com mudança de primeiro-ministro ou governo de salvação nacional) só agravaria a situação, juntando ao problema de credibilidade um outro, ainda mais grave, de legitimidade. A única alternativa a este quadro seria a da iniciativa política por parte de um presidente da República com uma legitimidade acabada de sair das urnas, no sentido de um "compromisso histórico" programático que visasse levar a legislatura até ao fim. Um tal cenário, contudo, para ser sequer plausível, teria de fazer claramente parte do debate presidencial em curso. Ora, até ao momento, nem uma palavra se ouviu a nenhum candidato nesse sentido... Repito, pois: golpe de asa ou eleições a curto prazo. E, acrescento, se a oportunidade do relançamento falhar, isso vai inexoravelmente impor - e bem mais cedo do que se tem pensado e dito - uma incontornável alternativa ao PS: a de continuar, com o statu quo, entrincheirado num balanço "impossível", sobrepondo a obsessão de durar à capacidade para governar. Ou a de optar por uma autêntica mudança ao nível dos valores, da estratégia e da liderança, que o liberte do optimismo funambular que o tem anestesiado, assumindo que não haverá novo projecto nacional sem um novo contrato social, sem uma constante valorização da competência e da deliberação na decisão política, sem uma descomplexada cultura de negociação e sem uma forte exigência de exemplaridade no exercício de funções públicas.»

Manuel Maria Carrilho (sublinhados meus)


Nota: No PREC instalou-se um hábito que ficou conhecido por boataria. Todos os dias havia um boato político e, presumivelmente, um golpe. Arnaldo Matos, ironizando com a coisa, produziu uma vez um editorial no Luta Popular intitulado "hoje não há golpe". Agora o boato, muito também por causa da política (e das mais reles disputas dentro dos partidos, agravadas quando são do governo), é essencialmente financeiro. Uma conversa telefónica entre a Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy transformou-se, na boca de alguns (ir)responsáveis, na iminente saída de Portugal do euro e no regresso do vetusto escudo. Talvez mesmo uma outra conversa que nunca existiu entre banqueiros nacionais e um membro do governo se destinasse a preparar essa nova "zona" apenas partilhável com Cabo Verde (e vantajosa para Cabo Verde). Os mais afortunados começaram logo a perguntar onde é que hão-de colocar os "activos". Sócrates deve demonstrar publicamente que tem mão no governo. Suponho que ele sabe como é que isso se faz. Por outro lado, nem tudo o que luz é ouro mas muitas vezes é. As "notícias" são ditadas normalmente por quem as paga. É só seguir o rasto do dinheiro e das "fontes". Não há "mercados" nem comentadores inocentes.

REALISMO IRONISTA


Até o Medeiros Ferreira já trocou o "país de eventos" pelo "país de telenovelas" em que isto tudo se tornou. O que só abona o seu realismo ironista, algo que nos faz tanta falta como o dinheiro, um De Gaulle ou um Mitterrand. Isto trinta e cinco anos depois do 25 de Novembro.

24.11.10

PRÉDIOS, CARROS E PNEUS

Ruiu mais um prédio em Lisboa. Mas a grande preocupação da polícia municipal do edil Costa, no dia de hoje, foi a de bloquear carros a pessoas que tiveram de os conduzir para ir trabalhar. Por falar em carros, o principal dirigente da oposição camarária surge preocupado com os pneus do seu. Tudo somado, só me lembro do Tolan, ali encalhado à beira Tejo, há muitos anos. Dizia-se que não era o barco que estava de pernas para o ar mas sim nós. Ainda não nos conseguimos endireitar aqui por Lisboa.

CUNHAL REVISITADO


Estamos a viver tempos que convidam a que nos "fechemos" dentro de um livro. Não é, pois, por acaso que têm aparecido alguns neste blogue. Essa capacidade de isolamento, essa barreira prodigiosa contra a tagarelice, esse momento único de redescrição do mundo que a leitura ou a música conferem, foi descrita de forma lapidar por George Steiner num intitulado No castelo do Barba Azul - algumas notas para a redefinição de cultura, traduzido pela Relógio D'Água: «os livros bem-amados são a sociedade necessária e suficiente do indivíduo que lê a sós.» Recebi hoje o da foto, de Adelino Cunha, e, portanto, a frase de Steiner é deliberadamente esdrúxula a seu respeito. Nunca escondi o meu interesse pela personalidade de Álvaro Cunhal. Este livro promete-nos um "retrato pessoal e íntimo". Vou lê-lo, a sós, e com a maior atenção. Depois falamos.

Adenda (de um fiel leitor insular):«Álvaro Cunhal, quando esteve preso em Peniche, traduziu em segredo «Rei Lear», de William Shakespeare, um clássico da literatura mundial. (Hoje os nossos «intelectuais» para fazerem alguma coisa, solicitam uma licença sabática ou pedem uma «bolsa»). Quando nós hoje comparamos a dimensão cultural e intelectual de Álvaro Cunhal (ou mesmo doutros líderes politicos já desaparecidos, como Sá-Carneiro, Salgado Zenha, Palma Carlos, etc.) com as actuais «lideranças» politicas, é o mesmo comparar uma peça feita em ouro com um vulgar alguidar de plástico.»

OUTRA VEZ O GARGALO E A GARRAFA


Não chega, apesar da "disciplina de voto", essa rídicula mistificação que cerceia voluntariamente a função sináptica. Ausentem-se, façam-se substituir ou votem contra. Declarações para memória futura - ou consolo próprio - depois de se absterem são bravatas retóricas substitutas de lorenins para dormirem mais descansados. A vida, cá fora, não fica mais descansada com esses papéis. Assim, não julgo que haja um PSD decente e outro supostamente indecente que faz o mesmo mas sem os papelinhos da tranquilidade. Quem bebe pelo gargalo, compra a garrafa.

DIFERENTES E SOZINHOS


Escrevi uma frase para a contracapa do livro da foto. É um livro mais sobre Raul Leal do que sobre Sena, mas dois ou três momentos do que dirigiu ao autor de Sodoma Divinizada bastam para considerar indispensável, para a compreensão de Jorge de Sena, a sua epistolografia édita e inédita. Fernando Pessoa, que está ser alvo (não me enganei no termo) de mais um "congresso" por ocasião do 70º aniversário da sua morte, escreveu uma defesa notável e corajosa de Raul Leal quando Leal foi enxovalhado por uns quantos peralvilhos reaccionários (também não me enganei no termo), na praça pública, por causa da dita Sodoma ("Sobre um manifesto de estudantes" e "Aviso por causa da moral"). As cartas de Leal são imediatamente anteriores à sua morte na maior das misérias quando Sena transitou daqui para o Brasil. Eram verdadeiramente, os dos anos 20 e os dos anos 50 e 60, outros tempos e outras alturas. Mas Pessoa, Sena ou Leal permanecem actuais mesmo quando esforços não foram poupados para os obscurecer ou rasurar. Recordo isto e saliento o livro porque me entristeceu ver o Chefe de Estado - cuja recandidatura apoio - emitir um comunicado nestes termos por causa desta coisa. Quando tudo é cultura, nada é cultura. E quando tudo serve para "glorificar" a pátria, então a noção de pátria não serve para nada. Fiquem, pois, com o Pessoa/Álvaro de Campos em homenagem a um Leal cuja memória, em boa hora, a Guerra&Paz resgatou. «Concluo saudando, que assim manda a tradição. Aos estudantes de Lisboa não desejo mais - porque não posso desejar melhor – de que um dia possam ter uma vida tão digna e uma alma tão alta e nobre como as do homem que tão nesciamente insultaram. A Raul Leal, não podendo prestar-lhe, nesta hora da plebe, melhor homenagem, presto-lhe esta, simples e clara, não só da minha amizade, que não tem limites, mas também da minha admiração pelo seu alto génio especulativo e metafísico, lustre, que será, da nossa grande raça. Nem creio que em minha vida, como quer que decorra, maior honra me possa caber que a presente, que é a de tê-lo por companheiro nesta aventura cultural em que coincidimos, diferentes e sozinhos, sob o chasco e o insulto da canalha.»

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA IMPREVISIBILIDADE


O jornal Público traz uma peça falaciosa acerca dos "jovens licenciados", sem emprego e "sem perspectivas" que, nalguns casos, pretendem emigrar. Para perceber como chegámos aqui, precisamos recuar um tempinho atrás e perguntar ao famoso "sistema" (na circunstância, o académico) se as opções políticas para a formação superior foram as melhores. Marcello Caetano e, antes dele, Salazar, incentivaram a frequência de cursos médios, profissionais e profissionalizantes com que, inexplicavelmente, a revolução dita democrática acabou para desatar a parir doutores em tudo e mais alguma coisa. Qualquer barracão com meia dúzia de cadeiras virou universidade. Os meninos e as meninas deixaram de ser treinados para trabalhar e passaram a coleccionar cursos ditos universitários, mestrados e, no limite, doutoramentos. A alegada "excelência" académica não foi acompanhada de nenhum esforço de maturidade e, como me diz um amigo dessa geração pseudo-perdida, ao problema da qualificação acresce o da imaturidade que cresceu proporcionalmente com a "qualificação". O actual Chefe de Estado veio para Lisboa frequentar o então designado curso comercial. Só depois passou para a universidade. Hoje pretende-se começar a vida de cima para cima e, se possível, por cima de uma data de gente. O mito da emigração altamente qualificada, num momento em que a modernidade e a pós foram submergidas pela imprevisibilidade (no MBA de Sócrates não lhe devem ter falado nisto), é apenas isso mesmo, um mito. Cá ou alhures, é ela que manda (não são as oportunidades, velhas ou novas) e, que eu saiba, os nossos meninos e as nossas meninas não se distinguem particularmente de quem quer que seja a começar pela subtileza. Amanhã, depois da chamada greve geral, a imprevisibilidade continua. E o mundo que "criou" os Sócrates um pouco por toda a parte também. Não adianta fugir dele.

23.11.10

O DIABO


Está nas "excepções". O PSD já terá arranjado espaço na Lapa e no parlamento para os armários para guardar os chifres com que a execução orçamental oportunamente o irá brindar?

HERBERTO HELDER, 80 ANOS:«CADA LENÇO QUE SE ATA A PRÓPRIA SEDA DO LENÇO O DESATA»


(...)
e então vou-me embora,
quer dizer que falo para outras pessoas,
falo em nome de outra ferida, outra
dor, outra interpretação do mundo, outro amor do mundo,
outro tremor,
se alguém puder tocar em alguém oh sim há-de encontrar alguém
em quem toque,
dedos atentos atados à cabeça,
luz,
um punhado de luz,
cada lenço que se ata a própria seda do lenço o desata,
a luz que se desata,
aí é que se ouve a gramática cantada, imagine-se, cantada para sempre sem se ver a quem,
baixo ressoando,
alto ressoando,
mexendo os dedos nas costuras de sangue entre as placas do cabelo rude,
rútilo cabelo e o sangue que suporta tanta rutilação, tanta
beltà, beauty, que beleza! diz-se, fique
aí onde está dr. porque para si já se reservou
um quilo, uma tonelada, desculpe,
estou com pressa,
alguém lá fora dança na floresta devorada,
alguém primeiro escuta depois canta através da floresta devorada,
desculpe dr. mas já desapareci como quem se abisma
num espaço de hélio e labaredas,
eu próprio atravesso o incêndio imitando uma floresta (...)

A LACÃO O QUE É DE LACÃO?

Está-se mesmo a ver que o PSD vai já a correr dar a "lacãoniana" garantia, não está? Mesmo assim, o PSD deixou passar a despesa prevista no OE com as parcerias público-privadas cuja extinção pura e simples, e bem, o CDS sugeriu. Isto é a parte má da coisa. A boa, é a senhora Merkel ter feito constar que existe um risco excepcionalmente sério de mais países precisarem de ajuda. Com coisinhas insignificantes como as ditas parcerias e outras parvoíces aparentemente "consensuais", está-se mesmo a ver que a senhora Merkel não estava a pensar na Eslovénia ou na Eslováquia. «Os dinheiros públicos têm de ser utilizados com rigor e eficiência. Há que prestar uma atenção acrescida à relação custo-benefício dos serviços e investimentos públicos», disse ontem o PR. Mais uma vez não foi ouvido. Mas a senhora Merkel está à escuta.

O MURO


Manuel Alegre diz que "há um muro de silêncio" em torno da sua candidatura. Mas como, se essa candidatura é o próprio muro?

22.11.10

AS ESTÁTUAS DOS COMENDADORES

Quando é que há uma greve geral contra os drs. Carvalho da Silva e João Proença?

EXCEPÇÃO E REALIDADE


Venho da que julgo ser a primeira acção de campanha de Cavaco Silva. Foi na Universidade Católica, sob os auspícios de uma das suas associações de estudantes, da área da economia e da gestão. Perguntei para o lado, para um aluno, como é que a coisa foi preparada. Aparentemente foram enviadas mais de cem perguntas e, entre a organização da campanha e a dita associação, seleccionaram-se "blocos" de questões que, por junto, não terão ultrapassado a dúzia. O ambiente era relativamente austero, demasiado académico, pouco "político". Cavaco insistiu muito na palavra "sucesso" para um auditório que, previsivelmente, não terá grandes problemas com o "sucesso". Também disse que ninguém deve contar com ele para criar ilusões. E explicou, muito bem explicadinho, qual é o papel do PR com esta constituição (o que mais me convenceu que é preciso mudá-la de alto a baixo, sobretudo em sede de poderes presidenciais), qual é a situação financeira e económica do país e quais são os "nichos" do tal "sucesso". O maestrina Joana Carneiro exemplificou com o seu mas, com o devido respeito, a Joana Carneiro é atípica, uma excepção. Exemplar mas uma excepção. Cavaco falou para um pequeníssimo mundo atípico e excepcional e, daqui para diante, espera-o a realidade. É dessa que é preciso falar.

POR QUEM OS SINOS (DE NATAL) DOBRAM


De acordo com a mais realista contabilidade, faltam trinta e três dias para o natal. Logo a seguir há a transição de ano. Com greves, azáfamas frívolas onde se vai gastar o que se tem e não tem, feriados e pontes pelo meio, o país só retoma actividade (isto é um evidente pleonasmo) na primeira semana de Janeiro. Afortunadas nações que podem fazer tão desabridamente de conta que ainda existem. Depois não se queixem de 2011 ou do raio que os parta.

21.11.10

APESAR DE TUDO, NO PSD HÁ DEBATES E IDEIAS SEM TELETEXTO

NÃO HÁ VACAS SAGRADAS


Numa conferência qualquer, com três sibilas do regime - Cravinho, Barreto e Rui Rio -, este último deu como exemplo da desconsideração pela classe política a alegada conivência com ela (a desconsideração) por parte dos tribunais, especialmente o da Relação do Porto que, em tempos, não permitiu que se condenasse um jornalista que, em artigo, lhe chamou "energúmeno". Rio julga que o epíteto não pode ser dirigido ao pessoal político. Engana-se. Como escrevi na altura, «pretender que existem vacas sagradas só porque são eleitas é um mau sistema. Nem as vacas são sagradas - não existe tal - nem a circunstância da eleição representa bondade de per si. O regime - do topo às juntas de freguesia - está prenhe de gente irrelevante, medíocre e esquecível que não o deixa de ser tal por ter sido eleita. Não é o caso de Rui Rio o que lhe confere maiores responsabilidades em não espremer esta teta seca. A liberdade de expressão, a crítica e a acrimónia fazem parte do pacote democrático.» Se Rio não percebe esta evidência, meta explicador ou desista de fazer política.

«HÁ UMA PORTA QUE EU FECHEI ATÉ AO FIM DO MUNDO»


Há uma linha de Verlaine que não mais recordarei,
Há uma rua próxima vedada aos meus passos,
Há um espelho que me viu pela última vez,
Há uma porta que eu fechei até ao fim do mundo.
Entre os livros da minha biblioteca (estou a vê-los)
Algum existirá que já não abrirei.
Este verão farei cinquenta anos;
A morte, incessantemente, vai-me desgastando.


Jorge Luis Borges traduzido por Ruy Belo

GRANDEZA



Bellini, La Sonnambula. Os intérpretes dispensam apresentação. Sydney, 1983.

OUVIDO NA RÁDIO


Ontem, na rádio, passava um programa com Maria José Mauperrin como entrevistada. Ela e Aníbal Cabrita geriram, há anos, o Café Concerto na antena1. O Café Concerto costumava convidar alguém durante a semana e, no último programa, esse alguém respondia aos ouvintes, pareceu-me. Pude recordar, ao vivo e a cigarros (ainda se era livre de fumar), Cardoso Pires e Vergílio Ferreira. E Maria José contou uma história. Um outro convidado, Jorge Listopad, numa altura em que vivia nos arredores de Paris, um dia precisou com urgência de um médico para as suas duas filhas pequeninas. Disseram-lhe que havia ali perto um a cuja porta Listopad bateu. Ouviu um arrastar de passos e um homem abriu-lhe a porta. Listopad perguntou-lhe se era médico. O interlocutor confirmou. Listopad descreveu sumariamente o estado crítico das meninas e pediu ao médico que o acompanhasse para as ver. O médico recusou com sólido argumento irrespondível - não podia deixar o cão sozinho em casa. Era o dr. Louis-Ferdinand Destouches. Mais conhecido por Céline.

Adenda: Não sei se o Pedro Rolo Duarte e o João Gobern, que seguiam no alinhamento com o seu Hotel Babilónia, ouviram isto. Se não ouviram, deviam ter ouvido para aprender como é que se faz. Imagino que ainda haja por aí um ou dois vivos que valham a pena sem se cair na tentação enfadonha da mesmice autocomplacente. (E, sim, já sei que já estive com muito prazer no Hotel Babilónia).

DAR CAVACO


Um lamentável erro do gmail remeteu para spam os comentários dos últimos dias. Penso que que já estão todos repostos. Mesmo os que, lidos, não passam de spam. Dito isto, concordo com o Paulo Pinto Mascarenhas (de novo). É preciso "dar" Cavaco aos portugueses. Não haver outdoors é uma coisa. Criar um limbo, livre de polémica, contraditório e algum debate, é outra. As eleições presidenciais ocorrem dois dias após uma fatia substancial do eleitorado - e excelentíssimos familiares com direito a voto - ter sofrido directamente na carteira o famoso "combate" à crise. É o suficiente para ficar em casa a fazer contas e a ler Rimbaud. A abstenção e a indiferença serão, como nunca, uma tentação. Mas, enfim, quem tem de pensar nestas coisas que pense. Eu não passo de um crítico (ligeiramente farto de tudo), nas palavras de uma personagem famosa de Shakespeare.

Adenda (de um leitor devidamente identificado): «Há cinco anos, a ausência de debate, de qualquer tipo de debate por parte de Cavaco resultou na diminuição de intenções de voto nas últimas semanas de campanha. Em democracia é complicado adoptar sempre a posição em que Cavaco se coloca. Neste momento já está a ser alvo de inúmeros ataques por causa dessa falta de presença conflitual no espaço público, que é essência da democracia. Não só acho mal, como acho que faz mal ao candidato: quem não participa no espaço público não se defende dos ataques. E esses ataques podem ir dando resultado no eleitorado, pois o candidato atacado não lhes responde, deixando parte dos seus próprios eleitores desnorteados. Daí que possa perder votos numa campanha viva e debatida... entre os outros candidatos e no espaço público e mediático. Os votos que possa perder por adoptar esta estratégia de comunicação-não comunicativa serão menos do que os que ganha? Não sei. Mas pode estar aí a diferença entre uma e duas voltas.»

A LUZ E AS VERDADEIRAS TREVAS


Ia escrever qualquer por causa da estupidez recorrente da jacobinagem mais primitiva, mas o Paulo, reproduzindo o "original", começa e acaba com o assunto.

20.11.10

CREDIBILIDADE E LEGITIMIDADE

Santana Lopes sugeriu na tvi que os candidatos presidenciais, em especial o actual PR, se deviam pronunciar acerca do "governo de salvação nacional", uma ficção sem senso acerca da qual Cavaco (que é quem interessa) evidentemente não dirá uma só palavra. Do outro lado, e bem, M. M. Carrilho explicou-lhe delicadamente que não se deve acrescentar a um problema de credibilidade uma questão de legitimidade. Às vezes parece que Lopes não aprendeu nada quando aceitou chefiar um governo por mera transmissão administrativa em vez de ter exigido votos.

O "CONCEITO DE LISBOA"


Bem avisei. E não se enganava João César Monteiro, logo em 1973, que o afamado maradona vai lembrando. «Que pensar de tudo isto? Em primeiro lugar, que a vida está má para os pobres. Depois, que, nisto ou naquilo, vivemos todos muito ocupados, inclusive na falta de ocupação.»

QUEM É QUE NOS PREVINE DELA?


Como leio pouco os jornais, não sei onde é que a ainda ministra da cultura, D. Canavilhas, falou. Mas pelos rodapés das televisões vejo passar os seus dislates. Diz ela que é preciso uma "estratégia preventiva" para o sector do património quando, a ser necessária alguma coisa, o que é preciso é prevenirmo-nos contra a insane Canavilhas. Que consente enfiar (ou seja, anular) os teatros nacionais todos na aberrante OPART, apesar de, finalmente, ter percebido que, no caso do São Carlos, 90% do orçamento é para funcionamento e só 10% resta para a produção (este blogue começou há sete anos justamente por afirmar isso vezes sem conta). O balanço destes anos Sócrates, na cultura, consiste numa assustadora espiral de mediocridade que Canavilhas, na sua inconsequência, encerra de forma lapidar. Repito. Mais valia ter fechado a Ajuda.

CAMPANHA ALEGRE

O candidato Alegre queixa-se de ninguém ligar às presidenciais. Na realidade, queixa-se de ninguém lhe ligar apesar de ele detectar um "crescendo" que só existe na sua vaga cabeça. Mas até nisto anda enganado. O Bloco, que o apoia entusiasticamente, desce hoje a Avenida da Liberdade numa manifestação "unitária" anti-NATO. Ora onde está o Bloco está Alegre e onde está Alegre está o Bloco. Alegre quer melhor campanha do que esta?

O GLORIOSO PAÍS DE EVENTOS


«Uma parte essencial da saloiice indígena é a mania do prestígio. Ontem o DN falava da cimeira da NATO, notando com grande satisfação que ela nos trazia grande prestígio. E porquê? Porque Portugal recebia os "chefes" (e que "chefes") dos 28 Estados membros, mais duas dezenas de "representantes" de outros desgraçados países, desde o afegão Karzai ao russo Medvedev. Esta festarola já tornou Lisboa num inferno e provocou o governo a dar o presente do costume ao grosso do funcionalismo: a sempre abençoada e nunca verdadeiramente merecida "tolerância de ponto". Mas parece - dizem os peritos - que o mundo pasma com a nossa "capacidade" de organização, ainda por cima de um "evento" que "mudará o futuro próximo da humanidade". Para dona-de-casa não estamos mal. A Expo-98 e o Europeu de Futebol de 2004, embora sem "mudar o futuro próximo da humanidade", o que foi uma pena, tinham a seu tempo mostrado essa nossa extraordinária vocação. E mesmo hoje Portugal continua ardorosamente à procura de um espectáculo qualquer que reforce e alargue a sua enorme fama de "receber bem", necessária como pão para a boca a um país que se preze. Consta, por exemplo, que vem aí o Mundial de Futebol e até, suponho que em homenagem à Comporta, a Ryder Cup (uma espécie de campeonato de golfe). Só falta agora o pingue-pongue e o ténis, que se escondeu, talvez por modéstia, no Estoril. A única coisa que espanta neste fulgurante currículo é que Portugal não use a sua "capacidade de organização" para se organizar a si próprio, uma coisa por que ninguém certamente o criticaria. De resto, há por aí gente, como a sra. Merkel, que é muitíssimo capaz de preferir Portugal com uma dívida externa mais pequena, um défice razoável e uma economia em crescimento. Sabemos que essa gente é mesquinha e má. E que nada paga a íntima alegria de ver Obama e os seus duzentos guarda-costas nas ruas de Lisboa. O brilho de uma boa "cimeira" não substitui a mediocridade de uma vida honesta e de uma sociedade um pouco menos miserável e caótica. Os pobres - é uma velha verdade - gostam de se roçar (figurativamente) pelos ricos. Como a insignificância gosta de se roçar pela grandeza e discutir a sério o "futuro próximo da humanidade", em especial do Afeganistão em que o interesse de Portugal é óbvio. Mas, de quando em quando, convinha que o governo descesse à realidade de que teoricamente se devia ocupar.»

Vasco Pulido Valente, Público

19.11.10

BO


Obama foi justo. Os cães são efectivamente o melhor de Portugal.

O "CONCEITO ESTRATÉGICO"


Já tínhamos a "agenda de Lisboa" e o "tratado de Lisboa". Tudo reputados sucessos mundialmente reconhecidos. Faltava o "conceito estratégico de Lisboa". Tanta Lisboa por tanto lado e nunca tão pouca Lisboa em Lisboa e nunca tão pouco Portugal em Portugal. Pobres e parolos, uma combinação perigosa.

O PAÍS SEGUE DAQUI A DOIS DIAS


«E se a legislatura nasceu torta, os passos seguintes não a endireitaram, bem pelo contrário. (...). O novo governo esteve longe daquilo que as circunstâncias exigiam, quer pela sua composição quer pela sua acção. O seu líder deixou-se envolver, durante meses, em mais um incómodo folhetim judiciário, de que não sairia sem equívocos. E, porventura o mais grave de tudo, desvalorizou-se obsessivamente a dimensão da crise e as suas consequências até ao Verão passado, durante quase dois anos! (...) Tendo as coisas corrido como correram e chegado onde chegaram, agora não é possível fazer remendos. Porque é de facto de remendos que se fala, quando se reclamam coligações sob a ameaça ou tutela exterior (seja ela da União Europeia, do FMI ou dos mercados) ou se reivindicam governos de salvação nacional. A solução minoritária, imprudentemente adoptada e caucionada no Outono de 2009, não é alterável sem eleições. Este parece-me ser um ponto incontornável: sem eleições não é alterável a fórmula de governo, que não teria nem credibilidade nem legitimidade aos olhos do país.»
Manuel Maria Carrilho

AS PESSOAS SÃO O QUE SÃO


Parece que uma conhecida "jornalista" totalitária debitou qualquer coisa acerca de um alegado "jornalismo totalitário" por causa de uma amiga dela. Muito bem. Sucede que a amiga dela é eurodeputada, uma figura pública, uma dirigente partidária, em suma, alguém sujeito ao escrutínio público por vontade dela. A opinião dela acerca dos seus camaradas - os famosos desabafos de estados de alma que começam a fazer escola - tem interesse para se avaliar o "nível" das nomenclaturas partidárias. O escândalo aparente da totalitária jornalista é a "fonte", a transcrição de escutas realizadas num processo que já passou para outra fase, a instrutória, legalmente pública, e não o seu teor e o que o teor diz do carácter de uma personalidade que, valendo o que vale (nada), faz política. As coisas são o que são. E as pessoas também. Não adianta escondê-las.

O PAÍS SEGUE DAQUI A DOIS DIAS

«A ausência de um acordo teria produzido duas coisas, ambas meritórias. Primeiro,a demissão de Sócrates. E, segundo, a certeza de que o FMI traria vigilância às contas públicas; rigor na execução; e, claro, juros incomparavelmente mais baixos do que a extorsão a que o país está submetido. Infelizmente, os consensos podres prevaleceram. E, pior, um coro de eminências pardas e comentadores parvos pedem agora um governo de ‘salvação nacional’. Para liquidar de vez qualquer possibilidade de alternativa e ruptura com a mediocridade instalada? O que nos salva é que a Irlanda, muito provavelmente, vai atirar a toalha; e, depois da Irlanda, seremos nós. Louco? Irresponsável? Antipatriota? Muito obrigado. Deixo ficar a sanidade, o rigor e o patriotismo para quem nos trouxe até aqui.»
João Pereira Coutinho, CM
"Tem-se dramatizado muito a vinda do fundo. Eu creio que o fundo e a União Europeia, se viessem, viriam sem que isso significasse uma regressão e sem que representasse um agravamento significativo das condições do País"
Ramalho Eanes

TUDO QUANTO A MEMÓRIA TRAZ


Marcel Proust morreu faz hoje oitenta e oito anos. Num blogue que olha fundamentalmente para o nosso "reino da estupidez" e, sobretudo, num dia de provinciana exaltação patriótica, parece à primeira vista despropositada esta recordação de Proust, autor do porventura maior Bildungsroman de sempre. Mas precisamente por se tratar de Bildungsroman é que Proust merece ser evocado em tempos que, quando passarem, não merecerão qualquer recherche especial. Estão já perdidos pela natureza deles e, ao contrário do narrador Marcel, ninguém hoje está interessado em "aprender". De acordo com Richard Rorty, Proust evitou a nostalgia sentimental «recontextualizando incessantemente tudo quanto a memória traz.» Um prodígio apenas conseguido uma vez e de uma vez para sempre.

«On peut faire se succéder indéfiniment dans une description les objets qui figuraient dans le lieu décrit, la vérité ne commencera qu'au moment où l'écrivain prendra deux objets différents, posera leur rapport, analogue dans le monde de l'art à celui qu'est le rapport unique, de la loi causale, dans le monde de la science et les enfermera dans les anneaux nécessaires d'un beau style, ou même, ainsi que la vie, quand en rapprochant une qualité commune à deux sensations, il dégagera leur essence en les réunissant l'une et l'autre pour les soustraire aux contingences du temps, dans une métaphore, et les enchaînera par le lien indescriptible d'une alliance de mots (…) Ce travail de l'artiste, de chercher à apercevoir sous de la matière, sous de l'expérience, sous des mots quelque chose de différent, c'est exactement le travail inverse de celui que, à chaque minute, quand nous vivons détourné de nous-même l'amour-propre, la passion, l'intelligence et l'habitude aussi accomplissent en nous, quand elles amassent au-dessus de nos impressions vraies, pour nous les cacher maintenant, les nomenclatures, les buts pratiques que nous appelons faussement la vie. En somme cet art si compliqué est justement le seul art vivant. Seul il exprime pour les autres et nous fait voir à nous-même notre propre vie, cette vie qui ne peut pas s' "observer", dont les apparences qu'on observe ont besoin d'être traduites et souvent lues à rebours et péniblement déchiffrées. Ce travail qu'avaient fait notre amour-propre, notre passion, notre esprit d'imitation, notre intelligence abstraite, nos habitudes, c'est ce travail que l'art défera, c'est la marche en sens contraire, le retour aux profondeurs, où ce qui a existé réellement gît inconnu de nous qu'il nous fera suivre.»

18.11.10

«ALGUNS CHEGARAM A ISSO»


«(...) qualquer um do teu tempo
está bastante melhor do que tu
deputado administrador de empresa
ministro da maioria
puta (alguns chegaram a isso)»

EVOLUÇÕES NA CONTINUIDADE


Folgo em saber, enquanto modestíssimo apoiante de Cavaco Silva, que distintas figuras nacionais como Veiga Simão ou Adriano Moreira integram a comissão de honra da recandidatura. Simão não era visto desde o governo do bonzinho Guterres e, por isso, saúda-se a reaparição cívica de um homem inter-regimental e inter-geracional. Quanto a Adriano Moreira, a atitude jubilatória é ainda maior já que, na última das mil vezes em que apareceu ao lado de Mário Crespo, não se manifestou por aí além agradado com o mandato presidencial de Cavaco, dando até como belíssimo "exemplo" o dr. Soares para alegria circunstancial de Crespo. É, portanto, uma evolução.

VINGANÇA PÓSTUMA DE SENA OU COISAS DO "CARACULU"


Quando, antes e depois do livro de poesia Dedicácias, Jorge de Sena - e recorro a Sena por o conhecer melhor enquanto poeta, correspondente e ensaísta, mas posso chamar o Assis Pacheco, o Nemésio da Marga ou outros - muita gente se indignou pela crueza vernacular de alguns versos, não podiam imaginar que o "caralho" para onde, vezes sem conta, remetemos tanta dessa gente, acabaria por fazer, literalmente, jurisprudência no Tribunal da Relação de Lisboa. Trata-se de um «um sinal de mera virilidade verbal», uma «muleta oratória» não desprestigiante para quem a sofre. Sumariando: «Segundo as fontes, para uns a palavra “caralho” vem do latim “caraculu” que significava pequena estaca, enquanto que, para outros, este termo surge utilizado pelos portugueses nos tempos das grandes navegações para, nas artes de marinhagem, designar o topo do mastro principal das naus, ou seja, um pau grande. Certo é que, independentemente da etimologia da palavra, o povo começou a associar a palavra ao órgão sexual masculino, o pénis. E esse é o significado actual da palavra, se bem que no seu uso popular quotidiano a conotação fálica nem sequer muitas vezes é racionalizada. Com efeito, é público e notório, pois tal resulta da experiência comum, que CARALHO é palavra usada por alguns (muitos) para expressar, definir, explicar ou enfatizar toda uma gama de sentimentos humanos e diversos estados de ânimo. Por exemplo “pra caralho” é usado para representar algo excessivo. Seja grande ou pequeno demais. Serve para referenciar realidades numéricas indefinidas (exº: "chove pra caralho"; "o Cristiano Ronaldo joga pra caralho"; "moras longe pra caralho"; "o ácaro é um animal pequeno pra caralho"; "esse filme é velho pra caralho").Por seu turno, quem nunca disse ou pelo menos não terá ouvido dizer para apreciar que uma coisa é boa ou lhe agrada: “isto é mesmo bom, caralho”. Por outro lado, se alguém fala de modo ininteligível poder-se-á ouvir: "não percebo um caralho do que dizes" e se A aborrece B, B dirá para A “vai pró caralho” e se alguma coisa não interessa: “isto não vale um caralho” e ainda se a forma de agir de uma pessoa causa admiração: "este gajo é do caralho" e até quando alguém encontra um amigo que há muito tempo não via “como vai essa vida, onde caralho te meteste?”. Para alguns, tal como no Norte de Portugal com a expressão popular de espanto, impaciência ou irritação “carago”, não há nada a que não se possa juntar um “caralho”, funcionando este como verdadeira muleta oratória. Assim, dizer para alguém “vai para o caralho” é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade “ai o caralho” ou simplesmente “caralho”, como parece ter sucedido na situação em apreço nestes autos. No primeiro caso a expressão será ofensiva, enquanto que, ao invés, no segundo caso a expressão é tão-só designativa de admiração, surpresa, espanto, impaciência, irritação ou indignação (cfr. Dicionários da Língua Portuguesa da Priberam e da Porto Editora 2010). (...) Será menos própria numa relação hierárquica, mas está dentro daquilo que vulgarmente se designa por “linguagem de caserna”, tal como no desporto existe a de “balneário”, em que expressões consideradas ordinárias e desrespeitosas noutros contextos, porque trocadas num âmbito restrito (dentro das instalações da GNR) e inter pares (o arguido não estava a falar com um oficial, subalterno, superior ou general, mas com um 2º Sargento, com quem tinha uma especial relação de proximidade e camaradagem) e são sinal de mera virilidade verbal. Como em outros meios, a linguagem castrense utilizada pelos membros das Forças Armadas e afins, tem por vezes significado ou peso específico diverso do mero coloquial.» Vá lá. Ainda há soldados.

LISBOA, MENINA E MOÇO

Um comentário a este post que relata um mero episódio do chico-espertismo em vigor, merece um post. Já agora, o que é que a oposição camarária diz disto?

«Penso que há aqui três questões distintas:

1) O subsídio do IEFP e a sua aplicação;
2) A contratação de uma pessoa com estas poucas qualificações para assessor com funções políticas;
3) O vencimento auferido por este assessor.

Só esse Pedro Gomes é responsável pela acumulação de subsídio e vencimento da CML, só ele deve responder por isso, não o Costa.

Neste ponto, quanto à CML, só uma nota: estranho que o Presidente da CML se disponha a pagar tanto por este colaborador sem lhe exigir exclusividade, quando paga tão pouco a tantos técnicos da CML e não os autoriza a acumular com outras funções a exercer fora de Lisboa nos tempos livres. Enfim, uma pequenina disparidade de critérios...

Quanto ao subsídio do IEFP nada tenho a dizer porque não sei mais. Não deixa de causar estranheza que o IEFP gaste tudo aquilo a criar 4 postos de trabalho numa área do mercado tão carente de concorrência como é a construção...

Quanto a 2), a contratação de pessoas sem qualificações para gabinetes de assessoria política, estamos perante uma prática corrente. O próprio Costa paga o mesmo desde 2007 ao coordenador do Núcleo do PS do Limoeiro, que desde então lá tem usado o seu dinheirinho a tirar um curso universitário de vão de escada (só me pergunto se também passou na cadeira de Inglês Técnico...).

Penso que esta contratação de gente sem qualificações técnicas (mas com muitas competências caciqueiras) diz mais sobre a falta de qualidade de quem contrata.

Terceiro e último ponto, 3), o vecimento auferido. As palavras escasseiam, claro. O que é que se pode dizer?...

Só para dar um termo de comparação: na CML, um técnico superior de 1.ª Classe colocado numa área como a da Gestão Urbanística (os tais que são regularmente vergastados como culpados da burocracia da CML, quando são é os primeiros a sofrer) ganha, líquidos, cerca de 1.200 Euros, para tentar dar andamento a cerca de 50 processos na secretária (quando não são 300, como no urbanismo comercial) ao mesmo tempo que tem de aturar os impropérios dos requerentes.

Para dar outro exemplo, um cantoneiro de limpeza, recebe pouco acima dos 600 Euros líquidos, para passar a noite a descarregar caixotes e a apanhar lixo da rua. Talvez este exemplo não seja justo: tanto o cantoneiro como estes assessores trabalham com o lixo, é verdade, mas o cantoneiro apanha, estes assessores mexem, remexem, e quando muito só o espalham mais.

Nota MUITO IMPORTANTE para os lisboetas que não sabem como funciona a CML: estes contratos têm de ser assinados pelo Presidente da CML. Todos os contratos de avença, TODOS. O António Costa não pode alegar desconhecimento. Ele está ao corrente disto a 100% - aliás, como é óbvio o Pedro Gomes não foi contratado para trabalhar na CML, mas no PS.»

17.11.10

«MAS AGORA QUE VAI DESCER A NOITE NA MINHA VIDA»


Um livro, na circunstância o ali à direita, leva a outro livro. De poesia. De Fernando Assis Pacheco. A um poema específico de Assis Pacheco. Há resmas de livros sobre poesia justamente quando, se calhar, nada se deve ou pode dizer acerca dela. Prado Coelho sugere que a poesia é feita para secar a emoção. Deste ponto de vista, sempre da cegueira para usar termos de Paul de Man, este poema é perfeito.

Triste de mim mais triste que a tristeza
triste como a mão que segura o copo
como a luz do farol esgaçando a névoa
triste como o cão manco
deixado na estrada pelos caçadores

triste como a sopa entretanto azeda
mais triste que a idiotia congénita
ou que a palavra ampola

triste de mim triste e perdido
entre duas ruas
uma que vai para o Norte outra para o Sul
e ambas cortadas aos peões
que não cooperam devidamente
(com este governo de merda é claro)

triste como uma puta alentejana
num bar de Ourense
que me viu à cerveja e lesta
me chamou compadre
vozes que a gente colecciona
a tarde triste os anos tristes

a grande costura da tristeza
do esterno ao baixo ventre

triste e já sem nenhum reparo
a fazer à metafísica
senão que é um défice
porventura do córtex cerebral

UMA DESGRAÇA


O candidato presidencial apoiado pelo BE e pelo PS desfez-se desta segunda parte e foi com a primeira apoiar uma manifestação de estudantes contra o governo suportado pelo PS. Este candidato, um miúdo que persiste em pregar pregos a si próprio, é o melhor objecto de ficção jamais criado pelo escritor que, consta, ele também é. Uma desgraça.

UNIDOS


Quem diria - os excelentíssimos assessores a recomendar o dr. Pacheco Pereira por causa do dr. Passos (e unidos contra o dr. Passos pelo que assim já têm duas coisas em comum: pela negativa, o dr. Passos, e pela positiva, o edil Costa de Lisboa) e de uma "história" da sra. D. Cabrita, uma grande ficcionista contemporânea com tanto direito a sê-lo como Moita Flores (que vai passar de Santarém para Sintra à conta da insustentável leveza da transumância partidária autárquica). É assim, pelas coisas pequeninas, rasteiras, que começam coisas verdadeiramente "patrióticas". Ou de como "um comboio pode esconder outro" num verso de Fernando Assis Pacheco.

Nota: Julgava que, depois de tantos posts, os leitores alfabetizados já tinham percebido que aqui não há vacas sagradas. Aliás, sou mais exigente, como compete, em relação a quem aprecio. E parece-me inequívoco que não aprecio os assessores nem nutro o menor desvelo pelo jornalismo da D. Cabrita. Ponto final.