13.11.10

ACABÁMOS POR CHEGAR A ISTO

«O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) instalou na Internet um site (de que os jornais se apressaram a dar o "endereço") para denúncias de "casos de corrupção e fraude" e, pior ainda, para os denunciantes seguirem passo a passo o resultado do seu honroso "trabalho" e, se necessário, acrescentarem um ou outro pormenor que faça falta. A dra. Cândida de Almeida, directora do DCIAP, explicou a posição oficial: o Ministério Público quer "interagir" com os facínoras que apontam o próximo à polícia para os tranquilizar sobre a eficácia do seu imprescindível civismo e para, eventualmente, lhes pedir ajuda. Antigamente, havia regimes que usavam "caixinhas" para a carta anónima. Hoje a Internet permite o mesmo anonimato e uma cooperação mais sofisticada. Qualquer cidadão que deteste a prima, a tia ou cunhada, ou que se queira livrar de um concorrente, pode com uma simples "visita" ao site da DCIAP meter a criatura num enorme sarilho, com a paternal protecção da autoridade. O que sucede às vítimas aparentemente não interessa ao Ministério Público. Elas, por assim dizer, que se arranjem. A dra. Cândida de Almeida sabe com certeza que a mais leve suspeita chega para arruinar uma reputação. E que uma reputação arruinada nunca ou quase nunca se recompõe. Mas não parece que esse pequeno facto a perturbe. Como certamente não a comove convidar os portugueses (principalmente, o funcionalismo e os trabalhadores do "sector empresarial do Estado") à baixeza sem nome da denúncia. É preciso que a noção de "serviço público" se tenha degradado a um ponto difícil de imaginar para que se ache natural - e até louvável - recorrer a métodos como o site da DCIAP. A dra. Cândida de Almeida responderá talvez que se limita a lutar contra a corrupção e a fraude, sem perceber que o seu site corrompe o carácter da cidadania e, em última análise, também ele indirectamente promove a fraude. Acabámos por chegar a isto.»


Vasco Pulido Valente, Público


Nota: Não dei por ninguém do insigne batalhão de comentadores - que a todas as horas de todos os dias e noites correm para as televisões para babar trivialidades e que, de repente, se transformaram em competentes especialistas em finanças públicas e governos patrióticos - falar nisto. Um deles até assina hoje uma crónica no mesmo jornal intitulada "as democracias devem estar armadas". E estão. Em parvas.

6 comentários:

Nuno Oliveira disse...

Talvez o VPV tenha alguma razao quando diz que chegamos a isto.
Quando os fiscais que fiscalizam em nome de todos nos sao os principais corruptos, tambem nao vejo grande vantagem em recorrer a estes meios anonimos. Acabara em nada como de costume e como tao bem diz o Medina Carreira.
A tentacao de ir pelos meios mais faceis ao mesmo tempo que se "demonstra" uma forte vontade de corrigir um mal e sempre grande.

Ja tenho escrito sobre um episodio da Missao Impossivel dos tempos do Martin Landau, onde perseguiam um sujeito que contrabandeava medicamentos falsos. Quando o sujeito e apanhado no final ri-se, dizendo que ira preso por 6 meses por contrabando. Ao que o Martin responde que ele ira preso por 30 anos... por fuga aos impostos...
A cultura Anglo-Saxonica mais rapida e pesadamente penaliza alguem que rouba a todos do que quem rouba a alguns.
Em Portugal, ate ha uns anos atras, todos que pudessem fugiam aos impostos.
Foi bonito de se ver Cavaco Silva a cobrar impostos a empresas que tinham prejuizos ha muitos anos e continuavam de portas abertas...

Moral da historia? Paga, como sempre, o justo pelo pecador!

Anónimo disse...

Mais uma vez VPV vem pôr o dedo numa ferida repugnante e, muito acertadamente, o autor questiona a "ausência" de referências por parte dessa nova moda vigente que é a constelação de comentadores, analistas, politólogos e o raio que os parta, não esquecendo, claro, a classe (ou falta dela) dos jornalistas(?).

José Domingos disse...

No tempo, da outra senhora, havia os bufos.
Agora, bufa-se pela net, é mais moderno, é o choque tecnológico.
Ou melhor, continuamos na mesma, um povo reles, ordinário, invejos, saloios, novos ricos, parecemos os ricalhaços do volfrâmio, enfim, uns merdas a armar ao fino.

Anónimo disse...

O Nuno Oliveira, acima, levou o caso para os impostos... Mas quanto a impostos, estamos conversados; benditos sejam os que lhes fogem! E ensinem a outros sem pôr em perigo as técnicas. Euro que não caia no Estado é Euro ganho para a sociedade.

Quanto à bufaria é mais uma pouca vergonha patrocinada pelos incompetentes que deveriam estar atentos (dou-lhes o benefício da dúvida de não os considerar corruptos, eles próprios)! Agora na web!

O meu vizinho abusador, que acha que pode ocupar o meu lugar de estacionamento quando está livre, a quem já chamei a atenção algumas vezes por me impossibilitar de utilizar o que é meu (sem grande delicadeza, confesso), vai rejubilar em me denunciar como perigoso corrupto... Irra!

PC

Anónimo disse...

Houve sempre quem dissesse, repetisse e redissesse que a burguesia portuguesa nunca esteve, não está, nem jamais estará à altura de nenhuma democracia por musculada que fosse. E tem razão. É uma questão de tempo.

Anónimo disse...

Eu estou-me cagando para o site embora compreenda as preocupações de quem o condena.
E não dá para ir lá e escrever umas quantas merdas, a ver se os tontinhos acabam com aquilo já amanhã?